1.Introdução
As cidades possuem uma dinâmica de produção e transformação constantes, modificando a paisagem urbana e alterando os elementos que são responsáveis pela percepção dos usuários sobre o espaço em diversos momentos de sua evolução, conforme a evolução da sociedade que a compõe. Camara e Moscarelli (2019, p. 30) afirmam que “compreender essa dinâmica e seus resultados, emerge da necessidade de compreender a cidade e seus habitantes, e ainda, o resultado dessas transformações (...) visando a construção de espaços mais sustentáveis, equitativos e impactantes na qualidade de vida cidadã”. É através de um somatório de elementos importantes, como elementos naturais da paisagem, a ecologia, a história e cultura, o ambiente construído e a origem social (HARDT, 2000; GRIMM E REDMAN, 2004) que os processos de produção do espaço e as funções que esses locais oferecem aos cidadãos se tornam mais assertivas e precisos, com resultados projetuais adequado à realidade de cada sítio e a cultura de cada local ou região.
Na organização espacial do ambiente urbano as praças, os parques e os ambientes com predominância verde são considerados elementos de extrema importância, pois, além de sua função estética, ecológica e de respiro urbano, possuem forte relação entre a paisagem construída e a memória do indivíduo (HAESBAERT, 2007; HALBAWACHS, 2006; POLLACK, 1992; CAMARA E MOSCARELLI, 2019). Estes espaços são construídos e constituídos de elementos naturais (massa vegetal, presença hídrica, ecossistema), mas possuem conceitos afetivos, onde a percepção do usuário é importante pois leva em consideração sua afetividade com o lugar, a memorialidade que este possui e as relações entre o espaço e tempo (AMORIN FILHO, 1999; MACHADO, 1993; ROCHA, 2003; COSTA et al.,2011; RYAN, 2005).
Entendemos desta forma, que toda vez que um contexto material ou imaterial altera a paisagem, a paisagem é tomada pelo indivíduo, ou seja, acaba por introduzir no espaço novas funções, elementos e até mesmo valores pessoais (CAMARA E MOSCARELLI, 2019). O ambiente físico possui um arranjo de dimensões que são relativas não apenas as características físicas que o ambiente construído reflete, mas também a aspectos sociais. Destacamos como características físicas a (1) escala, (2) a inserção na malha urbana, (3) a infraestrutura, (4) a acessibilidade e mobilidade, (5) elementos específicos do sítio (topografia e a presença hídrica). Aos aspectos sociais, podemos entender como (1) as sensações, (2) as experiências vividas e a própria (3) base cultural de cada indivíduo. Acreditamos que ambas as dimensões de análise precisam ser consideradas quando estudados os ambientes urbanos.
O presente artigo parte da perspectiva de que, tais elementos combinados nos possibilitam compreender o coletivo, a forma de vida de uma população e criar sentido entre o espaço natural e a paisagem construída. A partir de leituras bibliográficas, entendemos que para análise da qualidade de vida e dos espaços urbanos, ainda necessitamos de avanços na construção de critérios multidisciplinares de avaliação. Essas análises são importantes a fim de se estabelecer parâmetros que possam ser incorporados aos processos e políticas de planejamento e desenvolvimento urbano.
Pretendemos com este trabalho, identificar a percepção e apropriação de usuários do Parque do Rio do Peixe, localizado em Videira, Santa Catarina, após sua criação física, com foco na análise qualitativa de elementos constituintes no parque, os quais são percebidos pelos usuários e geradores de afetividade, imagem, memória e o seu impacto na atratividade do Parque como espaço livre. Entendendo que as paisagens naturais e os espaços abertos de caráter público influenciam significativamente na paisagem urbana, no planejamento urbano e na qualidade de vida particular de cada local escolhemos este parque por ser o primeiro parque urbano em uma cidade com quase 60 mil habitantes, criado apenas no século XXI, ilustrando a carência de espaços verdes existentes em cidades contemporâneas e na distribuição de áreas verdes.
A relação entre a paisagem urbana e percepção ambiental
Etimologicamente, segundo Holzer (1999), landschaft é de origem alemã, medieval, e refere- se a um conceito campestre de território. Em países anglo-saxônicos ou germânicos está relacionada com o espaço geográfico, através da representação da palavra land, cujo significado é terra. A partir do renascimento, o termo passou a ser associado a pintura, ao sentimento e movimento da natureza (CAMARA, 2018; MASCARÓ, 2008; LUCHIARI, 2001), com a representação de paisagens e animais. A partir do século XVII, o termo se concretizou como espaço de lazer da população que fugia do ambiente citadino (MAGALHÃES, 2001), surgindo a presença do mar, da montanha e do deserto (CAMARA, 2018) enquanto a ciência arquitetava a dicotomia entre sociedade e natureza (LUCHIARI, 2001).
Somente em meados do século XIX e advindo de conceitos relacionados ao espaço geográfico e ao território, que o termo da paisagem urbana surge. Mascaró e Bonatto (2014) afirmam que neste século encerra-se a dicotomia entre a cidade e o campo, entre a vida inóspita e artificial das cidades e da natureza. Em 1925, influenciado por antropólogos e geógrafos, Carl Sauer publica o livro intitulado A Morfologia da Paisagem, onde determina que a geografia teria de compreender a “área” ou a paisagem, as quais para o autor eram a expressões com sentido aproximado. Para o autor, a paisagem associa-se “ao campo da geografia, porque é uma importante seção da realidade” (SAUER, 1998, p.15). Ainda segundo o autor:
A paisagem tem uma identidade que é baseada na constituição reconhecível, limites e relações genéricas com outras paisagens, que constituem um sistema geral. Sua estrutura e função são determinadas por formas integrantes e dependentes. A paisagem é considerada, portanto, em um certo sentido, como tendo uma qualidade orgânica. Além disso, “a paisagem não é simplesmente uma cena real vista por um observador. A paisagem geográfica é uma generalização derivada da observação de cenas individuais [...] O geógrafo pode descrever a paisagem individual como um tipo ou provavelmente uma variante de um tipo, mas ele tem sempre em mente o genérico e procede por comparação (ibid., p.23-24).
Os termos “geografia da paisagem” ou “ecologia da paisagem” tornavam-se comuns por pesquisadores, combinados com abordagens horizontais (espaciais) advindas da geografia e com abordagens verticais (funcionais) advindas dos ecologistas (CAMARA, 2018; NAVEH; LIBERMAN, 1994; MASCARÓ, 2008). O geógrafo alemão Troll (1971, apud NAVEH e LIBERMAN, 1994) definiu paisagem como uma “entidade visual e espacial total do espaço vivido pelo homem” e foi um dos pioneiros no uso do que hoje é expressão difundida: a ecologia das paisagens (MASCARÓ, 2008; NAVEH; LIBERMAN, 1994).
Muito embora estes conceitos venham a se cruzar em determinado momento, é importante destacar que paisagem e espaço não possuem o mesmo sentido pois a “a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas, mais a vida que os anima” (SANTOS, 1996, p.66).
Deste modo, podemos entender que a paisagem urbana nada mais é que a transformação pelo homem de um ambiente natural (paisagem) que se torna uma paisagem construída ou, da mesma forma, uma paisagem urbana - com elementos naturais e com elementos construídos constantemente sendo modificados pela sociedade. A paisagem não reside apenas no objeto (ambiente físico - o meio ambiente) e tampouco somente no sujeito (homem), mas na interação, complexa, entre ambos (BERQUE, 1994) que torna a dinâmica constante no seu processo de transformação de um território.
Em meados do século XX, autores como Kevin Lynch e Gordon Cullen ampliam os estudos de percepção da paisagem, relacionados ao urbanismo. Os resultados mais expressivos giram em torno da estrutura formal das cidades, da eficiência do sistema viário, da formação de áreas residenciais e do avanço das edificações sobre as áreas verdes. Deste modo, a paisagem urbana passa a ser compreendida a partir de uma formação espacial submetida aos valores e princípios intrínsecos à sociedade a qual está inclusa (CAMARA, 2018), onde o atual convive com a decadência e o futuro, com a antiguidade (PEIXOTO, 2004).
Embora a paisagem urbana seja decorrente de uma subjetividade (CLAVAL, 2004), ela deve ser compreendida e estudada considerando o olhar do ser humano sobre o espaço, que, se modifica de acordo com a vivência ou cultura de cada pessoa e onde, através das imagens que se formam, as quais adquirem significados diferente para quem as capta, resultam em sensações positivas ou negativas (ROCHA, 2003; TUAN, 1980). Del Rio e Oliveira (1996), confirmam esta afirmativa quando define a percepção como um processo particular (mental) de comunicação que se ocorre entre o indivíduo e o meio ambiente (natureza) e isso ocorre através de recursos perceptivos e cognitivos. Os mecanismos perceptivos são dirigidos pelos estímulos externos enquanto os cognitivos contam com a inteligência humana.
Em outras palavras, a percepção são fases distintas do qual a parte sensorial e a memória atribuem significados (OLIVEIRA, 1983), tendo como condição necessária a proximidade do sujeito com o objeto e, embora perceba o mundo através de todos os sentidos, é a visão que organiza o espaço na mente (PENNA, 1968; TUAN, 1980-2005; KOHLSDORF, 1996). Assim, o estudo da percepção ambiental se torna importante para que possamos compreender as inter-relações entre o homem e a natureza, as suas expectativas, gostos e desgostos, valores e preferências na forma de apropriação (CAMARA, 2018). Melo et al., (2017, p.110) afirmam que:
A percepção surge como um fator fundamental na formação das paisagens, pois estas se revelam diferentemente a cada observador. A percepção é um fator fundamental para a avaliação da relação do homem com o espaço onde ele vive e como ele visualiza o mundo externo. O estudo da percepção vem auxiliando na compreensão da relação homem/natureza, homem/ambiente construído, no processo de gestão e planejamento participativo em diversos lugares.
Outros autores estudaram ainda a percepção dos espaços urbanos como campos que podem determinar sentimentos, ideias, imaginários, necessidades, expectativas e interpretações da sociedade sobre a realidade urbana e dos acontecimentos cotidianos (MACHADO, 1993; ROCHA, 2003). O campo da percepção ambiental possui ainda diferentes disciplinas vertentes que estudam a mesma temática, como é o caso da psicologia ambiental. Cada linhagem é abordada por estudiosos de acordo com sua bagagem acadêmica e profissional. O tema de psicologia dos ambientes tem sido recentemente incorporado a arquitetura e urbanismo, com o objetivo de compreender a inter-relação entre o homem e o meio ambiente físico e social e os resultados de uma massificação da arquitetura e das transformações civis e sociais das últimas décadas.
Neste contexto o ambiente, com a presença ou a ausência de elementos, expressa determinados comportamentos e sentimentos em um indivíduo ou em um grupo de indivíduos. Essa relação homem-ambiente é dinâmica, podendo influenciar o ser humano a moldar determinado espaço a partir das suas percepções, ao mesmo tempo que este espaço influencia no comportamento do ser (MOSER, 1998; SILVA, 2020). O conceito de “topofilia” foi criado na década de 1980 por Tuan o qual aborda exatamente a relação do homem com o meio e as respostas sentimentais, afetivas sejam elas estéticas ou táteis que diferem profundamente na intensidade ou modo de expressão.
A psicologia ambiental está associada a qualidade de vida das pessoas, em que se analisa como as condições ambientais afetam a capacidade cognitiva, social e física dos indivíduos em relação ao espaço urbano, contribuindo desta forma com a observação das percepções e interpretações do ser humano com o lugar. Cada indivíduo possui diferentes percepções, avaliações e respostas em relação ao local, respostas que podem ser físicas ou sociais, mas que permitem analisar os efeitos do ambiente sobre a conduta humana, seja de reciprocidade ou repulsividade (MOSER, 1998; SILVA, 2020).
Compreender a relação do ser humano com o seu espaço é entender a importância e a maneira de como ambos serão afetados, conforme Moser (1998, p. 122) “(...) a especificidade da psicologia ambiental é a de analisar como o indivíduo avalia e percebe o ambiente e, ao mesmo tempo, como ele está sendo influenciado por esse mesmo ambiente”. É importante destacar que, embora as vivências e experiências do indivíduo influenciem em sua maneira de perceber, o ambiente também possui poder de influenciar e modificar essa percepção, através de quebras paradigmáticas e educação ambiental.
Todas as pessoas, em determinado momento da vida, já estiveram presentes em lugares que despertaram sensações agradáveis e não agradáveis conforme o lugar, a disposição dos elementos, as regras, as cores, os detalhes, onde é o ambiente em geral que ocasiona essa influência. Estudos levam em consideração como o ser humano atua com o espaço onde se encontra, como se sente, como intervém para moldar o lugar ligado ao seu bem-estar, ao mesmo tempo que o indivíduo também pode ser moldado pelo ambiente (VALENTE, 2020).
O estudo da psicologia ambiental é responsável e contribui com uma análise mais holística sobre a melhoria do espaço construído e do planejamento urbano, beneficiando assim, a sociedade em geral e como as pessoas convivem com o ambiente ao qual residem ou circulam, pois é indivíduo o centro deste espaço (SANTOS E CHALHUB, 2012). Na arquitetura e no urbanismo, existe a necessidade de conhecer a história dos lugares pois o passado possui grande relevância prática e emocional nas pessoas (LYNCH, 1960), e o desenho da arquitetura ou da cidade possui relação direta com comportamento e percepção dos usuários sobre o espaço construído. A percepção do espaço também está relacionada com os métodos aos quais os indivíduos atribuem um significado para o lugar. Em contrapartida, a percepção do espaço urbano resulta da integração e ordenação de uma estrutura compreensível da paisagem urbana (GOYA, 1992) e nas modificações ou formas de planejar necessárias conforme a sociedade se transforma socialmente.
Na busca por entender a percepção das cidades pelos usuários, Lynch identificou os principais elementos de estruturação/legibilidade utilizado pelo ser humano no reconhecimento das cidades. Alguns elementos, apesar de semelhantes, locados em contextos diferentes, também podem adquirir significados diferentes. Além disso, a relação com o entorno é fundamental neste entendimento, de forma que nada pode ser experimentado individualmente. Outro fator importante é que a percepção ocorre aos poucos, portanto, o tempo é essencial no processo de reconhecimento.
A imagem do espaço urbano pode ser analisada em três principias componentes: (1) a identidade, (2) a estrutura e (3) o significado. A identidade é caracterizada como algo individual ou particular do espaço em questão, seguido disso a estrutura está associada com o que o observador percebe em relação ao destaque com os outros objetos e, de forma conclusiva o significado, podendo ser prático ou emocional, que o observador apresenta em relação ao espaço ou aos elementos que compõem o lugar (LYNCH, 1960).
De maneira geral, percebemos nos estudos desenvolvidos no decorrer da experiência acadêmica e profissional dos autores que as cidades se tornam agradáveis quando possuem contato direto com a natureza e com os elementos naturais, com a diversidade de usos nos espaços públicos, com a massa vegetal e com elementos que remetam a história ou cultura local. No caso de praças e parques, elementos sociais e públicos importantes das cidades do século XXI, a predominância dos elementos naturais destinados à recreação das pessoas, capazes de incorporar ambientes de conservação e memória (KLIAS, 1993; MACEDO E SAKATA, 2003), se conservados e preservados, proporcionam a satisfação física e psicológica das pessoas, são lugares de lazer, socialização, redução de estresse e valorização estética no desenho urbano (TARDIN, 2008; BARGOS E MATIAS, 2011; GALENDER, 1992; CHIESURA, 2004;CVEJIC et al., 2015; TZOULAS et al., 2007; ALBERTI, 2005), além de importantes respiros em meio a urbanização.
A percepção dos indivíduos com os lugares, possibilitam entender a ideia da paisagem urbana como categoria descritiva, mas também enquanto discurso da imagem, construindo-se e sendo constitutiva da memória, cujos limites cognitivos são orientados pela experiência (MELO et al., 2017, p.112) e permitindo planejamento assertivo e ordenado. Este processo, segundo Oliveira (1983), constitui-se de fases distintas do qual a percepção faz parte (sensorial), assim como a seleção (memória), e pôr fim a atribuição de significados (raciocínio). Nas cidades atuais, os ambientes que geram bem-estar a um indivíduo, incluindo suas atitudes em relação ao lugar, somente pode ser vista e descrita através de evidências diárias e do caráter das circunstâncias físicas onde ocorrem.
Deste modo, nesta pesquisa, é através da paisagem urbana e do ambiente construído que acontecimentos são percebidos e geram emoções e símbolos para um local definido: o Parque do Rio do Peixe, inaugurado em meados dos anos de 2014. Estudar e conhecer essas sensações geradas no usuário é importante para nortear futuros projetos ou mesmo manter a atratividade do Parque como um elemento de socialização, lazer e qualidade de vida. Sabemos que, em muitos casos os projetos são pensados apenas baseado na percepção e experiência do corpo técnico que o produz, não considerando o usuário e visitante como agente da transformação.
Método
A metodologia de abordagem deste trabalho é de caráter qualitativo e os resultados dependem de como os habitantes e usuários percebem o Parque do Rio do Peixe. Esta pesquisa não objetiva a representatividade numérica ou a comparação de resultados, mas, a compreensão dos elementos existentes no espaço e as sensações geradas no usuário, através de informações coletadas (TUAN, 1980) em um espaço contemporâneo, o primeiro projeto implantado em uma cidade com quase 60 mil habitantes e com mais de 75 anos de emancipação.
Esta análise objetiva caracterizar a qualidade do Parque e compreender quais experiências são sentidas (afetividade, imagem, memoria, identificação) e os elementos físicos existentes que são vistos como importantes pelos usuários a fim de, em pesquisas futuras, poder cruzar com novos dados de possíveis expansões do parque ou a partir da criação de novos espaços em cidades semelhantes. Ainda, limitamos esta pesquisa a um metódo de análise que será, em pesquisas futuras, cruzado com outros estudos anteriormente desenvolvidos e com metodologias diferentes, sobre um mesmo objeto de estudo: os espaços públicos (LIMA E CAMARA, 2021; CAMARA et al., 2022; CAMARA, 2021; CAMARA, 2018; CAMARA E MOSCARELLI, 2019).
Através de visitas in-loco no Parque, entrevistou-se 150 pessoas em diferentes pontos e trajetos, conforme descritos abaixo. As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e abril de 2021, seguindo os protocolos de segurança para o COVID-19. Os dias visitados foram segundas e terças-feiras (início da semana) e aos sábados e domingos (finais de semana), intercalando os turnos da manhã, tarde e noite, visando amostragens de públicos diferentes. Contudo, as fotografias apresentadas são apenas diurnas, para melhor visualização e percepção dos espaços identificados.
Os métodos utilizados tiveram embasamento em autores como Whyte (1977) e Sartori (2004), que sugerem o triangulo metodológico formado pela tríade (1) observando, (2) perguntando e, (3) registando. Como forma de fortificar estes métodos, utilizamos autores que abordam a qualidade da vida pública como Cullen (2006) com a análise de percursos (visão ótica, visão local e conteúdo), Lynch (2012), através da análise de dimensões (vitalidade, sentido, adequação, acessos e controle, Gehl e Svarre (2013) envolvendo a contagem, mapeamento, rastreamento, sombreamento, traços, imagens, diários e passeios teste e Camara (2018) com percursos pré-definidos, questionários livres e registros mapeados e fotográficos.
De posse dos resultados das observações, foram realizadas entrevistas não estruturadas onde os usuários mostram fotografias e relatam as sensações, o que viram e chamou atenção, os pontos positivos e pontos negativos que identificaram. As entrevistas foram gravadas com o uso de smartphones e elaborados diários que estruturaram o resultado das percepções, posteriormente catalogando em planilhas de Excel.
Através deste levantamento foi possível apurar ainda a percepção dos usuários quanto ao estado de qualidade e conservação do espaço público, em relação ao estado existente no local antes da elaboração e implantação do Parque, permitindo compreender a importância dos espaços públicos na qualidade de vida urbana e vislumbrando perspectivas de conservação e manutenção para o futuro próximo e novos projetos de caráter social e com características de sua morfologia predominantemente verde.
4.Apresentação do objeto de estudo
É percetível como as pequenas e médias cidades têm sido alvo e tema de estudos contemporâneos sobre o urbanismo, visto a decadência de pesquisas sobre sua evolução e dinâmica de transformação do território. A sociedade científica tem percebido que precisamos qualificar não apenas as metrópoles ou grandes cidades, mas as pequenas cidades, as quais possuem alto índice de regeneração urbana oriundos do não planejamento da cidade pós-moderna, ou pós-industrial.
O município de Videira está localizado no Meio-Oeste do estado de Santa Catarina, no Alto Vale do Rio do Peixe (Figura 01) em uma região que até 100 anos atrás era habitada apenas por pequenos produtores rurais, e com predomínio de matas fechadas e muita vegetação nativa. Seu território compreende uma área de 384,167 km² e possui população estimada de 52.510 habitantes (IBGE, 2018), mas com possibilidade de atingir 60 mil habitantes nos próximos 10 anos. No índice de desenvolvimento humano, que mede parâmetros de educação, renda e longevidade, o município apresenta índice de 0,764 (IBGE, 2010), ocupando a 63ª colocação em nível estadual.
A cidade de Videira é integrante da região do antigo Vale do Contestado, atual Vale do Imigrante, onde é possível encontrar muita história, cultura e lazer em meio à natureza (SANTA CATARINA, 2019), sendo uma das cidades palco da Guerra do Contestado, que ocorreu entre os anos de 1912 a 1916, matando milhares de camponeses e transformando significativamente a cultura local. A malha urbana possui forte presença de elementos naturais (massa vegetal e recursos hídricos), com forte arborização nas vias públicas, áreas de preservação permanente em meio a malha urbana (oriundas da elevada topografia) e a presença do Rio do Peixe, que é um eixo importante no centro do desenho do município. Contudo, carece de áreas de lazer, como praças e parques e é deficitária na divisão igualitária destes locais na malha urbana (Figura 02 a-b). A presença de massa vegetal é predominantemente natural, possuindo apenas um parque urbano atualmente, disponível para a população.
Uma deficiência preocupante ao planejamento urbano é a ausência de registros oficiais do município acerca das áreas de lazer existentes, ficando mapeados apenas as praças e parques mais antigos, como a Cidade da Criança (parque criado em meados dos anos 2000, localizado na área periférica), Praça Nereu Ramos (localizado na área central, implantado em meados de 1940) e Parque Linear Rio do Peixe (localizado na área central e implantado aproximadamente no ano de 2014).
O foco deste estudo se concentra no Parque Linear Rio do Peixe, o qual está localizado na encosta do Rio do Peixe e foi o projeto mais recente de revitalização urbana (Figura 3 a-b). Este sítio foi escolhido devido à centralidade na malha urbana em relação as demais áreas existentes além de ser a única área disponível para uso comunitário. O Parque da Criança, citado acima, é fechado ao público em diversos horários, possui cercamento e está em processo de revitalização.
Com aproximadamente 40 mil m2 de área e 120m lineares de extensão, o Parque Linear Rio do Peixe está inserido na área central da malha urbana de Videira e está envolto por grande diversidade de usos e formas de ocupação do solo urbano. O parque possui integração direta com a cidade, com destaque para alguns de seus principais elementos: o anfiteatro, as quadras poliesportivas, a Estação e a linha Ferroviária e o marco inicial da urbanização de Videira. O Parque está paralelo ao Rio do Peixe, rio este que percorre o estado de Santa Catarina, iniciando na cidade de Calmon e com área territorial de 5.238km2 (SANTA CATARINA, 2020).
5.Apresentação e discussão dos resultados
A aplicação de entrevistas, nos permitiu resultados abertos e sem indução as respostas dos usuários. Em pesquisas anteriores (LIMA E CAMARA, 2021; CAMARA E MOSCARELLI, 2019; CAMARA, 2018, desenvolvemos um questionário padrão, com perguntas pré-definidas e percebemos que tal método limitava as respostas dos entrevistados, e em pesquisas mapeadas (CAMARA, 2018; CAMARA E MOSCARELLI, 2019) dependiam muito da disposição dos entrevistados. Entretanto, pesquisas deste caráter dependem da disposição dos entrevistados em responder com consciência e com a responsabilidade que os resultados geram, podendo ser base para grandes mudanças de planejamento dos espaços, quando os sados são utilizados pelo poder público.
Foram feitas visitas in-loco no Parque pelos pesquisadores e entrevistaram-se 150 pessoas (de diferentes faixas etárias, classes sociais e gênero) em diferentes pontos e trajetos, conforme descritos nas tabelas apresentadas a seguir. As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e abril de 2021, seguindo os protocolos de segurança para o COVID-19. Os dias visitados foram segundas e terças-feiras (início da semana) e aos sábados e domingos (finais de semana), intercalando os turnos da manhã, tarde e noite, visando amostragens de públicos diferentes. Contudo, as fotografias apresentadas são apenas diurnas, para melhor visualização e percepção dos espaços identificados.
As tabelas abaixo, representam as categorias mais analisadas que envolvem os elementos observados e as sensações relatadas pelos usuários durante a realização do estudo. Separamos os itens por: (1) mobiliários urbanos, (2) equipamentos urbanos e, (3) arborização/vegetação, entendendo como os principais elementos de destaque pelo usuário e também da composição de infraestrutura do parque.
É importante destacar ainda, que os aspectos formais são apenas uma leitura física das características do objeto de análise, enquanto as características que geram sensações foram
observadas e descritas pelos entrevistados, sendo registradas pelos autores em um diário com levantamentos fotográficos, mapas mentais e gravações de áudio - autorizadas pelos voluntários sem divulgação de seus nomes, profissões, informações pessoais ou reprodução. Os resultados estão apresentados abaixo.
A tabela 01 apresenta os principais resultados do compêndio de respostas sobre o mobiliário urbano existente. Os entrevistados possuíam idades variadas, desde crianças, jovens, adultos e idosos, e não foram questionadas as classes sociais evitando constrangimentos ou resultados subjetivos. Também não foram solicitados dados como sexo/gênero, idade exata ou nome e local de moradia. Entendemos que, os dados eram relevantes sobre as sensações e sentimentos em relação ao espaço naquele momento único ou na vivência que possuía com o parque do seu uso ocasional ou frequente.
Em pesquisas anteriores, desenvolvemos o mesmo método com fotografias e percursos préviamente definidos, contudo, percebemos que as respostas eram mais superficiais que, aos usuários que estão presentes no espaço estudado (CAMARA, 2018; CAMARA E MOSCARELLI, 2019). Ainda, os percursos pré-definidos podem ser mais relevantes em espaços públicos maiores - com mais de 3 hectáres de área, evitando tornar-se cansativo e desmotivador ao voluntário. Por outro lado, limitam os pontos de circulação, minimizando as possibilidades de resultados alternativos e descobertas não previstas pelos pesquisadores.
No item de mobiliário, temos predominância geral das respostas sobre os elementos estarem em boas condições físicas, entretanto carentes de manutenção - as quais, no espaço de estudo são de responsabilidade exclusiva do município. Compreendendo o processo de execução e instalação do projeto, que ocorreu em meados de 2012, após passados quase 8 anos, essa percepção do voluntário é um reflexo da necessidade de manutenção constante dos espaços, os quais entendemos que deveriam ser realizados em períodos que compreenderiam 5 anos.
O mobiliário urbano está constantemente sofrendo ações do tempo e de intempéries e necessita de manutenção em menor espaço de tempo que outros elementos, como calçadas, decks, pergolados ou a poda de arborização de maior porte. Entretanto, em nossos estudos percebemos que não é um caso isolado do Parque do Rio do Peixe e sim dos espaços públicos em geral, sejam eles brasileiros ou estrangeiros desde que mantidos e subsidiados pelos poderes públicos locais.
Independente de atitudes públicas de manutenção e conservação, a percepção dos usuários nos leva a afirmar que qualidade está diretamente relacionado com a estética (visual), limpeza e preservação do mobiliário ou ainda, com a distribuição adequada e suficiente de itens como lixeiras, iluminação e espaços de descanso e contemplação, como bancos, pergolados, mesas ou itens similares.
As imagens e observações da tabela 02 nos mostram que os equipamentos estão em boas condições físicas e de manutenção, contando apenas com pequenos desgastes da ação do tempo, comuns em edificações com mais de 5 anos. Os usuários destacam a necessidade de criar um percurso na ciclorrota pois, ela termina sem um local de retorno (imagem acima). Podemos comparar a orla do Guaíba (Porto Alegre) ou a orla da Lagoa da Pampulha (Belo Horizonte), que oferecem ao usuário um percurso definido e com uma paisagem agradável e com a presença hidrográfica. Pesquisas anteriores, utilizaram o questionário livre sobre como os espaços públicos de massa verde poderiam ser utilizados e através da escala Likert e comprovaram que a manutenção apresentou maior tendência positiva dos usuários para a qualidade e usabilidade dos espaços (LIMA, CAMARA, 2021).
Os demais espaços (quadras, anfiteatro e edificações internas no Parque), foram sinalizados pelos voluntários entrevistados como ambientes agradáveis e suficientes às necessidades de uso e satisfação. O anfiteatro foi o elemento de maior citação e destaque, visto que possui em sua forma a aparência de uma árvore. Percebemos que a diversidade de equipamentos torna o local atrativo e convidativo a diversas idades: a academia é mais utilizada por adultos e idosos, as quadras esportivas por jovens, as áreas de caminhada e ciclorrota por crianças, jovens e adultos.
Em pesquisas semelhantes, desenvolvidas entre os anos de 2016 e 2021, validamos a importância da diversidade de usos nos espaços de lazer. Foram pesquisados parques e praças (com predomínimo de arborização) localizados em diferentes estados brasileiros e constatado que o “somatório de características gerais” (CAMARA, 2021) e a maior diversidade de opções de usabilidade (CAMARA, 2018) tornam os locais atrativos a uma maior quantia de pessoas e variedade de faixas etárias, proporcionando “vitalidade pela presença de pessoas circulando” em diferentes horários e dias (CAMARA E MOSCARELLI, 2019).
No Brasil, não é mérito das grandes cidades a deficiência de segurança pública, outro ponto fortemente destacado e validado através da escala de Likert (LIMA; CAMARA, 2021). A presença do corpo de bombeiros, com duas edificações (uma localizada a sul e outra a norte do parque) e a circulação de pessoas constantemente, tornou vital para que os usuários evitem a depredação dos mobiliários e equipamentos. Não somente na manutenção pública, mas a vitalidade e usabilidade do parque torna os próprios usuários como “olhos da segurança”, uma vez que pessoas observam pessoas (CAMARA E MOSCARELLI, 2019).
Na categoria de arborização e forrações, o Parque é muito admirado pelos usuários. Estes destacam que os gramados estão sempre em bom estado e com manutenção constante de poda e corte. As árvores são de porte alto e raramente geram sensação de insegurança, principalmente no período noturno, não gerando sujeira ou excesso na queda de flores, folhas ou frutos. Conforme era previsto, pois foi o tópico de grande destaque em pesquisas realizadas por Lemos et al., (2021), Lima e Camara (2021), Camara (2018), Camara e Moscarelli (2019) e Camara et al., (2022) a arborização é o elemento mais atrativo aos usuários em espaços públicos de diferentes locais do Brasil, pois auxiliam no microclima, na estética urbana e auxiliam como “respiros urbanos” em meio ao processo de urbanização (CAMARA E MOSCARELLI, 2019; LIMA E CAMARA, 2021).
Outro ponto muito notório nos resultados são a diversidade de espécies que formam composições estéticas agradáveis ao usuário do Parque, com gramados e vegetação rasteira, áreas de seixo com permeabilidade e calçamentos planos e sempre limpos e conservados. Ainda, são diversas as formas de forração verde existentes, entre a grama convencional, grama amendoim e áreas com pequenos arbustos folhosos.
Embora de maneira simples, seguindo o padrão predominante brasileiro (piso intertravado de concreto e pisos podotátil e direcional para acessibilidade), os passeios e áreas de pisos concretados são bem divididos e setorizados, estando sempre limpos e bem conservados. Reforçamos que, alguns entrevistados citaram que o espaço é bem cuidado pelo município e é a população que, na maioria das vezes deixa a desejar no cuidado e limpeza.
Embora o Parque Linear do Rio do Peixe esteja setorizado em área central e possua considerável extensão e arborização, atualmente o índice de 4,88m² de área verde por habitante, ainda é um número pouco expressivo para a cidade de Videira a qual possui 14 unidades - divididas em três categorias, sendo elas: parque, praça e canteiro. Deste valor, 4,48m²/hab., ou seja, 91,75% é área de parques sendo somatório de 4 unidades existentes no município (CAMARA et al., 2022).
Por fim, é notório que os espaços públicos, arborizados e com predôminio de usos destinados ao esporte e lazer são uma necessidade da sociedade contemporânea atual para minimizar os efeitos ocasionados pela urbanização e mitigar os efeitos de gases estufas que são lançados diariamente no nosso ecossistema. Compreender os valores e signos para os usuários é tema relavante para que os investimentos públicos sejam corretamente direcionados, evitando espaços mal distribuídos territorialmente ou sem valores identirários para a comunidade na qual será implantado.
6.Conclusões
Os espaços públicos com predomínio verde estão cada mais em discussão nos trabalhos acadêmicos e nos processos de planejamento urbano pois são uma necessidade fundamental das cidades do século XXI. O crescimento acelerado, a grande massificação da arquitetura e a falta de tempo para lazer, tornam praças e parques respiros em meio a urbanização e são fortes indutores da melhoria estética das cidades. Estes espaços, quando preservados e com manutenção constante são utilizados para ponto de encontro e socialização da população e muitas vezes equipamentos de preservação histórica ou de preservação ambiental de um determinado sítio.
Entretanto, praças e parques são equipamentos urbanos mantidos pelas prefeituras municipais, na quase totalidade dos casos, e é compreensível que o olhar a estes locais seja deixado de lado por governanças menos atualizadas das necessidades de uma população, principalmente quando falamos em pequenas cidades. A comparação que fazemos aqui, diz respeito a olhares para necessidades mais imediatas, como saúde, educação e melhoria na economia urbana. Mas, o que nem sempre nossos governantes compreendem é que espaços para socialização e qualidade de vida das pessoas ameniza diversos outros problemas, incluindo a saúde pública.
No desenvolver dessa e de outras pesquisas anteriores, percebemos que a própria população não compreende, muitas vezes, a importância de áreas de lazer e com predomínio de massa vegetal e hidrográfica para a saúde pública e para mitigação dos problemas que são oriundos da urbanização. As respostas apontam fortes indícios de olhares voltados a estética dos espaços, a qualidade dos mobiliários, a percepção momentânea do usuário e poucas vezes ao coletivo, como espaço de socialização, de embelezamento urbano e de auxílio a limpeza natural de uma cidade, que é possível através da permeabilidade do solo e da vegetação como meio de limpeza do ar e minimização dos gases de efeito estufa.
Compreendemos que pesquisa apresenta um, de tantos métodos que podem ser utilizados para compreensão da qualidade urbana sob ótica dos espaços públicos de lazer e os quais testamos em diferentes pesquisas para uma abordagem mais acertiva. Os métodos utilizados e a forma de avaliação da população é importante para melhoria no planejamento urbano, mas não deve ser o único método utilizado no levantamento de informações sobre uma determinada área urbana.
Outros fatores precisam ser levados em ponderação ao analisar o espaço urbano e unidas a dados quantitativos, podemos obter resultados mais precisos e satisfatórios de acordo com a cultura urbana de cada sítio seus habitantes. O que é notório e era esperado desta pesquisa - visto os resultados anteriores, em pesquisas passadas - é a preferência por áreas verdes, arborizadas ou gramadas, por áreas coloridas e com apelos estéticos, históricos ou culturais e com a sensação de segurança e higiene destes espaços. A manutenção também é percebida, de maneira que proporciona a sensação de cuidado com o meio e a leitura de um espaço atrativo e agradável para socialização, utilização de equipamentos esportivos ou simplesmente contemplação.