Introdução
A preocupação com a saúde mental da população intensifica-se durante uma grave crise social. Um evento como a pandemia do Covid-19 ocasiona perturbações psicológicas e sociais que afetam a capacidade de enfrentamento de toda a sociedade a vários níveis de intensidade e propagação. O ser humano reage de maneira diferente a situações stressantes. O modo como respondemos a uma pandemia pode depender da nossa formação, da história de vida, de características particulares, e do local onde vivemos.
A infeção causada pelo SARS-CoV 2 é uma doença viral altamente contagiosa, causando grande morbilidade e inúmeras perdas econômicas (Ministério da Saúde, 2020). Esta pandemia do Covid-19 não só atingiu todos os cantos do mundo como invadiu todas as dimensões da vida em comum (Dalli, 2020). Angola não é excepção e vivenciou um estado de Emergência durante mais de dois meses, seguindo-se um estado de Calamidade, com interrupção de aulas e atividades com mais de 150 pessoas, obrigando as pessoas a manterem distanciamento, uso de máscara, higienização frequente das mãos, entre outras medidas de prevenção.
Em Angola, os primeiros casos surgiram no final de Março de 2020, com 3 casos importados, sendo que a 27 de Abril apareceu o primeiro caso de transmissão local (Novo Jornal, 2020). Com vista a retardar a propagação do vírus, o Governo de Angola declarou um estado de emergência, com início às 00:00 horas do dia 27 de Março de 2020, com confinamento obrigatório e que durou dois meses (Inácio & Dias, 2020). No final do estado de emergência, a 25 de Maio, Angola contava com 70 casos positivos de Covid-19. A estratégia nacional traçada pelo Executivo, no âmbito do plano de contenção da doença, englobou uma campanha massiva e sistemática de informação envolvendo todos os meios de comunicação social do país. Esta estratégia assentou no pressuposto de que, quanto mais informada estiver a população, maiores são as probabilidades de se evitar o aumento de contágio pela Covid-19.
A situação de confinamento alterou os hábitos dos habitantes em geral, que se viram confinados às suas casas ou aos seus bairros. O ser humano não foi feito para viver confinado e na solidão, mas imposta uma obrigação coletiva e infelizmente necessária em estado de emergência, surgem consequências disso a nível social, revelam-se problemas psicológicos, intolerância, crescem os casos de violência doméstica, de burlas, entre outros (Cruz, 2020). Além disso, os povos latinos e africanos, mais do que os nórdicos, por questões culturais têm necessidade de contato físico. O distanciamento social a que o estado de emergência remete impede esse contato físico e isso também tem efeitos psicológicos negativos. Segundo o psiquiatra Júlio Machado Vaz (2020, p.11), a pandemia vai influenciar as relações emocionais e os laços afetivos, pois, «quando falamos de distanciamento, estaremos também a falar de alterações na possibilidade de tocar». Ainda segundo este psiquiatra, o toque provoca uma diminuição de stress e uma redução da frequência cardíaca, ou seja, acalma. Tudo isto é desaconselhado, ou mesmo proibido durante o estado de emergência devido à pandemia do Covid-19. É nesse sentido que surge esta pesquisa com vários grupos do Sul de Angola, a destacar, o dos estudantes do Instituto Superior Politécnico Tundavala e o do pessoal de saúde do Hospital Central Dr. Agostinho Neto-Lubango.
Também em Angola, um estudo feito por Boio, Pacatolo e Mbangula (2020), em três províncias de Angola (Luanda, Benguela e Huambo) mostrou que 61,3% dos inquiridos acompanharam com muita atenção as informações sobre a doença do Covid-19, 27,3% acompanharam com alguma atenção, e apenas 11,4% declararam acompanhar as informações sobre a doença com pouca ou nenhuma atenção. Apesar da grande maioria dos inquiridos acompanhar com atenção as informações, verificou-se ao nível das três províncias uma elevada percepção dos inquiridos (31%) de que os cidadãos do país não encaram os riscos da doença com a seriedade devida. Este estudo mostra ainda que a televisão é o meio de comunicação preferido pelos inquiridos (70%) e aquele em cujas informações confiam mais. Surpreendentemente, as redes sociais constituem a fonte de informação sobre a Covid-19 que os inquiridos menos confiam (34,6%).
Em Portugal, um outro estudo realizado pela Universidade Católica Portuguesa, onde participaram 1.700 sujeitos, revelou que, quando questionados sobre o número de vezes que saíram de casa nas duas semanas anteriores ao inquérito, 14% dos portugueses declararam que simplesmente não tinham saído. Uma minoria declarou que saíam raramente ou uma vez por semana, enquanto que 22% declararam fazê-lo uma vez por dia. Questionados porque saíram, a larga maioria afirmou que para fazer compras essenciais (62%) ou para trabalhar (23%). Os restantes saíram para ir à farmácia ou para apoiar a família (Faria, 2020).
As questões levantadas quer por Boio, Pacatolo e Mbangula (2020) quer pela Universidade Católica Portuguesa (2020), foram colocadas também aos sujeitos do nosso estudo.
Na impossibilidade de se fazer um rastreio a nível nacional ou mesmo regional, utilizaram-se pequenos grupos que englobam os estudantes universitários do Instituto Superior Politécnico Tundavala e os profissionais de saúde do Hospital Central do Lubango, com vista a verificar-se como se comportam em período de confinamento e se há diferenças entre os sentimentos e comportamentos de cada um deles nesta situação. É de salientar que este estudo foi realizado logo no início da pandemia, quando havia um grande desconhecimento sobre o vírus e incertezas quanto ao comportamento e ao futuro. Estes factos poderão ter influenciado as respostas dos sujeitos dos dois grupos de estudo, facto que deve ser tido em conta na interpretação dos resultados.
Metodologia
Objetivos
Pretende-se com este estudo ver qual o comportamento e quais os sentimentos dos sujeitos de dois grupos que compõem a nossa amostra, durante a quarentena provocada pela pandemia do Covid-19, imposta pelo estado de emergência em Angola. Nesse sentido, exploraram-se as relações quer entre as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, se vive sozinho e relações familiares) e os sentimentos durante a quarentena, quer entre os dois grupos.
Amostra
A amostra é constituída por dois grupos distintos, o primeiro, por 132 estudantes do ISPTundavala, que responderam online ao questionário, sendo 64 do sexo masculino (48,5%) e 68 do feminino (51,1%) e o segundo por 100 profissionais de saúde angolanos, que trabalham no Hospital Central do Lubango, sendo 51 do sexo masculino (51%) e 49 do sexo feminino (49%). Destes sujeitos, 31 são médicos, 42 enfermeiros e 27 são outro tipo de pessoal de saúde. Os sujeitos das 2 subamostras têm idade superior a 19 anos.
Instrumento
Foi aplicado um instrumento a que chamamos “Questionário de Sentimentos durante a Pandemia” (QSP). Este instrumento foi inspirado no “Questionário de Sentimentos”, de Spielberger, Edwards, Montuori e Lushene. É composto por uma primeira parte, com 5 questões que avaliam o comportamento dos sujeitos durante a quarentena e de uma segunda que avalia os Sentimentos, composta por 15 itens cotados numa escala tipo Likert (1, 2, 3) contendo 3 itens de cotação inversa (3, 2, 1). Os resultados calculam-se através do somatório da pontuação de cada item, sendo que valores elevados evidenciam mais sentimentos negativos em tempo de quarentena, em oposição aos valores baixos.
Com vista a verificar a sua fidelidade, aplicou-se o coeficiente alfa de Cronbach que deu .794, que é considerado bastante razoável. Este resultado mostra que o instrumento tem boa consistência interna e pode ser aplicado à população angolana.
Procedimentos
A recolha de dados para este estudo foi feita online para a primeira subamostra (dos estudantes do ISPTundavala), uma vez que as aulas estavam suspensas, devido ao estado de emergência decretado pelo governo; e para a segunda subamostra utilizou-se o Hospital Central do Lubango, com o pessoal de saúde que se encontrava de serviço durante o mês de Abril de 2020. Quer no primeiro caso, quer no segundo, foram informados sobre os objectivos da pesquisa e foi-lhes solicitado (online ou presencialmente, conforme o caso) a sua colaboração através de uma ficha de consentimento informado. Depois de recolhidos e organizados, os dados foram submetidos a tratamento estatístico através do programa Statistical Package for Science (SPSS versão 20).
Resultados
A. Subamostra dos estudantes universitários (ISPTundavala)
Começaremos por apresentar os resultados da subamostra dos estudantes universitários do ISPTundavala, recolhidos através do Questionário de Sentimentos Durante a Pandemia (QSP).
Os resultados da primeira parte do questionário estão espelhados nas Tabelas 1 e 2 e mostram que, em relação aos conhecimentos dos estudantes sobre a COVID-19, a totalidade considera ter conhecimentos sobre esta doença e a principal fonte de informação é a televisão (72,7%), seguida da internet (25,8). Ainda a Tabela 1 mostra-nos que a grande maioria dos estudantes (89,4%) considera que a doença da COVID-19 é muito perigosa para a sua saúde e muito perigosa para a saúde das pessoas em geral (97%).
Variáveis | Frequências | Percentagens | |
---|---|---|---|
Acha o COVID-19 perigoso para a sua saúde? | Muito Perigoso | 118 | 89,4 |
Pouco Perigoso | 14 | 10,6 | |
Nada Perigoso | - | - | |
Acha COVID-19 perigoso para a saúde das pessoas em geral? | Muito Perigoso | 128 | 97 |
Pouco Perigoso | 4 | 3 | |
Nada Perigoso | - | - | |
Tem conhecimentos sobre o COVID-19? | Não | - | - |
Sim | 132 | 100 | |
Onde obteve a informação? | Televisão | 96 | 72,7 |
Internet | 34 | 25,8 | |
Rádio | - | - | |
Jornais | 2 | 1,5 | |
Noutro sítio | - | - |
A Tabela 2 mostra-nos a forma como os estudantes cumpriram a quarentena. Podemos verificar que a maioria dos estudantes saíram pelo menos uma vez por semana (45,5%) ou várias vezes por semana (25,8%). Apenas 24,2% declararam que não saíram de casa e 4,5% que saíam todos os dias. Inquiridos sobre o motivo porque saíam de casa durante o período de quarentena, a grande maioria afirmou que saía para fazer compras (68%) ou ainda para ir trabalhar (20%). Poucos foram os que afirmaram sair para ir à farmácia, apoiar familiares ou outro motivo (4% cada). A grande maioria dos estudantes partilha a casa com outras pessoas (86,4%) e considera ter boas relações com elas (72,4%).
Variáveis | Frequências | Percentagens | |
---|---|---|---|
Quantas vezes saiu de casa? | Não saí | 32 | 24,2 |
1 vez semana | 60 | 45,5 | |
Várias vezes semana | 34 | 25,8 | |
Todos os dias | 6 | 4,5 | |
Motivo pelo qual saiu? | Compras | 68 | 68 |
Trabalho | 20 | 20 | |
Farmácia | 4 | 4 | |
Apoio a familiares | 4 | 4 | |
Outro | 4 | 4 | |
Sem resposta | 32 | - | |
Partilha a casa? | Não | 18 | 13,6 |
Sim | 114 | 86,4 | |
Relações com as pessoas da casa | Boas | 84 | 72,4 |
Razoáveis | 30 | 25,9 | |
Más | 2 | 1,7 |
Em relação à segunda parte do questionário, verificamos que o valor total mínimo de sentimentos negativos foi de 19, o máximo de 36, sendo a média de 27,8. A frequência das respostas a cada item do inquérito encontra-se na Tabela que se segue.
Variáveis | Frequências | Percentagens | |
---|---|---|---|
Sente 1 | Muito Calmo | 10 | 7,6 |
Calmo | 74 | 56 | |
Nada Calmo | 48 | 36,4 | |
Sente 2 | Muito Perturbado | 50 | 37,9 |
Perturbado | 66 | 50 | |
Nada Perturbado | 10 | 12,1 | |
Sente 3 | Muito Confortável | 8 | 6 |
Confortável | 62 | 47 | |
Nada Confortável | 62 | 47 | |
Sente 4 | Muito Nervoso | 64 | 48,5 |
Nervoso | 58 | 43,9 | |
Nada nervoso | 10 | 7,6 | |
Sente 5 | Muito Confiante | 14 | 10,6 |
Confiante | 64 | 18,5 | |
Nada Confiante | 54 | 40,9 | |
Sente 6 | Muito Tranquilo | 16 | 12,1 |
Tranquilo | 62 | 47 | |
Nada Tranquilo | 54 | 40,9 | |
Sente 7 | Muito Medo | 52 | 39,4 |
Medo | 64 | 48,5 | |
Pouco Medo | 16 | 12,1 | |
Sente 8 | Muito Aflito | 38 | 28,8 |
Aflito | 90 | 68,2 | |
Nada Aflito | 4 | 3 | |
Sente 9 | Muito Satisfeito | 6 | 4,5 |
Satisfeito | 22 | 16,7 | |
Nada Satisfeito | 104 | 78,8 | |
Sente 10 | Muito Assustado | 52 | 39,4 |
Assustado | 68 | 51,5 | |
Nada Assustado | 12 | 9,1 | |
Sente 11 | Muito Feliz | 00 | 00 |
Feliz | 22 | 16,7 | |
Nada Feliz | 110 | 83,3 | |
Sente 12 | Muito Aterrorizado | 88 | 66,7 |
Aterrorizado | 44 | 33,3 | |
Nada Aterrorizado | 00 | 00 | |
Sente 13 | Muito Baralhado | 60 | 45,5 |
Baralhado | 56 | 42,4 | |
Nada Baralhado | 16 | 12,1 | |
Sente 14 | Mais Agressivo | 108 | 81,8 |
Agressivo | 20 | 15,2 | |
Nada Agressivo | 4 | 3 |
É de notar que, em todos os itens, estão patentes os sentimentos negativos em relação à pandemia do Covid-19. A maioria dos estudantes sente-se Nada calmos (36,4%), muito perturbados (37,9%), confortáveis e nada confortáveis (47 para ambos os casos) e muito nervosos ou nervosos (48,5% e 43,9% respectivamente). Ainda, quase metade dos estudantes sente-se nada confiantes e nada tranquilos (40,9% para cada um), com medo ou com muito medo (48,5 e 39,4%, respectivamente), aflitos ou muito aflitos (68,2 e 28,8%, respectivamente), nada satisfeitos (78,8%), assustados ou muito assustados (51,5 e 39,4%, respectivamente), nada felizes (83,3%), muito aterrorizados (66,7%), baralhados ou muito baralhados (42,4 e 45,5%, respectivamente) e mais agressivos (81,8%).
Quando se cruzou a variável sexo com as variáveis que compõem a primeira parte do “Questionário de Sentimentos durante a Pandemia” (QSP), usando o teste t de Student e o grau de significância de .05, verificámos que os estudantes do sexo feminino e do sexo masculino reagem de igual forma nas variáveis “saiu de casa” durante a quarentena e se considera o Covid-19 “perigoso para a sua saúde”, tendo comportamentos diferentes em relação às restantes variáveis. Assim, existem diferenças entre os sexos nas respostas aos itens “motivo porque saiu de casa” durante a quarentena, se “partilha a casa” com outros, como são as “relações” com os outros habitantes da casa e se acha o Covid-19 perigoso para a “saúde dos outros” (Tabela 4).
Variável | F | Grau de Significância |
---|---|---|
Saiu de casa | 085 | .772 |
Motivo | 6,801 | .011 |
Partilha casa | 11,786 | .001 |
Relações | 11,058 | .001 |
Sua saúde | 1,876 | .173 |
Saúde dos outros | 20, 501 | .000 |
Nos gráficos seguintes, podemos verificar que o principal motivo porque os estudantes do sexo masculino e feminino saíram de casa foi para fazerem compras ou trabalharem. A diferença entre os sexos reside no fato de, no sexo masculino, uma boa percentagem ter saído de casa por outro motivo que não os apresentados, enquanto que no feminino ninguém saiu por outro motivo. Ainda a percentagem de estudantes do sexo masculino que não partilha casa com ninguém é superior à do sexo feminino (Gráficos 1 e 2).
Em relação ao tipo de relações que os estudantes têm com as pessoas da casa, verificou-se que a grande maioria dos estudantes do sexo masculino afirmou ter boas relações com as restantes pessoas da casa, embora uma minoria tenha relações razoáveis ou más. Quanto ao sexo feminino, a maioria das estudantes respondeu que tinha boas ou razoáveis relações, mas nenhuma afirmou ter más relações com as pessoas com quem vive (Gráfico 3).
É de notar que as estudantes deram neste item respostas mais equilibradas do que os rapazes, estando as relações boas ou razoáveis mais próximas, enquanto que os rapazes responderam mais que as relações eram boas, mas também assinalaram, embora em número baixo, que eram razoáveis e más. Estes parecem ser mais de extremos, embora predominem as boas relações. Isto pode dever-se à própria natureza e cultura masculina.
O Gráfico 4 mostra-nos que a totalidade das estudantes do sexo feminino acha que o Covid-19 é muito perigoso para a saúde dos outros, enquanto que os do sexo masculino, embora maioritariamente também achem muito perigoso, uma percentagem baixa declarou que é pouco perigoso para a saúde dos outros, o que demonstra menos preocupação com os semelhantes e menos responsabilidade social.
Os resultados da segunda parte do instrumento utilizado, que se debruça sobre os sentimentos dos estudantes em tempo de quarentena, revelou que a média de sentimentos negativos encontrado no sexo masculino foi de 26,69, enquanto que nas mulheres foi de 28,41. Esta diferença não se revelou significativa quando aplicado o teste t de Student (t(132)= .015; p< .903), talvez pelo tamanho reduzido da amostra.
O mesmo teste entre o sexo e as variáveis da segunda parte do questionário que reflectem os sentimentos dos estudantes em tempo de quarentena só deu significativo com as variáveis Sente3 (p< .043), Sente4 (p< .021), Sente7 (p< .001), Sente8 (p< .012) e Sente 9 (p< . 006), mostrando que os estudantes do sexo masculino e do feminino respondem de forma diferente nestas variáveis.
Podemos verificar pelos gráficos 5 e 6 que os estudantes do sexo feminino apresentam mais sentimentos negativos nos itens 3 (prevalecendo o “sente-se nada confortável” enquanto que nos rapazes prevalece o “sente-se confortável”) e 4 (enquanto que no sexo feminino prevalece o “sinto-me nervosa”, no sexo masculino prevalece o “sinto-me nada nervoso”). Mais uma vez as mulheres parecem ser mais conscientes e mais preocupadas que os homens.
Os gráficos 7 e 8 dizem respeito aos estados de medo e aflição, respectivamente, mostrando que nas estudantes do sexo feminino prevalece o “sinto medo”, enquanto que nos do sexo masculino prevalece o “sem medo”. No item 8, embora em ambos os sexos prevaleça a resposta “sinto-me aflito”, verificamos que no sexo feminino algumas estudantes assinalaram “sinto-me muito aflita”, enquanto no sexo masculino ninguém assinalou essa opção. Ainda, o número de estudantes do sexo masculino que assinalou “sinto-me nada aflito” é bastante superior ao das meninas que assinalaram essa opção. Estes dados correspondem às diferenças encontradas também nos itens anteriores, pelo que as mulheres sentem-se mais afetadas e com mais medo do que os homens.
Finalmente, no item 9, ambos os sexos assinalaram maioritariamente que se sentiam “nada satisfeitos”, no entanto houve estudantes do sexo masculino que assinalaram “muito satisfeitos”, o que não aconteceu em nenhum caso com o sexo feminino. Este dado também vai de encontro com os dados anteriores, mostrando menos preocupação por parte do sexo masculino e, consequentemente, sentem-se menos afetados com a situação da pandemia.
A relação entre o sexo e o total de sentimentos deu não significativo (p< .134), o que mostra que, apesar de algumas diferenças nas respostas aos itens dos sentimentos, os mesmos são semelhantes, quando avaliados na totalidade.
B. Subamostra do pessoal de saúde (Hospital Central do Lubango)
Passaremos a apresentar os resultados da subamostra do pessoal de saúde do Hospital Central do Lubango. Como podemos observar na Tabela 5, a grande maioria do pessoal de saúde (96%) considera a Covid-19 uma doença muito perigosa para a saúde pessoal e para a saúde das pessoas em geral (97%), ainda 100% da amostra considera ter conhecimentos sobre a COVID-19. Mais da metade da amostra (55%) obteve informação sobre a doença em vários meios de comunicação, ou seja, na rádio, televisão, internet, jornais, telefone, revistas e de pessoa para pessoa.
Variáveis | N | % | |
---|---|---|---|
Covid-19 para a saúde pessoal | Muito perigoso | 96 | 96% |
Pouco Perigoso | 3 | 3% | |
Nada perigoso | 1 | 1% | |
Covid-19 para a saúde em geral | Muito perigoso | 97 | 97% |
Pouco perigoso | 2 | 2% | |
Nada perigoso | 1 | 1% | |
Conhecimentos sobre Covid-19 | Sim | 100 | 100% |
Não | 0 | 0% | |
Onde obteve a informação | Televisão | 38 | 38% |
Internet | 5 | 5% | |
Rádio | 2 | 2% | |
Vários | 55 | 55% |
Durante a quarentena, a amostra do pessoal de saúde adotou vários tipos de comportamento. De acordo com as respostas obtidas observou-se que 50% saiu de casa várias vezes por semana, sendo que 92% saiu para trabalhar, visto tratar-se de indivíduos que trabalham em contexto hospitalar. Ainda, 91% da amostra partilha a casa com familiares e 55% considera ter tido boas relações com os familiares durante a quarentena.
Variáveis | N | % | |
---|---|---|---|
Durante a quarentena, quantas vezes saiu de casa? | Não saiu | 3 | 3% |
Saiu uma vez por semana | 12 | 12% | |
Várias vezes por semana | 50 | 50% | |
Todos os dias | 29 | 29% | |
Várias vezes ao dia | 6 | 6% | |
Motivo | Não positivo | 3 | 3% |
Compras | 4 | 4% | |
Trabalho | 92 | 92% | |
Outro | 1 | 1% | |
Partilha a casa com familiares | Não | 9 | 9% |
Sim | 91 | 91% | |
Relações com os familiares durante a quarentena | Não partilha a casa | 9 | 9% |
Boas relações | 55 | 55% | |
Razoáveis | 27 | 27% | |
Más | 5 | 5% | |
Péssimas | 4 | 4% |
Sobre os sentimentos, conforme podemos ver na Tabela 7, a maioria (52%) sentiu-se calma, 45% perturbada, 64% nada confortável, 45% nervosa, 46% nada confiante, 59% nada tranquila, 39% sem medo, 40% aflita, 70% nada satisfeito, 52% assustado, 67% nada feliz, 43% aterrorizado, 42% baralhado e 63% tornou-se mais agressivo.
Sentimentos | Variáveis | N | % |
---|---|---|---|
Como se sente 1 | Muito calmo (1) | 5 | 5% |
Calmo (2) | 52 | 52% | |
Nada calmo (3) | 43 | 43% | |
Como se sente 2 | Muito perturbado (3) | 30 | 30% |
Perturbado (2) | 45 | 45% | |
Nada perturbado (1) | 25 | 25% | |
Como se sente 3 | Muito confortável (1) | 2 | 2% |
Confortável (2) | 34 | 34% | |
Nada confortável (3) | 64 | 64% | |
Como se sente 4 | Muito nervoso (3) | 27 | 27% |
Nervoso (2) | 45 | 45% | |
Nada nervoso (1) | 28 | 28% | |
Como se sente 5 | Muito confiante (1) | 13 | 13% |
Confiante (2) | 41 | 41% | |
Nada confiante (3) | 46 | 46% | |
Como se sente 6 | Muito tranquilo (1) | 8 | 8% |
Tranquilo (2) | 33 | 33% | |
Nada tranquilo (3) | 59 | 59% | |
Como se sente 7 | Com muito medo (3) | 24 | 24% |
Com medo (2) | 37 | 37% | |
Sem medo (1) | 39 | 39% | |
Como se sente 8 | Muito aflito (3) | 34 | 34% |
Aflito (2) | 40 | 40% | |
Nada aflito (1) | 26 | 26% | |
Como se sente 9 | Muito satisfeito (1) | 2 | 2% |
Satisfeito (2) | 28 | 28% | |
Nada satisfeito (3) | 70 | 70% | |
Como se sente 10 | Muito assustado (3) | 25 | 25% |
Assustado (2) | 52 | 52% | |
Nada assustado (1) | 23 | 23% | |
Como se sente 11 | Muito feliz (1) | 6 | 6% |
Feliz (2) | 27 | 27% | |
Nada feliz (3) | 67 | 67% | |
Como se sente 12 | Muito aterrorizado (3) | 34 | 34% |
Aterrorizado (2) | 43 | 43% | |
Nada aterrorizado (1) | 23 | 23% | |
Como se sente 13 | Muito baralhado (3) | 32 | 32% |
Baralhado (2) | 42 | 42% | |
Nada baralhado (1) | 26 | 26% | |
Como se sente 14 | Mais agressivo (3) | 63 | 63% |
Agressivo (2) | 25 | 25% | |
Nada agressivo (1) | 12 | 12% |
Para analisar a relação entre o sexo e as variáveis em estudo da primeira parte do instrumento, voltou-se a utilizar o teste t de Student, tendo-se verificado que não existem diferenças significativas entre o sexo feminino e masculino quanto a ter saído ou não de casa (p< .198) e se partilha ou não da casa com outros (p< .415).
Em relação às variáveis se o vírus da COVID-19 é ou não perigoso para a sua saúde, para a saúde dos outros e se a pessoa tem ou não conhecimentos sobre a COVID-19, todos os participantes, independentemente do sexo, responderam que sim. O facto dos profissionais de saúde lidarem diretamente com a doença pode ter influenciado as respostas dos sujeitos, quando comparados com os sujeitos da amostra anterior.
Variável | F | Grau de Significância |
---|---|---|
Informação | 3.572 | .062 |
Saiu de casa | 1.678 | .198 |
Motivo | 4.058 | .047 |
Partilha a casa | .0671 | .415 |
Sim / Relações | 7.498 | .007 |
Estudada a relação entre o sexo e onde obtiveram a informação sobre a COVID-19, verificamos que a maioria do pessoal de saúde do sexo masculino obteve através da televisão, enquanto que a maioria do sexo feminino obteve de outra forma que não a dos meios de comunicação (ver Gráfico 10).
Ainda, em relação ao motivo pelo qual saíram de casa durante a quarentena, a maioria quer do sexo masculino, quer feminino referiu que foi para trabalhar, mas os sujeitos do sexo masculino referiram também que saíram para fazer compras ou por outro motivo. Os sujeitos do sexo feminino permaneceram em casa, quando não saíam para trabalhar (Gráfico 11).
O Gráfico 12 mostra que, quanto às relações em casa em tempo de quarentena, a grande maioria dos profissionais de saúde do sexo masculino consideraram que eram boas ou razoáveis, apenas uma percentagem pequena alegou que eram péssimas, enquanto que a quase totalidade dos profissionais de saúde do sexo feminino alegaram serem boas, tendo apenas uma muito pequena percentagem alegado que eram razoáveis ou más. A quarentena parece ter afetado mais os homens do que as mulheres quando sujeitos ao confinamento obrigatório.
Os resultados da segunda parte do instrumento utilizado, que se debruça sobre os sentimentos dos profissionais de saúde em tempo de quarentena, revelaram que a média de sentimentos negativos encontrada no sexo masculino foi de 3,12, enquanto que nas mulheres foi de 3,98, ligeiramente superior. Esta diferença não se revelou significativa quando aplicado o teste t de Student (p< .898) talvez pelo tamanho reduzido da amostra.
Ainda, em relação aos itens da segunda parte do instrumento, a relação entre o sexo e cada um dos itens dos sentimentos deu significativa apenas nos itens 3, 6, 9, 10 e 11, mostrando que nestes itens, os profissionais de saúde do sexo masculino e feminino sentem de forma diferente.
Podemos verificar pelos gráficos 13 e 14 que os profissionais de saúde do sexo feminino apresentam mais sentimentos negativos nos itens 3 (prevalecendo o “sente-se nada confortável” enquanto que, nos rapazes, embora prevaleça o “sente-se nada confortável”, também uma considerável percentagem sente-se “confortável” ou ainda “muito confortável”) e 6 (enquanto que no sexo feminino prevalece o “sinto-me nada tranquila”, o sexo masculino está dividido entre o “sinto-me nada tranquilo” e o sinto-me “tranquilo” ou “muito tranquilo”). Mais uma vez as mulheres parecem ser mais conscientes e mais preocupadas que os homens.
O gráfico 15 apresenta a relação entre o sexo e o item 9, mostrando que a maioria dos profissionais sentem-se nada satisfeitos, sendo que no sexo masculino uma boa percentagem considera-se satisfeito e uma minoria muito satisfeito. Em relação ao item 10 (Gráfico 16), a grande maioria do sexo feminino considera-se assustada, sendo que no sexo masculino, embora a maior percentagem seja na opção assustado, também se verifica uma percentagem elevada de profissionais que se considera nada assustado.
O Gráfico 17 mostra que a grande maioria dos profissionais de saúde do sexo feminino se considera nada feliz, enquanto que os do sexo masculino estão divididos entre o nada felizes e o felizes, sendo que alguns chegaram a escolher a opção muito felizes. Todos estes dados mostram que as mulheres, mesmo sendo profissionais de saúde, sentem mais os efeitos da pandemia e do confinamento do que os homens, o que é explicável pelo fato de, em Angola, estas serem as que mais respondem pelos filhos, pela casa e pela sobrevivência dos mesmos.
Foi ainda utilizada a ANOVA (Análise de Variância) para verificar a relação entre a variável profissão e o total de sentimentos, a qual está espelhada no Gráfico 18. A referida análise deu significativa (p<.05), mostrando que os enfermeiros são aqueles que apresentam mais sentimentos negativos, o que também se explica pelo fato de serem aqueles que têm um contato mais direto e durante mais tempo com os pacientes e, por isso, estão mais expostos.
C. Comparação entre as duas subamostras
Depois de descritos os resultados em cada uma das subamostras, passaremos a comparar as mesmas, de forma a perceber se os profissionais de saúde se comportam e se sentem da mesma maneira que os estudantes universitários. Assim, quando cruzamos os grupos (estudantes do ISPTundavala X Pessoal saúde do Hospital Central) com as variáveis da primeira parte do instrumento, verificamos que os dois grupos se comportam de forma bastante diferente em quase todas as variáveis.
Variáveis | t | Grau de significância |
---|---|---|
Sua saúde | 41,129 | .000 |
Saúde de outros | 8,967 | .003 |
Informação | 1540,674 | .000 |
Saiu de casa | .096 | .757 |
Motivo | 33,567 | .000 |
Partilha casa | 1,886 | .171 |
Relações | 11,234 | .001 |
Como podemos ver na Tabela 9 e tendo como referência o grau de significância de .05, verificamos que apenas nas variáveis “saiu de casa” e “partilha casa” o comportamento das duas subamostras é idêntico. Ainda, a totalidade dos sujeitos das duas subamostras considera ter conhecimentos sobre a Covid-19, pelo que não está representada na tabela.
Os Gráficos 19 e 20 mostram que o pessoal de saúde, na sua totalidade, considera a Covid-19 muito perigosa para a sua saúde e para a saúde dos outros, enquanto que uma pequena parte dos estudantes considera pouco perigosa.
O Gráfico 21 mostra que a maioria dos estudantes do ISTundavala obteve informação sobre a Covid-19 através da televisão e da internet, enquanto que a maioria do pessoal de saúde obteve por outros meios. Ainda o Gráfico 22 mostra que, durante a quarentena, a maioria dos estudantes saiu para fazer compras, ao passo que a maioria dos profissionais de saúde saiu para trabalhar. OGráfico 23 mostra que durante a quarentena, a relação em casa dos estudantes do ISPTundavala foi boa ou razoável, enquanto que a dos profissionais de saúde, embora maioritariamente boas, apresentam também relações razoáveis, más e péssimas.
Finalmente, quando se avaliou a relação entre o grupo e o total de sentimentos, verificou-se que os estudantes do ISPTundavala sentem de forma diferente do pessoal de saúde do Hospital Central do Lubango (p<.000), apresentando este último grupo mais sentimentos negativos que o dos estudantes.
Discussão
A totalidade da subamostra dos estudantes do ISPTundavala considera ter conhecimentos sobre a Covid-19 e a principal fonte de informação é a televisão (72,7%) seguida da internet (25,8%). Estes dados estão de acordo com os resultados do estudo feito por Boio, Pacatolo e Mbangula (2020), que apontam a televisão como o meio de comunicação preferido pelos inquiridos (70%) e aquele em cujas informações mais confiam. A internet é também um meio muito usado pelos estudantes universitários, pelo que é natural que o usem para obter informações sobre a pandemia do Covid-19.
Não se verificaram diferenças entre o total de sentimentos dos estudantes do ISPTundavala do sexo masculino e feminino, o que vem corroborar com outros estudos feitos em Angola, onde as diferenças entre os sexos raras vezes dão significativas. Isto mostra que, embora apareçam pequenas diferenças em relação a determinados itens, na globalidade, os sentimentos dos estudantes do sexo masculino e feminino são semelhantes.
Em relação à subamostra do pessoal da saúde, apesar da totalidade destes também ter afirmado ter conhecimentos sobre a Covid-19, a diferença está na fonte de informação, uma vez que a maioria apresentou como principal fonte de informação “outra”, o que é natural, uma vez que tiveram formação nessa área para poderem trabalhar durante a pandemia.
O maior número de sentimentos negativos apresentado pelo grupo de pessoal de saúde quando comparado com o dos estudantes é facilmente explicado pela maior exposição destes à pandemia e às suas consequências. De acordo com Cavalcanti (2020), profissionais expostos diretamente aos riscos de contaminação, especialmente aqueles que atuam em hospitais e postos de saúde podem manifestar exaustão, redução da empatia, ansiedade, irritabilidade, insónia e decaimento de funções cognitivas e de desempenho.