SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.39 número1Rabdomiólise secundária a vacina contra COVID-19: relato de casoA tuberculose esquecida: um relato de caso índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.1 Lisboa fev. 2023  Epub 30-Mar-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i1.13526 

Relatos de caso

Hipercolesterolemia de difícil controlo: caso clínico

Difficult-to-treat hypercholesterolemia: case report

Maria Luís Cambão1 
http://orcid.org/0000-0003-2582-7808

Pedro Marques1 

1. USF Cuidarte, Unidade Local de Saúde do Alto Minho. Viana do Castelo, Portugal.


Resumo

Introdução:

A dislipidemia é um dos principais fatores de risco da aterosclerose que, por sua vez, é a principal causa de morte nos países desenvolvidos, incluindo Portugal. Apesar das modificações no estilo de vida e da terapêutica hipolipemiante com estatina e ezetimiba, muitos doentes não atingem os valores recomendados de colesterol-LDL (c-LDL). Os inibidores da PCSK9 são uma nova opção terapêutica que permite uma redução significativa desses valores (50-60%).

Descrição do caso:

Mulher, 66 anos, antecedentes de diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia e excesso de peso. Na história familiar a destacar vários familiares com dislipidemia. Apresenta, desde há vários anos, valores de colesterol total, triglicerídeos e c-LDL fora do alvo (c-LDL na ordem dos 230 mg/dL), apesar de terapêutica médica otimizada. Por persistência destes valores, e atendendo à história familiar, foi encaminhada para consulta hospitalar de medicina interna para avaliação de indicação para início de tratamento com iPCSK9. Iniciou tratamento com evolocumab, tendo apresentado, ao fim de quatro semanas, c-LDL de 66 mg/dL (redução de cerca de 77%).

Comentário:

Apesar de relativamente recentes, estes novos fármacos têm mostrado uma redução adicional do risco de eventos cardiovasculares, com um bom perfil de segurança. Contudo, devido aos custos elevados, a sua utilização na prática clínica deve ter em conta o seu custo-efetividade. Deve ser dada prioridade à sua utilização nos doentes de maior risco cardiovascular e que mantêm valores elevados de c-LDL, apesar da terapêutica hipolipemiante otimizada. A sua administração é subcutânea, a cada duas a quatro semanas, sendo o estado de equilíbrio das concentrações séricas mínimas atingido às doze semanas. Deve ser mantida uma monitorização semestral. Atualmente, a prescrição destes fármacos está limitada aos cuidados de saúde secundários, mas o médico de família deve estar alerta para identificar e referenciar os doentes que possam ter critério para iniciar este tipo de tratamento.

Palavras-chave: Dislipidemia; Colesterol LDL; Inibidores PCSK9; Caso clínico

Abstract

Introduction:

Dyslipidemia is one of the main risk factors of atherosclerosis, which is the main cause of death in developed countries, including Portugal. Despite lifestyle changes and lipid-lowering therapy with statins and ezetimibe, many patients do not reach the recommended LDL-cholesterol (LDL-c) levels. PCSK9 inhibitors are a new therapeutic option, which allows a significant reduction of these values (50-60%).

Case description:

Female, 66 years old, with a history of type 2 diabetes mellitus, arterial hypertension, dyslipidemia, and overweight. Many family members with dyslipidemia. For several years, she has presented values of total cholesterol, triglycerides, and LDL-c out of the target (LDL-c in the order of 230 mg/dL), despite optimized medical therapy. Due to the persistence of these values and family history, she was referred to a hospital consultation of Internal Medicine, for evaluation of the indication to start treatment with iPCSK9. She started treatment with evolocumab, having presented, after 4 weeks, LDL-c of 66 mg/dL (reduction of about 77%).

Comment:

Although relatively recent, these new drugs have shown a further reduction in the risk of cardiovascular events, with a good safety profile. However, due to the high costs, its use in clinical practice should consider its cost-effectiveness. Priority should be given to its use in patients at higher cardiovascular risk and who maintain high LDL-c levels despite optimized lipid-lowering therapy. It is administered subcutaneously every two to four weeks, with steady-state trough serum concentrations being reached within twelve weeks. Semi-annual monitoring should be maintained. Currently, the prescription of these drugs is limited to secondary health care, but the role of the family doctor is fundamental to identifying and referring patients who may have the criteria to start this type of treatment.

Keywords: Dyslipidemia; LDL cholesterol; PCSK9 inhibitors; Case report

Introdução

A dislipidemia é um dos grandes fatores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose. Esta, por sua vez, é o principal mecanismo subjacente ao aparecimento das doenças cardiovasculares, que são, segundo dados relativos ao ano 2019, a principal causa de morte em Portugal.1

A abordagem inicial da dislipidemia passa pelas modificações no estilo de vida, tanto a nível de introdução de uma alimentação mais saudável como a nível da prática de exercício físico. A otimização da terapêutica hipolipemiante é conseguida com o uso de estatinas e ezetimiba, associadamente. Contudo, apesar de todas as medidas não farmacológicas e da terapêutica em doses máximas toleradas, alguns doentes não atingem os valores recomendados de colesterol-LDL (c-LDL).

Neste sentido, têm surgido novas opções terapêuticas, como é o caso dos inibidores da pró-proteína convertase subtilisina quexina tipo 9 (PCSK9). A PCSK9 é uma protease que se liga aos recetores de LDL existentes na membrana dos hepatócitos e que faz com que estes sejam degradados. 2 Os inibidores da PCSK9, por sua vez, ligam-se à PCSK9 e impedem que esta se ligue aos recetores do LDL. Desta forma, a quantidade de recetores LDL disponíveis na membrana do hepatócito aumenta e, consequentemente, os níveis de LDL circulante diminuem. 3 Estima-se que estas moléculas consigam uma redução dos valores do LDL na ordem dos 50 a 60%.4

Atualmente existem dois fármacos disponíveis, o alirocumab e o evolocumab, ambos de administração subcutânea, em intervalos de duas a quatro semanas, sendo que o efeito hipolipemiante deve ser avaliado ao fim de quatro semanas de tratamento e depois monitorizado semestralmente. O estado de equilíbrio das concentrações séricas mínimas é atingido às doze semanas. 4 Atendendo a que estes fármacos apresentam um custo muito elevado, a sua prescrição atualmente é exclusivamente de âmbito hospitalar e está reservada, resumidamente, para casos de prevenção secundária ou de prevenção primária em doentes com hipercolesterolemia familiar, sendo que podem também ser considerados nos doentes que apresentam um risco cardiovascular muito alto, que não têm hipercolesterolemia familiar, mas que não conseguem atingir os alvos de LDL. 5

Descrição do caso

Mulher de 66 anos, com antecedentes pessoais de diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia, hipotiroidismo, síndroma de apneia obstrutiva do sono ligeiro e perturbação de ansiedade. De antecedentes familiares de relevo apenas relatava que várias pessoas na família tinham dislipidemia.

Habitualmente estava medicada com rosuvastatina 20 mg, id; ezetimiba 10 mg, id; fenofibrato 267 mg, id; rabeprazol 20 mg, id; bisoprolol 5 mg, id; enalapril + lercanidipina 20 mg + 20 mg, id; glibenclamida 10 mg, id; metformina + dapaglifozina 1000 mg + 5 mg, bid; bromazepam 3 mg, id.

Ao exame objetivo apresentava excesso de peso (IMC 26,7 Kg/m2), pressão arterial de 135/79 mmHg, sem alterações à auscultação cardiopulmonar e sem quaisquer outras alterações de relevo no exame objetivo.

Analiticamente, como se pode verificar pela análise da Tabela 1, já desde, pelo menos, 2017 esta doente apresentava valores de colesterol total na ordem dos 300-400 mg/dL e de c-LDL de cerca de 200-250 mg/dL, estando medicada com uma estatina de alta potência e ezetimiba. Ao longo dos anos foram tentados diversos fármacos e associações diferentes, sempre sem uma melhoria significativa no perfil lipídico.

Tabela 1 Estudo analítico sumário da utente 

Face a estes valores elevados e à história familiar da utente foi colocada a hipótese de se tratar de uma hipercolesterolemia familiar e a doente foi referenciada para a consulta hospitalar de medicina interna com o objetivo de serem ponderadas as novas opções terapêuticas disponíveis, nomeadamente os inibidores da PCSK9.

Em agosto de 2021, a doente iniciou tratamento com evolocumab com administração quinzenal. Aquando da avaliação analítica, após quatro semanas de tratamento, verificou-se que o perfil lipídico da doente surgiu, pela primeira vez, com valores dentro do alvo. Como se pode observar na Tabela 2, o colesterol total baixou para 146 mg/dL e o c-LDL para 66 mg/dL, o que representa uma redução de cerca de 77% do valor c-LDL.

Tabela 2 Evolução analítica quatro semanas após início de tratamento com evolocumab 

Atualmente a doente encontra-se a aguardar o resultado do teste genético confirmatório de hipercolesterolemia familiar.

Comentário

Para o diagnóstico de hipercolesterolemia familiar, em Portugal, é adotado o Dutch Clinic Network Criteria (DLCN), apresentado na Tabela 3. A partir da análise destes critérios é percetível que a doente se encontra, à data atual, enquadrada num nível de diagnóstico provável, pelo que carece do resultado do teste genético para a confirmação diagnóstica.

Tabela 3 Dutch Clinic Network Criteria (DLCN) para diagnóstico de hipercolesterolemia familiar 

Nota: Adaptado das Normas da Sociedade Europeia de Aterosclerose.6

Paralelamente à melhoria do perfil lipídico verificou-se, nesta doente, uma descompensação da diabetes, com a subida do valor da hemoglobina glicada. Contudo, não há, até à data, evidência de que estes novos fármacos possam estar associados a este efeito. Acredita-se que, no caso da doente em questão, esta descompensação se deveu a uma falha na adesão terapêutica. Apesar de ainda relativamente recentes, estes novos fármacos têm mostrado uma redução adicional do risco de eventos cardiovasculares, com um bom perfil de segurança.

Um dos aspetos mais negativos destas novas terapêuticas é o seu custo elevado, pelo que a sua utilização na prática clínica deve ter em conta o seu custo‐efetividade. Neste sentido, deve ser dada prioridade à sua utilização nos doentes de maior risco cardiovascular e que mantêm valores elevados de colesterol‐LDL, apesar da terapêutica hipolipemiante otimizada.

O facto de serem fármacos de administração subcutânea, com uma semivida longa, permite uma administração a cada duas a quatro semanas, o que tem um efeito positivo na adesão terapêutica.

Como referido anteriormente, neste momento a prescrição destes fármacos está limitada aos cuidados de saúde secundários; contudo, a maioria dos doentes que poderão beneficiar destas opções terapêuticas são seguidos nos cuidados de saúde primários. Para além disso, o médico de família tem uma posição privilegiada a nível do conhecimento e seguimento das famílias, tornando-se mais fácil a deteção dos possíveis casos de doença familiar. Por estes motivos, é fundamental que o médico de família esteja atualizado sobre as novas opções terapêuticas para que possa estar alerta para identificar e referenciar todos os utentes que possam ter critério para iniciar este tipo de tratamento.

Contributo dos autores

Conceptualização, MLC e PM; investigação, MLC; redação do draft original, MLC; revisão e edição do texto final, MLC e PM; supervisão, PM.

Conflito de interesses

O autor declara não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

1. Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas da saúde - 2019 [homepage]. Lisboa: INE; 2021. Available from: https://www.ine.pt/xurl/pub/257483090 [ Links ]

2. Denis M, Marcinkiewicz J, Zaid A, Gauthier D, Poirier S, Lazure C, et al. Gene inactivation of proprotein convertase subtilisin/kexin type 9 reduces atherosclerosis in mice. Circulation. 2012;125(7):894-901. [ Links ]

3. McKenney JM. Understanding PCSK9 and anti-PCSK9 therapies. J Clin Lipidol. 2015;9(2):170-86. [ Links ]

4. Fontes-Carvalho R, Silva PM, Rodrigues E, Araújo F, Gavina C, Ferreira J, et al. Practical guide for the use of PCSK9 inhibitors in Portugal. Rev Port Cardiol. 2019;38(6):391-405. [ Links ]

5. Mach F, Baigent C, Catapano AL, Koskinas KC, Casula M, Badimon L, et al. 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk. Eur Heart J. 2020;41(1):111-88. [ Links ]

6. Nordestgaard BG, Chapman MJ, Humphries SE, Ginsberg HN, Masana L, Descamps OS, et al. Familial hypercholesterolaemia is underdiagnosed and undertreated in the general population: guidance for clinicians to prevent coronary heart disease: consensus statement of the European Atherosclerosis Society. Eur Heart J. 2013;34(45):3478-90a. [ Links ]

Recebido: 18 de Junho de 2022; Aceito: 24 de Outubro de 2022

Endereço para correspondência Maria Luís Cambão E-mail: mlncambao@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons