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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.au23 Lisboa out. 2023  Epub 09-Out-2023

https://doi.org/10.15847/cct.29296 

ARTIGO ORIGINAL

Histórias de despejo e resistência: ser idoso no centro de Lisboa

Stories of eviction and resistance: Being elderly in the centre of Lisbon

1CIAUD-FAUL, Cento de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail: fa.pavel@gmail.com

2CICS.NOVA, FCSH, Universidade Nova de Lisboa

3CEG, IGOT, Universidade de Lisboa e Laboratório associado TERRA, Portugal. E-mail: anaestevens@campus.ul.pt


Resumo

Os processos de turistificação dos bairros centrais de Lisboa surgiram, de um modo geral, na sequência de políticas públicas neoliberais, que tornaram a cidade num lugar de reprodução de capital apetecível aos movimentos da finança transacional. Neste contexto, a cidade mudou a sua imagem e assistiu à transformação do seu tecido socioeconómico. Perdendo a sua função social, a habitação passou a ser vista como um ativo financeiro e muitos alojamentos familiares, especialmente no centro histórico, passaram a ter funções turísticas. Para que isso fosse possível, ao abrigo do Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano de 2012, parte da população residente foi despejada, directa ou indirectamente, das suas habitações. Outros residentes enfrentam dificuldades para permanecer no local, sendo, por exemplo, vítimas de bullying imobiliário, ao mesmo tempo que assistem à profunda transformação das suas áreas de residência em lugares turísticos e/ou de elite, onde os serviços são direcionados a um público de passagem e/ou com elevados recursos económicos com a consequente exclusão dos residentes tradicionais. Esta população, em muitos casos vulnerável e de parcos recursos económicos, é constituída, em parte, por pessoas idosas (com 65 ou mais anos). Tanto os despejos, como os casos de resistência são difíceis de quantificar e estudar, fazendo com que esta população seja, muitas vezes, ignorada e esquecida. Tendo como base este contexto, queremos reconstituir os impactos que as mudanças no tecido socioeconómico dos bairros centrais de Lisboa têm tido sobre a população idosa. Com este fim, realizámos entrevistas a atores chave presentes no território (i.e. moradores, associações locais, autarquias). Dando visibilidade a este fenómeno, pretende-se contribuir para a discussão considerando as ideias e as propostas de cada ator para a produção de políticas que possibilitem um maior equilíbrio sócio-territorial.

Palavras-chave: Lisboa; turistificação; população idosa; despejos; habitação

Abstract

The processes of touristification of Lisbon's central neighbourhoods have generally emerged in the wake of neo-liberal public policies, which have turned the city into a place of capital reproduction attractive to the movements of transactional finance. In this context, Lisbon changed its image and witnessed a deep transformation of its socio-economic fabric. While losing its social function, housing became a financial asset and many family dwellings, especially in the historic city centre, began to be used to support the tourist economy. To make this possible, and under the New Urban Lease Law of 2012, part of the resident population was evicted, directly or indirectly, from their houses. Other residents face various difficulties in remaining there, being victims of real estate bullying, while witnessing the profound transformation of their areas of residence into tourist and/or elite sites, where services are aimed at a passing public and/or with high economic resources with the consequent exclusion of traditional residents. This population, in many cases vulnerable and of scarce economic resources, including a significant percentage of people aged 65 and over, considered to be elderly. Both evictions and cases of resistance are difficult to quantify and study. Because they are so often ignored and forgotten, we aim to acknowledge the impacts that the major changes in Lisbon’s central neighbourhoods had on the elderly population. For this research, we conducted interviews with key local actors (i.e., residents, local associations, and municipalities). By turning this phenomenon into a visible one, we expect to contribute to the development of a large discussion, which has to include the perspectives and proposals of all actors involved, so that fair public policies that enable a more excellent socio-territorial balance can be produced.

Keywords: Lisbon; touristification; elderly population; evictions; housing

Introdução

“As pessoas mais velhas não têm voz. Sempre viveram nas suas casas e não têm para onde ir. Uma mudança é uma violência para as pessoas que têm as suas rotinas, as suas dinâmicas” (dirigente da associação Aqui Mora Gente).

Em 2008 um relatório de diagnóstico sobre habitação em Portugal (Guerra, Mateus, & Portas, 2008) identificou a população idosa como estando numa situação de vulnerabilidade relativamente ao acesso à habitação. Por um lado, identificou carências em termos de segurança e conforto do parque habitacional e, por outro, uma população idosa com baixos rendimentos, impossibilitada de fazer face aos melhoramentos necessários nos seus alojamentos. Onze anos mais tarde, Ribeiro e Santos (2019) identificaram seis dimensões socioeconómicas na Área Metropolitana de Lisboa (AML) numa relação entre diversos indicadores resultantes dos Censos de 2011, relativos a indivíduos, alojamentos familiares, padrões de mobilidade e edifícios. Se nos detivermos no centro histórico da cidade de Lisboa, as autoras caracterizam-no pela dimensão ‘envelhecimento’ dos alojamentos e da população, considerando que a estes estão associados “edifícios antigos, arrendados, vagos, com grande necessidade de reparação ou muito degradados” (idem, p. 736). Neste retrato de 2011, o centro histórico distingue-se “por ter uma proporção significativamente mais elevada [comparativamente a habitação própria] de alojamentos arrendados ou subarrendados (61,4%), de edifícios a necessitar de grandes reparações ou muito degradados (12,1%) e de alojamentos vagos (25,9%)” (ibidem, p.738). Estes valores identificam as características de um território habitado por uma população idosa vulnerável e um património edificado degradado e com más condições de habitabilidade. Por outro lado, Ribeiro e Santos (2019) identificam uma elevada concentração de alojamentos destinados ao turismo e de ocupação sazonal, um acelerado processo de renovação impulsionado pelo aumento do turismo e um aumento do Alojamento Local (AL) e dos hotéis. Os dados dos Censos de 2011 apontavam para um cenário propício a mudanças socioeconómicas e territoriais profundas, em que a crise económica e financeira de 2008 teve um papel muito relevante (Cocola-Gant & Gago, 2019; Mendes 2017). Com o passar dos anos e com a produção de políticas públicas assentes em pressupostos neoliberais e na mercantilização da cidade, acentuaram-se as desigualdades já existentes e os grupos mais vulneráveis, como a população idosa, foram os mais afetados.

Em 2012, com o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), que alterou a anterior Lei do Arrendamento, o processo adensou-se. O NRAU surgiu em plena crise económica, tendo sido imposto pelo Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (2011) que a troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) desenhou. O Governo da altura1, considerou esta alteração uma medida positiva para dinamizar o mercado de arrendamento que se encontrava estagnado. Esta mudança coincidiu com uma cidade de Lisboa com um património habitacional muito degradado. As condições plenas para o fomento de um mercado habitacional especulativo estavam criadas. Esta lei permitiu aos senhorios aumentar indiscriminadamente as rendas dos seus alojamentos, tendo apenas uma salvaguarda inicial de 5 anos (progressivamente prorrogada até 2023) para os inquilinos com 65 ou mais anos, pessoas com incapacidade igual ou superior a 60% e pessoas com comprovada carência económica. O agilizar dos processos de despejo e a liberalização do mercado, juntamente com a criação de diversos incentivos fiscais (Estevens et al., 2023), num contexto de grande crescimento do turismo urbano (Pavel e Romeiro, 2022), atraiu investidores nacionais e globais com grande capacidade financeira, facilitando a transformação da habitação em alojamentos turísticos. Consequentemente, a população local começou a ser afastada das suas casas e dos seus bairros.

Com este artigo, de carácter exploratório e cariz qualitativo, pretendemos fazer uma leitura dos principais impactos que as mudanças socioeconómicas nos bairros centrais de Lisboa têm tido sobre a população idosa (maiores de 65 anos). Centrando-nos, essencialmente, nas mudanças que ocorreram em virtude de alterações legislativas no arrendamento urbano, e onze anos após a publicação do NRAU, queremos perceber o que aconteceu à população idosa residente nas freguesias de Arroios, Misericórdia, São Vicente, Santa Maria Maior e Santo António, escutando o que os próprios e outros actores relevantes no território têm para contar.

Colocamos como principal hipótese que a população residente idosa, em muitos casos com baixos recursos económicos, foi particularmente afectada pelas alterações legislativas e programáticas dos últimos anos. Aparentemente, esta faixa da população está protegida pela legislação em vigor, não podendo ser despejada. Contudo, o conhecimento empírico dos atores presentes no campo (e.g. população, associações, juntas de freguesia) revela uma situação diferente, na qual os idosos são frequentemente vítimas de acções directas e indirectas, por parte dos proprietários, que os forçam a abandonar o alojamento.

Após uma primeira nota metodológica, o presente texto estrutura-se em quatro partes que se articulam entre si. Na primeira parte, procedemos a uma breve análise das políticas públicas relacionadas com o arrendamento, contextualizando-as nas alterações sociodemográficas e económicas da cidade de Lisboa entre 2001 e 2021. Na segunda parte, debruçamo-nos sobre o papel da casa e de como a sua função social tem sido substituída ao longo dos anos por alojamento turístico, numa dinâmica que tem tido muitas consequências para quem habita a cidade. Na terceira parte, damos voz aos principais atores desta dinâmica. Finalmente, nas conclusões, apresentamos algumas reflexões, articulando-as com possíveis propostas para equilibrar e fazer regredir o processo em curso.

Metodologia

Este artigo de carácter exploratório e cariz qualitativo debruça-se sobre cinco freguesias do centro histórico de Lisboa: Arroios, Misericórdia, São Vicente, Santa Maria Maior e Santo António. A escolha destes territórios relaciona-se com dois aspectos: 1) o elevado índice de envelhecimento que têm; e 2) a diminuição da população idosa residente, a par de uma diminuição generalizada da população residente. De acordo com os Censos de 2021, estas cinco freguesias têm índices de envelhecimento elevados (Arroios - 193,14; Misericórdia - 234,31; Santa Maria Maior - 231,66; Santo António - 182,16; e São Vicente - 230,98) superiores ao da cidade de Lisboa (179,40). Este índice, que identifica a relação entre a população residente idosa (>65 anos) e a população jovem (0 - 14 anos), mostra-nos, claramente, o envelhecimento da população da cidade e das suas freguesias. Em 2011, este índice era de 172 para a cidade, tendo aumentado no último Censo. Este não é um facto recente, mas tem-se agravado ao longo da última década. Relativamente à década anterior, a população com mais de 65 anos teve uma redução de 2,56%, que é muito mais acentuada nas freguesias sobre as quais nos debruçamos: Arroios: -16,23%; Misericórdia: -28,84%; Santa Maria Maior: -33,52%; Santo António: -18,74%; e São Vicente: -22,88%. A freguesia de Alcântara que tem, igualmente, um valor elevado de diminuição da população (-16,45%) não foi considerada por não se localizar no centro da cidade.

Neste artigo empírico, analisamos as principais alterações legislativas e dados censitários (2001-2021) relativos a população residente, agregados familiares, alojamentos familiares e estado de degradação do edificado, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) através do Recenseamento da População e da Habitação. Tentando colmatar a lacuna existente na literatura académica relativamente aos despejos de população idosa, quisemos ouvir habitantes que foram alvo de despejo e membros activos da sociedade civil que têm tido um papel importante neste processo. O estudo dos despejos é complexo e não existem dados estatísticos que quantifiquem o problema. Este facto dificulta, também, a criação de soluções eficazes por parte das autoridades públicas (Slater, 2006). Assim, e com o intuito de perceber mais de perto esta questão, realizámos 10 entrevistas semiestruturadas e conversas informais, presenciais e online, em função da disponibilidade de cada entrevistado(a). Estas entrevistas foram realizadas a moradores, a ex-moradores, a dirigentes associativos e aos presidentes das juntas de freguesia consideradas nesta investigação que aceitaram o nosso convite. Foram entrevistas e conversas demoradas que queremos partilhar neste artigo através de transcrições. O trabalho de campo realizou-se entre os meses de Junho de 2022 e Março de 2023. Paralelamente, utilizámos, também, informação já recolhida em investigações anteriores. Nesta lógica de patchwork etnográfico, cumulativo e de continuidade do conhecimento adquirido (Günel e Watanabe, 2022), pretendemos olhar para esta investigação enquanto produto de um trabalho de campo que foi sendo construído ao longo de anos de pesquisa, preservando um compromisso a longo prazo com um pensamento lento, possibilitando uma reflexão mais aprofundada sobre o objecto em estudo e acompanhando as mudanças das condições de vida dos residentes da cidade de Lisboa.

Os instrumentos jurídicos de arrendamento. Rumo ao derradeiro esvaziamento do centro de Lisboa

Ao longo das últimas décadas a cidade de Lisboa tem perdido população residente. Entre 1981 e 2021, a população da cidade passou de 807.937 para 545.923 habitantes (-32,4%) (INE, s.d.). Esta diminuição é particularmente evidente nas freguesias centrais da cidade (Arroios, Misericórdia, São Vicente, Santa Maria Maior e Santo António), onde, entre 2011 e 2021, se registou um decréscimo populacional de 7,9% (INE, s.d.). Esta alteração é notada em todos os grupos etários, sendo, no entanto, mais acentuada no grupo com 65 ou mais anos que, na última década, diminuiu 22,23%. O número de eleitores é outro indicador que evidencia uma perda de residentes: entre 2009 e 2021, a cidade perdeu 9,23% dos seus eleitores e as freguesias que aqui analisamos perderam 22,51%, destacando-se as freguesias da Misericórdia (-33,43%) e de Santa Maria Maior (-33,49%).

Enquanto a cidade histórica perdia população, assistiu-se à progressiva consolidação dos territórios suburbanos, que ganharam autonomia em relação ao centro de Lisboa, bem como à progressiva consolidação da AML, levando a movimentos de descentralização e relocalização da população. Alterou-se, assim, a estrutura metropolitana, com a perda de importância do centro tradicional e a passagem para uma situação policêntrica e de fragmentação dos territórios (Barata Salgueiro, 1997). Estas novas centralidades “apresentam um padrão aleatório, simples produto social do jogo das oportunidades no mercado imobiliário pouco regulado” (Ibidem, p.189). As mudanças ocorridas foram influenciadas pelo rápido crescimento do crédito hipotecário, por políticas de habitação que promoveram um modelo privado de provisão, a bonificação a empréstimos à habitação e incentivos fiscais para aquisição de casa própria (Ribeiro e Santos, 2019, p. 730).

Paralelamente, operaram-se importantes alterações legislativas no âmbito do arrendamento. Até meados da década de 1980, o mercado do arrendamento, marcado por décadas de congelamento das rendas (Lavadinho, 2017), apresentava um quadro legal protecionista que favorecia a posição dos inquilinos e descapitalizava os proprietários (Mendes, 2022). Em 1985, com a Lei das Rendas2 iniciou-se um percurso de liberalização do arrendamento permitindo a atualização anual do valor da renda (Alves et al., 2023). Todavia, estas atualizações desagradaram tanto aos inquilinos, que viram as suas rendas aumentadas, quanto aos proprietários, que consideravam estes aumentos demasiado baixos perante a realidade do mercado.

Em 1990, o Regime de Arrendamento Urbano3 (RAU) possibilitou a criação de contratos a termo, bem como a atualização periódica das rendas. O RAU não alterou a situação dos contratos de arrendamento anteriores a 1990, mas permitiu a realização de novos contratos de arrendamento de duração limitada, com um mínimo de cinco anos. Este Regime foi alterado em 2006, com o Novo Regime de Arrendamento Urbano4 (NRAU), que estabeleceu um regime especial de atualização dos arrendamentos anteriores a 1990, que apresentavam valores consideravelmente inferiores aos do mercado. Esta atualização era feita quer em função do valor patrimonial do imóvel, quer em função do rendimento dos inquilinos. Mas foi com a revisão feita ao NRAU5 em 2012, que o mercado de arrendamento foi definitivamente liberalizado: 1) permitindo uma maior flexibilidade na definição das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento; 2) reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição dos contratos anteriores a 2006 para o novo regime, num curto espaço de tempo; e 3) criando um procedimento especial de despejo do local arrendado, permitindo, assim, a célere recolocação no mercado de arrendamento.

O NRAU insere-se num modelo de recuperação económica pós crise 2008, assente em políticas direcionadas para o turismo, para a captação de investimento financeiro externo e para a reabilitação (Figura 1) (Estevens et al., 2023; Estevens et al., 2022; Pavel e Romeiro, 2022; Santos, 2019). Nos últimos anos, Lisboa viu aumentar exponencialmente o turismo: o INE (2023) estimou que, em Novembro de 2022, o setor do alojamento turístico registou 1,7 milhões de hóspedes (+19,7% face ao mesmo mês de 2019) e 4,2 milhões de dormidas (+19,4% face ao mesmo mês de 2019), passando a estar na lista das principais cidades internacionais para passar férias. A par do crescimento do número de turistas, também o número de residentes estrangeiros, com elevada capacidade económica tem aumentado, graças aos dispositivos legais disponíveis para alguns cidadãos estrangeiros6. Esta realidade levou a processos de intensa turistificação, entendida como a transformação de uma área da cidade num lugar de consumo turístico onde as funções residenciais e comerciais tradicionais são substituídas pela proliferação de diversões e equipamentos para esse fim (Mendes, 2017; Gotham, 2005). Esta intensa turistificação do território está bem espelhada no centro da cidade, quando se constata que na última década as intervenções de reabilitação foram essencialmente direcionadas para criar novos hotéis e estabelecimentos turísticos (Estevens et al., 2023).

Neste contexto, os proprietários foram atraídos para o mercado de arrendamento de curta duração para fins turísticos, deixando cair a função social da habitação. Enquadrado desde 2008 pela figura jurídica do Alojamento Local (AL), com regime jurídico próprio, este passou a ser considerado um modelo mais vantajoso que o arrendamento de longa duração, permitindo uma maior flexibilidade de arrendamento e uma maior rentabilidade (Pavel e Romeiro, 2022; Cocola-Gant e Gago, 2019). Ao agilizar os processos de despejo, o NRAU de 2012 tornou-se um instrumento legal de relevo para concretizar esta situação. Em Lisboa, o número de AL passou de 46 unidades registadas em 2009, para 19.300 em 2021 (TdP, s.d.). Nas freguesias centrais localiza-se 71% desta oferta e em 50% dos edifícios existe uma ou mais unidades de AL (Estevens et al., 2023). A par dos AL, também o número de hotéis tem aumentado: entre 2009 e 2021, abriram em Lisboa mais 137 hotéis e destes 106 localizam-se nas freguesias centrais (idem). Se fizermos o contraponto com o número de alojamentos familiares, verificamos que entre 2011 e 2021, se perderam 1,2% dos alojamentos familiares na cidade. Se nos debruçarmos nas freguesias centrais, este valor aumenta para 18%, sendo que os valores negativos se destacam mais nas freguesias da Misericórdia e de Santa Maria Maior com 17,9% e 27,8%, respectivamente (INE, s.d.).

Figura 1 Cronologia da legislação descrita no texto 

As freguesias centrais da Misericórdia e de Santa Maria Maior, que em 2021 concentravam 42,85% dos AL da cidade (TdP, s.d.), nos últimos dez anos perderam, respectivamente, 26,1% e 22% dos seus habitantes, ao que se deve acrescentar a perda de alojamentos familiares (INE, s.d.). A este respeito, Miguel Coelho (Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (JFSMM), 2022), relata que:

“O problema não é acabar com [o AL]. O problema é de facto encontrar o justo equilíbrio (…). E isto está mais que desequilibrado. Quando de todos os fogos que nesta freguesia existem dados para habitação, 64% estão ocupados com AL já se percebe qual é a distorção que isto tem. Não é aceitável, não é possível.”

No intuito de conter o crescimento dos AL, em 2019, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou o Regulamento Municipal do Alojamento Local7 (RMAL), que estabeleceu algumas zonas de contenção (absoluta ou relativa) onde se impede ou limita a abertura de novos AL (Pavel et al., 2022; Pereira, 2020). A este respeito, Carla Madeira (Junta de Freguesia da Misericórdia (JFM), 2022) refere que:

“Através dos cadernos eleitorais apercebi-me logo, mal a freguesia da Misericórdia se tornou uma freguesia de contenção absoluta, a população começou a descer mais devagarinho (...) [agora já] não é aquela descida abrupta que nós víamos e isso passou a acontecer desde que o regulamento do AL entrou em vigor e a freguesia da Misericórdia passou a ser uma freguesia de contenção absoluta.”

Neste contexto de mudança assistiu-se ao progressivo aumento dos preços da habitação na cidade. Segundo a Confidencial Imobiliário (2020), o preço médio de venda €/m2 passou dos 1.704 em 2014 para os 3.724 em 2020, com um aumento do 118,5%; e o preço do arrendamento €/m2 passou de 9 em 2014, para 16 em 2020, registrando um aumento de 77,7%. Estes valores aumentaram consideravelmente nas freguesias centrais: entre 2014 e 2020, o preço de venda €/m2 aumentou 220,8% em Santo António; 170,5% em Arroios; 167,2% na Misericórdia; 153,6€ em São Vicente; e 135,2% em Santa Maria Maior. Já o preço de arrendamento €/m2 aumentou 122,2% em Santo António; 88,8% em São Vicente; 77,7% em Arroios; 72,7% na Misericórdia; e 63,6% em Santa Maria Maior. Se nos detivermos na remuneração média mensal em Portugal, segundo dados do INE, esta passou de 867,54€ em 2009 para 1005.9 € em 2019, tendo um aumento de 15,85%. Relativamente ao salário mínimo, segundo a mesma fonte, este passou de 450€ para 665€, entre 2009 e 2021 respectivamente, o que corresponde a um aumento de 47,78%. Apesar destes aumentos salariais, os habitantes, com salários pagos em Portugal, não conseguem fazer face aos aumentos dos valores praticados pelo mercado, o que decorre da sobrevalorização dos alojamentos familiares, em resultado do aumento do turismo e do alojamento turístico, bem como do interesse estrangeiro no mercado imobiliário, criando um enorme desajuste entre o preço da habitação e o poder de compra da população8.

O NRAU tem sido um instrumento fundamental neste contexto, sendo considerado por diversos atores (e.g. associações, ativistas, académicos) a alavanca jurídica que, através da agilização dos procedimentos de despejo, permitiu ao mercado ‘desbloquear’ e recolocar no mercado os numerosos prédios do centro histórico que se encontravam em mau estado de conservação e/ou habitados por famílias de parcos recursos económicos e com rendas muito baixas (Mendes, 2022; Paulo, 2017; Lavadinho, 2017). O NRAU, popularmente conhecido como ‘lei dos despejos’ ou ‘Lei Cristas’9, gerou muitas críticas e contestação por parte de inquilinos, associações e movimentos pelo direito à habitação pelas consequências imediatas que teve:

“A partir de Novembro de 2012 as filas aqui à porta [da associação] eram de dezenas de pessoas (...) para tratar das actualizações das rendas de acordo com o rendimento (...) [houve] situações dramáticas ” (dirigente da Associação de Inquilinos Lisbonenses de Lisboa, AIL, 2022).

Esta nova regulamentação (NRAU) inclui proteções para arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%. No caso de ser necessário desocupar a habitação para a realização de obras de remodelação e restauro profundo que obriguem à desocupação do locado, diferentemente de outros inquilinos que podem ser despejados, os inquilinos destes dois grupos, devem ser realojados temporariamente em condições análogas às que detinham, quer quanto ao local, quer quanto ao valor da renda e encargos, ou indemnizados. A idade, o grau de deficiência e a comprovada carência económica (quando o rendimento anual é inferior a cinco salários mínimos nacionais), garantem também que as rendas não sejam atualizadas durante um período transitório, após o qual a renda passa a poder ser atualizada para valores de mercado. Este período transitório, inicialmente de cinco anos (entre 2012 e 2017), tem sido sucessivamente alargado. Atualmente, prevê-se que a actualização destas rendas poderá passar a ser feita pelos valores de mercado a partir de Maio de 2023.

Os fortes interesses económicos sobre os imóveis do centro da cidade têm levado alguns proprietários a praticar atos pouco éticos, forçando ao despejo indirecto (Ascensão e Estevens, 2021). Incluem-se aqui casos de assédio no arrendamento, quebra de relações entre proprietários e inquilinos e pressões diversas, no intuito de levar os inquilinos, vistos como obstáculo para o negócio imobiliário, a abandonar o imóvel. Uma situação muito comum após a entrada em vigor do NRAU, foi os proprietários enviarem aos inquilinos com contratos anteriores a 1990, cartas a propor a transição para o NRAU, um aumento de renda e um termo para o novo contrato. Segundo o artigo 30º do NRAU de 2012, a falta de resposta por parte do arrendatário no prazo de 30 dias, valia como aceitação da proposta do proprietário. Quem tivesse simultaneamente mais de 65 anos (ou grau de deficiência superior a 60%) e carência económica, invocando tal facto e comprovando-o, podia opor-se às alterações. Neste caso o contrato só ficaria sujeito ao NRAU mediante acordo entre as partes. Porém, por desconhecimento das consequências e por confiarem nos senhorios, muitos inquilinos não responderam às cartas. Desta forma, e sem terem consciência disso, muitas pessoas, especialmente idosos, viram os seus contratos passarem a ter um prazo de cinco anos. Quatro anos após esta alteração contratual, os inquilinos começaram a receber cartas de aviso do fim do contrato, devendo abandonar o locado dentro de um ano. Esta situação levou a uma onda de despejos no período de 2017/2018. Alguns entrevistados relatam que:

“Com a enorme iliteracia que há por aqui, alguma iliteracia até geracional (…) houve muita gente que de repente viu estes estranhos à porta ‘a sua renda agora passa a ser X, se não pagar vai para a rua’ e de facto houve muita gente que (…) foi embora (...) foi dramático.” (Miguel Coelho, JFSMM, 2022)

“As pessoas, a maior parte delas, olharam para aquilo [as cartas] e não deram especial importância. Algumas até foram ter com os próprios senhorios, os senhorios disseram que tinha de ser assim, que os advogados diziam que tinha de ser assim e não contestaram isso (...) Os contratos de arrendamento passaram para 5 anos e o senhorio 1 ano antes podia comunicar a saída. (...) Foi o passar dos tais 5 anos e aí muitas pessoas começaram a cair na dura realidade e os senhorios, a grande parte deles, foram implacáveis. As pessoas saíram e saíram mesmo. E isso foi um horror, ver pessoas com 70, 80 e 90 anos. Chegámos a ter moradores com 90 anos que recebiam cartas dos senhorios. Eu acho que é uma crueldade, de uma desumanidade indescritível. São pessoas que moraram, muitas delas, a vida toda ali. Se não foi a vida toda, foi quase toda, e de um momento para o outro tiveram que sair.” Carla Madeira, JFM, 2022)

“A falta de regulamentação (...) foi-se alimentando a ideia de que a situação iria estabilizar. Mas não estabilizou e as mudanças demográficas aconteceram (...) depois de muitos anos da lei das rendas estagnada passou-se do 8 para o 80 (...) e vai tudo para o mesmo negócio (...) vamos para aquilo que está a dar no momento (...) eu enquanto autarca que fui eleito para defender e gerir este espaço geográfico vi-me a braços com coisas para as quais não tinha competências, não tenho ainda hoje (...) a defender os moradores porque se quebrou a rede de segurança deles, a rede de vizinhança foi quebrada (...) e tivemos de mudar a junta de freguesia para uma proximidade ainda maior do que já era (...) eu não sei o nome dos meus eleitores pelo número, eu sei pelo nome pois conheço-lhes a cara.” (Vasco Morgado, Junta de Freguesia de Santo António (JFST), 2023)

Face a esta situação, algumas juntas de freguesia, bem como diversas associações e organizações, ofereceram apoio jurídico gratuito:

“Contratamos uma boa equipa de juristas para defender ou para ajudar estas pessoas (...) em certa medida, não resultou sempre, mas a orientação que nós demos aos juristas foi: vamos sempre a tribunal! A posição da Junta é vamos a tribunal, ninguém aceita sair voluntariamente (…) e obrigar o juiz a decidir se a pessoa fica ou não fica. E devo-lhe dizer com agrado que, embora tenhamos sofrido algumas derrotas, houve muitas decisões judiciais em favor das nossas pessoas” (Miguel Coelho, JFSMM, 2022)

“Se não fosse o apoio jurídico por parte da junta de freguesia e das outras juntas da cidade de Lisboa, a situação ainda tinha sido muito pior” (Carla Madeira, JFM, 2022)

“Impedimos uma série de despejos fazendo a mediação entre os dois [inquilino e proprietário], com a presença do nosso gabinete jurídico (...) Nós temos um gabinete jurídico e tivemos de fazer dentro do gabinete uma bolsa do jurídico para isto (Vasco Morgado, JFSA, 2023).

“Logicamente que isso [a Lei] traz as pessoas um bocado angustiadas e preocupadas mas há leis e há advogados e há organizações que estão do lado das pessoas, e portanto as pessoas estão-se a mexer.” (dirigente da Associação Renovar a Mouraria, 2013).

Perante a evidência destas situações, em 2019 foram introduzidas algumas alterações ao NRAU10, destacando-se : 1) os arrendatários que vivem há mais de 15 anos na habitação passaram a não poder ver o seu contrato de arrendamento chegar ao fim; e 2) os inquilinos fragilizados (idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%) que possuam contratos de arrendamento celebrados entre 1990 e 1999, passaram a não poder ser despejados se viverem há mais de 20 anos naquele imóvel. Em ambos os casos, o contrato de arrendamento só pode chegar ao fim em caso de demolição ou obras profundas, acrescendo a criação de um regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência11 que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos.

Os abusos de poder dos proprietários e os violentos despejos foram denunciados por diversos movimentos sociais e grupos ativistas pelo direito à habitação, tornando públicos muitos dos casos. Perante esta realidade, em 2019, a Lei n.º 12/2019 passou a proibir e a punir o assédio no arrendamento ou bullying imobiliário, definido como sendo qualquer comportamento ilegítimo do proprietário ou dos seus representantes que, com o objetivo de desocupar o locado, “perturbe, constranja ou afete a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado”. Algumas das técnicas utilizadas para forçar os inquilinos a sair de casa são, por exemplo, intimidações que provocam um constante ambiente de insegurança, alterações contratuais sem os inquilinos estarem cientes da mudança, cortes de eletricidade, gás e água, mudança de fechaduras das portas, a realização de barulho intenso durante a noite de forma a impedir o descanso do inquilino, a não realização de obras urgentes ou, ao contrário, a realização de obras que retiram condições de habitabilidade ao prédio (e.g. retirar as escadas de acesso aos andares ou retirar o telhado). Um membro do Morar em Lisboa (2022) referiu que

“As pessoas não estavam informadas [acerca do NRAU de 2012], as pessoas assinavam novos contratos sem perceberem. Os inquilinos confiavam na relação que tinham com os senhorios, muitas pessoas foram enganadas”.

Outra situação frequente é a oferta de uma indemnização pecuniária para deixarem o apartamento. Frequentemente os inquilinos mais idosos e, eventualmente, com alguma iliteracia, não tendo noção dos valores de mercado, aceitam valores de indemnização baixos pensando que se tratam de valores altos que lhes permitirão adquirir uma habitação condigna. Contudo, são enganados. Um membro da Habita (2022) relatou que:

“Normalmente, as pessoas não querem sair, mas os senhorios, os novos senhorios, muitas vezes, porque são pessoas que compraram o prédio, fazem uma grande pressão. Vão lá todos os dias tocar à porta para as pessoas terem de sair. Dizem que têm muito dinheiro, ‘aceite este dinheiro’. Lembro-me de uma senhora que aceitou 30 mil euros e depois arrependeu-se. Sei que foi viver para fora de Lisboa com a filha pois apercebeu-se que com os 30 mil euros (...) não conseguia encontrar uma casa sozinha [em Alfama] (...). Mas vai todos os dias passar o dia a Alfama. Ela tem 70 e tal anos mas já não consegue criar outra vida. Ela passa o tempo todo em Alfama e arrepende-se hoje de ter aceitado o dinheiro. Porque esse dinheiro não serve para comprar uma casa.”.

Apesar das medidas protecionistas introduzidas na lei e do apoio legal oferecido pelas juntas de freguesia e associações, muitos idosos viram-se obrigados a abandonar as suas casas e os que ficaram fazem-no enfrentando outras dificuldades e resistindo.

A casa enquanto lugar político

“Em Janeiro de 2013 estive pela primeira vez em casa da Dona Piedade. Nessa altura, ela tinha mais de 80 anos. Vivia no bairro da Mouraria há mais de 60 anos numa casa muito pequena. Tinha vivido com os seus pais e a irmã e quando lá estive, o filho vivia com ela. A Dona Piedade sabia ler e escrever, tinha uma pensão de cerca de 300€ e pagava 60€ de renda. A casa, apesar de pequena, tinha uma cozinha, dois quartos, uma casa-de-banho e uma sala, mas não devia ter mais de 25 m2. Passava os seus dias num pequeno sofá na frente da televisão. As mudanças lá fora iam acontecendo. Estavam a decorrer as obras previstas no Plano de Ação do Quadro de Referência Estratégico Nacional da Mouraria. As obras na rua impediam-na de sair de casa, à Dona Piedade e a tantos outros idosos do bairro que iam espreitando pela janela e esperando a chegada de uma funcionária da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Passava semanas sem sair, refém da casa. A Dona Piedade faleceu em Julho de 2014 e desde essa altura o seu bairro mudou muito.

No rés-do-chão do seu prédio havia uma tipografia que foi substituída por um bar. Todo o largo sofreu uma grande transformação. Agora está mais bonito e rejuvenescido. Ouve-se falar inglês, os turistas vão ouvir fado aos diversos espaços de restauração que abriram. Mantém-se um dos restaurantes do bairro e uma tasca, o resto dos espaços comerciais mudou de ramo. O largo onde a Dona Piedade vivia tornou-se atrativo para turistas que procuram uma ’certa Lisboa típica’ que vão encontrando em símbolos que se foram esvaziando de significado.” Excerto do caderno de campo (Estevens, Setembro de 2022)

Como referem diversos autores (Myers 1990; Myers e Pitkin, 2009; Azevedo et al, 2019; Garhar e Azevedo, 2021), a estrutura etária dos habitantes de uma cidade é o factor mais relevante na relação entre população e habitação. Para além de influenciar a dinâmica das novas construções, influencia, também, a disponibilidade ou a escassez de habitação no mercado. Contudo, este não é um processo linear, nem simples, sendo influenciado por outros elementos, como a imigração ou as políticas públicas de habitação. No entanto, e como indicam Garhar e Azevedo (2021), os dados referentes à estrutura demográfica têm uma forte relação com os padrões habitacionais. Garhar e Azevedo (2021) referem que a rápida transformação da estrutura demográfica e da composição dos agregados familiares dos últimos quarenta anos, a par das mudanças na habitação, relativamente ao stock e ao regime de arrendamento, têm criado desajustes no mercado em Lisboa. Contudo, perante todos estes elementos, temos uma variável mais recente que tem tido grande impacto sobre o número de alojamentos disponíveis: o turismo. O aumento exponencial do número de turistas na cidade de Lisboa, tem potenciado a sua transformação levando a que muitos dos alojamentos de residência habitual se tenham transformado em alojamentos turísticos, como anteriormente explicitado. Adicionalmente, deve ainda considerar-se o número de alojamentos que pertencem a fundos de investimento ou a proprietários estrangeiros que não residem no país e que se mantêm vazios. Este último aspecto prende-se, entre outros fatores, à implementação de incentivos de política fiscal e financeira para atrair investimento externo (Estevens et al, 2022, Mendes, 2017)

Nos últimos anos a função social da casa foi-se perdendo, passando esta a ser considerada um activo financeiro e um elemento que alimenta a cadeia de acumulação e reprodução de capital. Este investimento, baseado numa expectativa de rápida valorização, tornou a casa no “melhor investimento do ponto de vista das taxas de rendibilidade oferecidas e das estabilidades destas” (Ribeiro e Santos, 2019, p. 728). A casa é um lugar político (Beauvoir, 2017 [1949]; Rose, 1993; Walby, 1993), um espaço onde se reproduzem múltiplos processos, como desigualdades, violência e exploração, mas é ou deve ser, também, um espaço de tranquilidade e de segurança onde, apesar de todos os constrangimentos do espaço público, se pode “ser sujeito” (Hooks, 1990, p.42). Todavia, a função social de habitar e abrigar, servindo de espaço de vivência e de organização das famílias, a par do direito à habitação, tem sido colocada de lado em favor de interesses especulativos. Segundo a Lei de Bases da Habitação12,“[considera-se] função social da habitação o uso efetivo para fins habitacionais de imóveis ou frações com vocação habitacional” e os imóveis ou frações habitacionais, tanto públicos quanto privados, participam “na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna”. Esta Lei foi posteriormente regulamentada pelo Decreto-Lei nº 89/2021, que, tendo em consideração a função social da habitação e a necessidade de promover o seu uso efetivo, no caso de edifícios devolutos, dá poderes aos municípios para “apresentar uma proposta de arrendamento do imóvel ao seu proprietário, para posterior subarrendamento” ou, no caso de imóveis em mau estado de conservação “para determinar a execução de obras necessárias à sua correção”.

Contudo, salvo excepções que possam existir e que desconhecemos, os municípios não se têm valido deste direito e têm deixado vazios alojamentos familiares que podiam estar habitados. Em Lisboa estima-se que a proporção de alojamentos familiares clássicos vagos seja de 14,9%, valores que aumentam bastante quando nos detemos sobre as freguesias centrais: Arroios - 18,7%; Misericórdia - 33,1%; Santo António - 25,3%; Santa Maria Maior - 31,4%; e São Vicente - 24% (INE, s.d.). Este elevado número de alojamentos familiares vagos13 coloca em evidência a falta de vontade política para resolver uma questão tão presente no quotidiano de quem vive nas freguesias do centro histórico14. Ao mesmo tempo, importa sublinhar que este excedente de habitação tem um forte impacto na vida da cidade. Por um lado, traz consequências negativas ao nível do ambiente e da qualidade de vida da população devido ao excesso de área edificada, ao risco de propagação de pragas e à possibilidade de queda de partes do edifício e, por outro, aumenta a despesa pública e privada na manutenção dos edifícios e nas suas infraestruturas básicas (água, luz e saneamento). Por que é que há tantas pessoas que não conseguem encontrar uma casa onde possam residir a preços que consigam suportar quando há centenas de casas vagas?

“No meu prédio, (...) dos 7 apartamentos, só 2 estão habitados em permanência. Os outros estão vazios a maior parte do ano (...) foram comprados por estrangeiros (...) não vive lá ninguém.” (moradora da JFM, 2022)

A transformação da habitação em mercadoria tem levantado muitas questões. Ao mesmo tempo que nos deparamos com uma grande proporção de alojamentos vagos, encontramos muitas pessoas a serem despejadas das casas onde construíram a sua vida e o seu quotidiano. Tal como é difícil contabilizar o número de despejos, também é complicado perceber para onde foram morar as pessoas despejadas. Os entrevistados deram-nos algumas pistas:

“Algumas pessoas que receberam alguma coisita, pouca, em dinheiro ou porque tinham uma casa na aldeia (...) pensaram ‘eu recebo alguma coisa e vou lá para a aldeia, fico por lá’. Algumas que foram desalojadas, a maioria foi ali para a zona de Chelas. Também está ali muita gente” (moradora-comerciante de Alfama, 2022).

“Alguns que tinham casas nas terras [de origem], começam a aperceber-se de que havia esta situação toda, esta pressão em cima deles, eles começam a ver ‘o senhorio já morreu, agora são outros, isso para mim não vai ser melhor’ e negoceiam até à saída. Pedem um bocado de dinheiro e vão para as terras (...) mas por norma os velhotes mantiveram-se com este sofrimento. Conforme vão morrendo, as casas ficam vazias. Isso também mata as pessoas. Eles pensam que têm uma espada na cabeça” (dirigente da Associação do Património e da População de Alfama (APPA), 2022).

“Há pessoas que vão viver para casa de familiares, outras pessoas conseguem arrendar casas em péssimo estado de conservação, casas que não estão habitáveis. Outras que têm mais redes nos bairros municipais, ocupam casas municipais, porque há casas municipais que estão vazias há anos e anos e as pessoas pensam: ‘olha, vou ocupar, vou arrombar a porta e ocupo’. Porque não vão ficar na rua” (membro da Habita, 2022).

A perda dos laços de vizinhança (Gago & Cocola-Gant, 2019) e as mudanças ao nível do comércio agravam a situação, a par do aumento do ruído e do lixo. O comércio passou de um comércio de proximidade para um comércio direcionado para o consumo turístico e/ou de elite (e.g. restauração e bebidas, lojas de souvenirs, lojas gourmet), que não serve as necessidades da população residente e tem preços muito elevados face ao poder de compra da população local. Paralelamente, assiste-se à cescente utilização do espaço público como espaço de entretenimento e consumo (privatização do espaço público), com destaque, em algumas áreas, para a animação nocturna (Cocola-Gant, 2015). Estas mudanças na vida dos residentes têm impactos profundos, forçando, muitas vezes, o deslocamento da população (Marcuse, 1985) que não consegue permanecer no lugar. Estes habitantes não são directamente despejados das suas casas, mas a não existência de condições para a vida quotidiana obriga-os a sair.

“As pessoas idosas são as que mais precisam, tal como as mães sozinhas com filhos (...) são pessoas que dependem muito dos laços de vizinhança e dos laços comunitários que existem em cada bairro. Quando têm de mudar sofrem brutalmente. Quando são obrigadas a mudar para outro bairro, mesmo que não seja assim tão longe, não conseguem tão facilmente restabelecer estes laços e refazê-los (...) Mudar de casa requer muita energia de uma pessoa, e uma pessoa mais idosa já está mais sedimentada nos bairros, na sua casa. A casa já tem muitas vivências, tem muitas coisas. São pessoas que, muitas vezes, estão sozinhas. Já não têm os amigos, as amigas, os vizinhos já foram morrendo (...) mudar de casa é muito violento para estas pessoas. Tanto da casa em si, pelas suas vivências, como de bairro” (membro da Habita, 2022).

“Todo o comércio desapareceu, só abrem bares e lojas de conveniência. Não há mercearias, não há nada. Tudo o resto secou", desabafou uma residente da freguesia da Misericórdia (2022).

“O bairro [Alfama] deixou de ter bancos, deixou de ter alguns serviços públicos que tinha que era apetecível para as pessoas ficarem a viver ali. Hoje as pessoas não têm nada!” (dirigente da APPA, 2022).

“Era um bairro em que tínhamos vida própria, com tudo. Com estabelecimentos. Nós não precisávamos sair daqui para nos abastecermos (...). Tínhamos aqui uma rua que era a Rua de São Pedro em que todas as portas eram lojas, mercearias, peixarias, hortaliças, sapateiros e tudo se perdeu. Hoje não temos nada (...) Começaram a aparecer outros tipos de comércio que nós não estávamos habituados (...) Toda a gente se virou ou para restaurantes com fado ou só abrem à noite. Porque também há outros interesses a nível comercial. Eu aqui vendo uma cerveja por 1€, eles ali vendem por 5€, tem fado” (moradora-comerciante de Alfama, 2022).

“Ao nível do comércio é outra coisa. Tudo quanto abre são bares. Todo o comércio desapareceu e o que abre são bares e aquelas lojas de conveniência, que também vendem álcool. Também se torna uma zona que já não é simpática para viver porque não tem nada ao pé… não há mercearias, não há nada. A gente quer qualquer coisa, tem um Minipreço e mais nada (...) Tudo quanto havia foi desaparecendo para dar lugar a bares” (membro da associação Aqui Mora Gente, 2022).

A resistência dos habitantes e os poderes públicos

Os idosos que puderam permanecer nas suas casas, tentaram adaptar-se à nova realidade socioeconómica dos bairros turistificados, muitos deles resistindo:

“A resistência foi muito difícil, para algumas pessoas, foi muito difícil. De alguma maneira também quisemos incentivar as pessoas a não aceitarem ou que exigissem mais. Que fossem recuperadas as casas, mas que as pessoas fossem ficando no sítio para depois voltarem, mas os interesses eram superiores a isso e muita gente acabou por sair” (moradora-comerciante de Alfama, 2022).

“Resisti durante muito tempo na casa onde vivi durante mais de 16 anos mas já não consegui mais. O senhorio todos os dias me telefonava a perguntar quando ia deixar a casa. Eu já não dormia com o desassossego em que estava, a minha saúde começou a ficar mal e fui piorando. Não consegui mais. (...) Primeiro, o senhorio disse-me que precisava da casa para os filhos e por isso, e apesar da minha idade [68 anos] tinha de sair. Depois, veio a pandemia e consegui ficar mais uns meses. Mas depois começou tudo de novo. Ainda pedi ajuda à Habita que me apoiaram sempre, escreveram cartas e ajudaram-me, mas depois não consegui mais e tive de sair. Naquela zona dos Anjos, não consegui arranjar nada. Uma cama num quarto partilhado custava mais de 250€ e eu não tenho esse dinheiro. (...) Sabe o que aconteceu à casa onde eu vivia? Foi vendida logo que saí e agora está em obras para fazerem um apartamento para turistas” (cidadão imigrante ex-morador nos Anjos, 2022,).

Perante todas estas situações, a percepção da realidade por parte dos atores envolvidos é particularmente negativa:

“Os poderes públicos praticamente nada fizeram para obstar a esse movimento de expulsão dos inquilinos” (membro da AIL, 2022).

“As soluções que a câmara dá são: ou a pessoa ir viver com familiares que, muitas vezes, não os tem (...) Isto não é uma solução de habitação (...) E a solução que a câmara dá é esta, ou vai para casa de familiares, se os tiver, se não tiver, diz para ligar para o 144 ou pedir ajuda à Santa Casa [da Misericórdia]. Só que no entretanto a pessoa já está na rua. Está a ligar para o 144 que não tem soluções, a Segurança Social não tem soluções, a Santa Casa não dá soluções e estão sempre a mandar uns para os outros. (...) depois mandam as pessoas para abrigos e estes abrigos são sítios onde as pessoas podem ficar dois dias, às vezes, uma semana. Abrigos onde têm hora para entrar e para sair, onde lhes tiram as coisas, onde as pessoas são tratadas como lixo (...) isto não é uma solução, é uma violência brutal! (...) a câmara não dá soluções e depois as pessoas têm de encontrar soluções por si próprias. É muito complicado” (membro da Habita, 2022).

Esta realidade coloca, muitas vezes,

“em causa valores fundamentais como seja o da própria dignidade da pessoa humana. A incapacidade do Estado para socorrer, porque é de socorro que se trata e não de ajuda, os mais fragilizados da sociedade é prova disso. O Estado Social tão almejado pela emancipação democrática é inexistente e em contrapartida o Estado assistencialista prospera e é capturado pelas forças políticas, por sua vez capturadas pelos grandes interesses económicos” (dirigente dos Vizinhos de Arroios, 2022).

Em consequência de tudo isto, os bairros vão-se esvaziando e a população residente perdendo força para continuar a resistir:

“Nestes dez anos muita gente já não está cá. A lei da vida já resolveu alguns problemas e a pressão especulativa afastou outros da cidade. E a cidade hoje é uma coisa assim muito vazia, muito vazia” (membro da AIL, 2022).

“Faz impressão. Isto é uma freguesia quase sem crianças. Sobretudo este bairro [Alfama].” (Miguel Coelho, 2022, JFSMM, 2022).

“O que está a acontecer é muito difícil de reverter… ou há uma mudança brutal para chamar novamente as pessoas para aqui ou vão ser anos e isto vai-se tornar cada vez mais um sítio… É como se dissessem assim: ‘aquela zona toda é para o turista, para o AL e para os bares, para a animação nocturna, e os moradores que se vão embora’. É mais ou menos isto que eles estão a fazer, estão-nos a mandar embora” (membro da associação Aqui Mora Gente, 2022).

Os entrevistados, quando questionados sobre qual a solução para este grave problema que afecta de forma particular esta área da cidade, consideraram que é necessário: 1) revogar o NRAU; e 2) regular as rendas, equiparando-as aos salários portugueses. Consideram, também, que é necessário criar programas de habitação pública que permitam a fixação da população e o regresso, à cidade e aos bairros, de quem teve que sair:

“Uma das propostas que eu fiz à câmara (...) É contar as casas da câmara em cada bairro que estejam disponíveis e lançar um concurso de candidatura para todas as pessoas que já cá moraram e que saíram daqui nos últimos 15 anos ou nos últimos 20, isso depois podemos negociar. São as pessoas que foram atingidas pela lei Cristas terem uma oportunidade para regressarem” (Miguel Coelho, JFSMM, 2022).

“Devia haver um incremento da renda apoiada para a população mais idosa mas é preciso haver um aumento da oferta pública e um assumir claro da regulamentação do AL” (Carla Madeira, JFM, 2022).

“A única coisa que eu pedi desde 2012 foi regulamentação, que foi o que não aconteceu (...) houve uma mudança mas não houve regulamentação (...) a regulamentação do mercado tem de ser feita (...) [mas também] têm de se pôr as casas todas no mercado para baixar o valor das rendas (...)(Vasco Morgado, JFST, 2023).

"É necessário: regulação, fiscalização e uma fiscalidade diferente, idêntica ao IRS, escalonada e progressiva (...) Sem medidas de regulação do mercado é muito complicado” (membro da AIL, 2022).

“É necessário regular as rendas, fazendo-as coincidir com os salários em Portugal” (dirigente da Vizinho de Arroios, 2022).

“ [A] conjuntura que deve ser revista, ficando o Estado do lado do social e não ao lado do mercado (...) É necessário: fazer uma lei do arrendamento que proíba o despejo (só em caso muito extremo e sem solução é que deve existir), maior justiça fiscal através do escalonamento das rendas, maior oferta pública de habitação, um registo nacional de arrendamento, uma política de fixação dos idosos no centro histórico, cumprir a constituição e o direito à habitação, mobilizar devolutos - alimentar um banco de habitação pública, levando à mistura social, manter restrições ao AL e o fim dos vistos gold e dos residentes não habituais” (membro da Morar em Lisboa, 2022).

“Havendo mais habitação pública resolve-se o problema! E a Câmara (...) e entidades públicas, Santa Casa da Misericórdia, os bancos, as companhias de seguros que têm prédios vazios, pô-los ao serviço público. Mas para isso tem que haver lei, tem que haver um governo que queira isso também!” (dirigente da APPA, 2022).

Neste contexto, salienta-se ainda a existência de diversas iniciativas de apoio comunitário, importantes para melhorar a qualidade de vida da população idosa. Destas destacamos o apoio dado pelas Juntas de Freguesia e diversas associações à população idosa (e.g. distribuição de bens alimentares, visitas domiciliares, minibus porta a porta), ou o incentivo à participação em actividades culturais (e.g. Universidade Sénior, visitas culturais, programas para tempos livres) tentando combater, de certa forma, o seu isolamento.

Reflexões finais

“As casas são para usar, não são para enfeitar” (membro da AIL)

A lei das rendas de 2012 veio alterar a dinâmica do mercado de arrendamento em Portugal e, em particular, em Lisboa. Este território que tem assistido a uma intensificação da atividade turística nos últimos anos tem sido palco de muitas mudanças socioeconómicas. Assistimos diariamente a um escalar do processo, que não tem, muitas vezes, em conta os grupos mais vulneráveis da população, nomeadamente os idosos, que pareciam protegidos pela legislação. Contudo, apesar da aparente protecção, a população idosa tem sido despejada das suas casas. Algumas das situações relatadas prendem-se com a existência de iliteracia imobiliária associada a alterações contratuais efectuadas mas, também, com situações de assédio no arrendamento ou bullying imobiliário. Com estas ocorrências que forçaram o despejo directo, relacionam-se outras que indirectamente provocam a saída dos habitantes dos bairros centrais da cidade de Lisboa: o desaparecimento de redes de solidariedade e de vizinhança, o aumento do ruído e do lixo. Perante este cenário, as juntas de freguesia e o tecido associativo têm acompanhado muitas situações de perto, especialmente a nível jurídico. De um modo geral, todos os entrevistados consideraram necessário regulamentar, por um lado, o aumento exponencial da actividade turística e hoteleira e, por outro, o acesso à habitação e ao mercado de arrendamento.

Perante a gravidade da situação consideramos importante a formulação de políticas estruturais de acesso à habitação a custos compatíveis com os rendimentos do país, contribuindo para a manutenção e fixação da população. Por outro lado, e tendo em conta a falta de dados relativos às situações de despejo e deslocamentos de população, julgamos essencial a criação de uma base de dados com esta informação, à luz do que existe noutras cidades globais.

Agradecimentos

Agradecemos às associações e às pessoas individuais que nos concederam entrevistas, partilhando connosco as suas experiências e conhecimento sobre a problemática que abordámos.

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1 XIX Governo Constitucional de Portugal (2011- 2015): governo de coligação entre o Partido Social Democrata (PSD), que ganhou com maioria relativa as eleições de 5 de Junho de 2011, e o Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP).

2Lei n.º 46/85

3Decreto-Lei n.º 321-B/90

4Lei n.º6/2006

5Lei n.º31/2012

6O estatuto de residentes não habituais (Decreto-Lei n.º 249/2009,) confere tributação reduzida para profissionais não residentes qualificados em actividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how e beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro; o Golden Visa (Lei nº29/2012), concede a residência em Portugal, juntamente com passaporte europeu, a cidadãos não europeus que invistam na compra de imóveis, em reabilitação, transfiram capitais em moldes específicos ou criem pelo menos dez postos de trabalho. Também o visto para nómadas digitais (Declaração de Retificação n.º 27/2022), concede a cidadãos fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu, com rendimentos mínimos de 2820€ por mês, viverem e trabalharem a partir de Portugal por um período máximo de um ano.

7Aviso n.º 17706 D/2019, em fase de revisão no período de finalização deste artigo .

8 Perante as dificuldades de acesso à habitação, em fevereiro 2023 o Governo (formado em 2022 com a maioria absoluta do Partido Socialista, PS) apresentou o pacote legislativo Mais Habitação. Não estando ainda aprovado na sua totalidade na fase de revisão do presente artigo, as autoras optaram por não o incluir.

9Deriva do nome da então ministra Assunção Cristas (CDS-PP) por iniciativa da qual foi criada a lei.

10Lei n.º 13/2019

11Lei n.º 30/2018

12Lei nº83/ 2019

13Alojamento familiar vago: alojamento familiar desocupado e que está disponível para venda, arrendamento, demolição ou outra situação no momento de referência (INE, s.d.)

14Recentemente, esta situação foi novamente contemplada por mais um pacote legislativo (Mais Habitação)

Recebido: 20 de Janeiro de 2023; Aceito: 20 de Julho de 2023

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