Introdução
Quando da preparação da Conferência das Nações Unidas (UN) sobre o Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro em 2012, a aplicabilidade da Economia Verde foi questionada por vários países. Foram os Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento (Small Islands Developing States - SIDS) que tiveram essa iniciativa, reconhecendo que o oceano tem um papel crucial no futuro da Humanidade e que a Economia Azul oferece uma abordagem ao desenvolvimento sustentável mais adequada às restrições e desafios destes países (International Oceanographic Commission/United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation [IOC/UNESCO] et al., 2011; United Nations Environment Programme [UNEP] et al., 2012). No entanto, e apesar de ter sido uma iniciativa dos Pequenos Países Insulares (SIDS), a Economia Azul é relevante a todos os países costeiros.
Um país insular é um país independente, composto por uma ilha ou um grupo de ilhas. Atualmente estão identificados pela Organização das Nações Unidas (ONU) 58 países insulares em desenvolvimento (por exemplo, as Ilhas Fiji, Seychelles, Cômoros, Guiné-Bissau, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor-Leste, etc.), dos quais 38 são membros das Nações Unidas (United Nations-Office of High Representative for the Least Developed Countries, Landlocked Developing Countries and Small Island Developing States [UN-OHRLLS], 2023).
Os Pequenos Países Insulares apresentam características e problemas muito específicos:
apresentam tamanho pequeno, logo os recursos naturais são limitados, levando a uma grande dependência das importações e exportações;
sofrem de isolamento, logo grande dependência dos transportes e comunicações;
são sensíveis a desastres naturais, como tufões, terramotos, deslizamentos de terra;
apresentam grande fragilidade ambiental, devido à construção, uso intenso das zonas costeiras, desperdícios urbanos, etc.
Em suma, os Pequenos Países Insulares necessitam de uma sustentabilidade costeira, isto é, uma costa:
resistente a impactos negativos, como seja, às mudanças climáticas, terramotos, erosão, impactos humanos (turismo, urbanização);
produtiva financeiramente, tanto em sectores económicos tradicionais, como setores mais modernos;
diversa, ao nível dos ecossistemas, das paisagens, e grupos sociais;
distinta, culturalmente, nos seus costumes, na sua arquitetura;
atrativa, tanto para visitantes e investidores, como para a população local;
saudável, sem poluição, águas (doce e salgada) e ar limpos, e recursos naturais saudáveis.
Existem várias definições diferentes de Economia Azul, dependendo dos objetivos e metas dos diferentes setores (Urban et al., 2022). Algumas definições nem sequer incluem sustentabilidade ambiental e social, assim como algumas políticas nacionais e regionais (Garland et al., 2019), apostando simplesmente no oceano como fonte de financiamento para apoiar as economias nacionais, o que está completamente errado, para além de ser muito perigoso. Atualmente há já um movimento entre especialistas a promover a ideia do “decrescimento azul” (“blue degrowth”) que rejeita a ideia de que o crescimento económico deve ser infinito (Ertör & Hadjimichael, 2020).
A definição usada neste artigo, é a proposta pelo Banco Mundial, como “o uso sustentável dos recursos oceânicos para um crescimento económico, melhoria dos meios de subsistência e empregos, preservando a saúde dos ecossistemas oceânicos” (World Bank & United Nations Department of Economic and Social Affairs [WB & UN-DESA), 2017). Com esta definição são alcançados os objetivos que equilibram resultados económicos, ambientais e sociais, as três bases da sustentabilidade.
Há dois conceitos importantes que devem estar ligados à Economia Azul: o conceito de Oceano Global e o conceito de Desenvolvimento Sustentável.
Na escola aprendemos que existem cinco oceanos, quando na realidade mais de 71% da superfície da Terra é coberta por um oceano único, dividido em áreas interligadas e delimitadas pelos Continentes e características oceanográficas: o Oceano Pacífico (o maior), Oceano Atlântico, Oceano Índico, Oceano Ártico, e Oceano Antártico (International Oceanographic Commission of the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [IOC/UNESCO], 2020). Este conceito de Oceano Global dá-nos uma visão mais real do nosso planeta e de como é afetado pelo nosso comportamento, visto que o que se passa numa área afeta todas as outras. Assim, neste artigo falaremos de um só Oceano.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável, baseia-se em três pilares essenciais e indissociáveis: o desenvolvimento económico, em que as comunidades humanas têm acesso aos recursos necessários e com sistemas económicos intactos e ao alcance de todos; a proteção ambiental, mantendo a integridade ecológica, sistemas ambientais equilibrados e recursos naturais consumidos a um ritmo capaz de se reporem; e o progresso social, em que os direitos humanos universais e as necessidades básicas são acessíveis a todos. É somente na junção dos três que o desenvolvimento sustentável se concretiza (United Nations Economic and Social Council [UN-ECOSOC], 2022).
Uma das primeiras definições unificadoras de Desenvolvimento Sustentável foi dada no relatório da Comissão Mundial do Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, liderada então pela ex-Primeira Ministra Norueguesa, Gro Harlem Brundtland, “Our common World” (UNEP/WCED, 1987), também conhecido como Brundtland Report: “… desenvolvimento que atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”. Assim, a Comissão conseguiu unir compreensivamente o ambiente onde vivemos, com o desenvolvimento económico e social que queremos atingir, chamando a atenção para a necessidade de equidade entre gerações, todos elementos essenciais para um desenvolvimento sustentável do mundo.
As preocupações da Economia Azul
No âmbito da economia azul, várias são as suas indústrias, algumas já estabelecidas (por exemplo, as pescas, o turismo, a indústria naval) e outras emergentes (por exemplo, a energia eólica), outras ainda, apesar de fortemente estabelecidas, apresentam inovações significativas que as podem definir como emergentes (por exemplo, a aquacultura marinha, a energia eólica offshore) (Organisation for Economic Cooperation and Development [OECD], 2016).
Em muitos países, a economia azul foca-se em maximizar os benefícios económicos, esquecendo os outros dois fatores essenciais: ambiental e social. Os recursos associados ao oceano não são inesgotáveis e a sua distribuição entre as Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) dos países não é igual, para além de poucos serem os que conseguem desenvolver recursos múltiplos simultaneamente (Cisneros-Montemayor et al., 2021), o que pode levar ao impacto nas metas económicas nacionais. Desenvolver vários recursos da economia azul ao mesmo tempo requer que uma nação seja capaz de equilibrar os efeitos ambientais e sociais de cada um, o que pode afetar diferentes partes interessadas (stakeholders) (Urban et al., 2022). Na realidade, alguns dos recursos não são renováveis e a sua extração tem consequências ambientais que afetam a exploração de outros recursos ou até prejudicar as comunidades locais ou vizinhas. Os possíveis serviços como recurso também podem ser afetados pela extração de outros recursos naturais, diminuindo assim, um desenvolvimento sustentável essencial a todos os países.
Assim, várias são as preocupações no desenvolvimento sustentável da economia azul: o uso sustentável da biodiversidade, a segurança alimentar, a sustentabilidade das pescas, as mudanças climáticas, o turismo marinho e costeiro, a poluição, e a governança e cooperação internacional.
1. Uso sustentável da biodiversidade
O ambiente físico é constituído pela sua componente mineral e pela biodiversidade. Quando se fala em biodiversidade é importante pensar nos seus vários níveis: ao nível das espécies (o mais conhecido), dos ecossistemas e ao nível genético.
Cerca de 37% da população global vive em comunidades costeiras, dependentes do oceano e seus recursos para sua subsistência (United Nations [UN], 2017). Pelo menos 40% da economia mundial e 80% das necessidades dos países em desenvolvimento vêm dos recursos biológicos (OECD, 2016).
A biodiversidade aumenta a produtividade dos ecossistemas, onde cada espécie, seja qual for o seu tamanho, tem um papel importante a desempenhar. Para além disso, quanto mais rica a biodiversidade, mais oportunidades de descobertas (por exemplo, médicas, farmacêuticas), maior desenvolvimento económico, e mais respostas adaptativas aos novos desafios das mudanças climáticas.
A biodiversidade marinha pode gerar serviços e produtos que beneficiam a economia azul, por exemplo, a biodiversidade é uma atração importante para o ecoturismo marinho e ao mesmo tempo possibilita aos pescadores capturar uma variedade de espécies.
Recifes de Coral
Várias são as espécies de especial importância e suscetíveis de estar em perigo. Um grupo de espécies nestas circunstâncias são os corais, animais do grupo dos cnidários que segregam um exosqueleto calcário, formando grandes colónias (recifes).
Os recifes de coral cobrem cerca de 1 milhão km2 da superfície terrestre (Fairoz, 2022). Os ecossistemas dos recifes de coral são ricos em biodiversidade, providenciando uma variedade de serviços e produtos relevantes à economia azul que incluem setores, como seja turismo, pescas, biotecnologia, e mesmo proteção costeira (Sheppard et al., 2005). Cerca de 8% da população global vive a cerca de 100 km de um recife de coral, e cerca de 100 países em desenvolvimento são altamente dependentes dos recifes de coral para a sua subsistência. Para além do seu valor ecológico, os recifes de coral são de grande importância económica, social e cultural (Cesar, 2000). No entanto, a saúde dos recifes de coral está em risco, pois estão a ser muito afetados pelo aquecimento e acidificação do oceano, bem como fatores antropogénicos, como sejam a pesca destrutiva, construção costeira, danos por turistas, etc.
Recifes de coral saudáveis têm grande valor económico devido a estarem associados a vários recursos renováveis (pesca de subsistência, comercial e recreativa), serviços recreativos vários (mergulho, valores estéticos), e apresentarem um valor cultural para as populações locais. A nível global, estima-se que existam entre 600 000 e mais de 9 milhões de espécies associadas aos recifes de coral (Knowlton, 2001). Atualmente, cerca de 20% dos recifes de coral estão perdidos e outros tantos estão em degradação (Global Coral Reef Monitoring Network [GCRMN], 2021). As causas são principalmente o aumento da temperatura de superfície do oceano, a acidificação do oceano, a poluição e práticas de pesca destrutivas (explosivos, venenos, etc.) (Schoepf et al., 2015; Fairoz, 2022).
Mangais e Ervas Marinhas
Outros ecossistemas de grande importância são os mangais e as ervas marinhas que contribuem também para a qualidade de vida das populações, sendo muito importantes para a Economia Azul (Cunha-Lignon et al., 2022). Ambos constituem ecossistemas muito importantes para a captação e retenção de carbono, desempenhando um papel essencial na regulação climática. Os mangais, por exemplo, armazenam em média, cerca de mil toneladas de carbono por hectare na sua biomassa e solo subjacente, tornando-os um dos ecossistemas mais ricos em carbono do planeta (United Nations Environment Programme - World Conservation Monitoring Centre [UNEP-WCMC], 2014). No entanto, e apesar da sua enorme importância, os ecossistemas de mangal são um dos mais ameaçados, devido a pouca ou nenhuma atenção dada pelos governos locais.
Os mangais são muito importantes para as populações costeiras, fornecendo bens e serviços essenciais que contribuem significativamente para a subsistência e segurança das comunidades costeiras. A complexa organização do mangal, com a sua rede de raízes, pode reduzir a energia das ondas e diminuir a erosão, protegendo assim, as comunidades costeiras das tempestades tropicais. Os ecossistemas de mangal são uma fonte essencial de alimento (pesca), tanto como subsistência, como comercial, sustentando milhares de comunidades costeiras (Cunha-Lignon et al., 2022).
Juntamente com os mangais, as ervas marinhas são também consideradas ecossistemas fundamentais no contexto da Economia Azul (Steven et al., 2019). As ervas marinhas são plantas com flor marinhas submersas (não confundir com algas marinhas!), distribuídas em estuários e zonas costeiras, até uma profundidade máxima de 60m (Silva et al., 2021), desempenhando um papel importante para a segurança alimentar das populações costeiras. Estimativas recentes, sugerem que as pradarias de ervas marinhas são uma maternidade para mais de 20% das principais pescarias do mundo (Unsworth et al., 2018).
Apesar da sua importância, tanto os mangais como as ervas marinhas constituem ecossistemas bastante ignorados pelas autoridades, decisores e stakeholders. Estima-se que 20% dos mangais a nível global foram perdidos desde 1980 (Cunha-Lignon et al., 2022) e cerca de 29% das pradarias de ervas marinhas desapareceram desde o início do seu registo, nos fins do século XIX (Waycott et al., 2009).
Todos estes ecossistemas (recifes de coral, mangais e ervas marinhas) têm um papel essencial para as comunidades costeiras, fornecendo alimento (pesca), proteção costeira, atividades recreativas e bioprospecção, para além de apresentarem uma importância cultural significativa para essas comunidades. Há que realçar também o seu papel essencial de captação e retenção do carbono no oceano.
Aqui é importante realçar o papel essencial das Áreas Marinhas Protegidas (Marine Protected Areas - MPAs). Atualmente, as áreas marinhas protegidas constituem cerca de 7,7% do oceano, quando a meta é chegar aos 30% do oceano até 2030 (United Nations Development Programme [UNDP] et al., 2021). Será que conseguiremos? Vários problemas estão ligados às MPAs, sendo um dos primeiros o facto de se decidir com facilidade demais a criação de uma MPA, não acautelando todos os aspetos essenciais para a sua implantação, manutenção e funcionamento correto e saudável. O resultado são os chamados “paper parks” (parques no papel), áreas que só existem no papel, algumas sem nenhuma legislação e muito menos sem qualquer monitorização e fiscalização.
2. Segurança alimentar
Segurança alimentar é alcançada quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e econômico a alimentos seguros e nutritivos suficientes que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável (United Nations Fisheries and Agriculture Organisation [FAO], 2008.). Os dados oficiais apontam para mais de 800 milhões de pessoas subnutridas, e mais de mil milhão de pessoas estão dependentes dos recursos biológicos marinhos (UN, 2017).
A segurança alimentar está relacionada com o aumento da população humana, o uso sustentável da biodiversidade, e a qualidade e a exploração dos recursos biológicos. Em relação ao aumento da população humana, é interessante apontar para o facto de ter levado cerca de 200.000 anos da história humana para a sua população chegar ao mil milhão e somente 200 anos mais para atingir os 8 mil milhões (Novembro 2022) (Roser et al., 2013). No entanto, o grande problema não é a quantidade, mas o facto de todos atuarem como se fossem únicos.
Neste contexto, a aquacultura é apontada como muito importante, por vezes até como solução. No entanto, e apesar da aquacultura ser um dos sectores da economia azul com crescimento mais rápido, (atualmente mais de 47% do pescado consumido vem da aquacultura) (Food and Agriculture Organization [FAO], 2022), a aquacultura necessita ainda de reduzir o uso de proteína animal (peixe), diminuir o cultivo de espécies carnívoras (não é lógico pescar para alimentar o peixe de aquacultura), mais respeito ambiental (excesso de nutrientes, poluição química, fuga de espécies cultivadas), melhorar o seu produto (valor acrescentado ao produto, por exemplo, para exportação) e mais respeito social (criação de emprego decente e sustentável) (FAO, 2022).
3. Sustentabilidade das pescas
Segundo os últimos dados oficiais da FAO (2022), mais de 34% dos stocks de peixe estão sobre-explorados. Assim, considera-se urgente desenvolver abordagens de gestão adaptadas a cada país ou região, evitar impactos ambientais, económicos e sociais negativos, implementar políticas de gestão a alguns dos stocks em países e regiões que carecem de gestão adequada e, principalmente, suspender os subsídios ao setor industrial da pesca. Este último ponto é considerado de importância crucial para diminuir as frotas de pesca a níveis mais viáveis, conseguir sustentabilidade económica e ecológica, bem como chegar a uma equidade social (Schuhbauer et al. 2017; Sala et al. 2018; Zeller and Pauly, 2019; Borges et al., 2022).
Na Economia Azul os diferentes recursos costeiros competem, por exemplo, o turismo e a pesca, no entanto, as pescas competem entre si, com a pesca de pequena escala versus pesca industrial. A pesca industrial é fortemente subsidiada, com subsídios para combustível, subsídios para melhoramento da capacidade de pesca, pagamento das taxas de acesso a outras zonas (outras ZEE), etc. Sem estes subsídios, a pesca industrial não conseguiria operar e competir com a pesca de pequena escala, que somente recebe cerca de 16% de todos os subsidios para a pesca (Schuhbauer et al. 2017; Sala et al. 2018). Assim, e na opinião de Zeller and Pauly (2019), os subsídios à pesca industrial deveriam terminar, a fim de diminuir as frotas de pesca a níveis mais viáveis, e conseguir uma sustentabilidade económica e ecológica, bem como equidade social.
As principais razões para a suspensão dos subsídios ao sector industrial são:
➢ o sector industrial emprega menos pessoas que o setor de pequena escala,
➢ a pesca industrial usa mais gasóleo por tonelada de peixe desembarcado,
➢ a pesca industrial gera cerca de 10 milhões toneladas por ano de rejeições,
➢ 1/3 das capturas da pesca industrial é para alimento animal.
Assim, os subsídios devem incluir o sector de pequena escala, ter objetivos bem claros, um co-planeamento aos dois sectores, ser transparente e ter uma implementação justa (Zeller et al., 2018; Cashion et al., 2017). Só assim se pode conseguir evitar práticas prejudiciais e apoiar comunidades que vivem muito dependentes dos recursos biológicos do oceano (Cisneros-Montemayor et al. 2020).
4. Mudanças climáticas
As mudanças climáticas são uma das grandes ameaças à economia azul devido ao aumento do nível do mar, aumento da sua temperatura, aumento da frequência de eventos extremos, acidificação e desoxigenação do oceano, afetando habitats costeiros, ecossistemas e recursos que são a base da economia azul (Urban and Biswas, 2022; Vinayachandran et al., 2022).
Foram identificados aumentos da temperatura da superfície da terra e do oceano (aumento de 1,09°C de 1850 -1900 a 2011-2020), bem como uma frequência crescente de ondas de calor marinhas, especialmente no oceano tropical e no oceano Austral (Intergovermental Panel on Climate Change [IPCC], 2014, 2021). Estudos científicos sugerem que o aquecimento da temperatura do ar em 1,5°C pode ter impactos críticos nas zonas costeiras no futuro, colocando em risco a fauna, a flora e os meios de subsistência ao longo das zonas costeiras. Essas mudanças físicas do oceano ameaçam o seu equilíbrio natural e afetam negativamente os ecossistemas costeiros, incluindo aumento de tempestades, eventos climáticos marinhos mais extremos, aumento do nível do mar, desoxigenação, bem como fortes precipitações. A química da água do mar (ou seja, oxigênio e pH) está a mudar em resposta ao aquecimento do oceano (IPCC, 2019).
O oceano tem a capacidade de naturalmente captar e reter o carbono da atmosfera (Carbono Azul), na sua forma de CO2, absorvendo cerca de 30% dos gases de efeito estufa emitidos pelo ser humano (IPCC, 2014). Como os níveis de CO2 na atmosfera estão a aumentar, as águas marinhas estão cada vez a ficar mais ácidas (acidificação). Desde a era da revolução industrial, a acidez do oceano aumentou cerca de 26% (IPCC, 2019), diminuindo assim a capacidade do oceano de absorção do CO2 da atmosfera. Como consequência da acidificação, as estruturas feitas de carbonato de cálcio são afetadas pela diminuição da calcificação, ocorrendo malformações no desenvolvimento das conchas e esqueletos de várias espécies (Kroeber et al., 2013). Corais, por exemplo, são particularmente vulneráveis à acidificação do oceano, visto que o carbonato de cálcio é vital para a construção dos recifes de coral (Cornwal et al., 2021). Mesmo pequenas alterações na química da água podem resultar no branqueamento dos corais.
As mudanças na química e temperatura das águas do oceano tem outros efeitos que podem ir desde dificuldade na formação de estruturas morfológicas, principalmente nos estados de ovos e larvas, como também mudar os padrões de migração de espécies de peixe (Cheung et al., 2013; Pecl et al., 2014; Hare et al., 2016). Com o aquecimento das águas do oceano, as espécies marinhas estão gradualmente a mover-se das zonas tropicais e subtropicais para águas mais frias, cujo resultado é espécies de águas mais quentes estão a substituir as espécies capturadas tradicionalmente em muitas das pescas a norte. Estudos científicos demonstram que esta mudança é devida ao aumento da temperatura do oceano (Cheung et al., 2013). Estas mudanças podem ter efeitos negativos, como por exemplo, perda de pescas tradicionais, diminuição de rendimentos e empregos, preocupações ao nível da segurança alimentar, e diminuição significativa das capturas nos trópicos (Cheung et al., 2013). Na Europa, por exemplo, já se encontram algumas espécies tropicais, nomeadamente em Portugal (Encarnação et al., 2019).
5. Turismo marinho e costeiro
A indústria do turismo marinho e costeiro é um setor de importância primordial da economia azul. Com um crescimento anual de cerca de 4% (United Nations World Tourism Organisation [UNWTO], 2023), é um dos setores de maior receita para muitos países, com uma importância crucial nos meios de subsistência das comunidades costeiras, mas também muito vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas e a outros tipos de impacto (por exemplo, a recente covid-19). Globalmente, zonas costeiras, ilhas com vastos litorais e biodiversidade natural, atraem milhões de turistas em busca de atividades e experiências marinhas. Para os pequenos países insulares, a contribuição do turismo para as suas economias nacionais é muito significativa (> 40 milhões pessoas/ano) (UNWTO, 2023).
No entanto, o turismo marinho e costeiro tem um impacto ambiental significativo, necessitando de atenção cuidada e preventiva. Contribui para as mudanças climáticas através da emissão de gases com efeito de estufa (por exemplo, aviões e carros), aumenta a pressão nos recursos hídricos locais (consumo de água), aumenta a poluição (águas residuais, geração de resíduos), aumenta a degradação do habitat costeiro (erosão do solo, perda de habitat natural, maior vulnerabilidade a incêndios florestais) e contribui para a perda da biodiversidade (aumento da pressão sobre espécies ameaçadas) (United Nations Environment Programme [UNEP], 2001).
Para minimizar os impactos do turismo marinho e costeiro é essencial um planeamento cuidado, analisando-se os recursos naturais locais existentes, os potenciais pontos de atração (físicos, sociais, biológicos) e suas potenciais fragilidades. Só assim se podem evitar erros prejudiciais e caros para o ambiente e para as populações locais, levando a um desenvolvimento turístico sustentável. Medidas regulatórias podem também ajudar a compensar os impactos negativos e ajudar a manter a integridade dos locais, por exemplo, o controle do número de atividades turísticas e visitantes em áreas protegidas podem limitar os impactos no ecossistema e seus recursos. Esses limites devem ser estabelecidos após uma análise aprofundada da capacidade máxima do visitante sustentável (UNEP, 2001).
De realçar que o turismo marinho e costeiro também pode contribuir significativamente para a proteção ambiental, conservação e restauração da diversidade biológica e uso sustentável dos recursos naturais. O contacto mais próximo com a natureza e o meio ambiente pode aumentar a consciencialização do valor da Natureza e levar a comportamentos e atividades conscientes para preservar o meio ambiente (UNEP, 2001).
6. Poluição
Cerca de 50% da população humana vive nas zonas costeiras, produzindo quase 50% de seu produto interno bruto (PIB) (https://www.citypopulation.de/en/world/bymap/Coastlines.html ). No entanto, a zona costeira tem sofrido pressões intensas devido ao desenvolvimento humano desde a Revolução Industrial, pressões essas que são amplificadas pelas mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição (Winther et al., 2020), com grande impacto negativo para a humanidade e sustentabilidade das zonas costeiras e do oceano global.
As zonas mortas oceânicas (“Dead zones”) são áreas onde os níveis de oxigênio na água atingem valores muito baixos. Em 2004, foram identificadas pelas Nações Unidas 146 zonas mortas no oceano global. Em 2008, esse número aumentou dramaticamente para 405 (Wang et al., 2022). As áreas com baixo teor de O2 são devidas à proliferação de algas. A proliferação de algas cresce a partir de nutrientes químicos que estão no oceano, levando ao esgotamento do O2 no oceano. Quanto mais nutrientes, mais algas crescem e proliferam, quanto mais algas, maior consumo de O2. A intensificação da agricultura (nitrogênio e fósforo dos fertilizantes triplicou), o aumento da urbanização costeira (esgotos das cidades) e, claro, o crescimento da população humana, são as principais razões do aumento dos agentes poluentes químicos, o que leva à proliferação de algas, que por sua vez leva ao esgotamento do O2 na área. Com a falta de O2, a maior parte da vida marinha não consegue sobreviver, daí o nome de “zonas mortas” (Wang et al., 2022).
A poluição costeira é uma das questões mais prementes, tanto a nível regional como global (Halpern et al., 2008). No ambiente marinho, 80% dos agentes poluentes físicos, químicos e biológicos têm origem terrestre, transportados por escoamentos superficiais (cidades), rios e águas subterrâneas, bem como descargas diretas de águas residuais (esgotos) (Jickells et al., 2017).
Um dos fatores que mais contribui para a poluição do oceano é o lixo marinho, constituído principalmente por plástico (macro, micro e nanoplástico). A origem do lixo marinho é na sua maior parte terrestre (mais de 80%), mas também tem origem em atividades humanas no mar, como seja na pesca e no transporte marítimo. Nas pescas, estima-se que 640 000 toneladas de artes de pesca sejam perdidas ou abandonadas no oceano, por ano, contribuindo para a chamada “pesca fantasma” (artes de pesca perdidas que continuam a pescar, sem proveito social ou económico nenhum, mas com grande impacto nas espécies marinhas), constituindo entre 46-70% de todos os detritos macroplásticos marinhos (Nguyen, 2020). Os principais impactos do lixo marinho são na biodiversidade, atuando nas espécies e habitats, na economia das populações costeiras, com perda do turismo e pesados custos de limpeza, mas também na saúde humana, ainda com poucos estudos.
7. Governança e cooperação internacional
A governança desempenha um papel fundamental na garantia da responsabilização e da transparência, componentes essenciais na tomada de decisões sustentáveis. Auditorias e relatórios periódicos claros garantem a responsabilização e evitam impactos ambientais nocivos. O desenvolvimento sustentável é a promessa de uma resposta política a uma série de questões e a governança é a coordenação dessa resposta. A governança é, portanto, a forma como o desenvolvimento sustentável é construído (Margaras and Scholaert, 2022).
Para a implementação dos princípios de boa governança é dada especial atenção às instituições e são estas que devem ajudar os cidadãos a alcançar a sustentabilidade, especialmente proporcionando oportunidades iguais e garantindo o acesso social, económico e político aos recursos. O Estado de direito e uma boa governança são essenciais para o desenvolvimento sustentável, pois criam as condições para as pessoas confiarem nas instituições, públicas ou privadas (Margaras and Scholaert, 2022).
Cada país é soberano e responsável pelos seus recursos e sua sustentabilidade. No entanto, o princípio de responsabilidades comuns continua a ser aplicável. Assim, é responsabilidade de todos a atualização dos mecanismos de governança, assistência a uma gestão e utilização efetiva dos recursos. Para isso, é essencial uma cooperação internacional pronta e efetiva, através da investigação e de uma abordagem científica e tecnológica. Se juntarmos ao conceito de oceano global, o de população global, poderemos compreender a importância de uma verdadeira, ativa e proveitosa cooperação internacional.
Oportunidades da Economia Azul
Todos os problemas apresentam desafios; os desafios apresentam oportunidades; e a Economia Azul é uma fonte de oportunidades. No entanto, as oportunidades necessitam de inovação.
Num dos relatórios do Banco Mundial e das Nações Unidas (World Bank & United Nations Department of Economic and Social Affairs [WB & UN-DESA], 2017) foram identificados cinco tipos de atividades como oportunidades na economia azul: (1) captura e comércio de recursos marinhos vivos; (2) extração e uso de recursos marinhos não-vivos; (3) utilização de forças naturais renováveis não esgotáveis (energia azul); (4) comércio no oceano e ao seu redor; e (5) atividades que contribuem indiretamente para a economia, como captação e sequestro de carbono, proteção costeira, eliminação de resíduos e biodiversidade.
Vários setores são apontados como nichos de oportunidades (WB & UN-DESA, 2017):
no transporte marítimo - atualmente, mais de 80% das mercadorias internacionais são transportadas por via marítima, e espera-se que o volume do comércio marítimo duplique até 2030 e quadruplique até 2050; assim, é essencial melhorar o transporte marítimo, a fim de diminuir os seus impactos;
nas instalações portuárias, por exemplo, com os chamados “Portos Azuis” (Blue Ports) que apoiam o uso sustentável dos recursos marinhos para um crescimento económico, melhores meios de subsistência e ecossistemas marinhos saudáveis;
nas pescas - as pescarias mais sustentáveis podem gerar mais receita, mais pescado e ajudar a restaurar os stocks de peixes; a aquacultura que se pratica há centenas de anos, pode não somente procurar novas e melhores espécies (por exemplo, não carnívoras), mas também novas formas de cultivo, diminuindo os seus impactos; em ambos os setores, é essencial a aplicação do princípio do “valor acrescentado” (aproveitamento e melhoria dos seus produtos);
no turismo marinho e costeiro que continua em expansão, trazendo mais empregos e crescimento económico, há necessidade de mais diversificação e de minimizar os seus impactos;
na biotecnologia marinha e bioprospecção, em que todos os dias novos genes e novos produtos são descobertos para a medicina, alimento, cosmética, materiais, etc.;
nas energias renováveis, em que energias marinhas sustentáveis têm um papel vital no desenvolvimento social e económico;
na extração mineira submarina - em relação à exploração de petróleo, gás e de recursos minerais, cabe aos países costeiros avaliar se estas atividades potencialmente lucrativas compensam, e até que ponto impactam, por exemplo, nos recursos marinhos vivos; lembrar que pouco se sabe ainda sobre os habitats do mar profundo, seu potencial de recuperação ou impacto da mineração nos ecossistemas;
na gestão do lixo - muito há ainda a fazer! Mais de 80% do lixo marinho tem origem terrestre; uma melhor gestão do lixo em terra pode ajudar o oceano a recuperar; este setor é talvez um dos mais promissores, mas também menos populares como forma de investimento.
Conclusão
Bem planeada e com uma gestão integrada, a Economia Azul poderá tornar-se uma resposta para muitos dos pequenos países insulares em desenvolvimento, bem como para os países costeiros, principalmente se atender às preocupações apresentadas. As oportunidades são muitas na Economia Azul, mas é essencial inovação no seu planeamento e implementação, bem como uma gestão integrada real.