Introdução
A Estratégia da União Africana para a Economia Azul tem como objetivo primário promover uma transição progressiva para uma economia baseada na otimização sustentável dos recursos marinhos e costeiros. O presente paper pretende analisar a Estratégia no contexto da Agenda Africana para 2063, escolhendo como caso de estudo a aquacultura na Guiné-Bissau, através da análise de uma empresa de um jovem empreendedor.
A investigação incidirá, primeiramente, numa análise crítica das principais forças motrizes para a transição, com base na argumentação exposta pela União Africana, como a questão demográfica africana, o desafio energético e a necessidade de indústrias inovadoras (African Union - Inter-African Bureau for Animal Resources, [AU-IBAR], 2020). Também serão identificados os principais desafios que podem abrandar a adoção de medidas para promover a Economia Azul, como desafios económicos, planeamento marítimo espacial e segurança marítima (AU-IBAR, 2020).
Em segundo lugar, proceder-se-á a uma análise relativa ao impacto socioeconómico dos setores da Economia Azul em África, nomeadamente a nível das seguintes áreas de intervenção: (1) portos, (2) pescas, (3) aquacultura, (4) energia azul sustentável, (5) mineração do mar profundo, (6) petróleo e gás, e (7) carbono azul.
Por fim, concluir-se-á com uma análise de um caso de estudo envolvendo uma iniciativa de aquacultura desenvolvida por um jovem empreendedor da Guiné-Bissau.
Ao analisar-se a Estratégia da União Africana para a Economia Azul, este estudo contribuirá para a compreensão das orientações estratégicas e dos planos de ação delineados pela União Africana, bem como dos incentivos e dificuldades associados à transição para uma Economia Azul na Guiné-Bissau e em toda a África.
1. A Economia Azul em África
Em África, os setores relacionados com a Economia Azul apresentam um potencial significativo para impulsionar o crescimento económico da região, uma vez que atualmente e de acordo com a União Africana, este setor gera na atualidade um valor de 296 mil milhões de euros com um total de 49 milhões de empregos gerados (AU-IBAR, 2020). Um tal modelo económico sustentável permite, não só, gerar emprego, como ainda, promover a segurança alimentar, e proteger a biodiversidade, otimizando os recursos marinhos e costeiros, de forma socialmente responsável. Neste contexto, a União Africana tem desempenhado um papel fundamental na definição de diretrizes estratégicas para a implementação de políticas e programas direcionados para a Economia Azul.
Para cada uma destas áreas, a Estratégia propõe planos de ação específicos, que incluem desde o desenvolvimento de infraestruturas adequadas e capacitação de recursos humanos até à promoção da inovação tecnológica e criação de parcerias regionais (AU-IBAR, 2020).
2. Oportunidades e Desafios na Transição para uma Economia Azul
A transição para uma Economia Azul em África enfrenta uma série de desafios significativos. Dos vários desafios identificados, destacam-se as dificuldades económicas, como a falta de financiamento adequado e a limitada capacidade institucional dos Estados (World Bank and United Nations Department of Economic and Social Affairs [World Bank]. 2017).
Além disso, o planeamento marítimo espacial apresenta-se como um desafio complexo, dada a necessidade de coordenar e gerir a utilização de espaços marinhos e costeiros entre diferentes atores, surgindo conflitos e competição por espaços. O planeamento espacial marítimo requer uma abordagem integrada que envolva todas as partes interessadas para garantir que as decisões tomadas sejam sustentáveis e equilibradas, através de negociações que possibilitem encontrar soluções para atores que queiram dominar o mesmo espaço marítimo (United Nations Economic Commission for Africa [UNECA], 2016).
A segurança marítima é também uma preocupação relevante, uma vez que a exploração dos recursos marinhos pode estar sujeita a atividades ilegais por atores maliciosos, como a pesca não regulamentada e a pirataria marítima, que afeta zonas de África como, por exemplo, o Golfo da Guiné (UNECA, 2016, p. 25).
Outro desafio é a necessidade de ultrapassar as barreiras tecnológicas. A implementação de práticas inovadoras e o acesso a tecnologias avançadas podem exigir investimentos substanciais na área de investigação e desenvolvimento (R&D). Além disso, a capacitação em recursos humanos especializados é fundamental para garantir a eficiência e a sustentabilidade das atividades relacionadas com a Economia Azul. Dados económicos e científicos, através de vigilância marítima integrada e mapeamento digital do espaço marítimo e costeiro, podem prevenir conflitos e limitar o impacto de externalidades negativas (UNECA, 2016). Países, como a África do Sul e a Indonésia, têm desenvolvido tecnologias associadas a telemóveis para recolher dados acerca das condições de cardumes num determinado ecossistema aquático (World Bank, 2016a, como citado em UNECA, 2016).
Paralelamente, existem também várias oportunidades específicas ao continente africano que potencializam a transição para uma Economia Azul no continente, as quais são relevantes para salientar. De facto, a transição para uma economia azul é motivada por vários fatores, incluindo a demografia, a procura por novas fontes de energia e a necessidade de indústrias inovadoras (UNECA, 2016, p.33). .No que concerne à demografia, e de acordo com o World Bank (2016, p.5), uma parte significativa do crescimento demográfico irá ocorrer em zonas costeiras; uma tal dinâmica demográfica irá aumentar a competitividade por recursos marítimos escassos, os quais podem ser otimizados por uma transição para a Economia Azul.
Por exemplo, a nível da procura por novas fontes de energia, a economia azul tem o potencial de fornecer fontes sustentáveis de energia a partir do oceano (eólica, ondas e marés), as quais podem substituir os combustíveis fósseis, reduzindo assim as emissões de gases com efeito de estufa (World Bank, 2016, p. 21).
Similarmente, a economia azul possibilita a criação de indústrias inovadoras, como a biotecnologia, robótica em contexto subaquático e análise de dados marítimos; estas indústrias têm o potencial de criar novos empregos e impulsionar o crescimento económico, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento sustentável (UNECA, 2016, p.2).
3. Setores-Chave e Planos de Ação
Em relação ao setor-chave (1) Portos e Logística Marítima, a Estratégia da União Africana reconhece a importância dos portos e da logística marítima como componentes essenciais para o desenvolvimento da Economia Azul, afirmando que o tráfego nos portos tem aumentado uma média anual de 8% nos últimos 5 anos, e perspetivando-se um aumento devido à modernização e expansão das infraestruturas dos portos (AU-IBAR, 2020). Os planos de ação propostos, pela União Africana, incluem melhorias nos processos aduaneiros e regulatórios, facilitação do comércio marítimo e promoção de parcerias público-privadas para aumentar a competitividade dos portos africanos (AU-IBAR, 2020).
No que concerne ao setor-chave (2) Pesca e Aquacultura, infere-se que a pesca artesanal marinha tem ainda uma grande influência no continente africano, registando-se o crescimento mais rápido do mundo no setor da aquacultura entre 2006-2018, cujo valor estimado no continente é de cerca de 2,77 mil milhões (AU-IBAR, 2020). Embora exista um potencial de crescimento exponencial desta área, a mesma encontra-se ainda circunscrita a poucos países, como é, por exemplo, o caso do Egito que representa 70% da atividade de aquacultura (AU-IBAR, 2020).
De forma a promover-se a pesca e aquacultura no continente africano e alargar a mesma a mais países africanos, mitigando-se o impacto das alterações climáticas, é necessário implementar um conjunto de medidas, tais como: (1) garantir métodos de pesca sustentável, (2) combater a pesca ilegal, (3) implementar medidas de conservação e gestão dos recursos pesqueiros, (4) promover a diversificação das espécies cultivadas em aquacultura e (5) fortalecer a capacidade técnica e infraestrutural dos países africanos nesses setores (UNECA, 2016).
Quanto ao setor (3) Energia Azul Sustentável, o objetivo primordial é o de promover a utilização de tecnologias de energias renováveis baseando-se na força dos oceanos, como a energia das ondas, das marés e das correntes oceânicas. Tais metodologias foram já implementadas no Gana e nas Ilhas Maurícias (AU-IBAR, 2020), no entanto, este é ainda um setor emergente, e de forma a incentivar-se o seu crescimento, é necessário implementar-se políticas de eficiência energética nas indústrias das zonas costeiras, de modo a reduzir-se a dependência dos combustíveis fósseis e mitigar os impactos ambientais associados.
Relativamente ao setor (4) Mineração do Mar Profundo, a exploração dos recursos minerais em profundidade é reconhecida como uma área com bastante potencial económico no setor da Economia Azul. Segundo a União Africana, os minerais presentes no fundo do mar, como ouro, diamantes, zinco e cobre em África poderiam atingir um valor agregado de cerca de 6 mil milhões (AU-IBAR, 2020). Para se proceder a técnicas de mineração, é necessário desenvolver-se projetos de investigação científica sistematizada sobre os procedimentos mais eficazes na área da exploração dos recursos minerais, que tenham também em consideração os impactos ambientais e socioeconómicos decorrentes desses procedimentos. É também preciso criar-se políticas e medidas regulatórias para prevenir uma exploração nefasta desta prática.
Quanto ao setor (5) Indústria do Petróleo e Gás, esta indústria desempenha uma função especialmente relevante no que concerne à exploração de recursos economicamente competitivos, mas requer simultaneamente uma gestão prudente, de forma a minimizar a possível tensão entre exploração de recursos naturais e proteção ambiental (World Bank, p.18). Como tal, os Estados africanos devem promover uma governação transparente, gestão ambiental adequada, segurança operacional e o desenvolvimento de tecnologias menos poluentes, de forma a reduzir os impactos ambientais.
O setor (6), Turismo Marinho e Costeiro, é uma área promissora para o desenvolvimento da Economia Azul em África; em 2018, segundo a União Africana, este setor contribuiu com 80 mil milhões para a economia do continente africano (AU-IBAR, 2020). De forma a potencializar-se o turismo no contexto da Economia Azul, nomeadamente em zonas costeiras e através de atividades como mergulho, navegação à vela, viagens em cruzeiros, etc. os Estados africanos devem desenvolver infraestruturas adequadas, promover um ambiente favorável ao investimento privado, qualificar recursos humanos nesta área e desenvolver campanhas de marketing direcionada a atrair turistas para zonas de África pouco conhecidas e com bastante potencial. Os Estados devem ainda promover a conservação dos ecossistemas marinhos e desenvolverem ações que valorizem a cultura local.
Por fim, é necessário potencializar (7) o setor de carbono azul, o qual se refere à capacidade dos ecossistemas marinhos e costeiros em capturar e armazenar carbono, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas (World Bank, p. 25). Os planos de ação da União Africana a este nível propõem medidas de conservação e restauração dos ecossistemas costeiros, como manguezais e pradarias marinhas, para promover a captura de carbono e proteger a biodiversidade (AU-IBAR, 2020). Além disso, deve-se incentivar a adoção de políticas de adaptação às mudanças climáticas e de utilização sustentável destes ecossistemas.
Ao abordar estas áreas-chave e os seus planos de ação, a Estratégia da União Africana visa promover a implementação de políticas e práticas que impulsionem o desenvolvimento sustentável da Economia Azul em África. Estas ações pretendem contribuir para a conservação dos recursos marinhos e costeiros, para o crescimento económico inclusivo e para a melhoria da qualidade de vida das populações costeiras, ao mesmo tempo que visam responder aos desafios socioeconómicos e ambientais enfrentados na região, através da criação de mais postos de trabalho.
4. O caso de estudo da aquacultura na Guiné-Bissau:
De forma a analisar a aplicação da Estratégia da União Africana à Economia Azul, este artigo analisará o caso específico da aquacultura na Guiné-Bissau. A aquacultura, que envolve o cultivo de organismos aquáticos, como peixes, em ambientes controlados, é reconhecida como uma área com grande potencial para impulsionar o crescimento económico, gerar emprego e promover a segurança alimentar (World Bank, p. 16).
De forma a diagnosticar o estado da aquacultura em África, analisaremos a realidade da Guiné-Bissau como caso-de-estudo. A indústria da pesca na Guiné-Bissau enfrenta vários desafios, os quais são evidenciados pela inexistência de literatura sobre aquacultura no país, e pela falta de regulamentação adequada na área das pescas, a qual pode conduzir à diminuição da população de peixes e à perda de biodiversidade (United Nations Economic Commission for Africa [UNECA]. 2014). Adicionalmente, as infraestruturas limitadas e a falta de tecnologia moderna dificultam a captura e o processamento eficientes do peixe; as dificuldades económicas generalizadas na região também afetam negativamente os pescadores locais, que muitas vezes têm acesso limitado aos recursos necessários para investir nas atividades de pesca (UNECA, 2014).
A este propósito, um dos alunos do Instituto das Profissões e Tecnologias, instituição do Grupo Lusófona na Guiné-Bissau, Dembo Mané, criou a empresa Mané Nanque Piscicultura. Esta empresa tem como objetivo garantir a qualidade e a segurança alimentar dos peixes denominados tilápias, através da utilização de técnicas modernas de criação de peixes, como a aquaponia, que envolve o cultivo de plantas e peixes num sistema integrado e sustentável. Além disso, a empresa pretende implementar práticas rigorosas de higiene e segurança alimentar em todas as etapas do processo de produção, desde a alimentação dos peixes até ao processamento e embalagem dos produtos finais. A empresa também planeia obter certificações internacionais reconhecidas para garantir que os seus produtos respeitem os mais elevados padrões de qualidade e segurança alimentar.
Esta empresa pode trazer vários benefícios económicos e sociais para a comunidade local da Guiné-Bissau, incluindo a criação de empregos na indústria da pesca, o aumento da disponibilidade de peixes de qualidade para os consumidores locais e a redução da dependência da importação de peixes. Além disso, o projeto pode ajudar a melhorar a segurança alimentar na região, fornecendo uma fonte confiável de proteína animal para a população.
Embora a empresa Mané Nanque Piscicultura possa enfrentar vários desafios ao desenvolvimento das suas operações, incluindo a flutuação dos preços do mercado e a disponibilidade limitada de recursos financeiros para investir em tecnologia e infraestruturas, esta é uma iniciativa empreendedora com sentido de impacto social que pretende desenvolver um setor fundamental na Guiné-Bissa: a aquacultura, devidamente enquadrada na Economia Azul.
Através deste estudo de caso, pretendeu-se fornecer uma perspetiva in loco sobre a implementação da Estratégia da União Africana para a Economia Azul com ações concretas, num contexto específico de um país africano. Além disso, o estudo de uma tal iniciativa pode ajudar empreendedores similares a identificar lições aprendidas e recomendações, que possam replicar em futuras iniciativas de desenvolvimento da aquacultura, e de outros setores relacionados com a Economia Azul, em África.
Conclusão
Em síntese, a Estratégia da União Africana para a Economia Azul oferece uma visão abrangente e integrada para a promoção do desenvolvimento sustentável dos recursos marinhos e costeiros na África. Através da identificação de áreas-chave e planos de ação, juntamente com a consideração acerca dos incentivos e desafios, procurou-se entender como é que os Estados podem desenvolver medidas tangíveis que impulsionem a transição para uma Economia Azul próspera e inclusiva no continente africano.
Tal Estratégia é relevante para promover o desenvolvimento socioeconómico dos Estados Africanos, em total conformidade com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável e com a ligação inexorável que se estabelece entre Direitos Humanos e Sustentabilidade Ambiental, a qual deve ser também uma prioridade estratégica para o continente africano.