INTRODUÇÃO
Os quilombolas são os remanescentes de um grupo étnico-racial formado por descendentes de escravos fugitivos durante o período da escravidão no Brasil, entre outros grupos que viviam nos chamados quilombos. O quilombo constitui-se como uma questão importante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil/República com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade uma importante dimensão na luta dos afrodescendentes.
As comunidades quilombolas foram se constituindo nessa região do país de duas formas distintas: havia aqueles que se formaram muito próximos dos conglomerados urbanos, compostos por cativos urbanos, acostumados à vida citadina (a vida rural não lhes atraía por ser-lhes desconhecida) e havia também os quilombos rurais, que garantiam seu sustento na forma de coleta, caça, pesca e pequenas produções rurais, sendo esses mais estáveis do que os de formação urbana (BRASIL, 2003)
Desde a década de 80, os descendentes de africanos, chamados negros, em todo o território nacional, organizados em associações quilombolas, começaram a reivindicar o direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua especificidade (Leite, 2000).
É possível perceber que os confrontos e debates que giram em torno dos direitos quilombolas no Brasil têm uma atualidade própria, visto que os problemas causados por um determinado modelo de distribuição de terras não conseguiram ser superados pelas políticas governamentais, nem pelo aparato jurídico. Nesse sentido, o estudo parte da seguinte problemática: Quais são os principais conflitos e como ocorre a luta pelos direitos do povo quilombola?
Enfatiza-se a importância deste tema, pois por muito tempo os quilombolas sofreram bastante por diversos fatores, como a discriminação e o não reconhecimento de suas cidadanias. Entretanto, hoje, essas comunidades possuem sua identidade étnica juridicamente reconhecida, assim como a garantia de posse de suas terras, graças aos direitos conquistados pelos quilombolas. Nesse sentido, este estudo poderá fornecer subsídios para a comunidade acadêmica, trazendo os dados disponíveis na literatura e ampliando o conhecimento sobre a temática.
Nessa perspectiva, o presente estudo tem por objetivo discutir a luta do povo quilombola pelos seus direitos históricos. Também serão abordados os principais conflitos no campo envolvendo os quilombolas e suas questões relacionadas ao acesso à educação.
Quanto à metodologia, o trabalho fundamenta-se em uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa e descritiva. A busca foi realizada em artigos, revistas científicas, monografias, dissertações e teses que tinham enfoque no tema e estavam disponíveis na íntegra nas bases de dados do Portal de Periódicos da CAPES e no site Scielo. A escolha se baseou na facilidade de obtenção das informações necessárias, devido ao tema ser de extrema importância na atualidade.
2.CONFLITOS NO CAMPO
Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo 2022 revelou que o Brasil possui 1,32 milhões de quilombolas, residentes em 1.696 municípios. Os quilombolas representam o segundo grupo mais impactado por conflitos. Os conflitos relacionados com a grilagem de terras responderam por 162 dos 1.242 casos registrados em 2021. Fazendeiros e empresários em geral somam 42% (266 e 255 casos, respectivamente), conforme a CPT. O poder público, em suas esferas federal, estadual e municipal, responde por 17% das ocorrências (214) (Ramos, 2022).
Os conflitos agrários, bem como as diversas situações de violência que os acompanham, têm uma dimensão espacial. Porto Gonçalves (2003) destaca a importância da geograficidade do social. Essa geograficidade deve considerar o espaço geográfico como uma dimensão constitutiva do social, incluindo a natureza na análise social, mas não se limitando a esta. É importante salientar que essas diversas configurações sócio-espaciais constituem-se em espaços que moldam as subjetividades de cada um dos protagonistas estudados.
A violência é um traço estruturante da historiografia brasileira. Desde o período colonial, instituições, tanto formais como simbólicas, não apenas garantiram a exploração econômica da terra e dos recursos naturais, mas também moldaram as relações de poder, concentração de propriedade e renda, bem como o desrespeito pelos direitos de parcelas populacionais específicas. Esses efeitos persistem até os dias atuais.
A manutenção do status quo e das enormes desigualdades subjacentes ao processo de exploração dependeu fortemente do uso da repressão e da violência contra grupos étnico-raciais, minorias políticas e classes econômicas subalternas, tais como povos indígenas, população negra, sertanejos, pequenos agricultores e trabalhadores rurais, entre outros grupos populacionais (IPEA, 2020).
Em uma análise que parte da relação causa/efeito, o aumento do número de conflitos tem um vínculo com a luta e as ações praticadas pelos movimentos socio-territoriais. Nessa perspectiva, o aumento da violência sem um aumento no número de mobilizações no campo e/ou nas cidades, denunciando essa prática e reivindicando esses direitos territoriais, nos leva a um grande risco da retomada plena da barbárie no campo brasileiro, mesmo em pleno século XXI.
Desde 2015, houve um aumento da violência no campo, especialmente no número de assassinatos: 36 assassinatos em 2014; 50 assassinatos em 2015; 61 assassinatos em 2016; 71 assassinatos em 2017. Algumas análises, como as de Mitidiero Júnior e Feliciano (2018) e Porto Gonçalves et al. (2017), mostram que em períodos de transição política importante, há uma tendência de aumento da violência no campo por parte dos grandes proprietários de terra. Isso ocorre seja por medo de que o próximo governo ou orientação ideológica ataque seus patrimônios, seja pelo sentimento de que estão em um ambiente político que lhes dá carta branca para cometer os crimes que desejam.
Esse raciocínio ajuda a explicar o aumento da violência no campo a partir de 2014, quando se instaurou a crise político-econômica no país, com a transição de poder por meio do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Seguindo o mesmo pensamento, esperava-se, e de fato ocorreu, um aumento significativo na violência no campo com o novo governo que assumiu em 2019, pois este representa uma transição política maior, agora uma guinada à direita.
Essas violências contra a ocupação e a posse estão intimamente ligadas à prática da violência contra a pessoa, pois, no ato de despejo ou expulsão, as forças policiais ou os jagunços contratados por fazendeiros empregam força bruta. Os despejos e expulsões são ações que não resolvem o conflito social, apenas o postergam (Simonetti, 2009).
Pereira (2020) enfatiza que os conflitos no campo por água, terra, trabalho, em tempos de seca, garimpo, sindicais e violência contra a pessoa (assassinatos, ameaças, agressões, prisões, etc.) tiveram um aumento de 4% em relação a 2017, passando de 1.431 para 1.489. Dos 1.489 conflitos, 1.124 foram classificados como conflitos por terra, envolvendo um milhão de pessoas. Esse número é 36% maior do que em 2017, estando 51,6% deles localizados na região Norte. Outro tipo de conflito citado pelo autor é o conflito por água, que vem crescendo desde 2002 e teve um aumento exponencial em 2018 em relação a 2017, passando de 197 casos - que envolveram 35,4 mil pessoas, em 2017 - para 276 casos - que envolveram 73,6 mil pessoas, em 2018 - o que representa um aumento de cerca de 40%. Ribeirinhos e pescadores são as principais vítimas, correspondendo a cerca de 80%.
Nos dias atuais, conforme Ferreira (2022), os 1.768 conflitos no campo registrados em 2021 no Brasil resultaram na morte de 109 pessoas, das quais 103 eram do povo Yanomami. Além disso, cerca de 35 lideranças defensoras de territórios foram assassinadas. Quase 900 mil pessoas estiveram envolvidas em situações de conflito no país. Os números, do relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostram uma escalada nos últimos cinco anos que revela o aumento significativo da violência no campo.
A comissão contabilizou 1.768 conflitos no campo, incluindo disputas por terras, conflitos por água e conflitos trabalhistas. As categorias que mais sofreram com essas ações predatórias foram indígenas (317 casos) e quilombolas (210 casos). Houve 35 assassinatos em 2021, representando um aumento de 75% em relação a 2019, quando 20 pessoas perderam a vida em conflitos (Ramos, 2022).
3 A LUTA POR DIREITO DOS QUILOMBOLAS
Quando se fala da luta por direitos, a questão mais importante é o acesso a terras. A Lei de Terras, que data de 1850, manteve o conservadorismo fundiário do Brasil, pois estipulou que toda e qualquer aquisição de terras devolutas seria efetuada por meio da compra, o que já discriminou o escravo, pois o valor cobrado era inacessível ao recém-liberto, além de os africanos e seus descendentes não poderem ter acesso à terra, pois não eram considerados brasileiros. Assim, já ficava demonstrada a vedação do escravo liberto em ter acesso à propriedade. Nesse contexto, podemos observar que a Lei Áurea (Lei 3353/1888) apenas extinguiu formalmente a escravidão no Brasil, não tendo sido elaborado um planejamento para a aplicação de uma política compensatória aos negros, que permitisse o acesso desta população à terra.
A criação da própria Constituição de 1988 já carregava consigo uma grande carga simbólica. Este momento poderia ter representado um grande acerto de contas, poderia ser considerada com um “ambicioso projeto de reforma social” (SUNDFELD, 2002,p.17).
No anteprojeto do relator da Subcomissão dos negros, populações indígenas, pessoas deficientes e minorias, o tema quilombola foi tratado no artigo 7°, com uma redação que define que o Estado garantirá o título de propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos Quilombos
E esta redação seguiu sem alteração para análise da Comissão da Ordem Social. Ao chegar à comissão, teve um substitutivo do relator, modificando o seu texto para: “fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o Estado emitir os títulos respectivos” (Brasil, 1988, pg 159).
Posteriormente, foi acrescentado ao final desta redação que ficam tombadas essas terras bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no Brasil. Logo depois, a Comissão de Sistematização, a quem coube sistematizar os dispositivos aprovados pelas Comissões Temáticas, elaborou o projeto de constituição e o artigo sobre quilombolas ficou no possível artigo 490 do esboço de Constituição Federal. Este foi o momento em que o projeto de artigo sobre quilombola foi mais atacado (Silva, 2018).
Outrossim, é possível perceber que ainda existem muitos empecilhos para a efetivação de direitos quilombolas, tais como a burocracia institucional, a falta de recursos humanos especializados (por exemplo, antropólogos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)), localizados em comunidades tradicionais, o acesso a informações pela população quilombola, a dificuldade de infraestrutura, serviços públicos básicos de baixa qualidade, a existência de terras quilombolas em litígio de posse com latifundiários ou até mesmo com o interesse do governo, entre outros (Silva, 2018).
Nessa perspectiva, o direito à terra sempre se configurou como uma questão central. Os negros (escravizados e posteriormente ex-escravos) estiveram alijados dos direitos à propriedade e titulação de terras no Brasil. Os quilombos, combatidos pelo governo e senhores de escravos, são, portanto, formas de luta pela manutenção de seus territórios, iniciada há muito e que persiste de forma intensa e frequente (Brasil, 2013).
Conforme Benedetti (2020), no período recente em vários Estados do Brasil, o aquecimento do mercado de terras tem potencializado a disputa territorial envolvendo comunidades quilombolas, tal como verificado no norte do estado, onde está localizada a comunidade de Mormaça, que corresponde a uma área altamente produtiva. Desde o início dos anos de 2000, a elevação no preço das commodities agrícolas vem promovendo intensificação da produção, associada à articulação entre o Estado e o grande capital industrial e financeiro.
Benedetti (2020) também chama a atenção para o fato de que, na comunidade de Mormaça no Estado do Rio Grande do Sul, os quilombolas demandam a retomada de áreas perdidas mediante processos expropriatórios, o que corresponde a terras com alto potencial agrícola, aptas para o plantio de soja. Nessa situação, a disputa territorial entre quilombolas e agricultores se dá em torno de terras valorizadas economicamente.
No entanto, existem situações nas quais a disputa se dá em torno de áreas desvalorizadas, como verificado na comunidade de Palmas, em Bagé. Nessa comunidade, a área em questão é considerada imprópria para a agricultura, o que sugere não se tratar de disputa territorial em si, mas de estar em jogo a continuidade de relações de subordinação.
Nessa perspectiva, é importante mencionar que, no caso de Bagé, o confronto entre fazendeiros e “sem-terra”, ocorrido em períodos passados, correspondeu à disputa por terra. Contudo, o conflito perante os quilombolas se dá em torno de áreas desvalorizadas, evidenciando estar em jogo dimensões das relações de poder que vão além da propriedade da terra. Segundo a fala de uma das lideranças, os fazendeiros chegaram a dizer que não podiam dar asas para os quilombolas voarem, dar-lhes força, porque senão iam ficar sem mão de obra, sinalizando que o conflito não é fundiário, mas referente à disponibilização de força de trabalho para as fazendas da região. A fala da liderança quilombola evidencia que a relação entre “raças” se trata, antes de tudo, de uma relação de dominação, a qual permite múltiplas formas de exploração (Benedetti, 2020).
A fala da liderança sinaliza os novos significados à luta pela terra, como identidade e pertencimento, transcendendo a dimensão produtiva, de forma que os elementos introduzidos pelos quilombolas na política requerem um novo olhar, na perspectiva de cosmopolítica.
4 QUESTÕES QUILOMBOLAS PERANTE A EDUCAÇÃO
Na antiguidade, a escola pública não atendia a uma grande parte da população brasileira, deixando a população negra sem acesso à educação. Devido a isso, pessoas negras letradas começaram a organizar um movimento, principalmente a partir da criação da Imprensa Negra. As principais cidades onde esse movimento se desenvolveu foram o Rio de Janeiro e São Paulo, buscando, desde 1910, alcançar a cidadania que a abolição infelizmente não concretizou. No que diz respeito à educação, observa-se o surgimento de uma intelectualidade negra que reconheceu no domínio da escrita uma forma de ingressar nos espaços sociais. Mesmo após a garantia do direito dos negros à educação, não foram fornecidas as condições fundamentais para a escolarização. No entanto, é importante destacar que um segmento da sociedade negra alcançou níveis de instrução criando suas próprias escolas.
De acordo com Schwarz (2012), a história da educação brasileira foi moldada pela criação de uma sociedade dualista, que resultou dos anos de escravidão e continuou além desse período. Para o autor, a lógica da escravidão estava em total desacordo com os princípios da modernidade, da liberdade individual, do controle sobre o próprio corpo e da vontade autônoma. Estava baseada na economia colonial de exportação de matérias-primas e agricultura. A separação entre conhecimento e prática, criatividade, lógica industrial e inventividade estava restrita a uma pequena parcela da sociedade.
Nesse contexto, a Educação Escolar Quilombola foi estabelecida somente após discussões no campo educacional que começaram na década de 1980, com forte mobilização em busca da reconstrução da função social das escolas que atendem essas comunidades. Como resultado, problemas relacionados ao acesso à educação pública e à igualdade nas relações dentro das escolas foram destacados. Os movimentos sociais identitários passaram a denunciar o papel da escola na expressão, perpetuação e reprodução do racismo, bem como das discriminações presentes na organização curricular e nos livros didáticos, entre outros materiais (Miranda, 2012).
Com a criação de políticas públicas de ação afirmativa, foram estabelecidas leis que regulamentaram a educação quilombola no Brasil. A educação, em seu sentido mais amplo, é vista como uma política pública social de responsabilidade do Estado, mas não exclusivamente pensada por ele. Graças à pressão do Movimento Negro, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola foram estabelecidas em 2012, durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Essas diretrizes determinaram que a Educação Escolar Quilombola deve ser realizada em unidades educacionais localizadas em suas próprias terras, baseada na cultura de seus ancestrais, com uma pedagogia própria e de acordo com a especificidade étnico-cultural de cada comunidade, reconhecendo-a e valorizando-a (Brasil, 2023).
Portanto, as políticas públicas destinadas a esses povos tradicionais devem levar em consideração a inter-relação que possuem com as dimensões históricas, políticas, econômicas, sociais, culturais e educacionais, remontando ao período inicial da instalação dos quilombos no Brasil. A Educação Escolar Quilombola foi pensada para os povos negros e sua implementação envolve a consulta prévia pelo poder público das comunidades e suas organizações, levando em conta não apenas aspectos normativos, burocráticos e institucionais que configuram as políticas educativas (Brasil, 2023).
Conforme explicado por Carril (2017), a política pública representou avanços significativos na história da educação brasileira, especialmente na forma como os afrodescendentes ingressaram na escola e na sociedade em geral, superando o lugar de ausência e esquecimento que lhes foi designado desde o fim da escravidão. A criação de uma educação diferenciada para as comunidades étnicas transforma as características sociais, reconhecendo amplamente as identidades que fazem parte da diversidade cultural e étnica do país.
Vários estudos enfatizam que os desafios existentes para a educação escolar destinada aos estudantes quilombolas são amplos e contraditórios, pois o reconhecimento da especificidade é franco desde a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), levando em consideração escolas quilombolas e aquelas que não estão localizadas em seus territórios, mas que atendem as crianças dessas comunidades (Miranda, 2012). De acordo com os dados do Censo Data Escola Brasil, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2014, o Brasil contava com 2.248 escolas localizadas em Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ), como pode ser visto na Figura 1.
Fonte:
Conforme Campos e Gallinari (2017), todos os estados que possuem escolas em territórios quilombolas oferecem o Ensino Fundamental. A maioria dessas escolas está localizada nas comunidades rurais e é mantida com recursos municipais. No entanto, há um número significativo de escolas mantidas pelo governo estadual, especialmente no Amapá, onde o número de escolas estaduais é maior do que o de escolas municipais. A predominância de escolas rurais está relacionada à maior concentração de comunidades quilombolas em áreas rurais, uma vez que os quilombos surgiram em territórios isolados e afastados das cidades.
No que diz respeito ao ensino médio, o número de escolas que o oferecem em territórios quilombolas é drasticamente menor. Em alguns estados, como Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rondônia, não existem escolas de ensino médio nesses territórios. Outros estados, como Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, possuem apenas uma instituição de ensino com essa especificidade. Esse levantamento revela os diversos obstáculos enfrentados pelos estudantes, que já são difíceis de superar, somados à falta de continuidade do ensino nas comunidades quilombolas, o que pode levar a uma maior evasão escolar (Campos e Gallinari, 2017).
No âmbito educacional, é importante lembrar que não basta apenas garantir o acesso à escola; é essencial implementar um programa de formação dos professores, tornando a Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, um dispositivo que realmente inclua no currículo o que a historiografia omitiu durante séculos.
Claramente, desenvolver uma proposta pedagógica voltada para a educação quilombola requer pesquisas que incorporem os saberes comunitários e promovam a troca de conhecimentos entre diversas áreas. De acordo com Carril (2017), essa possibilidade enfrenta diversos obstáculos devido à cultura institucional e à organização das práticas pedagógicas nos cursos de formação de professores.
É fundamental implementar um ensino que analise e discuta o papel do negro na história do Brasil e do mundo. Essa é uma tarefa que envolve educadores, diretores, pessoal de apoio pedagógico e administrativo da escola, bem como membros das comunidades. Isso sugere que estamos iniciando uma nova luta, na qual todos, não apenas os negros ou as comunidades remanescentes de quilombos, são convocados a reexaminar a história brasileira.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos das comunidades quilombolas podem ser compreendidos como o direito fundamental de existir e viver de acordo com seus modos de vida tradicionais. No entanto, ao analisar a situação dessas comunidades em relação ao acesso aos seus direitos, fica evidente que a realidade ainda está longe do ideal.
Nesse contexto, é responsabilidade do Estado assegurar o pleno exercício dos direitos à saúde, educação e propriedade dessas comunidades, uma vez que a luta contra a expropriação de suas terras continua sendo uma questão significativa em suas vidas.
Quanto à educação, observa-se um aumento no número de escolas quilombolas no país, o que representa um avanço no acesso à educação para essas comunidades. No entanto, é necessário enfatizar a importância da capacitação dos professores que atuam nessas localidades. O movimento negro tem como uma de suas principais bandeiras a luta contra o preconceito e a discriminação racial na sociedade, incluindo o acesso à educação formal.
Nesse sentido, a educação quilombola se mostra eficaz e essencial para o povo quilombola, desde que suas estruturas e práticas pedagógicas estejam alinhadas com o que é estabelecido nas Diretrizes Curriculares. É crucial destacar que a efetivação plena dos direitos das comunidades quilombolas não será alcançada se essas comunidades não estiverem organizadas e conscientes de seus direitos.
A conquista e a efetivação dos direitos ocorrem por meio das lutas sociais e essa capacidade de reivindicação e mobilização depende da capacidade de as comunidades quilombolas terem voz ativa em uma sociedade que ainda é marcada por preconceitos e discriminação.