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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.14 no.2 Lisboa jun. 2024  Epub 24-Jan-2024

https://doi.org/10.25757/invep.v14i2.353 

Artigos

A mediação e o mediador: reflexões sobre experiências artístico-pedagógicas

The Mediation and the mediator: reflections on artistic-pedagogical experiences

La mediación y el mediador: reflexiones sobre experiencias artístico-pedagógicas

La médiation et le médiateur: réflexions sur les expériences artistiques et pédagogiques

1 Programa de Pós-Graduação em Artes (Mestrado Profissional) da Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus de Curitiba II, Brasil.


Resumo

A presente pesquisa, com abordagem qualitativa, associa os estudos teóricos à pesquisa de campo e tem por objetivo apresentar uma reflexão acerca da mediação artística, no campo das artes visuais e do teatro, com enfoque na perspectiva teórico-metodológica da mediação teatral.

O trabalho descreve experiências artístico-pedagógicas de um dos pesquisadores deste estudo como mediador no museu Solar do Barão e em uma determinada disciplina curricular do Curso de Teatro da Universidade Estadual do Paraná - Unespar, Brasil.

Os resultados sublinham que a mediação proporciona possibilidades de experiências enriquecedoras ao espectador, de modo a ampliar seu repertório artístico-cultural, estimulando o seu desenvolvimento perceptivo ao propiciar contatos com outros saberes que são produzidos no contexto social e que, quando compartilhados, são apreendidos como novos conhecimentos.

O papel do mediador apresentado nesta investigação está pautado em uma relação horizontal com o espectador, sem a distinção de saberes, potencializando seus conhecimentos prévios, na busca de uma experiência emancipadora. Deste modo, a figura do mediador é compreendida como um educador, como um agente capaz de destravar portas para a fruição estética do espectador, contribuindo para que o mesmo se torne um participante mais ativo no processo de fruição, uma vez que ele pensa, cria, imagina e transita por vários sentidos e significados.

Palavras-chave: Mediador; Mediação Artístico-Pedagógica; Museu; Teatro; Espectadores

Abstract

This research, with a qualitative approach, associates theoretical studies with field research and aims to present a reflection on artistic mediation, in the field of visual arts and theater, focusing on the theoretical-methodological perspective of theatrical mediation. The work describes artistic-pedagogical experiences of one of the researchers of this study as a mediator at the Solar do Barão museum and in a specific curricular subject of the Theater Course at the State University of Paraná - Unespar, Brazil.

The results highlight that mediation provides possibilities for enriching experiences to the spectator, in order to expand their artistic-cultural repertoire, stimulating their perceptual development by providing contacts with other knowledge that is produced in the social context and that, when shared, is perceived as new knowledges.

The role of the mediator presented in this investigation is based on a horizontal relationship with the viewer, without distinguishing knowledge, enhancing their previous knowledge, in the search for an emancipating experience. In this way, the figure of the mediator is understood as an educator, as an agent capable of unlocking doors for the spectator's aesthetic enjoyment, contributing to the viewer becoming a more active participant in the enjoyment process, as he thinks, creates , imagines and moves through various meanings and meanings.

Keywords: Mediator; Artistic-Pedagogical Mediation; Museum; Theatre; Spectators

Resumen

Esta investigación, con enfoque cualitativo, asocia estudios teóricos con investigaciones de campo y tiene como objetivo presentar una reflexión sobre la mediación artística, en el campo de las artes visuales y el teatro, centrándose en la perspectiva teórico-metodológica de la mediación teatral. El trabajo describe experiencias artístico-pedagógicas de uno de los investigadores de este estudio como mediador en el museo Solar do Barão y en una asignatura curricular específica del Curso de Teatro de la Universidad Estadual de Paraná - Unespar, Brasil.

Los resultados destacan que la mediación brinda posibilidades de enriquecer experiencias al espectador, con el fin de ampliar su repertorio artístico-cultural, estimulando su desarrollo perceptivo al facilitarle contactos con otros conocimientos que se producen en el contexto social y que, al compartirse, se perciben como nuevos conocimientos.

El papel del mediador presentado en esta investigación se basa en una relación horizontal con el espectador, sin distinguir conocimientos, potenciando sus conocimientos previos, en la búsqueda de una experiencia emancipadora. De esta manera, la figura del mediador se entiende como un educador, como un agente capaz de abrir puertas para el disfrute estético del espectador, contribuyendo a que el espectador se convierta en un participante más activo en el proceso de disfrute, ya que piensa, crea, imagina y se mueve a través de diversos significados y significados.

Palabras clave: Mediador; Mediación Artístico-Pedagógica; Museo; Teatro; Espectadores

Résumé

Cette recherche, avec une approche qualitative, associe études théoriques et recherches de terrain et vise à présenter une réflexion sur la médiation artistique, dans le domaine des arts visuels et du théâtre, en se concentrant sur la perspective théorico-méthodologique de la médiation théâtrale. L'ouvrage décrit les expériences artistiques et pédagogiques de l'un des chercheurs de cette étude en tant que médiateur au musée Solar do Barão et dans une matière spécifique du programme d'études de théâtre de l'Université d'État du Paraná - Unespar, Brésil.

Les résultats soulignent que la médiation offre des possibilités d'enrichissement des expériences au spectateur, afin d'élargir son répertoire artistique et culturel, en stimulant son développement perceptuel en lui permettant de se mettre en contact avec d'autres connaissances produites dans le contexte social et qui, lorsqu'elles sont partagées, sont perçues comme de nouvelles connaissances.

Le rôle du médiateur présenté dans cette enquête repose sur une relation horizontale avec le spectateur, sans distinction de savoirs, valorisant ses savoirs antérieurs, dans la recherche d'une expérience émancipatrice. De cette manière, la figure du médiateur est comprise comme un éducateur, comme un agent capable d'ouvrir les portes du plaisir esthétique du spectateur, contribuant à ce que le spectateur devienne un participant plus actif dans le processus de jouissance, car il pense, crée, imagine et se déplace à travers diverses significations et significations.

Mots-clés: Médiateur; Médiation Artistique-Pédagogique; Musée; Théâtre; Spectateurs

Introdução

O termo mediação é frequentemente utilizado no âmbito artístico e sua conceituação em diferentes categorias teóricas, muitas vezes complexas, pode estabelecer suas características definidoras. Investigar a mediação nos dias atuais é se permitir adentrar em um campo de completa ebulição e transformação nos modos de pensar, fazer e mediar à produção artística. O campo educacional é frequentemente associado com as propostas de mediação na arte. De acordo com Ana Mae Barbosa, “O termo ‘mediação’ aprendemos com Paulo Freire, que o usava para definir o papel do professor em estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem, de modo que professor e estudantes aprendessem juntos” (Barbosa, 2016, n.p.).

No Brasil, Barbosa é reconhecidamente pioneira na propagação da arte-educação nas escolas do país. A autora defende que “a arte tem enorme importância entre a mediação dos seres humanos e o mundo, apontando um papel de destaque para a arte-educação: ser a mediação entre arte e público” (Barbosa, 2005, p. 13), portanto, estimula o papel do artista enquanto educador. Em sua abordagem, a figura do professor é majoritariamente essencial enquanto mediador que estabelece relação direta entre o sujeito e a aprendizagem. Nessa perspectiva, as atividades de mediação artística podem potencializar as experiências com processos pedagógicos. O ato de assistir a uma produção artística constitui uma celebração de fatos e acontecimentos que merecem atenção por parte do estudo da mediação, especialmente no que tange ao diálogo entre a obra e o espectador.

A mediação neste estudo foi pesquisada como uma modalidade de criação, a qual o espectador produz sentido sobre a obra, participa desse processo de cocriação e apropria-se de seus saberes para inserir suas perspectivas e impressões acerca da mesma, configurando em uma mediação não mais como um procedimento de aproximação da obra, mas, sobretudo, um espaço de criação a partir dela. A metodologia empregada respalda- se na abordagem qualitativa exploratória, na articulação dos estudos teóricos com a pesquisa de campo. Importa destacar que a coleta de dados foi amparada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e/ou dos termos de autorização firmado entre o pesquisador e os sujeitos participantes desta pesquisa, bem como junto ao responsável legal por cada instituição onde a investigação foi realizada, a fim de garantir os aspectos éticos na identificação de instituições e pessoas. Para uma melhor compreensão sobre as implicações da mediação no universo artístico, especifico a seguir as minhas primeiras experiências como mediador.

Experiência de mediação em contexto museológico

No ano de 2014, quando cursava Licenciatura em Teatro na Universidade Estadual do Paraná - Unespar/Brasil, recebi a notícia de uma vaga de estágio disponível para a função de mediador no museu Solar do Barão . O espaço promovia um projeto denominado Ação Educativa, com o objtivo de promover a educação patrimonial por meio de mediações realizadas em diferentes roteiros, oportunizando o acesso da comunidade à arte e ao patrimônio, para colaborar com o processo de integração cultural, valorização da memória e construção do conhecimento.

O termo mediações, contido na definição dos objetivos a serem desenvolvidos no projeto Ação Educativa, carrega em seu sentido a ligação substancial entre mediação e educação. Cabe destacar, na descrição do serviço da ação educativa, que o objetivo era promover o acesso da comunidade à arte, proposta esta presente nas práticas de mediação em distintos museus da atualidade. Segundo Rejane Galvão Coutinho e Camila Serino Lia:

Caiu em desuso o termo visita guiada para a ação e guia para o sujeito que organiza essa ação. Tornou-se anacrônico também o uso dos termos orientador de público ou monitor para se referir ao sujeito que propõe e encaminha ações educativas. Por outro lado, não há um consenso sobre qual a nomeação mais adequada, que melhor qualifique essa ação e o sujeito propositor, as escolhas parecem se justificar e fundamentar nas correlações que se fazem com os campos afins que se entrecruzam. Temos ações educativas conduzidas por educadores; temos visitas mediadas conduzidas por mediadores; temos visitas simplesmente conduzidas por arte/educadores, ou por artistas-educadores, ou ainda por educadores-artistas que instauram situações de aprendizagem em colaboração com os públicos. (2018, p.146)

As autoras apresentam termos e definições atuais e distintas para descrever os responsáveis que propõem e encaminham as ações educativas, por exemplo, quando cita as ações educativas que são conduzidas por educadores e visitas mediadas conduzidas por mediadores. Mesmo diante das diferentes nomenclaturas, educador e mediador, de acordo com a autora, as expressões possuem funções e objetivos similares.

Em novembro de 2014, fui contratado pela Fundação Cultural da cidade de Curitiba, quando iniciei meu trabalho como mediador no museu. É importante ressaltar que todos os mediadores do espaço eram estagiários, estudantes de diferentes cursos superiores como Artes Visuais, História e Teatro. Ao ser apresentado ao trabalho, minha função era guiar estudantes advindos de escolas públicas e particulares da Educação Básica e grupos de visitantes espontâneos pelo museu. Assim, a primeira ação era adentrar com os espectadores nas salas do museu e, ao longo da visita pelos acervos culturais, uma descrição das obras era realizada por mim. A explanação consistia na apresentação do contexto histórico das obras, no processo de criação do artista e, por último, o intuito era incitar o público com questionamentos acerca das produções artísticas. As perguntas direcionadas aos espectadores tinham como objetivo captar a recepção de cada um, por exemplo: “Vocês gostaram da obra?”, “O que a obra suscitou em vocês?”. Do mesmo modo, muitas vezes, as perguntas eram relacionadas com as informações trazidas pelo mediador sobre o contexto e o processo de criação do artista. Cabe destacar, no decorrer deste trabalho, muitos espectadores mencionaram que era o primeiro contato deles com obras artísticas e experiências estéticas.

Esta abordagem me foi apresentada pelos colegas mediadores/estagiários, de maneira geral, uma prática funcional e comum nos museus. No entanto, é preciso ressaltar que não houve uma formação pedagógica para iniciar a função de mediador, todo o trabalho desenvolvido era pensado com base nas experiências pessoais e na troca de saberes entre os colegas mais experientes. Mesmo assim, estávamos proporcionando o acesso dos visitantes às obras, com base nas explanações realizadas advindas dos estudos individuais e coletivos entre os mediadores, apresentando ao público o contexto e o processo de criação dos artistas.

Além das experiências relatadas, os visitantes eram conduzidos à Gibiteca , onde muitos deles tinham o seu primeiro contato com um vasto acervo de gibis, quando apresentávamos quadrinhos nacionais e internacionais. Após o estabelecimento de uma familiaridade inicial com as obras, os visitantes eram convidados a participar de diferentes atividades. Uma das principais ações realizadas neste espaço era o exercício de desenhar personagens em uma folha em branco dividida em três partes: cabeça, tronco e pernas. Cada participante desenhava uma parte, posteriormente, os três fragmentos eram encaixados, ao final, o resultado era uma personagem construída em grupo.

Estas experiências iniciais no museu contribuíram para ampliar o próprio entendimento acerca do que é, e o que pode ser a mediação. No entanto,

Observamos, no contexto brasileiro, que mediação pode estar fortemente associada à ideia de tradução de conhecimentos artísticos para visitantes de museus e centros culturais com intuitos diversos como o de aproximar e dar acesso, o de possibilitar a ampliação de repertório ou o de formação de público para as artes. Essas perspectivas partem de um pressuposto comum que pensa o visitante como leigo e incapaz de acessar e compreender por si as produções artísticas, justificando e valorizando o discurso institucional reproduzido pelos educadores e justificando a própria presença dos educadores nas instituições. Muitos programas educativos se organizam exatamente nessa direção, já outros (poucos) procuram justamente desconstruir essa ideia prepotente revelando os mecanismos reprodutores, e há ainda uma minoria que se propõe a escuta do que tem a dizer os educadores sobre seus conflitos e os visitantes sobre suas [in]capacidades nesse contexto. (Coutinho e Lia, 2018, p. 146)

De modo frequente, tive receio da minha experiência como mediador ter sido como observa a autora, um meio de traduzir a obra. De certo modo, a experiência no museu esteve próxima desta perspectiva. Contudo, cabe ressaltar a mediação como uma experiência potencial para mobilizar as capacidades perceptivas do público, para a instauração de um espaço de compartilhamento das relações estabelecidas, associadas com os sentidos travados com a produção artística. Assim, a mediação pode ser algo mais do que a tradução de uma obra, sobretudo, quando, para além da apresentação do contexto histórico e criacional da obra, o público participa das oficinas, espaço profícuo de apropriação e criação, ampliando a percepção e a relação dos espectadores com o universo artístico. De acordo com Mirian Celeste Martins, um dos principais objetivos da mediação é “possibilitar encontros, aproximações à poética da obra e do artista, provocar experiências estésicas que superem a anestesia.” (2017, p. 8)

Nesse sentido, cabe salientar outra concepção sobre a mediação. Segundo Coutinho e Lia,

Há também o entendimento da mediação como possibilidade de propiciar vivências ou experiências com a arte, e aqui há também diferentes matizes, como as iniciativas que privilegiam a essencialidade da própria arte como finalidade da experiência; ou a tônica na possibilidade única de vivenciar presencialmente uma experiência estética; ou ainda a possibilidade lúdica e prazerosa de viver tal experiência. (2018, p. 147)

As autoras propõem a mediação como possibilidade de propiciar vivências ou experiências com a arte, apontando para diferentes matizes, seja ela a obra como finalidade de experiência ou o viver presencialmente uma experiência estética. De fato, a arte possibilita experiências das mais variadas formas e o termo experiência é recorrente nos estudos acerca da mediação.

Para o aprofundamento sobre a experiência na arte associada com a mediação, os estudos de Jorge Larrosa Bondía contribuem para problematizar o sujeito da experiência, definindo-o como um território de passagem e como um espaço onde têm lugar os acontecimentos. Do mesmo modo, o autor apresenta a experiência como travessia e perigo, e também como paixão.

Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. (Bondía, 2002, p.26)

O conceito de experiência e as colocações do sujeito dadas por Bondía contribuem para uma reflexão sobre práticas que incluam o visitante do museu a vivenciar situações que possibilitem um atravessamento sensível para uma fruição artística que pode ser intensificada, uma vez que o impacto da recepção reverbera para além do momento da apreciação.

As experiências travadas com a arte e a cultura podem proporcionar compreensão mais significativa de mundo, pois “diante do turbilhão de informações efêmeras, fragmentadas e aceleradas, o homem moderno vê-se incapaz de incorporar à sua memória as impressões do vivido” (Carvalho, 2005, p. 126). Assim, a mediação potencializa um aprendizado que proporciona a apropriação de novos saberes, abrindo espaço para a experiência estética e favorecendo novas significações. Portanto, a experiência “se acumula e se prolonga, vai além do próprio tempo” (Ibidem, p. 126).

Neste sentido, os autores apresentados apontam a mediação como um espaço para a experiência estética, possibilidade de encontros e de atravessamentos. Cabe retomar a colocação da pesquisadora Ana Mae Barbosa, apresentada no início do texto, quando afirma que a educação em sua essência é mediação. Logo, este estudo compreende a mediação como espaço para experiência e a educação como mediação. Em consonância com esses argumentos, os estudos de Paulo Freire (2005) apresentam o conceito de mediação no sentido de o mediador estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem, não a transmissão de informação, uma vez que a mediação não é entendida como algo neutro, mas um ato de desvelamento da realidade que também não é neutra. Nesse sentido, os sujeitos da experiência para Freire, abordados como sujeito da educação, devem estar inseridos nessa realidade com o objetivo de transformá-la.

Já que ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática ‘bancária’, são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos passivos. (Freire, 2005, p.79)

Freire aponta a educação como um processo de correlação entre sujeito e mundo. Nesse sentido, a mediação está inserida mais uma vez como espaço de apropriação de novos saberes. Quando o sujeito é mediatizado, ele está inserido em uma experiência sensível e apreende um novo saber. De acordo com Arlene Oliveira Von Sohsten, “a mediação pode provocar uma ruptura no sentido de uma mudança de percepção por parte dos/das estudantes/espectadores(as) e se configurar como um espaço de troca estético-político” (2016, p.26).

A área cultural e artística conta com várias possibilidades de mediação entre o público e a obra. O mediador, a partir dos fundamentos da arte e da educação, ao intermediar uma produção artística, deve ser a figura que pretende instigar o espectador a pensar sobre as possíveis relações do próprio repertório em relação ao universo poético da obra apreciada.

Experiência de mediação teatral em contexto universitário

No ano letivo de 2015, tive o primeiro contato com a mediação teatral no Curso de Licenciatura em Teatro da Unespar, quando cursei a disciplina obrigatória Projeto de investigação em Teatro Educação - PINTE, ofertada na 3ª série. A disciplina foi ministrada por dois docentes , quando propuseram aos discentes uma experiência de mediação teatral. Para o desenvolvimento do trabalho, a turma foi convidada a assistir o espetáculo teatral musical “Crônicas Noturnas” , da companhia Benedita de Teatro, no Centro da Juventude Eucalipto, no bairro Alto Boqueirão, na cidade de Curitiba/Brasil. O público foi composto por estudantes da Educação de Jovens e Adultos - EJA e seus professores, da Escola Municipal Sophia Roslindo. O projeto foi desenvolvido com base em uma estrutura artístico-pedagógica de mediação, pautada no desenvolvimento de uma formação dinâmica do público, conforme apontado por Ney Wendell Cunha Oliveira:

[...] uma metodologia que une processos artísticos e pedagógicos para mediar o público na sua relação com a obra cultural. É formada por um conjunto de ações educativas que se dividem em etapas antes, durante e depois do encontro do público com as obras artísticas. (2014, p. 6)

A mediação se desenvolveu em três etapas intercomplementares: preparação (antes do espetáculo), espetáculo (durante) e prolongamento (depois do espetáculo). A preparação consistiu em uma oficina ministrada pelos acadêmicos, sob a supervisão de um dos docentes orientadores da disciplina, com os estudantes do EJA. A turma era composta por 25 estudantes, com faixa etária entre 40 e 60 anos de idade. Para iniciar a proposta, dispomos as cadeiras em círculo e nos posicionamos pelo espaço separadamente entre os estudantes/participantes.

O primeiro exercício realizado teve como objetivo a apresentação de cada integrante, na qual os mesmos impuseram um determinado ritmo por meio de percussão corporal (palmas, estalos de dedos, batidas de pés no chão etc.), quando cada participante “cantou” seu nome no ritmo imposto pelo grupo e rimou com alguma frase, por exemplo: o meu nome é Kassiano, e eu gosto de piano. Este primeiro jogo contribuiu para um diagnóstico preliminar dos estudantes para o estabelecimento da condução dos próximos exercícios. Em seguinda, conduzimos uma breve conversa sobre a experiência teatral deles, momento em que identificamos uma turma heterogênea, alguns já haviam assistido produções cênicas, outros nunca tinham ido ao teatro, e alguns relataram experiências como atores em atividades escolares.

Após todos os participantes se apresentarem, coordenamos uma prática corporal, que incluiu alongamentos e exercícios de respiração e aquecimento vocal. A dinâmica foi seguida de uma caminhada para o reconhecimento do espaço e suas possibilidades de deslocamento, de percepção corporal, pessoal e de grupo. Ao iniciar as referidas atividades na sala de aula, percebemos que os estudantes estavam apreensivos e receosos a participarem da proposta, porém no decorrer dos exercícios, eles se soltaram cada vez mais. Na etapa de planejamento imaginamos que pelo fato dos estudantes serem mais velhos, eles acabariam não realizando as atividades propostas, o que não aconteceu.

Na sequência, utilizamos a metodologia denominada de Estímulos Compostos, sistematizada pelo pesquisador John Somers (2011), definida como um conjunto de diferentes artefatos, contendo fragmentos de texto, imagens de época, objetos e documentos envelhecidos, dentre outras possibilidades. Sobre tal proposta:

O estímulo composto reúne um conjunto de artefatos - objetos, fotografias, cartas e documentos, por exemplo, em uma embalagem apropriada. A história que se desenvolve a partir dele ganha significância através do cruzamento de seu conteúdo - o relacionamento entre os artefatos nele contidos - e como os detalhes de cada um sugerem ações e motivações humanas. (Cabral, 2006, p. 36)

No pacote de estímulo composto elaborado, continha objetos que dialogavam com a temática do espetáculo. Orientamos os participantes a observarem os objetos disponibilizados no meio da roda para imaginarem personagens às quais esses objetos haveriam pertencido. Ao se relacionar com tais artefatos, os estudantes trouxeram memórias da infância e da adolescência. Em um segundo momento, cada participante teve a oportunidade de “contar a história” dessa personagem imaginada/criada com base nos objetos apresentados. Em geral, essa proposta culmina com cenas improvisadas apresentadas para os próprios colegas da turma, mas em função da inexperiência com a linguagem tetral dos envolvidos, optamos pela exposição oral da narrativa elaborada.

No último exercício, antes do término da oficina de preparação, os participantes apresentaram seus colegas em círculo, a partir de histórias criativas, inventando um nome fictício para o colega ao seu lado e uma história que possibilitasse ao mesmo a criação de uma personagem e a continuidade do jogo com o próximo participante. No encerramento, o professor orientador explicou os objetivos do encontro, bem como os exercícios propostos pelo grupo e, de maneira introdutória, como ocorrem os processos de criação e montagem dos espetáculos teatrais na contemporaneidade.

No segundo encontro, no dia agendado para assistir ao espetáculo, nós discentes, acompanhados pelo docente orientador, reencontramos os estudantes do EJA para juntos assistirmos à peça “Crônicas Noturnas”. Após o espetáculo, os atores e a equipe de produção da Companhia abriram um espaço de aproximadamente trinta minutos para uma discussão sobre o processo de criação, montagem do espetáculo e acerca da temática abordada pelo enredo da encenação: a vida noturna da capital paranaense, dialogando com a temática dos cabarés, casas noturnas e a vida boêmia nos grandes centros urbanos.

Os participantes não se sentiram à vontade no início da conversa, mas aos poucos começaram a levantar questões como: “Qual o ponto de partida dos artistas para a criação?”, “Qual a formação dos integrantes do elenco?”, “Qual a forma de escolha das músicas que compõem o espetáculo?”, “Qual a importância dos cenários, figurinos e da presença dos músicos que acompanham os atores/cantores em cena?”, “Como se deu a formação atual do elenco e como foram escolhidos os músicos que participam do espetáculo?”, “Como aconteceu o processo de inclusão de atores e artistas no geral, que não pertencem à companhia responsável pela criação do espetáculo?”. As referidas indagações evidenciaram o interesse e a curiosidade deles sobre o espetáculo e o universo teatral.

Ao final deste encontro, haja vista que nem todos os estudantes se manifestaram, o docente orientador solicitou que cada um dos presentes dissesse em palavras os sentimentos suscitados e abordados pelo espetáculo, dentre as expressões ditas, destacamos: amor, sedução, luxúria, prazer e traição. O fato de o público ter voz após a peça, relacionar-se através de um bate-papo com os atores, foi uma maneira de aproximar o público da obra artística, uma vez que muitos espectadores nunca tinham ido ao teatro.

Ouvir uma palavra para definir a experiência singular dos participantes foi um processo enriquecedor para analisarmos em um primeiro momento a recepção do espetáculo e, em seguida, percebermos as singularidades e as subjetividades de cada um. O fato de todos os envolvidos ouvirem as palavras dos colegas, que culminou em uma discussão, fez com que nós, estudantes, professores e mediadores/discentes, começássemos a compreender de formas diferentes o espetáculo a partir das distintas opiniões, gerando novos olhares, interpretações e até mesmo aprofundando a experiência com a obra. Neste ponto, cabe destacar o conceito de recepção.

De acordo com a Estética da Recepção, por um de seus fundadores, Hans Robert Jauss (1994), a recepção é o impacto gerado pela experiência do leitor com a obra, assim, o receptor é compreendido como produtor do texto ao dialogar com a obra, pois atua como agente ativo na elaboração do sentido da mesma. Isso significa que o receptor deixa de ser considerado como simples destinatário passivo, para passar a atuar como agente ativo que participa na elaboração do sentido, na construção final da obra. De acordo com Robson Rosseto, “o estudo da recepção manifestou a importância do leitor na coprodução do significado do texto e destacou a ativa implicação do indivíduo receptor na atribuição de significados durante o ato de leitura” (2018, p. 34).

Com base nesta experiência com os estudantes do EJA, a recepção ocorreu no momento em que os espectadores assistiram ao espetáculo, contudo, a ação desenvolvida posteirormente, na atribuição de significados após a experiência estética, caracteriza-se como mediação. O fato dos espectadores manifestarem o que receptou e o seu sentido, faz-se mediação, na medida em que a experiência estética é redimencionada.

A terceira etapa, o prolongamento, aconteceu na semana seguinte. Voltamos para a escola com uma proposta de oficina de jogos teatrais com os mesmos estudantes do EJA. Iniciamos a oficina formando um círculo com os participantes em pé, para jogar o seguinte exercício: um jogador estabelece uma frase associada com uma movimentação corporal a ser transmida para o colega ao lado, o receptor assimila a proposição e acrecenta a sua ideia, seguida de outra frase com outra movimentação, assim por diante, até chegar ao último jogador, quando ele apresenta o resultado para o grupo. Em seguida, orientamos um exercício de aquecimento vocal e corporal,

Com os corpos alertas, os estudantes foram divididos em grupos de aproximadamente cinco participantes e orientados a escutar atentamente a música Folhetim, de Chico Buarque, na voz de Gal Costa. Com base na música, os grupos criaram cenas, em algumas situações, utilizando-a como sonoplastia, abordando a temática proposta pela letra da canção. Após um breve ensaio, cada grupo apresentou sua cena para os demais participantes, momento em que assumiram a condição de plateia. Após as apresentações, ocorreu uma discussão sobre as proposições cênicas e uma reflexão sobre a importância dos exercícios de improvisação e de jogos para o processo teatral.

A oficina foi finalizada com um exercício de criação e apresentação de uma radionovela, com os mesmos grupos das cenas anteriores. Neste trabalho, cada grupo desenvolveu uma mini radionovela, com duração aproximada de três a cinco minutos, que contou com a participação de um locutor, uma cena (capítulo) de um enredo e, no mínimo, uma propaganda (anúncio publicitário). É importante evidenciar que os participantes apresentaram cenas vinculadas com a temática do espetáculo assistido; o tempo todo, pontes foram estabeleciodas entre a peça e as suas proposições artísticas. Por último, uma conversa foi realizada, na qual os estudantes e os mediadores, bem como o professor orientador, expuseram suas impressões e sensações instigadas pelo processo de mediação e de comunhão entre a oficina de introdução aos processos teatrais e de formação de plateia.

Abordagem teórico-metodológica da mediação teatral

A experiência relatada com a mediação teatral ficou marcada como um espaço não apenas de aproximação do público com a obra, tampouco somente um aprofundamento da obra artística, mas, sobretudo, um espaço para (a)colher afetos e propor experiências significativas e singulares na vida daqueles espectadores. Desta maneira, “a arte como experiência estética constitui uma forma de ampliar a potência afetiva, possibilitando que os afetos se mobilizem para um olhar diferenciado na forma de perceber e viver a vida, [...]” (Barreiro, Carvalho e Furlan, 2018, p. 519).

Contudo, é importante ressaltar que a referida experiência com mediação no campo teatral é um exemplo de proposta dentre outras inúmeras possibilidades de se pensar e realizar práticas de mediação nas artes cênicas, visto que o conceito de medição, trabalhado e desenvolvido há mais tempo nas artes visuais, não se configura muitas vezes da mesma forma na linguagem teatral.

Há algumas décadas a mediação tem sido largamente utilizada em museus ao redor do mundo para aproximar o observador dos mais distintos estilos e formas no que concerne ao campo das artes visuais. Entretanto, no que diz respeito ao teatro, essa ação foi adotada mais recentemente e, nos últimos vinte anos, foi sendo introduzida de forma paulatina, tanto em relação aos modos de sua aplicação e seus objetivos, como em relação à quantidade de projetos realizados. (Matsumoto, 2018, p. 13.)

Assim, as concepções, propostas e projetos de mediação teatral estão em desenvolvimento recente no Brasil. Um dos pioneiros em estudos de mediação no âmbito teatral no país é o pesquisador Flávio Desgranges (2006), que investiga a mediação teatral como um meio de propor ao espectador autonomia para decifrar e construir novos significados, assim, o espetáculo não está finalizado em si, pelo contrário, estende-se além, sendo a interpretação subjetiva do espectador um prolongamento da experiência estética. Desta maneira, a mediação é compreendida como uma ação que possibilita a construção de significados, geradora de ressignificações da obra e de experiências estéticas. De fato, a percepção do espectador é fundamental para tais construções acerca da experiência. Para Rosseto, é “entre o espetáculo e o espectador, que existe uma experiência, uma aprendizagem” (2018, p. 51). Deste modo,

Uma encenação não representa nada, ela é aquilo que se percebe. O seu sentido é uma construção que emerge da relação da representação com um lugar singular da sensibilidade do observador. Só se tem acesso ao espetáculo, a partir do próprio espetáculo, através de um contato direto com ele, por isso é sempre um processo ligado à experiência e ao pensamento. (Rosseto, 2018, p. 51)

Diante da argumentação acima, a mediação é importante, na medida em que o espectador é sensibilizado, é atravessado pela experiência estética, em um processo de troca de saberes. Efetivamente, assistir a uma obra artística gera no espectador sentidos e conexões por meio da memória e da afetividade, cabendo uma reflexão dessas percepções a partir de ações mediadoras. Por esta razão, a influência do espaço cênico, da disposição dos elementos da cena e o conteúdo da obra devem ser notados e pensados pelo mediador, que contribuirá para ampliar as possibilidades de leitura e a ressignificação da experiência estética dos espectadores.

Aquilo que se percebe do espetáculo, aquilo que se passa na plateia, são dados fundamentais para a avaliação da experiência teatral, sobretudo, para pensar a posição do espectador na contemporaneidade e as novas perspectivas para a mediação de uma produção artística. Torna-se cada vez mais necessário colocar a experiência nas propostas de mediação teatral, uma vez que,

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteçaou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossívelnos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (Bondía, 2002, p.24)

Assim, o espectador deve ser estimulado a vivenciar, analisar e compartilhar sentimentos e experiências artísticas, pois expondo coletivamente suas dúvidas e descobertas, poderá ouvir e respeitar as ideias dos outros, discutir e trocar experiências. De acordo com Jacques Rancière (2012), o espectador contemporâneo é um sujeito ativo na relação com o espetáculo e plenamente capaz de traduzir signos e fazer associações simbólicas. Entretanto, a mediação tem potencial para expandir as possibilidades de interpretação e permitir ao espectador perceber detalhes que anteriormente não haviam chamado a atenção sobre uma determinada cena, por exemplo.

Oliveira (2014) apresenta a necessidade de o mediador olhar em 360 graus para ter certeza de que o público está ao redor do lugar que se encontra o produto cultural. “É um sentido de efeito de expansão do público, começando pelas pessoas que estão mais próximas à rua e à comunidade, depois parte-se para outros bairros, cidades, região, estado, país e onde mais se quiser trabalhar” (Oliveira, 2014, p. 14). De acordo com o autor, é preciso ampliar a percepção e entender que o público está presente em todas as partes e a mediação é um instrumento que deve atingir a todos, assim, será possível democratizar o direito à arte e à cultura.

Ao redor, se encontra um público em potencial capaz de fruir, de se integrar e criar vínculos com a produção cultural que está acontecendo ao seu lado. É um direito de saber e de conhecer para que esse público faça suas escolhas com autonomia. (Oliveira, 2014, p.14)

Ao olhar as pessoas em 360 graus, o mediador expande as possibilidades de mediação. O sujeito na contemporaneidade se relaciona de forma autônoma com a obra/produto cultural, logo, a mediação pode ser capaz de provocar experiências sensíveis, tendo em vista o fortalecimento de vínculos entre o sujeito e a cultura.

Portanto, é preciso compreender a mediação enquanto experiência, que se prova potente quando adequadamente trabalhada e desenvolvida em suas propostas. A obra artística tem em si um potencial catártico no espectador, mas a mediação como possibilidade de interpelar o espectador e provocar um novo estado, uma nova posição acerca de suas vivências, torna a mediação, mais que uma ferramenta pedagógica e artística, um espaço de partilhas, provocações e afetos.

A pesquisadora Maria Lúcia de Barros Souza Pupo (2011) entende a mediação teatral como a busca da experiência estética no espectador, como um instrumento de aproximação/apropriação entre obra e público. De acordo com a autora:

O conceito de mediação, sem dúvida, sofre assim um nítido deslocamento. Se na origem, como vimos, o conceito diz respeito à apropriação das obras pelo público, nesse momento ele passa a ocupar um espaço outro e a se configurar em um âmbito que vai além da leitura da obra. Integram-se agora dentro do termo as formulaçõese experimentações das crianças e jovens e a reflexão sobre a arte e sua inserção cultural. (Pupo, 2011, p. 121)

Diante desta afirmação, é possível compreender a mediação teatral, e as demais mediações do universo da arte, como um processo de ensino-aprendizagem artístico que vai além da relação entre promover um diálogo da obra com o público, mas um instrumento que potencializa experiências estéticas a partir da obra e não findadas nela. A partir das concepções expostas, a mediação contemporânea abarca um escopo variado de conceitos e possibilidades no campo artístico.

Considerações finais

É importante ressaltar que as experiências relatadas com a mediação, tanto no museu quanto no teatro, culminaram em experiências significativas. A oportunidade de trabalhar com diferentes públicos que participaram das ações educativas com base em produções visuais e cênicas contribuiu na formação inicial de um dos pesquisadores, sobretudo, a experiência se revelou como um princípio formativo enquanto espectador e artista.

Na ação educativa realizada no museu Solar do Barão, os mediadores eram os responsáveis por contextualizar as obras e os artistas, além de desenvolver propostas pedagógicas com o público. Na disciplina PINTE, os acadêmicos articulavam o debate com o público e, quando ocorria a visita no espaço escolar dos estudantes do EJA, os estudantes universitários assumiam o papel de professores, devido à proposição de exercícios teatrais pautados na experiência com a obra artística. Com base nessas experiências, observa-se uma intensa relação na concepção de mediador enquanto educador/professor.

A mediação vivenciada no museu Solar do Barão e com o teatro no espaço universitário trouxe experiências significativas e, ao refletir sobre elas, é possível constatar que os trabalhos desenvolvidos estavam relacionados com o universo da pedagogia, assim como aponta Oliveira, segundo o qual, o mediador

[...] com experiência artístico-pedagógica: tem domínio e sabe aplicar técnicas de arte-educação nas ações culturais e com alguma especialidade dentre as diversas linguagens artísticas. Tem habilidade com a construção de material pedagógico (textos diversos, cadernos de atividades, documentos de orientação para públicos e artistas etc.) como suporte às atividades de formação de público e dos processos de acompanhamento e avaliação. (2014, p. 23)

O perfil e as funções de mediador apresentados por Oliveira fazem parte de um material didático , estruturado como caderneta, uma espécie de guia de possibilidades e de entendimentos acerca da mediação e, consequentemente, sobre o papel do mediador. É um material que expõe a perspectiva didática e conceitual sobre a mediação artística, apresentando possibilidades de pensar e atuar em mediação. Com base neste estudo, o trabalho desenvolvido no museu e no curso de graduação está associado com a perspectiva de Oliveira, de um mediador artístico-pedagógico.

O processo de aproximação e aprofundamento de uma obra é muitas vezes criado e guiado pela figura do mediador, na medida em que é estabelecida uma relação de proximidade que ocorre entre o mediador e o espectador, fazendo proposições que contribuem para a interação do público com a obra. De fato, o mediador é aquele quem recebe e prepara o público para a apreciação e a fruição estética. À vista disso, o mediador é um agente da experiência artístico-pedagógica, que se percebe nos afetos e que neste processo de troca, diálogo e escuta, é passível de ser afetado e quando afetado, desestabilizado a se relacionar com o outro de forma sincera e absoluta, com o estado de atenção amplo e dinâmico. Nessa acepção, a figura do mediador é compreendida como um educador, um propositor de práticas e reflexões que amplia possibilidades de relação do espectador com a obra. Uma figura central neste âmbito artístico-pedagógico, por ser a responsável pela criação de uma mediação como espaço para (a)colher afetos.

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Recebido: 28 de Abril de 2023; Aceito: 13 de Outubro de 2023

Notas Biográficas Victor Emanuel Carlim Ator, arte-educador, Mestre em Artes e graduado em Licenciatura em Teatro pela Universidade Estadual do Paraná, campus de Curitiba II, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-4089-0613 Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus de Curitiba II, Rua dos Funcionários, nº 1357, Cabral, Curitiba - Paraná, 80035-050, Brasil / victor.carlim@gmail.com

Robson Rosseto Ator, diretor teatral e professor do Programa de Pós-Graduação em Artes - PPGARTES (Mestrado Profissional) e do Curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus de Curitiba II, Brasil. Doutor em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Mestre em Teatro pela Universidade Estadual de Santa Catarina - UDESC. Líder do Grupo de Pesquisa Arte, Educação e Formação Docente (CNPq/Unespar) e coordenador do GT Pedagogia das Artes Cênicas da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas - ABRACE. https://orcid.org/0000-0002-7905-9819 Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus de Curitiba II, Rua dos Funcionários, nº 1357, Cabral, Curitiba - Paraná, 80035-050, Brasil / robson.rosseto@unespar.edu.br

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