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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.4 Lisboa jul. 2023  Epub 30-Jul-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i4.13560 

Relatos de caso

Varicela na grávida: imunidade, contacto e infeção - a propósito de um caso clínico

Chickenpox during pregnancy: immunity, contact, and infection - a case report

Catarina Afonso Cruz1  2 
http://orcid.org/0000-0001-9139-8453

Anabela Carvalho Rodrigues1 

Rita Sales3 

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Aqueduto, ACeS Grande Porto IV - Póvoa de Varzim. Vila do Conde, Portugal.

2. Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS). Porto, Portugal.

3. Médica Assistente de Medicina Geral e Familiar. UCSP Sul (Santa Maria da Feira), ACeS Entre Douro e Vouga I - Feira e Arouca. Santa Maria da Feira, Portugal.


Resumo

Introdução:

A varicela na gravidez é uma patologia pouco frequente em Portugal devido à alta taxa de imunidade da população em idade fértil. Associa-se a risco mais elevado de complicações maternas assim como a morbimortalidade fetal significativa, particularmente quando a infeção ocorre até às 20 semanas de gestação ou no período periparto.

Descrição do caso:

Mulher de 31 anos, natural da Rússia, grávida, 2G1P, vigiada na Unidade de Saúde Familiar e consulta de obstetrícia. Recorreu à consulta aberta da sua Unidade de Saúde Familiar às 27 semanas de gestação por contacto significativo com caso de varicela. Encontrava-se assintomática e não apresentava alterações ao exame objetivo. Desconhecia história prévia de varicela ou zona e não tinha registo de vacinação contra o vírus varicela zoster. Foi orientada para o serviço de urgên-cia de obstetrícia, onde colheu serologias. Foi confirmada ausência de imunidade para o vírus varicela zoster, pelo que realizou profilaxia com imunoglobulina. Desenvolveu varicela às 29 semanas e dois dias de gestação, não tendo sido registadas complicações maternas associadas à varicela ou detetados sinais ecográficos de síndroma de varicela fetal. A gravidez decorreu sem outras intercorrências e terminou às 41 semanas e dois dias de gestação. O recém-nascido não apresentava alterações sugestivas de síndroma de varicela fetal.

Comentários:

O caso clínico descrito pretende enfatizar a necessidade do conhecimento do médico de família da abordagem das grávidas com contacto com varicela ou que desenvolvam a doença. Para além disso, tem como objetivo alertar para a importância da avaliação do estado de imunidade em idade fértil para a identificação de mulheres potencialmente não imunes e a sua atempada orientação.

Palavras-chave: Gravidez; Varicela; Infeção pelo vírus da varicela zoster; Cuidado pré-natal; Vacina contra varicela; Relato de caso

Abstract

Introduction:

Varicella zoster virus primary infection during pregnancy is rare in Portugal as a result of the very high immunity rates of women of reproductive age. It is associated with higher risks of maternal complications, as well as significant fetal morbimortality, particularly if the mother acquires the infection during the first 20 weeks of gestation weeks or in the peripartum.

Case description:

We report a case of a 31-year-old pregnant Russian patient, G2P1, with pregnancy managed by her family doctor and an obstetrician. At 27 weeks of gestation, she had a walk-in appointment with her family doctor reporting significant contact with varicella. At the time, she did not have symptoms or significant changes at the physical examination. The patient had no previous history of chickenpox or shingles, and no record of varicella zoster virus immunization. She was referred to the obstetrics emergency department, where she was tested for varicella zoster virus serology. It was confirmed that the patient was not immune to the varicella-zoster virus and was offered immunoglobulin administration. She developed varicella at 29 weeks and two days of gestation, without associated maternal complications or ultrasound findings suggesting the development of fetal varicella syndrome. She delivered a healthy infant at 41 weeks and two days of gestation.

Comments:

This case report aims to emphasize the importance of primary care physicians’ knowledge on the guidance of pregnant women who report significant varicella contact and/or develop varicella. In addition, this report highlights the importance of varicella immunity assessment at preconception counselling and care appointments to identify and manage non-immune women.

Keywords: Pregnancy; Chickenpox; Varicella zoster virus infection; Prenatal care, Chickenpox vaccine; Case report

Introdução

A varicela resulta da primoinfeção pelo vírus varicela zoster (VVZ).1 É uma doença aguda muito comum e altamente contagiosa, que afeta sobretudo crianças em idade escolar. 1 Apresenta um espectro de sinais e sintomas, desde a sua forma tipicamente autolimitada e benigna na infância até formas potencialmente graves em adultos. 1-2 O período de incubação é de 10 a 21 dias e a contagiosidade atinge o pico nos dois dias prévios ao início do exantema.1 Os anticorpos contra o VVZ desenvolvem-se poucos dias após a instalação da infeção, sendo estabelecida uma imunidade duradoura para a doença. 1,3 O herpes zoster resulta da reativação do VVZ nos gânglios raquidianos e caracteriza-se por um exantema vesicular tipicamente doloroso com distribuição no dermátomo sensorial afetado. 1

A varicela no adulto está associada a maior gravidade e complicações do que nas crianças, nomeadamente pneumonia, hepatite e encefalite por VVZ. 1-2 De forma particular, a varicela na gravidez associa-se a complicações mais frequentes que nos restantes adultos, que se relacionam tanto com a infeção por VVZ como com sobreinfeções bacterianas das lesões cutâneas. 2 Em Portugal apenas 2,85% das mulheres nos períodos de maior fertilidade (20 aos 44 anos) são susceptíveis à primoinfeção pelo VVZ. 3 Esta elevada taxa de imunidade reflete-se na baixa incidência de varicela na gravidez em Portugal, estimando-se que complique 1-7/10.000 gravidezes. 3 No entanto, caso a infeção ocorra, existem riscos materno-fetais consideráveis a ter em conta. 4 A pneumonia por VVZ é a complicação mais comum em adultos com varicela, desenvolvendo-se em 10-20% dos casos. 2,4 Alguns estudos sugerem que a incidência de pneumonia por varicela não está, por si só, aumentada na gravidez. 2,4 No entanto, se ocorrer, acarreta maior morbimortalidade na grávida, havendo incremento da mortalidade se a infeção se verificar no terceiro trimestre. 2,4

O VVZ atravessa a barreira placentar, podendo a varicela na gravidez associar-se à síndroma da varicela fetal (anteriormente designada síndroma da varicela congénita) e à varicela no recém-nascido. 5 Se a infeção ocorrer até às vinte semanas de gestação, o risco de varicela fetal é baixo (< 2,4%) mas, se o feto for infetado, as consequências são potencialmente graves. 2,4 As grávidas devem ser avaliadas regularmente com o intuito de identificar os possíveis sinais da embriofetopatia da síndroma da varicela fetal, nomeadamente restrição de crescimento intrauterino, lesões cutâneas cicatriciais, anomalias esqueléticas, lesões neurológicas, oftalmológicas, gastrointestinais e genitourinárias. Infeção fetal sem embriopatia é mais provável quando a infeção ocorre depois das vinte semanas de gestação. 5

No que diz respeito à varicela no recém-nascido, esta pode ser contraída no período periparto, dando origem a manifestações clínicas nos primeiros dez dias de vida ou no período pós-natal, com manifestações entre os dez e vinte e oito dias de vida. 5 A gravidade da varicela no recém-nascido depende do timing da infeção materna, podendo variar desde uma doença benigna até uma doença que acarreta complicações, como envolvimento hepático e pneumonia, com uma taxa de mortalidade associada que pode atingir os 30%.4

Este artigo reporta o caso clínico de uma grávida não imune, com contacto significativo com VVZ durante a gravidez e que desenvolveu posteriormente varicela. Pretende-se com este caso realçar a importância do reconhecimento da varicela na gravidez e sumariar a abordagem da grávida com contacto com VVZ ou com infeção, com particular enfoque na perspetiva e papel do médico de família neste processo.

Descrição do caso

Utente do sexo feminino, 31 anos de idade, raça caucasiana, natural da Rússia, residente em Portugal há mais de uma década, professora de profissão. Integra uma família nuclear, em fase III do ciclo familiar de Duvall, de classe socioeconómica III (média), segundo a escala de Graffar. Sem alergias conhecidas, sem consumo de álcool ou tabaco, suplementada com iodeto de potássio e complexo hidróxido férrico-polimaltose. Apresenta, como antecedentes pessoais, escoliose e pólipo endometrial e antecedentes obstétricos de um parto de termo em 2015. Gravidez vigiada, com seguimento em consulta hospitalar de obstetrícia por hemorragia do primeiro trimestre e descolamento da placenta e concomitantemente nos cuidados de saúde primários. Realizou consulta pré-concecional seis meses antes de engravidar.

Às vinte e sete semanas de gestação, em 01/março/2019, recorreu a consulta aberta na sua unidade de saúde por ter sido diagnosticada varicela ao seu filho de quatro anos de idade nesse dia. Encontrava-se assintomática. Ao exame objetivo, a utente apresentava--se apirética, hemodinamicamente estável, auscultação cardiopulmonar sem alterações e sem aparentes lesões cutâneas. Uma vez que não foi confirmada história prévia de varicela ou zona e não tinha registo de imunidade por vacinação, a utente foi referenciada para o serviço de urgência do centro hospitalar da área de residência para avaliação por obstetrícia e colheita de serologias. Na avaliação por obstetrícia, a cardiotocografia apresentou traçado fetal normal, sem contrações uterinas, e a ecografia transabdominal um feto com vitalidade cardíaca e corporal, com líquido amniótico normal. Foi solicitada serologia para o VVZ urgente à utente, tendo tido alta médica com explicação dos sinais de alarme e indicação de que iria ser contactada a posteriori para comunicação dos resultados da serologia. Os resultados da serologia determinaram ausência de imunidade ao VVZ e, dado que a utente se mantinha assintomática, quatro dias após o contacto de risco realizou profilaxia com imunoglobulina para a varicela zoster (IgVVZ), procedimento que decorreu sem intercorrências.

Às vinte e nove semanas e dois dias de gestação, doze dias após a administração da IgVVZ, a utente recorreu novamente ao serviço de urgência de obstetrícia por surgimento de lesões cutâneas pruriginosas com menos de 24 horas de evolução. Ao exame objetivo encontrava-se hemodinamicamente estável, auscultação cardiopulmonar sem alterações, com exantema maculopapular com algumas vesículas dispersas pelo tronco e membros, sem sinais de sobreinfeção bacteriana e sem atingimento das mucosas. Foi solicitada colaboração de infeciologia, diagnosticada clinicamente varicela com base nas características das erupções vesiculares generalizadas. Teve alta clínica medicada com aciclovir 800 mg, cinco vezes/dia durante sete dias, anti-histamínico oral e informada dos sinais de alarme. Não se registou nenhuma complicação materna atribuível à infeção por VVZ.

Manteve o seguimento nos cuidados de saúde primários e em consulta hospitalar de obstetrícia com avaliação ecográfica mensal, não tendo sido detetadas alterações fetais sugestivas de síndroma de varicela fetal. Não se registou também nenhuma complicação materna atribuível à infeção por VVZ ou outras intercorrências durante a gestação. O parto ocorreu às quarenta e uma semanas e dois dias por cesariana por tentativa frustrada de indução do trabalho de parto. Ao nascimento o recém-nascido não apresentava malformações aparentes ou alterações ao exame objetivo. Teve internamento aos seis dias de idade por onfalite e icterícia neonatal e iniciou acompanhamento em consulta de pediatria aos 4 meses de idade por encerramento precoce da fontanela anterior. Completou dois anos de vida com desenvolvimento estato-ponderal e psicomotor adequados.

Comentário

Este caso clínico pretende realçar a importância da avaliação da imunidade ao VVZ na consulta pré-concecional nos cuidados de saúde primários, assim como a necessidade de conhecimento pelo médico de família da abordagem de grávidas que reportem contacto com o VVZ para uma adequada atuação médica em tempo útil. 3

De acordo com os resultados apresentados pela rede de Médicos Sentinela, a taxa estimada de incidência de varicela em Portugal é de 649,7 casos por 100.000 utentes na população geral. 6 Dessa forma, o contacto com o VVZ durante a gravidez é frequente, especialmente nas grávidas com filhos em idade pré-escolar, uma vez que a maioria das crianças até aos sete anos já contraiu varicela. 3,6-7 No entanto, a incidência da primoinfeção na gravidez é baixa, devido à alta taxa de imunidade da população em idade fértil - estimada em 97%.3,7 Estudos de imunidade realizados em grávidas em Espanha e França reportaram dados semelhantes, sendo que 96,1% e 98,8% das grávidas eram imunes ao VVZ, respetivamente. 8-9 De realçar que menos de 75% das mulheres originárias de países tropicais e subtropicais estão imunes ao VVZ e são, por esse motivo, mais suscetíveis ao desenvolvimento de varicela na gravidez.10 Na Rússia, em 2019, foram determinadas taxas de incidência de 559,1 casos de varicela por 100.000 habitantes, valor inferior ao reportado em Portugal. 6,11

Este caso alerta-nos para a pertinência da avaliação do estado de imunidade ao VVZ numa consulta de pré-conceção, que não se encontra preconizada no Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco, da Direção-Geral da Saúde. 12 Neste caso, essa avaliação foi realizada após o relato de contacto significativo com o VVZ, onde a utente referiu desconhecer história prévia de varicela ou zona. No que diz respeito ao estado vacinal não havia registo de vacinação prévia contra o VVZ. Em Espanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América está recomendada a avaliação de história de exposição ao VVZ na consulta de pré-conceção ou, caso esta não tenha sido realizada, na primeira consulta de saúde materna, através da análise do estado vacinal e história prévia de varicela ou zona. 13-15

Em vários países europeus, a vacina contra o VVZ está incluída nos programas nacionais de vacinação universal infantil e está recomendada às mulheres seronegativas em idade reprodutiva que desejam engravidar ou no puerpério. 16 Em Portugal, a vacina da varicela não está incluída no Programa Nacional de Vacinação, mas estão disponíveis no mercado, para vacinação extra-programa, duas vacinas monovalentes vivas atenuadas (Varilrix® e Varivax®).16-17 A vacinação contra a varicela requer a administração de duas doses e inicia-se aos doze meses de idade. 17 Porém, em circunstâncias especiais (e.g., surtos), pode ser considerada a sua administração a lactentes com idade superior a nove meses. 17 Nas crianças entre os doze meses e os doze anos de idade, o intervalo mínimo entre doses é de quatro semanas, sendo que para a vacina Varivax® o intervalo ideal entre doses é de seis semanas. 17 Em muitos países com recomendação de vacinação universal, a segunda toma é administrada aos cinco ou seis anos de idade. 16-17 A partir dos treze anos de idade, o intervalo recomendado é de quatro a oito semanas (Varivax®) ou seis a oito semanas (Varilrix®).17 Ambas as vacinas disponíveis demonstraram ser imunogénicas, seguras e eficazes, podendo ser administradas simultaneamente com vacinas do Programa Nacional de Vacinação. 17 A proteção individual conferida pelas duas doses vacinais é duradoura, com eficácia elevada a longo prazo para a prevenção da varicela assim como de todas as formas de graves da doença. 17 A Sociedade Portuguesa de Pediatria/Comissão de Vacinas da Sociedade de Infeciologia Pediátrica recomendam a vacinação a adolescentes (11-13 anos), adultos sem história prévia de varicela e a grupos de risco, o que inclui as mulheres não imunes antes da gravidez. 17 Recomendam também que nos casos de história negativa ou incerta de infeção por VVZ se realize a titulação dos anticorpos IgG para o VVZ previamente à vacinação. 17 Assim, na consulta pré-concecional desta utente, após confirmação da ausência de história de varicela/zona ou vacinação prévia, poderia ter sido proposta a realização da titulação dos anticorpos para o VVZ e recomendada a vacinação para a varicela. De ressalvar que a vacinação contra o VVZ está contra-indicada durante a gravidez, o que deve alertar ainda mais para a pertinência de aferir o estado de imunidade em consulta de pré-conceção. 17

Após o relato de um contacto com o VVZ durante a gravidez, na colheita da história clínica, é necessário averiguar a relevância do contacto referido pela grávida e determinar se há história segura de infeção anterior pelo VVZ. 14,18 Na abordagem inicial do médico de família a uma grávida que refere uma exposição ao VVZ é importante avaliar quatro pontos essenciais: 1) averiguar história anterior de varicela ou zona, dado que uma história positiva tem um valor preditivo positivo de imunidade de 98-99,7%, pelo que nestes casos não é necessária investigação adicional; 13-14,18 2) confirmar a etiologia do exantema do indivíduo que constitui o contacto doente, nomeadamente assegurar que o diagnóstico de infeção por VVZ foi realizado por um médico; 18 3) estabelecer a significância do contacto de acordo com a proximidade estabelecida e o timing de exposição - este é considerado relevante se ocorrer face a face durante mais de cinco minutos, na mesma divisão mais de quinze minutos ou em co-habitantes, e ocorrer entre 48h antes do início do exantema até todas as lesões se encontrarem na fase de crosta, habitualmente cinco a sete dias depois do início do exantema; 13-14,18 4) calcular a idade gestacional, dado que esta determina a abordagem clínica às grávidas potencialmente não imunes com contacto de risco com o VVZ. 13,18 Relativamente ao contacto de grávidas seronegativas com indivíduos com zona, a transmissão viral é muito rara, uma vez que requer contacto direto com exsudado das lesões cutâneas. 14

A história de infeção prévia ou registo de vacinação completa contra o VVZ permite a tranquilização da grávida relativamente ao risco materno-fetal após contacto de risco. 13-14,18 Nestas situações não é necessária qualquer investigação adicional ou referenciação hospitalar. 13-14,18 Após o relato de exposição ao VVZ na gravidez e incerteza quanto ao estado de imunização deverá ser requisitado o estudo serológico (IgG e IgM para o VVZ) com pedido de resposta em 24 a 48 horas. 13-14 Se a grávida for não imune e tiver um contacto de risco significativo ao VVZ beneficia de profilaxia com IgVVZ, que está indicada em qualquer idade gestacional. 3,13-14 Apesar de a administração da IgVVZ não prevenir de forma totalmente eficaz a viremia materna reduz o risco de complicações da doença materna e o risco da síndroma varicela fetal. 3,13-14,19 A sua administração deve ser realizada preferencialmente até 96 h após a exposição, embora seja eficaz até dez dias sem redução dos benefícios. 13-14 A grávida deve ser informada dos sinais de alarme que deverão motivar avaliação médica imediata, nomeadamente o início de exantema, febre, dispneia, dor torácica, tosse ou sinais e sintomas neurológicos. 3,13

Assim, as grávidas potencialmente não imunes que tenham contacto com varicela deverão ser imediatamente referenciadas ao serviço de urgência para realizarem estudo serológico e IgVVZ nos casos em que se confirme ausência de imunidade ao VVZ. 3 Esta foi a abordagem adotada pela médica de família no presente caso clínico. Apesar de a utente ter realizado a profilaxia da varicela com a IgVVZ, dentro da janela temporal estabelecida pela Direção-Geral da Saúde, desenvolveu varicela quinze dias após o contacto de risco, às vinte e nove semanas e dois dias de gestação. 3

Perante o diagnóstico clínico de varicela durante a gravidez, as guidelines nacionais e internacionais apresentam diferentes recomendações quanto ao seu tratamento. 3,13-14,19 O aciclovir reduz a duração da febre e a severidade dos sintomas da varicela quando iniciado até 24 h após o início do exantema. 20 Alguns estudos indicam que não há risco aumentado de malformações ou toxicidade fetal associado ao uso do aciclovir na gravidez, especialmente após as vinte semanas de gestação. 13,20 No entanto, o seu uso generalizado nos casos de varicela durante a gravidez não é consensual. 3,13,20 A Direção-Geral da Saúde recomenda apenas o tratamento sintomático da varicela e referenciação a consulta hospitalar. 3 As guidelines do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists recomendam o tratamento com aciclovir oral (800 mg cinco vezes/dia durante sete dias) se o exantema se tiver iniciado nas 24 h precedentes e se a gravidez tiver mais de vinte semanas de gestação. 13 A utente cumpria estas duas condições, pelo que foi o tratamento preconizado aquando da sua avaliação no serviço de urgência após o diagnóstico de varicela.

A grávida com história de varicela durante a gravidez deve ser acompanhada em consulta hospitalar, onde está recomendado o diagnóstico pré-natal ecográfico, com vigilância ecográfica mensal para deteção de alterações sugestivas da síndroma de varicela fetal e a realização de amniocentese para pesquisa de VVZ no líquido amniótico. 3,19

Com este caso clínico pretendeu-se realçar a pertinência da avaliação do estado de imunidade ao VVZ na consulta de pré-conceção, quer pela história de varicela/zona quer pela vacinação prévia. De destacar a importância desta avaliação, particularmente às mulheres originárias de países onde as taxas de imunidade são inferiores às da população portuguesa. 7,10-11 Na consulta de pré-conceção de mulheres imigrantes deve ser considerada a taxa de imunidade ao VVZ do país de origem, se conhecida, identificando-se assim as mulheres em maior risco de infeção por VVZ durante a gravidez. 10-11 Nestas é fundamental aferir o estado de imunidade, investigando a história de infeção prévia ou registo de vacinação completa contra o VVZ; 18 muitas vezes a ausência de registos em imigrantes será um desafio e, caso exista dúvida quanto ao estado de imunização, será particularmente importante propor a avaliação serológica com a requisição de IgG e IgM para o VVZ, dada a probabilidade de imunidade ser inferior. 3,13-14 Propõe-se, assim, que em mulheres originárias de outros países este seja, de forma particular, um ponto de agenda da consulta de saúde materna ou, idealmente, de pré-conceção.

Após a identificação das grávidas não imunes ao VVZ é fundamental aconselhar a evicção de contactos de risco ao VVZ, mas, caso este ocorra, reforçar que devem recorrer ao médico assistente de forma célere. 3,13-14 É também essencial que o médico de família esteja familiarizado com a abordagem das grávidas não imunes que reportem contacto com o VVZ para uma adequada atuação médica em tempo útil. 3

Contributo dos autores

Conceptualização, ACR, CAC e RS; redação do draft original, ACR, CAC e RS; redação, edição e validação do texto final, ACR e CAC; supervisão, CAC.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

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Recebido: 04 de Agosto de 2022; Aceito: 04 de Maio de 2023

Endereço para correspondência Catarina Afonso Cruz E-mail: catarinacruzmgf@gmail.com

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