Introdução
“Falando simplesmente, nosso relacionamento com os oceanos do nosso planeta deve mudar”, essas são as palavras do presidente da Assembleia Geral da ONU, Volkan Bozkir, na abertura do debate temático de alto nível sobre o oceano e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14): Vida na Água (ONU, 2021).
Nada traduz mais explicitamente um dos fatores mais importantes para a conservação dos mares, oceanos e ambientes costeiros no planeta do que a singularidade da verdade.
A maneira como a humanidade se apropria dos ecossistemas em benefício próprio exploratório, é assustadora, seja a nível terrestre ou marítimo. A exploração, sem nenhuma preocupação ou preservação acaba levando à extinção ou quase extinção de espécies, e observada por poucos em um primeiro momento, mas ao longo do tempo e da conscientização consegue reunir simpatizantes comprometidos com essas causas.
A partir da atual degradação dos mares e oceanos, entidades governamentais e não-governamentais internacionais estão discutindo e priorizando ações para que esses extensos volumes de água, sejam preservados e revitalizados.
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da terra, fornecem 50% do oxigênio necessário para a vida e são o maior depósito natural de carbono existente no planeta (Cabo, 2023).
Mas, o que fazer para melhorar esse cenário e o que é Economia Azul Sustentável?
Economia Azul Sustentável é um conceito desenvolvido para referir-se ao uso dos recursos propiciados pelos oceanos, para vantagens econômicas sem, no entanto, prejudicá-los (Pauli, 2017). Aproveitar todas as possibilidades dos benefícios gerados pelo uso e manutenção dos oceanos e mares, revitalizando e preservando os ricos ecossistemas existentes.
Apenas para contextualizar, a saúde dos oceanos está em risco e vem sendo observada já a algum tempo, cerca de 40% estão prejudicados pela poluição, a acidificação, a pesca predatória e as mudanças climáticas, afetando inclusive a vida de milhões de organismos e microrganismos que mantém saudáveis os ecossistemas marítimos, conforme a Agenda 2030 (ONU, 2015).
Poluição, sobrepesca, acidificação e mudanças climáticas
Quando nos referimos a poluição, é a poluição ambiental como um todo, o que engloba a poluição oceânica.
O excesso de objetos despejados nos mares, principalmente plásticos, acabam por dificultar a vida marinha, prejudicando a preservação das espécies. Esses despojos vão desde despejos de lixo tóxico e inorgânico até ao lixo produzido pelo turismo, que não é pouco.
Várias campanhas, como a Campanha Mares Limpos do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que “renova seus esforços globais para combater o lixo marinho e a poluição por plásticos, agora com foco em como os indivíduos podem usar as leis nacionais e internacionais para pressionar por mudanças” (UNEP, 2021), estão sendo desenvolvidas e mantidas para a conscientização da população global.
Essa campanha do PNUMA tem como objetivo atrair os cidadãos do mundo para redução da utilização do plástico e na defesa do direito ao meio ambiente saudável, inclusive para que oceanos e mares fiquem livres de poluição, com foco principal na poluição gerada pela entrega de bebidas e alimentos.
Uma das observações, a Campanha Mares Limpos do PNUMA, é que: “Todos os anos, cerca de 11 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos entram no oceano. Sem ação imediata e sustentada, até 2040 essa quantidade quase triplicará, podendo chegar a 29 milhões de toneladas métricas por ano. Isto é o mesmo que despejar 50 quilos de plástico em cada metro de costa ao redor do mundo” (UNEP, 2021).
Outro projeto idealizado e levado a termo por uma população local engajada e preocupada com o meio ambiente, é o Projeto Fundo da Folia (Torres & Ferreira, 2021). O projeto começou em Salvador, Bahia, Brasil, a partir da observação das toneladas de lixo produzidas pelas milhões de pessoas que participam no Carnaval, festa anual popular. Essa iniciativa, na época, partiu de quatro surfistas que se reuniram para limpar os dejetos atirados ao mar e, se mantém ativa por mais de dez anos através da associação criada.
Mesmo sem recursos, como cilindros de oxigênio, cientistas e moradores locais, apenas como voluntários, debruçam-se em pranchas de remo para a limpeza do fundo do mar.
Uma iniciativa que alia a consciência ambiental ao esporte e que em 2019 conseguiu que a área abrangida pela preservação se transformasse em zona protegida em âmbito municipal, a primeira reserva municipal do Brasil, em área urbana.
A poluição por lixo plástico não afeta somente os ecossistemas marinhos, mas também os direitos à vida, água, saúde, alimentação, cultura, moradia e principalmente o desenvolvimento das populações, sobretudo as dependentes da subsistência do mar e muito se pode fazer, mesmo com iniciativas menores, mas não menos importantes.
Segundo os conteúdos publicados sobre o mar no site da ONU, para marcar a Década das Nações Unidas da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), o percentual da população mundial é de cerca 40% para os que vivem até 100 km da costa, cerca de 3 bilhões de habitantes, em países insulares ou litorâneos.
Há que se entender, que qualquer exagero introduzido em um ambiente acaba por decliná-lo, desestabilizando o frágil equilíbrio da natureza. Assim como o excesso de plásticos nos oceanos, a pesca predatória em alto-mar produz o mesmo efeito.
A sobrepesca causa desequilíbrios drásticos nas cadeias alimentares marinhas. A diminuição de populações de peixes, como o arenque e o bacalhau-atlântico, e das baleias, que foram pescados à beira da extinção, são exemplos da procura do lucro das grandes indústrias pesqueiras (Mckever, 2022).
Com a falência das populações de peixes, a indústria pesqueira virou os olhos para as águas mais profundas, desestruturando o delicado equilíbrio do sistema biológico marinho. “Devemos explorar com sabedoria, reduzindo as capturas para reconstituir os recursos pesqueiros e combater a pesca ilegal e não declarada. Isso requer melhor regulamentação e fiscalização, bem como a gestão adequada daqueles recursos em alto-mar” (Duarte, 2021).
Há um consenso entre a comunidade científica que a grande maioria das populações de peixes poderiam ser restabelecidas, caso fossem aplicadas leis de regulamentação para a extração de espécies e, se houvesse uma gestão agressiva para a pesca, inclusive com a delimitação das áreas de captura. Um maior uso da cultura para frutos do mar, a aquicultura e a conscientização desses controles, se faz imprescindível para manter essa estrutura biológica, de forma que não afete as futuras gerações. A utilização da gestão marítima resultará em benefícios extensivos a toda a humanidade.
A iniciativa “Crescimento Azul”, lançada pela ONU, evidencia maneiras de equilibrar o desenvolvimento social, a segurança alimentar, o crescimento econômico e o uso sustentável desses recursos vivos (Eikeset et al., 2018; FAO, 2018), para auxiliar os países em desenvolvimento, na busca do aproveitamento do potencial dos mares, oceanos e limites costeiros, no aproveitamento de práticas sustentáveis e aquicultura e pesca, além de apoiar o desenvolvimento econômico nas comunidades, garantindo a segurança alimentar e o acesso a mercados (FAO, 2018).
Além da sobrepesca e da poluição, os oceanos e sua biodiversidade enfrentam ainda, a acidificação das águas e os fatores decorrentes das mudanças climáticas. As emissões de gases do efeito estufa contribuem para o aumento da temperatura do clima e, os oceanos são responsáveis por absorver grande parte do excesso desses gases, desempenhando um papel de suma importância na regulação do clima ao captar cerca de um terço das emissões de dióxido de carbono (ONU, 2024).
Devido ao aquecimento das águas do oceano, diversas populações de peixes estão a movimentar-se para as zonas polares, para águas mais frias (Cheung et al., 2013). Por outro lado, as “zonas mortas”, zonas com pouco ou nenhum oxigénio e onde poucos organismos conseguem sobreviver, quadruplicaram nos últimos 50 anos (Bardon, 2021). Esta autora, aponta ainda, para a intensificação de eventos climáticos extremos, pois um oceano aquecido gera mais vapor de água, o que acarreta alterações nos ciclos de nuvens com chuvas mais fortes ou secas mais prolongadas, além de provocar a expansão térmica das águas que acrescidas do derretimento das geleiras, produzem um aumento no nível do mar e ameaçam diretamente as populações dos pequenos Estados Insulares em desenvolvimento, que vivem a menos de 10 metros desse nível, como também todas as nações costeiras.
“A elevação do nível do mar é um problema mundial e afeta todas as nações costeiras. Contudo, nas próximas décadas, os maiores efeitos serão sentidos na Ásia, devido ao número de pessoas que vivem nas áreas costeiras do continente. Bangladesh, China, Índia, Indonésia, Tailândia e Vietnam abrigam a maioria da população que vive em terras estimadas para ficarem abaixo dos níveis médios anuais de inundações costeiras até 2050. Em conjunto, esses seis países representam cerca de 75% dos 300 milhões de pessoas que viviam em áreas que enfrentavam a mesma vulnerabilidade em meados do século passado” (Scott, 2021).
O aquecimento das águas oceânicas pela emissão de gases, não atinge apenas o clima do planeta, mesmo com o oceano trabalhando como um imenso purificador e permitindo que nosso ar permaneça respirável, existem alterações na composição química de suas águas, que causam a acidificação dos mares, prejudicando organismos como conchas de carbonato de cálcio e o plâncton e, que estão na camada inferior da cadeia alimentar, enfatiza Bardon (2021). Há que se lembrar que o plâncton é um componente fundamental para o equilíbrio e manutenção da cadeia alimentar, já que está presente em toda a sua base.
Essa acidificação afeta diretamente as construções estruturais dos esqueletos como moluscos, corais e crustáceos, que têm como base o carbonato de cálcio e dificulta a construção e manutenção das estruturas calcárias desses organismos.
Esse é um dos efeitos que podem enfraquecer os ecossistemas marinhos, fundamentais para a manutenção da vida na Terra.
Diante desses factos, as atitudes tanto individuais como coletivas, necessitam demonstrar a urgência do desenvolvimento da consciência, de que somos responsáveis pelos espólios lançados aos mares e oceanos ao redor do planeta, sejam de qualquer espécie e de como utilizamos os benefícios que eles nos oferecem.
Biodiversidade de Timor-Leste
Inúmeros países ao redor do globo, são dependentes dos benefícios marítimos, seja na pesca, ou no uso para transporte, e uma grande maioria continua em desenvolvimento, muitos sem a consciência da utilização adequada desses recursos.
Culturas acostumadas a pesca e ao que o mar pode proporcionar, vinda de gerações distantes, mas respeitosas da importância dos mares. Para esses países a melhor política é a educação para a subsistência econômica integrada a responsabilidade e respeito com a natureza.
Timor-Leste está localizado no meio do Triângulo de Coral e tem mares com áreas com concentrações de golfinhos e baleias e uma das maiores biodiversidades marinhas do planeta.
Sendo assim, já observando a necessidade de preservar essas áreas e recuperar a pesca e os recursos biológicos, foram criadas duas reservas aquáticas costeiras naturais:
Uma no suco de Batugadé, em Balibó, próxima da fronteira com a Indonésia, para a reabilitação do habitat natural e da pesca que compreende 22% da economia e, da sobrevivência dos 28% das famílias da região, sendo crucial para a alimentação local, como também para a sobrevivência do animal sagrado de Timor, o crocodilo de água salgada (LUSA, 2015). A reserva na região de Balibó possui uma extensão de 112,59 hectares, sendo que 18,85 hectares são corais, 3,49 de sargaços de ervas marinhas, 0,60 de mangue, 2,83 de praias e 86,72 hectares de águas profundas (LUSA, 2015).
A outra reserva criada encontra-se em Ataúro, uma ilha em frente a Díli, capital de Timor-Leste, com um total de 50,85 hectares, sendo 31,34 de recifes de coral, 18,36 de sargaços, 0,97 de mangue e 0,187 de praias, e é um dos destinos mais apreciados para mergulho. Por esse motivo e para melhor preservação, apenas natação, snorkel, mergulho e investigação científica são permitidos na área (LUSA, 2015).
O decreto de criação das reservas, ainda proíbe a pesca, extração de areia e pedra, revogação de ervas marinhas, cortes de árvores e qualquer recolhimento de recursos aquáticos (LUSA, 2015).
A diretora local da Conservation International de Timor-Leste, Trudiann Dale, também concorda com essa proteção e esclarece que “Em cada estudo, descobrimos algo novo dentro da magnífica biodiversidade de Timor-Leste, tornando-se cada vez mais urgente proteger a vida marinha. Os resultados provam, sem margem para qualquer dúvida, que os recifes de Ataúro são extremamente valiosos para o povo de Timor-Leste.” (França et al., 2017).
É fácil verificar em países como Timor-Leste, onde a sua população sobrevive da pesca e produtos do mar, os problemas acarretados pela evolução industrial e o turismo. Os timorenses respeitam e cultuam o mar como sua própria casa, no entanto, as suas praias estão repletas de sujeira.
O governo timorense afiança o compromisso em estudar e conservar a natureza que rodeia a ilha, pois conforme o jornal britânico The Guardian, com base nas conclusões do Conservation International, as águas de Ataúro, possuem a maior biodiversidade do mundo, com cerca de 642 espécies de peixes diferentes e algumas raras (Gomes, 2016).
O objetivo do Governo de Timor-Leste é principalmente "recuperar as pescas e outros recursos biológicos", e assim preservar as tradições e os recursos de pesca, garantindo a exploração e utilização de maneira sustentável. Trudiann Dale menciona em seus estudos que “o Governo tem sido sempre rápido a agir através da implementação de regulamentos para proteger os ecossistemas de recifes de coral” (França et al., 2017).
Essas ações rápidas vão de encontro com a vontade do povo timorense, bem como, com seus interesses e interesses da comunidade internacional, sejam na preservação como na sustentabilidade econômica ou local.
Conclusão
A Economia Azul Sustentável contempla inúmeras atividades econômicas que podem ser desenvolvidas com base nos recursos oceânicos ou marinhos, como a pesca, o ecoturismo e os derivados dos produtos oferecidos pelo mar, por exemplo, para o artesanato e, desde que utilizados de forma controlada e sustentável, almejando a conservação desses recursos, estejam sempre disponíveis.
Em todos os países, mesmo que em escalas econômicas diferentes, as atividades relacionadas ao mar contribuem de maneira produtiva para a economia local, além de trazer divisas para os Estados que possuem limites com o oceano.
No entanto, é necessário, estabelecer políticas claras de manejo e utilização dessas atividades, para que a contribuição dos bens e serviços advindos da Economia Azul Sustentável, evoluam e garantam sustentabilidade e sobrevida aos ecossistemas marinhos e costeiros, assim como para a diversidade de espécies que habitam essas águas.
Os processos produtivos dessas atividades baseadas nos oceanos e mares, podem, se não houver limites pré-estabelecidos, causar impactos catastróficos à natureza, como já evidenciado: a contaminação das águas, a poluição por plásticos e outros dejetos, a acidificação, a sobrepesca, etc. Não apenas os oceanos sofrem com o desequilíbrio causado por esses fatores, mas também toda a natureza e a própria humanidade.
A consciência do papel de cada um na degradação ambiental e sua parcela de interferência, mesmo com um pequeno gesto, é um assunto onde se deve enfatizar todos os impactos para a sociedade global e, também, em como potencializar as soluções para combatê-los e reduzi-los, a médio/longo prazo, em benefício dessa mesma sociedade.
Em cada país onde o oceano é fonte de subsistência, a economia ambiental pode ser a base para o desenvolvimento de estratégias para a Economia Azul Sustentável. Medidas devem ser adotadas, com embasamento em estudos e análises já publicados, ou ainda próprios, para que seja assegurada a continuidade das atividades produtivas, mas, principalmente quando aliadas ao uso sustentável dos recursos disponíveis, sejam dos oceanos, manguezais ou regiões costeiras.
Essa mudança no comportamento dos produtores e consumidores, precisa ser implementada com determinada urgência, já que os estragos que até o momento já são grandes e percebidos mesmo sem estudos, quando nos deparamos com a sujeira encontrada nas praias, algumas vezes pela falta de consciência do uso adequado das costas, outras vezes trazidos pelo mar.
Esse é um trabalho árduo para governos, governantes, agências e comunidade internacional, que por meio de estudos, campanhas, fóruns, debates e atitudes que demonstrem os danos causados, e por meio da conscientização, seja priorizada e evidenciada amplamente, as maneiras de melhorar os danos já gerados, com políticas que podem ser adotadas em acordos locais, nacionais e internacionais, para que os oceanos e mares sejam reestabelecidos e a humanidade e a natureza são sofram prejuízos permanentes.
A natureza é o nosso maior recurso e a nossa maior dádiva, devemos, por isso, preservá-la e respeitá-la.