Introdução
Com o crescimento da perspectiva de vida, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) aparecem como fundamental problema de saúde pública, especialmente pela crescente morbidade que provocam. Essas enfermidades podem gerar sérios níveis de inabilidade que atingem tanto o cotidiano de vida e o bem-estar da pessoa, quanto à economia do país. Estima-se que esse conjunto de doenças sejam responsáveis por 38 milhões de mortes anuais, sendo 75% delas em países de baixa e média renda, tais como o Brasil (World Health Organization [WHO], 2015).
Entre as DCNT associadas ao envelhecimento estão as demências, que se apontam como motivos cruciais de dificuldade funcional e da qualidade de vida do idoso (Nascimento e Figueredo, 2021). Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2012 cerca de 35 milhões de pessoas a nível mundial manifestavam algum nível de demência, de modo que este número será capaz de triplicar até 2050, alcançando mais de 115 milhões de pessoas, a prevalência maior de demência assentará em países de média e baixa renda, com aproximadamente 60% dos casos de demência (World Health Organization [WHO], 2015).
A demência está associada a velhice podendo ser definida como uma doença progressiva e lenta, caracterizada com alterações da memória e perda das funções cognitivas sendo está mais prevalente na população feminina, alguns fatores de riscos estão associados à demência que são pessoas com baixa renda familiar, sedentarismo, baixa escolaridade, hipertensão arterial, idade avançada, diabetes mellitus e baixo nível de vitamina D (Nascimento e Figueredo, 2021).
Essa doença pode torná-los inaptos e há necessidade de cuidados constantes, pois o declínio cognitivo afeta gravemente a qualidade de vida; havendo uma grande repercussão no meio familiar, pois, o cuidado com o indivíduo adoecido gera uma sobrecarga emocional muito grande para a família e o cuidador (Nascimento et al., 2016).
O crescimento das doenças neurodegenerativas está associado às alterações do processo saúde doença. Na área da saúde pública, a Estratégia Saúde da Família (ESF), um instrumento essencial da Atenção Primária a Saúde (APS), visa à assistência integral aos portadores de doenças crônicos degenerativas, pois executa ações de saúde coletivas e individuais que compreendem prevenções, intervenções de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da saúde (Oliveira et al., 2020). A ESF é o primeiro acesso da população aos serviços de saúde e o controle da sistematização do cuidado prestada pelo sistema único de saúde (SUS) (Pinto e Giovanella, 2018).
O enfermeiro como membro da equipe multiprofissional da ESF tem uma atribuição essencial no cuidado com a saúde do idoso que é consolidada através da consulta de enfermagem voltada para promoção da atenção desse grupo, onde, nesta consulta, inclui a avaliação multidimensional rápida e instrumentos complementares, caso haja necessidade, a solicitação de exames complementares e prescrição medicamentosa (Sousa e Santos, 2020).
O conhecimento científico acerca do cuidado prestado a idosos com demência em ILPIs poderá auxiliar no aperfeiçoamento da assistência prestada, considerando que essas instituições constituem um ambiente singular de cuidado, pois mesclam as características de residência com o cuidado em saúde, oferecendo crescente campo de atuação para os profissionais de enfermagem.
A criação de estratégias de cuidados que melhorem a assistência prestada e retardem a evolução da demência são cruciais para proporcionar maior qualidade de vida aos idosos com risco para a referida enfermidade e seus cuidadores, quer sejam familiares, quer institucionais.
O conhecimento sobre o cuidado prestado à pessoa idosa com demência pode contribuir para auxiliar no aperfeiçoamento da assitência à saúde e proporcionar maior qualidade de vida dessa população. Devido aos poucos estudos sobre os cuidados desenvolvidos pelos profissionais com os idosos dementes e sobre conhecer a assistência de enfermagem a esse público na atenção básica, essa pesquisa tem como objetivo analisar as práticas e a atuação do enfermeiro nos cuidados de enfermagem prestados aos pacientes demenciados na estratégia saúde da família.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal e analítico, realizado na APS de municípios pólos de Residência de Enfermagem de Família e Comunidade e Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). O estudo foi realizado com a população de enfermeiros da APS e enfermeiros residentes que atuavam nas equipes das Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios do norte de Minas Gerais: Montes Claros (158 equipes), Taiobeiras (15 equipes), Salinas (17 equipes), Pirapora (17 equipes), Janaúba (24 equipes), Porteirinha (17 equipes), Coração de Jesus (13 equipes) e Bocaiúva (13 equipes). No período de realização do estudo, estimou-se a população de aproximadamente 274 profissionais enfermeiros do quadro de funcionários desses municípios e de 122 residentes de enfermagem. O critério de inclusão utilizado foi ser profissional atuante na APS e como critério de exclusão estar em afastamento das atividades laborais e/ou em período de férias.
Para a coleta de dados foi aplicado o instrumento Atenção Sanitária às Demências: a visão da Atenção Básica na versão para enfermeiros. O instrumento original foi desenvolvido e aplicado em Dublin pelo Dementia Services Informationand Development Centre. Ele foi adaptado para o contexto brasileiro seguindo normas internacionais de adaptação transcultural e, para tanto, foram utilizadas as etapas de: tradução; síntese; retro tradução; revisão por um comitê de especialistas (juízes) e pré-teste (Costa et al., 2015). Para este estudo também foi utilizado um questionário que compreenderam características sociodemográficas, econômicas e profissionais. Utilizaram-se também questões relativas as práticas do enfermeiro no cuidado da pessoa idosa com demência (métodos de rastreio e diagnóstico).
A coleta de dados efetuou-se no período de março a outubro de 2018 por meio de visitas agendadas às Unidades Básicas de Saúde. Os profissionais foram identificados em seus setores de trabalho e convidados a participarem do estudo. Os profissionais que não estavam presentes no dia da visita receberam o questionário via e-mail.
Os dados foram organizados, tabulados e posteriormente codificados. Foram calculadas as frequências absolutas (n) e as frequências relativas (%).
O estudo foi realizado em concordância com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, sob o parecer n. 2.483.632.
Resultados
Participaram deste estudo 178 enfermeiros, sendo que 84,8% eram do sexo feminino, 59,0% viviam com companheiro, 82,5% possuíam renda de até 5 salários mínimos e com idade média de 33,36 anos (±5,90) (Tabela 1). Quanto ao tempo de formação, a média foi de 8,3 anos (±4,3) para os enfermeiros, sendo que 47,1% possuíam menos de cinco anos de formação e 69,7% estudaram em faculdade privada. Com relação ao nível de escolaridade, 54,2% fizeram especialização, 15,8% completaram residência e 4,6% concluiram o mestrado/doutorado. Em relação ao tempo de experiência na Equipe de Saúde da Familia (ESF), 52,2% dos enfermeiros trabalhavam a mais de 5 anos.
Nos últimos 12 meses, 57,1% dos profissionais atenderam aproximadamente entre 1 e 4 novos casos de demência na consulta de enfermagem. O número aproximado de consultas mensais para pacientes com demência é de até quatro (89,3%). Em relação ao acompanhamento do cuidador do paciente com demência 53,2% afirmaram realizá-lo nunca ou raramente.
Entre os enfermeiros, 80,3% relataram dificuldades para cuidar de pacientes com demências graves, devido considerarem os pacientes difíceis (30,1%), ausência de suporte especializado (59,5%) e demandas não solucionáveis na APS (37,1%), conforme demonstrado na tabela 2.
Com relação as funções essenciais que a equipe de enfermagem deve desenvolver com os pacientes em acompanhamento de demência na atenção básica, foram realizadas 82,6% de avaliação periódica do comprometimento cognitivo, 78,7% de avaliação periódica do comprometimento funcional, 69,7% de controle da(s) morbidade(s) apresentadas pelo paciente, 73,6% controle da prescrição farmacológica e acompanhamento terapêutico, 83,1% de avaliação de riscos no domicílio, 73,0% de realização de atividades de estimulação cognitiva e 91,6% de apoio às necessidades do cuidador e/ou da família (Tabela 3).
Discussão
A demência é conceituada como doença crônico-degenerativa e progressiva, caracterizada por um declínio cognitivo significativo, particularmente ao nível de funções mentais como a memória, pensamento, orientação, linguagem, cálculo e julgamento. Esta condição conduz usualmente à perda de autonomia e independência, com impacto significativo na vida de familiares e cuidadores (Prado & Jiménez-Huete, 2019). No âmbito da APS é onde ocorre o primeiro acesso da população caracterizada pela importância da assistência de enfermagem aos idosos com demência aplicando os cuidados juntamente com outros profissionais (Malta et al., 2020).
No presente estudo, a maioria dos enfermeiros relataram ter dificuldade em cuidar de pacientes com demência. Em estudo realizado por Costa et al. (2020), relatou que grande parte da equipe de saúde não diagnostica o subtipo de demência, preferindo encaminhar o paciente ao especialista; tem dificuldade em diferenciar os sinais e sintomas da demência do envelhecimento normal e da depressão geriátrica; relataram falta de tempo e pouca confiança ao emitir o diagnóstico. Motta et al. (2011), em pesquisa realizada em três municípios brasileiros, identificaram que profissionais enfermeiros e médicos relataram dificuldade não somente no diagnóstico, mas também nos cuidados e acompanhamento desses pacientes.
No estudo de Pedraza et al. (2018) foi constatado a prática incipiente dos profissionais enfermeiros frente às demências em idosos na APS, também foi avaliado que o atendimento não era realizado de forma sistematizada. Souza et al. (2022) apontam que o idoso requer uma agenda que garanta uma avaliação multidimensional, além da relacionada a consultas, exames, procedimentos, tratamentos médicos e prevenção, algumas pessoas procuram práticas alternativas, na perspectiva de um tratamento integral, de qualidade e humanizado. Apesar disso, esse mesmo estudo menciona o cuidado por parte da maioria dos profissionais de saúde como fragmentado, limitado e despreparado para lidar com uma pessoa idosa em processo de fragilização. As habilidades e atitudes da equipe ocupam espaço tão importante quanto o conhecimento científico na prática da enfermagem, devendo ser aprimoradas em consonância com as necessidades dos indivíduos atendidos (Siewert et al., 2020).
Nesta pesquisa, 59,5% dos profissionais relataram ausência de suporte especializado. Um estudo realizado por Goyanna et al. (2017) diz que a atenção direcionada a esse público e o domínio dos profissionais é falho, pois a compreensão sobre a doença e a prestação do atendimento é limitado. Eles ignoram as várias ações que os idosos podem desenvolver mesmo com a demência, e manter assim um envelhecimento saudável.
A ausência de qualificação profissional torna-se uma carga pesada para alguém adoecido e familiares desestabilizados, mantendo o paciente cada vez mais dependente da sua família e com sua inclusão social comprometida. Os estigmas são outro entrave observado, uma vez que eles afastam os pacientes da ressocialização, dificultando assim a chance de se tornarem independentes. Os estigmas, além de virem da sociedade porque não tem conhecimento e empatia para com os pacientes, eles surgem também pelos profissionais de saúde; esse comportamento discriminatório dificulta a formação do vínculo enfermeiro/paciente comprometendo a atuação adequada do profissional e distanciando o paciente (Sousa e Santos, 2020).
A capacitação em demência é importante para o aperfeiçoamento das competências no cuidado dos idosos e na aquisição de novos conhecimentos e novas informações. Estudos internacionais mostram que realizar capacitação em demência proporciona aos profissionais maior conhecimento sobre o assunto, com atitude positiva e resultado no cuidado frente a estes pacientes (Haydon et al., 2022). A falta de capacitação é considerada uma causa das dificuldades encontradas no manejo levando os idosos nesta fase mais grave da demência aos cuidados paliativos (Santos et al., 2016).
Os sintomas de demência podem variar desde uma pequena perda de memória a graves dificuldades na comunicação e na tomada de decisões lógicas e coerentes que tornam impossível realizar atividades diárias sem ajuda de terceiros (World Health Organization [WHO], 2015). Em geral, a demência está associada a uma deterioração gradual da cognição acompanhada de sintomas psicológicos, como por exemplo: depressão, ansiedade, delírio, alucinações; e alterações comportamentais, como: agitação, agressão, apatia (Prado & Jiménez-Huete, 2019). Em uma pesquisa realizada por Siewert et al. (2020), os sintomas psicológicos e comportamentais da demência, como agitação verbal/física, agressão verbal/física e a resistência ao cuidado, estavam presentes em 24,4% dos estudos compulsados. Diante desse quadro, as atividades de cognição e de memória realizadas com pessoas idosas com demência, pelos enfermeiros, são importantes tanto para melhorar a qualidade de vida desses pacientes como também para a avaliação e criação de novos planos de cuidado (Abrahão e Camacho, 2020). O que foi evidenciado durante a realização da pesquisa, em que a maior parte dos enfermeiros relata que realizam atividades de estimulação cognitivas com os pacientes que possuem suspeita de quadro demencial ou que já se encontram em tratamento.
Em relação ao quesito médico, possuem uma maior tendência a realizarem avaliação cognitiva, já os enfermeiros em realizarem avaliação funcional (Costa et al., 2020), o que se difere do presente estudo, onde tanto a avaliação cognitiva quanto a avaliação funcional são realizadas pelo enfermeiro em alta escala, sendo que, a avaliação cognitiva nesse estudo demonstra ser mais utilizada.
O controle de doenças crônicas em pacientes que realizam atendimento na APS com quadro demencial, e também a prescrição farmacológica e acompanhamento terapêutico é muito importante, porém, ficou em torno de 70%. Em estudo realizado por Santos et al. (2020), após a análise ajustada, os idosos com hipertensão apresentaram 168% maior chance de terem demência. A falha na cognição dificulta o ato de queixar-se, o que prejudica diretamente na adesão ao tratamento e ao entendimento terapêutico.
Dentre os enfermeiros entrevistados, mais da metade relataram realizar a avaliação dos riscos em domicílio, observando todo o contexto biopsicossocial desse paciente e os riscos que os mesmos podem ter como o risco de queda. O que se assemelha a apresentação dos dados coletados por Calvo et al. (2020) onde em média 48% dos estudos analisados trazem a queda como risco ao paciente idoso com quadro demencial. Isso se dá devido à perda da percepção, dificuldades encontradas no equilíbrio, locomoção e a orientação, além das dificuldades visuais, auditivas, efeitos colaterais de medicações entre outros.
Este estudo teve como limitações o número de recusas dos profissionais e os vieses de informação. Os resultados obtidos não possibilitam o estabelecimento de relações causais, devido a limitações do delineamento transversal. Ainda assim, os resultados desta investigação são importantes por serem oriundos de um levantamento pioneiro nos municípios do norte de Minas Gerais.
Conclusão
A pesquisa demonstrou que as práticas dos enfermeiros no que diz respeito à demência é insuficiente, principalmente ao diagnóstico precoce. O ensino prático direcionado à demência fornecido aos enfermeiros ainda é incipiente e exige aperfeiçoamento. Diante dos resultados do estudo, percebe-se a dificuldade em acompanhar esses pacientes, assim, se faz necessário, ações educativas práticas para qualificar os profissionais diante dessa demanda, e com isso facilitando o desenvolvimento das intervenções corretas para cada indivíduo.
Implicações para a prática clínica
O diagnóstico precoce das demências permite um melhor prognóstico da doença, por isso é necessário que ocorram intervenções educativas e o aperfeiçoamento de protocolos junto à equipe da atenção primária à saúde. O presente estudo poderá contribuir para estimular sensibilizações e reflexões sobre a vivência no processo de cuidado do idoso com demência na atenção primária à saúde, e implementar mudanças nas práticas exercidas através de capacitações que aperfeiçoe as práticas de cuidado, impactando na qualidade de vida dos idosos, cuidadores e familiares.