Introdução
A interferência dos fatores físico-espaciais de uma localidade (topografia, revestimentos de solo, desenho urbano) na modificação do comportamento dos elementos atmosféricos ocasiona o fenômeno denominado como clima urbano, entendido como um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização (Monteiro, 1976).
As principais diferenças entre o clima urbano e o clima natural de um entorno não urbanizado referem-se ao aumento da temperatura do ar e à redução da velocidade dos ventos, no nível da rua (escala microclimática), causadas pelas alterações no balanço de radiação, pela troca de calor por convecção entre o solo e os edifícios e pela geração de calor no interior da estrutura urbana (Givoni, 1998). Estas mudanças podem afetar diretamente as condições de conforto ambiental, o uso dos espaços construídos, o consumo energético nas edificações e, também, os aspectos relativos à saúde humana nas cidades.
Neste sentido, tem sido destacada a importância da adequação climática de conjuntos edificados urbanos, a partir do uso de estratégias bioclimáticas que potencializam a adoção de recursos naturais para a climatização e, consequentemente, contribuem para a melhoria da qualidade ambiental urbana (Chatzidimitriou & Yannas, 2015; Edussuriya et al., 2011; Higueras, 2006; Middel et al., 2014).
Essas constatações tangenciam o debate teórico sobre os impactos e benefícios do adensamento urbano. É importante destacar que a densidade construtiva de uma cidade apresenta significativa influência nas condições ambientais locais, como na qualidade do ar, na capacidade de locomoção de uma população e acesso a espaços verdes, e consequentemente, apresenta interferência na qualidade de vida dos residentes urbanos. Por isso, pesquisas baseadas na abordagem da sustentabilidade urbana têm apontado para necessidade de estabelecimento de uma maior densidade populacional e construtiva nas aglomerações urbanas no intuito de favorecer a minimização do consumo de energia para o transporte (evitando o intenso uso de veículos para o deslocamento de mercadorias e pessoas e o uso de recursos não renováveis como os combustíveis fósseis), assim, é possível aplicar as estratégias de melhoria da mobilidade populacional, além de proporcionar benefícios sociais como a vitalidade urbana, o convívio e integração social (Güneralp et al., 2017; Rogers & Gumuchdjian, 2001).
Porém, a implementação da alta densidade construtiva sem o planejamento urbano adequado pode gerar diversos problemas relacionados ao aquecimento excessivo no ambiente urbano, como também, problemas graves saúde pública. O caso vivenciado nas cidades asiáticas, em 2003, com a ocorrência da Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS), correspondeu a um importante exemplo de impacto negativo decorrente da elevada densidade construtiva em áreas urbanas associadas à alta poluição, como também, à baixa taxa de ventilação e renovação de ar. Após aquele episódio, o governo da região administrativa de Hong Kong tem incentivado o desenvolvimento de pesquisas e políticas relacionadas ao planejamento e desenho urbano no intuito de melhorar a qualidade do ar local (Yuan & Ng, 2012).
No contexto da pandemia COVID- 19, causada pelo vírus denominado de SARS-CoV-2, descoberto em dezembro de 2019 na China, enfatiza-se a importância da identificação e da formulação de estratégias ambientais e comportamentais para o alcance de cidades mais saudáveis. Garantir o favorecimento das condições de conforto ambiental e renovação do ar em ambientes residenciais e laborais pode contribuir para a redução da transmissão aérea do vírus em situações de isolamento social (Morawska & Milton, 2020; C. E. M. da Silva et al., 2020). Para que estes aspectos sejam alcançados, a estrutura urbana precisa ser planejada e executada de maneira a efetivar o aproveitamento dos condicionantes ambientais e subsidiar a climatização natural de espaços edificados.
Assim, intervenções na configuração do ambiente construído e o tratamento de espaços livres, podem melhorar a qualidade do clima urbano, como também, o desempenho ambiental dos edifícios. É necessário, portanto, adotar os princípios do Urbanismo Bioclimático, entendido como um campo disciplinar que estuda as estratégias para adequação do ambiente urbano às condições do clima local e do território. Considerando que para cada lugar é necessário um planejamento específico, os princípios do urbanismo bioclimático fundamentam-se no aproveitamento de estratégias bioclimáticas locais (como sombreamento, insolação, ventilação, resfriamento evaporativo) aplicadas no desenho urbano, desde o traçado do sistema viário, à configuração de espaços livres e áreas verdes, condições das quadras, lotes e edificações (Higueras, 2006).
A elevada densidade construtiva pode corresponder a diferentes padrões de ocupação de solo e de morfologia urbana, os quais são importantes fatores de análise de microclimas de ambientes urbanos. No cenário brasileiro, estes padrões morfológicos e de densidades podem ser resultantes do estabelecimento dos tradicionais parâmetros urbanísticos nas legislações municipais relacionadas ao processo de planejamento urbano (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, gabaritos). Por isso, o estudo sobre tipos e quantificação dos parâmetros urbanísticos pode favorecer a identificação de diretrizes para otimização da qualidade ambiental urbana. Assim, a análise do grau de correlação entre os padrões de ocupação do solo (parâmetros urbanísticos) e as variáveis climáticas (temperatura do ar, umidade relativa e velocidade dos ventos) podem subsidiar, também, a estimativa das alterações nas variáveis climáticas em cenários futuros.
Diante destes aspectos, o presente estudo corresponde a uma investigação sobre a interferência da morfologia urbana e do adensamento construtivo na determinação dos padrões de modificação microclimática dos espaços urbanos e nos padrões de aproveitamento das estratégias bioclimáticas.
O objetivo foi realizar uma avaliação do desempenho microclimático de tecidos urbanos1 determinados por diferentes densidades construtivas e padrões morfológicos, a partir da correlação com parâmetros urbanísticos tradicionais e avançados. Foi adotada para análise a abordagem preditiva a partir da técnica de cenários.
Caracterização climática de Arapiraca-AL, Brasil
A cidade de Arapiraca está localizada no centro do estado de Alagoas, na mesorregião do agreste que corresponde à região de transição entre a costa úmida e o interior semiárido do nordeste brasileiro (IBGE, 2017). Encontra-se a 280m acima do nível do mar e a maior porção de seu território está situada em um planalto.
O município apresenta 214.006 habitantes distribuídos em uma área de 356,179km², conformando uma densidade demográfica de 600,84hab/km² de acordo com o último censo realizado em 2010, com população estimada para o ano de 2020 equivalente a 233.047 habitantes (IBGE, 2010). Quanto à localização, está inserido nas coordenadas geográficas 9°45’09”de latitude sul e 36°39’40” de longitude oeste, distante 132Km da capital Maceió (Figura 1).
De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE (IBGE, 2018), o município de Arapiraca está situado na região do semiário brasileiro considerando as condições climáticas dominantes de semiaridez, em especial a precipitação pluviométrica (inferior a 800 mm; índice de Aridez de Thornthwaite inferior a 0,50).
Estudos para identificação de estratégias bioclimáticas locais aplicáveis ao desenho urbano e arquitetônico têm sido desenvolvidos pelo Grupo de Estudos da Atmosfera Climática Urbana (GATU) da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca. A partir do levantamento de dados horários coletados através da estação meteorológica automática do Instituto Nacional de Meteorologia (A353-INMET), foi possível identificar dois períodos distintos para a compreensão do perfil climático local ( Silva, 2019; Torres, 2017):
PERÍODO QUENTE E SECO (outubro a abril): Caracterizado pelo registro de temperaturas do ar elevadas (valores médios mensais acima de 25°C, podendo alcançar valores máximos absolutos acima de 36°C), baixa umidade relativa do ar (valores médios mensais abaixo de 80% e valores mínimos absolutos abaixo de 40%), amplitude térmica diária acima de 10°C e baixa pluviosidade (valores mensais médios abaixo dos 100mm, podendo alcançar mínimo de 0 mm);
PERÍODO QUENTE E ÚMIDO (maio a setembro): Caracterizado por temperaturas do ar amenas (valores médios mensais abaixo de 25°C e mínimas absolutas de aproximadamente 17°C), umidade relativa do ar alta (valores médios mensais acima de 85%), baixa amplitude térmica diária (abaixo de 10°C e mínima de 6,6°C) e alta pluviosidade (valores mensais acima de 100mm podendo alcançar máxima de 226,2mm).
Os ventos predominantes na localidade são provenientes da direção leste mais frequentes nos meses do período quente e seco, já no período quente e úmido a direção predominante dos ventos é a sudeste ( Silva, 2019).
Para identificação de estratégias bioclimáticas locais foram adotadas as metodologias propostas por Givoni (1992): a Carta Bioclimática, a partir da seleção de um Ano Climático de Referência (TRY) e o Método de Mahoney (tradicional e nebuloso), relatados por Torres (2017) e Silva (2019). As principais estratégias bioclimáticas indicadas a partir destes estudos para aplicação no desenho urbano com vistas à adequação de assentamentos edificados são as seguintes (Tabela 1):
Ventilação Natural | Deve-se promover o aproveitamento da ventilação natural nos tecidos urbanos para possibilitar a inserção das massas de ar no nível dos edifícios. Esta estratégia apresentou alto percentual de aplicabilidade, acima de 70%, para solucionar as horas de desconforto por calor considerando todas as estações do ano. |
Resfriamento Evaporativo | Indicada principalmente no período quente e seco (verão), esta estratégia apresentou percentual de aplicabilidade de 28,6% indicando a necessidade de aumento da umidade relativa do ar para solucionar as horas de desconforto por calor. Sugere-se a incorporação de massas vegetativas para alcançar o resfriamento evaporativo indireto a partir do processo de evapotranspiração das plantas ou adoção de corpos d’água para alcance do resfriamento evaporativo direto. |
Sombreamento | Esta estratégia indica a necessidade de menor exposição à radiação solar direta no espaço edificado para evitar o acúmulo de energia térmica e o consequente aumento da temperatura do ar, principalmente, no período quente e seco. O percentual de aplicabilidade identificado apresentou valores acima de 90% para resolver as horas de desconforto por calor considerando todas as estações do ano. |
Fonte: Elaborada pelos autores
Devido à sua posição geográfica e à sua atual dinâmica urbana, a cidade de Arapiraca atua como centro de convergência populacional. Estes fatores têm interferido, consequentemente, no intenso processo de urbanização da cidade, marcado nos últimos 30 anos pela expansão tipicamente horizontal da sua estrutura urbana e pelo recente processo de verticalização.
O Plano Diretor da cidade foi aprovado em 2006 (Arapiraca, 2006), porém, não houve a revisão dos instrumentos jurídicos articulados aos objetivos do plano (Lei de Uso e Ocupação do Solo; Código de Edificações e Urbanismo). Desta forma, devido à ausência de definição dos parâmetros urbanísticos de ocupação, a cidade vivencia, atualmente, uma situação de vulnerabilidade quanto aos impactos climáticos decorrentes dos padrões construtivos urbanos. Esta realidade assemelha-se à encontrada na maioria das cidades de pequeno e médio porte no cenário brasileiro, principalmente na região nordeste.
Abordagem Metodológica
Para o alcance dos objetivos propostos e o desenvolvimento da análise preditiva, a pesquisa contemplou os seguintes procedimentos metodológicos:
Seleção dos tecidos urbanos para monitoramento microclimático
Foram selecionados tecidos urbanos mediante a análise da diversidade de formas de ocupação do solo predominantes na cidade de Arapiraca. Para subsidiar este procedimento, foi elaborado o mapa de densidades construtivas das quadras urbanas a partir dos dados do cadastro multifinalitário da prefeitura local, aplicados através do programa Terra View (Figura 2). A densidade construtiva corresponde à soma das áreas úteis construídas dividida pela área total da malha urbana (Eq.1).
Foram identificados quatro tipos morfológicos de tecidos urbanos em Arapiraca-AL, determinados por diferentes padrões de ocupação do solo, com altitudes aproximadas, e uniformidade nos padrões construtivos (Tabela 2).
Foi realizado monitoramento microclimático nos tecidos selecionados para coleta de dados de temperatura e umidade relativa do ar, no período de 15/12/2015 a 10/01/2016 (período quente e seco) utilizando-se data-loggers da ONSET do tipo HOBO Pro v2 (referência U23-001) que é um coletor de dados para ambientes externos à prova d'água (Figura 3). Os instrumentos foram calibrados uma semana antes do início do monitoramento microclimático. Os sensores apresentam faixa de operação correspondente a -40°C a 70°C para registro de temperatura do ar, e de 0 a 100% para registro de umidade relativa do ar, com precisão correspondente a ± 0,21°C (a partir de 0°C a 50°C) e, para umidade relativa do ar, ± 2,5% (a partir de 10% a 90% típica).
Os dados coletados foram utilizados para análise comparativa do desempenho microclimático, como também para o processo de calibração do modelo computacional ENVI met 4.0 mediante a identificação de um dia representativo necessário para determinação de dados de entrada para simulações de cenários hipotéticos (etapa 3). Para seleção desse dia, foram excluídos os que apresentaram um perfil térmico com oscilações no padrão de aquecimento e resfriamento no período diurno e escolhidos os que correspondiam às condições de baixa nebulosidade (Oke, 2004), a partir da consulta aos dados da estação meteorológica automática da cidade (A353 - INMET).
Desta forma, foi selecionado o dia 03/01/2016, que apresentou o registro dos maiores valores de temperatura máxima em todos os tecidos monitorados. Os dados registrados, portanto, refletem uma circunstância extrema de desempenho climático, correspondendo a uma condição desfavorável ao conforto térmico humano, marcada pela elevada temperatura do ar, no período diurno (característica típica do período quente e seco na localidade).
Quantificação dos parâmetros urbanísticos nos tecidos urbanos avaliados
Foram quantificados os parâmetros de ocupação de solo através da utilização dos dados da base cartográfica do Cadastro Multifinalitário da Prefeitura Municipal de Arapiraca-AL (2015). Os parâmetros urbanísticos tradicionais (derivados diretamente das legislações de parcelamento do solo e de uso e ocupação), embora ainda não sejam especificados na legislação urbanística de Arapiraca, foram calculados a partir das seguintes variáveis: área construída total das edificações existentes (somatório de áreas úteis), área do recinto selecionado, área de solo construída (somatório das áreas de projeção das construções), conforme descrição apresentada no Tabela 3.
Além da quantificação dos parâmetros urbanísticos tradicionais, foram calculados, também, os parâmetros urbanísticos avançados que correspondem a indicadores de desempenho ambiental definidos a partir de atributos bioclimatizantes, conforme conceitos e equações apresentadas no Tabela 4. A classificação morfológica dos tecidos selecionados foi realizada segundo Martins et al. (2013).
Calibração do Modelo ENVI-met para simulação computacional de cenários hipotéticos
O modelo ENVI-met 4.0 (Bruse, 2015) é um modelo tridimensional de clima, que simula as interações entre superfícies construídas, vegetação e atmosfera, permitindo análise integrada de desenho urbano e microclima, auxiliando em prognósticos baseados nas leis fundamentais da dinâmica dos fluídos e na termodinâmica. Na Tabela 5, estão especificadas as informações principais utilizadas para o processo de calibração do modelo ENVI-met 4.0.
Temperatura atmosférica inicial (K)2 | Obtida através do registro da estação automática INMET (A353), para o dia escolhido como representativo a partir da amostra do monitoramento microclimático, no horário de 21h00 (início da simulação). |
Umidade relativa do ar média (à altura de 2m) | Obtida através de monitoramento microclimático (dia representativo). |
Velocidade do vento à altura de 10m (m/s) | Obtida através do registro da estação automática INMET Arapiraca (A353), para o dia escolhido como representativo a partir da amostra do monitoramento microclimático (específica do horário de início da simulação) |
Direção do vento | 90 - Corresponde à direção Leste -predominante local |
Rugosidade (Roughness Length (Z0) at reference point) | 0,1 (Rugosidade da superfície (sob o anemômetro)) |
Hora início da simulação | 21h00 |
Umidade específica do ar a 2500m (g/kg)3 | Umidade no topo do modelo |
Fonte: Torres (2017).
A calibração do modelo ENVI-met foi realizada por meio da comparação entre os valores horários estimados de temperatura do ar e umidade relativa do ar obtidos através das simulações computacionais dos tecidos selecionados e os valores registrados in loco através do monitoramento microclimático, considerando o dia representativo selecionado (03/01/2016). Foram utilizados os indicativos estatísticos MBE - Mean Bias Error (desvio médio de valores) e RMSE - Roat Mean Squared Error (medida de dispersão dos valores estimados em relação aos valores medidos, que indica o erro quadrático médio relativo).
Considerando os dados de temperatura do ar, os valores do MBE variaram entre -0,646 a 0,279 sendo, portanto, um resultado satisfatório para a validação do modelo. Para os dados de umidade relativa do ar os valores identificados para MBE estão entre os intervalos de 1,82 a 9,43 que, também, pode ser considerado satisfatório, visto que a escala de variação da umidade é elevada (entre 30% e 75%). Os valores registrados referentes ao RMSE a partir dos dados de temperatura do ar variaram entre 0,61°C a 1,35°C, e para umidade relativa a variação foi entre 4,51% a 11,96%. Os resultados alcançados nesta etapa de calibração são condizentes com outras pesquisas, como os estudos realizados em Singapura, de clima quente e úmido, desenvolvidos por Lim Huimin Vanessa, fundamentada em análise do efeito da densidade construída no microclima urbano (Vanessa, 2014).
Elaboração de cenários hipotéticos para análise de desempenho climático
Como a cidade de Arapiraca apresenta poucas variações de tipos morfológicos no seu sítio urbano, foram elaborados três cenários hipotéticos a partir de cada tecido selecionado. Desta forma, foi possível ampliar o número de dados para o estudo de correlação entre as variáveis climáticas e os parâmetros de ocupação de solo, subsidiando a análise preditiva (relação entre forma urbana e desempenho climático). Os cenários investigados correspondem a estimativas de possíveis padrões de alto, médio e baixo adensamento construtivo criados através de modificações dos valores dos parâmetros urbanísticos quantificados, como também, pela consideração e pela inserção de estratégias bioclimáticas locais, atendendo às seguintes condições:
Aumento da densidade construtiva da área tipo, sem alteração do padrão morfológico do tecido (códigos com terminação CH1 - Tabela 6);
Densidade construtiva constante (similar à situação atual) e alteração da forma do tecido selecionado (códigos com terminação CH2 - Tabela 6);
Aumento da densidade construtiva da área tipo e alteração da forma do tecido selecionado (códigos com terminação CH3 - Tabela 6).
Todos os cenários hipotéticos elaborados considerando a alteração do padrão morfológico (cenários hipotéticos com códigos CH2 e CH3) foram estimados e caracterizados baseando-se na quadra como elemento mínimo de planejamento. Este princípio foi adotado para possibilitar ajustes da forma urbana considerando uma maior variação de composição e aplicação de princípios de adequação baseadas em estratégias bioclimáticas. As variações no padrão de rugosidade, de porosidade da malha urbana e do conjunto edificado corresponderam aos principais ajustes para atendimento da estratégia ventilação natural. As variações no padrão de verticalidade foram adotadas para avaliação do potencial referente à estratégia de sombreamento. Os cenários caracterizados pela presença significativa de solo natural e arborização foram criados para análise do potencial da estratégia resfriamento evaporativo.
Os valores de densidade construtiva calculados em cada cenário (referente à soma das áreas úteis construídas dividida pela área total da malha urbana) estão apresentados na Tabela 8, na descrição dos resultados.
Simulação computacional no modelo ENVI-met dos cenários hipotéticos elaborados
As simulações computacionais para análise do desempenho microclimático dos cenários hipotéticos foram realizadas através do programa ENVI-met 4.0 para obtenção de dados das variáveis ambientais: temperatura do ar, umidade relativa do ar e velocidade dos ventos. Os dados de entrada foram especificados conforme dia representativo utilizado no processo de calibração (Tabela 5). Além disso, foram estabelecidas as seguintes configurações (Tabela 7):
Geometria | Grade de volume controlado caracterizada no módulo Spaces. Para cada tipologia de ocupação real (atual), a área caracterizada correspondia a pelo menos 6 quadras (exceto tipologia 3 por representar ocupação integrada de quadra). As simulações foram realizadas adotando a versão de 180x180x354, com dimensões de aproximadamente 345m x 345m, utilizando grid(x) 115 (dx) 3, grid(y) 115 (y) 3, Grids(z) 14 (dz) =3. Houve necessidade de adoção de grid vertical telescópico apenas na simulação dos cenários com edificações acima de 14 pavimentos, pois, a altura do topo do modelo deve corresponder a pelo menos 2 vezes a altura do edifício mais alto. Para ajuste do telescoping fator (%) foi adotada a ferramenta model inspector que fornece o diagnóstico sobre a altura do topo do modelo, como também, identifica se a distância mínima entre as construções e a borda estão suficientes para iniciar a simulação computacional. |
Materiais | Ainda no módulo Spaces foram especificadas as informações referentes à localização (latitude, longitude, orientação do tecido em relação a norte), ao tipo de revestimentos de solo, como também, especificação do tipo de material geral de paredes e coberturas das construções de cada cenário hipotético, previamente acrescentadas à base de dados do programa através do módulo Manage Database (dados referentes à espessura e às propriedades térmicas). Os materiais especificados correspondiam ao padrão frequentemente utilizado na localidade: paredes de tijolo cerâmico, revestidas com reboco e para cobertura foi adotado o padrão de laje de concreto revestida com argamassa. Apenas o cenário hipotético do tecido 4, T4CH2 apresentou unidades edificadas com sistema de cobertura verde. |
Fator de Ajuste Solar | Foi necessária a identificação de fator de ajuste solar a partir do dia representativo. Como a versão 4.0 Beta do ENVI-met não possuía a ferramenta (radition preview) para auxiliar o cálculo do fator de ajuste da radiação presente na versão antiga 3.1, esta versão antiga foi adotada apenas para calcular este fator. O valor foi inserido no modelo de configuração (ConfWizard) na versão atualizada do programa. Fator de ajuste para avaliação da condição quente e seca, segundo programa Radiasol (versão 2): Mês de Janeiro 12h: 818W/m² (valor do ajuste: 0,919). |
Elementos Arbóreos | Caracterização de arborização considerando as características das massas vegetativas existentes nos recintos reais (Figura 4). Foram selecionadas espécies do banco de dados do programa com características similares (porte arbóreo) às encontradas no objeto empírico, dentre estas, pode-se citar: Citrus Aurantium, Olea Europaea, Palm Washingtone, Betula Pendula, Tamarix Gallica). |
Fonte: Elaborada pelos autores
Análise de correlação entre os parâmetros urbanísticos quantificados para cenários hipotéticos e as variáveis climáticas.
Nesta etapa, foi realizada a análise de correlação entre os dados das variáveis climáticas (obtidos através das simulações no programa ENVI-met) e os dados correspondentes aos parâmetros urbanísticos quantificados para caracterização dos padrões morfológicos dos cenários hipotéticos elaborados. Para isso, foi realizado o tratamento estatístico utilizando-se a técnica de regressão linear através do suplemento análise de dados do programa EXCEL (Microsoft, 2010). As variáveis dependentes investigadas foram: temperatura máxima do ar, umidade relativa do ar mínima e de velocidade do ar média. Foram considerados para análise de correlação apenas os valores registrados no centro dos cenários investigados, registrados a 1,5m (um metro e cinquenta centímetros) de altura em relação ao solo para análise microclimática. As variáveis independentes estudadas foram os parâmetros urbanísticos tradicionais e avançados, descritos anteriormente nas Tabelas 3 e 4. Este estudo, portanto, fundamenta-se apenas na avaliação do desempenho climático no período diurno devido às condições adversas e desfavoráveis ao conforto térmico humano ocasionadas na estação quente e seca conforme perfil climático da localidade (temperatura do ar elevada e umidade relativa do ar abaixo de 60% nos horários de maior intensidade de radiação solar).
O estudo de correlação contemplou ainda um tratamento estatístico através de regressão linear múltipla para identificação de um modelo preditivo referente às variáveis climáticas estudadas. O desenvolvimento da equação preditiva de melhor ajuste estatístico foi fundamentado na análise progressiva, iniciando-se em uma variável independente base (de maior correlação com a variável dependente), adicionando outras variáveis, progressivamente (independentes), verificando-se alterações na qualidade estatística da regressão. Esta qualidade é determinada através do coeficiente de correlação (r), do coeficiente de determinação (r²), do erro padrão da estimativa (ep) e do p-valor.
Resultados
Para verificar o grau de influência dos parâmetros urbanísticos definidores dos padrões morfológicos no desempenho climático de recintos urbanos, foram calculados os coeficientes de correlação a partir da associação entre as variáveis ambientais estudadas (temperatura do ar, umidade relativa do ar e velocidade dos ventos) e os parâmetros quantificados - tecidos atuais e cenários hipotéticos (Tabela 8- Consultar Tabelas 3 e 4 para compreensão das siglas referentes aos parâmetros urbanísticos).
O conceito de associação, representado pelo coeficiente de correlação (r) é fundamental na análise de regressão múltipla. Desta forma, foram verificados os valores de coeficientes de correlação para cada par de variáveis dependentes e independentes, de forma isolada, no intuito de selecionar as variáveis mais significativas e identificar um possível modelo preditivo. Quanto maior este coeficiente, mais forte a relação, e, portanto, maior a precisão preditiva.
É importante destacar que quando o valor do coeficiente de correlação5 (r) está próximo de 0 (zero), não significa que não há relação entre as variáveis, significa apenas que a relação não é linear. No presente estudo, apenas a avaliação de correlação linear foi investigada. Em pesquisas futuras, outros tipos de relação podem ainda ser avaliadas para o aprofundamento desta temática.
A Tabela 9 apresenta o resultado do estudo de correlação entre as variáveis climáticas e os parâmetros urbanísticos. Para determinação dos coeficientes de correlação (r), foram utilizados 16 pares de dados, considerando os dados das variáveis climáticas registrados nos 4 tecidos urbanos existentes e nos 12 cenários hipotéticos analisados e os valores de seus respectivos parâmetros urbanísticos quantificados. Quanto aos valores do coeficiente de correlação (r) referente à densidade construtiva (destacados em amarelo na Tabela 9), aponta-se uma tendência de correlação fraca indicando que o aumento da densidade construtiva não possui relação direta com o aumento da temperatura do ar ou com a redução da umidade relativa e da velocidade média dos ventos (os valores absolutos foram inferiores a 0,35). Estes resultados condescendem com conclusões de outras pesquisas em ambientes de realidades climáticas diferenciadas, como os estudos desenvolvidos por Freitas (2008). Observa-se que o desempenho microclimático de tecidos urbanos pode ser influenciado por outros parâmetros de ocupação e morfologia urbana.
O adensamento construtivo, por conseguinte, não deve ser apontado como principal determinante do padrão de modificação do comportamento dos elementos atmosféricos, associado frequentemente aos impactos negativos e à qualidade ambiental urbana. O resultado das simulações computacionais dos cenários hipotéticos analisados demonstra que tecidos urbanos com mesma densidade construtiva, porém, com padrões morfológicos diferentes, podem apresentar desempenhos climáticos, também, diferenciados. Como exemplo, pode-se citar o desempenho dos tecidos T1 CH1 e T3 CH1 que apresentaram diferenças no comportamento da temperatura do ar acima de 3°C às 15h (Figura 5).
Outro aspecto importante verificado nos resultados das simulações no ENVI-met corresponde ao desempenho de todos os cenários hipotéticos caracterizados pelo aumento da densidade construtiva e pela alteração do padrão morfológico do tecido para incorporação de estratégias bioclimáticas (cenários denominados com o código CH3). Estes tecidos apresentaram alta capacidade de adequação (Figura 6B) e redução do aquecimento nos horários de maior intensidade de radiação solar (entre 9h e 15h). As diferenças térmicas alcançaram valores acima de 3,5°C, quando comparados aos dados correspondentes às condições atuais de ocupação de solo (T1 Atual, T2 Atual, T3 Atual e T4 Atual).
A identificação do coeficiente de determinação (R²) entre as variáveis ambientais e os dados de densidade construtiva dos cenários estudados, foi realizada a partir da elaboração dos gráficos de dispersão (Figura 7). Os dados foram correlacionados através da análise de regressão linear sendo destacada a alta dispersão e a fraca correlação com todas as variáveis ambientais analisadas (baixos coeficientes de determinação-R²). Como exemplo, no caso da temperatura do ar, o coeficiente de determinação (R²) foi igual a 0,0674, significando que 6,74% da variação da temperatura podem ser explicados pela relação entre esta variável e a densidade construtiva e que os 93,26% restantes de variação são classificadas como não explicada, em razão de outros fatores.
Conforme os dados apresentados na Tabela 9 referente ao estudo de correlação, a partir da avaliação isolada por variável, foram confirmadas algumas hipóteses iniciais referentes ao comportamento da temperatura do ar:
Correlação positiva moderada com a taxa de ocupação do solo, ou seja, quanto maior a taxa de ocupação do solo do recinto urbano, maior será a probabilidade de aumento da temperatura do ar no nível microclimático;
Correlação negativa moderada com os demais parâmetros: coeficiente de aproveitamento, taxa de solo natural, recuo médio, porosidade da malha e porosidade do conjunto edificado, ou seja, quanto maiores os valores correspondentes a estes parâmetros maior será a probabilidade de redução da temperatura do ar, no nível microclimático.
Correlação forte negativa: com o índice de densidade arbórea-IDA, indicando que quanto maior o IDA, menor será a temperatura do ar, no nível microclimático, confirmando, portanto, a importância da inserção de elementos arbóreos na malha urbana.
Os valores de coeficiente de correlação dos parâmetros rugosidade absoluta (RgAb) e densidade de área frontal (DAF) não corresponderam às hipóteses iniciais, pois, não apresentaram a correlação esperada: negativa e positiva, respectivamente, em relação à temperatura do ar. Neste sentido, verifica-se a necessidade de ampliação de investigação para aprofundamento da análise destes parâmetros. Em relação à análise de correlação com o comportamento da umidade relativa do ar mínima no interior dos recintos simulados, foi possível verificar correlação inversamente proporcional aos resultados obtidos a partir dos dados de temperatura do ar. Como exemplo, pode-se citar correlação positiva moderada com os parâmetros: coeficiente de aproveitamento, taxa de solo natural, e porosidade da malha, ou seja, quanto maiores os valores correspondentes a estes parâmetros, maior a probabilidade de aumento da umidade relativa do ar no nível microclimático.
A análise de correlação com a velocidade média do ar confirmou as seguintes hipóteses:
Correlação negativa moderada: com taxa de ocupação do solo indicando que o aumento da taxa de ocupação do solo da malha urbana aumenta a probabilidade de redução da velocidade do ar
Correlação positiva moderada: com os parâmetros taxa de ocupação, recuo médio e porosidade da malha indicando que o aumento destes índices contribui para o aumento da velocidade do ar nos tecidos urbanos.
Para o alcance do modelo preditivo, foram analisados os gráficos de dispersão para identificação dos coeficientes de determinação (R²), como também, das equações de regressão linear (equações preditivas). Os resultados a partir desta análise destacam a importância dos seguintes parâmetros urbanísticos, quanto à interferência no comportamento da temperatura do ar e da umidade relativa do ar: taxa de ocupação (T.O), recuos médios (Rm), como parâmetros tradicionais e porosidade da malha (PoMa) e índice de densidade arbórea (IDA), como parâmetros avançados (Figura 8).
Embora todos os parâmetros estudados tenham apresentado uma influência no comportamento da temperatura do ar e da umidade relativa do ar, as equações de melhor ajuste contemplaram apenas os parâmetros porosidade da malha e índice de densidade arbórea (IDA). A multicolinearidade entre os parâmetros urbanísticos desfavoreceu a elaboração de um modelo preditivo caracterizado por um maior número de variáveis independentes. Não foi investigado modelo de regressão múltipla para a variável dependente velocidade do ar devido aos baixos valores de coeficiente de correlação (valores inferiores a 0,6) obtidos entre esta variável e as demais variáveis independentes (parâmetros urbanísticos). Para predição da temperatura máxima do ar no centro do recinto apresenta-se a equação 01, na Tabela 10. Para a predição da umidade relativa do ar mínima no centro do recinto, apresenta-se a equação 02, na Tabela 11.
Equação 01 | Estatística de regressão | Coeficientes | valor-P | |||
T. máx= 38,56-2,96.PoMa-5,50.IDA | R múltiplo | 0,96769 | ||||
R-Quadrado | 0,93640 | Interseção | 38,55996 | 0,00% | ||
R-quadrado ajustado | 0,92660 | PoMa | -2,96826 | 2,51% | ||
Erro padrão | 0,532949 | IDA | -5,50093 | 0,00% |
Fonte: Torres (2017)
Equação 02 | Estatística de regressão | Coeficientes | valor-P | ||||
U.M.= 26,03+39,247.IDA+15,50.PoMa | R múltiplo | 0,9623 | |||||
R-Quadrado | 0,9260 | Interseção | 26,03273 | 0,105% | |||
R-quadrado ajustado | 0,9146 | IDA | 39,24766 | 0,000% | |||
Erro padrão | 3,904248 | PoMa | 15,50701 | 9,446% | |||
Observações | 16 |
Fonte: Torres (2017)
Demonstrada a influência da porosidade da malha e do IDA através do presente estudo, verifica-se que ambos são importantes para a incorporação das estratégias bioclimáticas identificadas nesta pesquisa, em relação à realidade climática investigada: ventilação natural e resfriamento evaporativo. Ou seja, quando estes parâmetros são ajustados de forma associada podem beneficiar o desempenho climático das estruturas urbanas. A avaliação realizada a partir dos cenários simulados apontou, neste sentido, a importância dos espaços livres no interior das quadras para a incorporação de massa arbórea e para o aproveitamento e distribuição das massas de ar locais, fundamentais para o processo de trocas de calor no ambiente urbano.
Com relação aos conjuntos edificados verticalizados, o sombreamento das quadras favoreceu a redução da temperatura do ar nos horários de maior intensidade de radiação solar, porém, as avaliações quanto ao padrão de distribuição das massas de ar apontaram a importância do tipo de implantação do volume edificado devido à sua interferência direta na formação das áreas de sombra de vento e estagnação de ar. Desta forma, os benefícios quanto ao padrão verticalizado para o aumento da densidade construtiva e para a ampliação de espaços livres devem ser criteriosamente analisados quanto à formação de barreiras para o aproveitamento das massas de ar na camada intra-urbana (UCL), afetando o aproveitamento da estratégia bioclimática ventilação natural no nível dos edifícios, como também, no entorno imediato urbano. É importante destacar, também, que para soluções verticalizadas é imprescindível uma análise integrada quanto aos impactos relacionados com as interferências com a paisagem local.
Considerações Finais
A importância dos parâmetros urbanísticos avançados para o entendimento da morfologia de conjuntos edificados e para seu ajuste quanto à adequação ambiental foi evidenciada através do estudo sobre o grau de correlação com o comportamento das variáveis climáticas e, revela a necessidade de incorporação dos mesmos no processo de revisão e elaboração dos instrumentos de ordenamento territorial urbano.
O efeito de amenização térmica em ambientes urbanos de baixa latitude pode ser alcançado a partir de diferentes padrões morfológicos (como o horizontal disperso ou vertical alto disperso), sendo imprescindível o aproveitamento das estratégias bioclimáticais locais. A quadra urbana, quando adotada como unidade mínima de planejamento, pode potencializar a incorporação destas estratégias, subsidiando significativamente a adequação climática de tecidos urbanos. O ajuste da forma deve ser feito através do entendimento e da adoção dos parâmetros urbanísticos tradicionais e avançados discutidos no presente estudo, seguindo o desenvolvimento de diretrizes para o controle do adensamento urbano, com enfoque no urbanismo bioclimático.
Para adequação do padrão morfológico urbano às condições climáticas locais, os parâmetros urbanísticos tradicionais como taxa de ocupação do solo, taxa de solo natural e recuos médios, e os parâmetros avançados como, porosidade da malha urbana (PoMa) e o índice de densidade arbórea (IDA) foram os que apresentaram maior potencial para aplicação de estratégias de amenização térmica. Assim, foi constada a correlação negativa destes parâmetros com a variável climática temperatura máxima do ar, através de coeficientes de correlação com valores absolutos acima de 0,7. Estes resultados indicam que quanto maior os valores especificados para estes parâmetros urbanísticos, menor será o acúmulo de calor na escala microclimática urbana.
Tendo em vista que o padrão morfológico predominante no sítio urbano de Arapiraca corresponde ao horizontal denso geminado, determinado pela baixa porosidade da malha urbana e índice de densidade arbórea extremante reduzido, verifica-se a necessidade urgente de revisão da legislação urbanística local para redução dos impactos negativos decorrentes do processo de ocupação do solo desfavorável às condições climáticas do semi-árido alagoano.