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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.40 no.3 Lisboa jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v40i3.13490 

Estudos originais

Avaliação da qualidade de relação médico-doente no Nordeste Transmontano

Evaluation of the quality of the doctor-patient relationship in the Northeast of Portugal

Joana Gomes da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-0257-3593

Sofia Rodrigues2 

Bárbara Alexandre1 

Fátima Monteiro3 

Karolina Mohosh2 

Sara Carlos4 

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP Mirandela II, ULS do Nordeste. Mirandela, Portugal.

2. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP Miranda do Douro, ULS do Nordeste. Miranda do Douro, Portugal.

3. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP Torre de Moncorvo, ULS do Nordeste. Torre de Moncorvo, Portugal.

4. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP Sé, ULS do Nordeste. Bragança, Portugal.


Resumo

Introdução:

O médico de família desenvolve uma abordagem centrada na pessoa, orientada para o indivíduo, a família e a comunidade em que se insere, sendo a empatia a chave-mestra desta relação.

Objetivos:

Compreender a relação médico-doente no contexto dos cuidados de saúde primários (CSP) do Nordeste Transmontano.

Métodos:

Foi realizado um estudo descritivo com uma amostra de utentes de CSP. Os dados demográficos (sexo biológico - classificação binária, idade, concelho de residência e escolaridade), perguntas acerca da perceção dos CSP e a aplicação da Escala de Empatia de Jefferson (JSPPPE-VP) foram recolhidos através de uma plataforma online, recorrendo à divulgação pelas redes sociais, e em formato físico nos CSP da Unidade Local de Saúde do Nordeste. A análise estatística descritiva foi realizada com recurso ao software IBM SPSS® Statistics.

Resultados:

A amostra incluiu 584 indivíduos (idade mediana: 45 anos), maioritariamente mulheres (67,47%), com um nível de escolaridade não graduado (57,71%). A maioria dos inquiridos (75,51%) revela que o seu médico de família é a primeira pessoa a quem recorrem quando têm um problema de saúde, considerando que este tem as capacidades necessárias para a melhor orientação dos seus problemas de saúde (69,52%). Relativamente à acessibilidade, 61,30% e 60,96% considera, respetivamente, que o acesso à marcação de consulta e esclarecimento de dúvidas pontuais é fácil. Dos inquiridos, 22,95% discorda do tempo médio de consulta praticado (20 minutos), defendendo uma duração de 30 minutos. Quando aplicada a JSPPPE-VP, cerca de 50,00% dos indivíduos responderam que estão bastante ou totalmente de acordo com as afirmações que se encontram ao longo de toda a escala.

Conclusões:

A amostra obtida revela uma satisfação global relativamente à prestação, acessibilidade e qualidade dos serviços, bem como à duração da consulta. Além disso, pode-se concluir que existe uma elevada satisfação com a empatia do médico de família.

Palavras-chave: Empatia; Relação médico-doente; Comunicação em MGF; Abordagem holística; Medicina geral e familiar

Abstract

Introduction:

The family doctor develops a person-centered approach, oriented toward the individual, the family, and the community in which he is inserted, with empathy being the major key to this relationship.

Objectives:

Understand the doctor-patient relationship in the context of primary health care (PHC) in the Northeast of Portugal.

Methods:

A descriptive study was carried out with a sample of PHC. Demographic data (biological sex-binary classification, age, county of residence, and education), questions about the perception of PHC, and the application of the Jefferson Empathy Scale (JSPPPE-VP) were collected through an online platform with the dissemination of information through social media and physical format in PHC of the Unidade Local de Saúde do Nordeste. Descriptive statistical analysis was performed using the IBM SPSS® Statistics software.

Results:

The sample consisted of 584 individuals (median age: 45 years old), mostly women (67.47%), with an undergraduate level of education (57.71%). Most people (75.51%) say that their family doctor is the first person that they turn to when they have a health problem because they believe he has the necessary skills to better manage their health problems (69.52%). In terms of accessibility, 61.30% and 60.96% respectively consider that it is easy to get an appointment and to clarify specific doubts. Of the respondents, 22.95% did not agree with the average duration of consultations (20 minutes), preferring 30 minutes. When the JSPPE-VP was applied, approximately 50.00% of the respondents indicated that they strongly or completely agreed with all the items evaluated.

Conclusions:

The sample obtained showed overall satisfaction with the provision, accessibility, and quality of services, as well as the duration of the consultation. It can also be concluded that there is a high level of satisfaction with the empathy of the family doctor.

Keywords: Empathy; Doctor-patient relationship; Communication in health care practice; Holistic approach; Family doctor

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados de saúde primários (CSP) são uma abordagem de toda a sociedade à saúde e bem-estar, centrada nas necessidades e preferências das pessoas, famílias e comunidades. Ainda de acordo com a definição da OMS, os CSP abordam os determinantes da saúde mais vastos e incidem sobre os aspetos completos e interrelacionados da saúde física, mental e física e do bem-estar.1

Assumindo-se como o primeiro ponto de contacto do utente com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), os CSP primam pelo contacto contínuo com os utentes, de acordo com as suas necessidades ao longo da vida, atuando na promoção da saúde e prevenção da doença, realização do tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, numa estrutura orgânica baseada na proximidade, acessibilidade e equidade. 1-3 Efetivamente, a própria OMS advoga que os CSP são uma forma altamente eficaz e comprovadamente eficiente de abordar as principais causas e riscos da falta de saúde, assim como de aplicar uma medicina preventiva de forma a evitar patologias preveníveis através da correção de fatores de risco modificáveis. 1 Neste sentido, a medicina geral e familiar (MGF) surge na maioria dos casos como o primeiro recurso que o utente tem ao seu dispor, sendo o principal gestor dos cuidados e recursos do SNS em prol do utente, desempenhando um papel de providência de advocacia dos mesmos, orientando-os através das complexidades e orientando-os através dos procedimentos, modos de atuação e orientações do SNS. 3 Adicionalmente, o médico de MGF desenvolve um trabalho e uma abordagem centrada na pessoa, orientada para o indivíduo, a família e a comunidade em que se insere, integrando o modelo biopsicossocial e não apenas como “patologias” ou “casos clínicos”. 3 O modelo biopsicossocial afigura-se não só como uma filosofia clínica, mas também como uma norma de orientação da prática clínica, abordando a sintomatologia do utente e a sua dolência, considerando que a experiência subjetiva do utente (i.e., crenças, medos, expectativas e necessidades) tem um papel fulcral para o correto diagnóstico, prognóstico e cuidado clínico. 4-5

Neste âmbito, a MGF, através da relação contínua com o utente, possui um processo único de consulta através do estabelecimento de uma relação médico-doente efetiva. 3 Diversos estudos demonstram o impacto positivo desta relação única, assumindo mesmo um valor terapêutico, através da abordagem dos problemas de saúde com o modelo biopsicossocial - nas suas dimensões física, psicológica, social, cultural e existencial. 6-8

Assim, de forma a conseguir a prossecução de uma relação médico-doente terapêutica, uma série de fatores são importantes, de que se destaca um saber competente de comunicação clínica, assente em partilha, interação e comprometimento mútuo, com respeito pela autonomia. 8 Para uma correta comunicação clínica, o clínico competente necessita de trabalhar qualidades e adquirir competências como a compreensão empática, autenticidade, maturidade emocional, autocompreensão e o conceito liberal das pessoas e das relações humanas. 9 Desta forma, a compreensão empática/empatia é indubitavelmente a chave-mestra da comunicação clínica, através da qual o clínico consegue entrar no mundo do doente, reconhecê-lo na sua humanidade e aceitá-lo na sua diferença. 10

Com os constantes constrangimentos de tempo e com períodos de consulta cada vez mais limitados, esta relação médico-doente corre o perigo de ser prejudicada, perdendo o seu valor terapêutico. Efetivamente, vários autores advogam que o constrangimento temporal cada vez maior provoca um maior grau de insatisfação por parte dos utentes, mais dúvidas e maiores visitas posteriores aos cuidados de saúde. 11 Mas terão os utentes perceção real dos tempos médios de consulta?

Assim, afirmou-se como imperativo o estudo desta relação médico-doente no contexto dos CSP, integrando a visão que o utente tem relativamente ao seu primeiro contacto com o SNS, acessibilidade (para consulta formal e esclarecimento de dúvida), tempos médios necessários e relação empática com o seu médico assistente.

Métodos

Questionário de avaliação da relação médico-doente

O presente questionário divide-se em duas partes: recolha de dados demográficos, perguntas genéricas acerca da perceção do médico de família, acessibilidade e tempos de consulta e aplicação da Escala de Empatia JSPPPE-VP (Jefferson Scale of Patient Perceptions of Physician Empathy - Versão Portuguesa), já validada e traduzida para português.

A primeira parte do questionário - recolha de dados demográficos, perguntas genéricas acerca da perceção do médico de família, acessibilidade e tempos de consulta - compreendeu respostas de sim vs não e resposta aberta para a última pergunta.

A Escala de Empatia JSPPPE-VP pretende aferir, com uma resposta de acordo com a escala de Likert (escala com respostas de «Discordo completamente» a «Concordo completamente») a cinco questões, a empatia que o doente perceciona por parte do médico de família, sendo que o resultado se determina pela média de todas as questões de zero a sete. Assim, quanto maior é o resultado maior é a empatia sentida, como se verifica no questionário em anexo.

Os dados demográficos recolhidos foram sexo (masculino vs feminino), idade, concelho de residência e escolaridade.

O questionário foi previamente aplicado a uma amostra pequena de utentes, de forma a verificar a sua compreensão e tempo médio de resposta, sendo estes dados descartados.

Indivíduos e colheita de dados

A população considerada para o estudo foi a dos habitantes do distrito de Bragança (122.833 habitantes), tendo sido calculado o tamanho amostral com um grau de confiança 95% e margem de erro 5%, tendo-se obtido um tamanho amostral de 383 habitantes através da plataforma online Raosoft®.

Este estudo transversal foi realizado através de uma amostra por conveniência de indivíduos, com uma idade compreendida entre os 18 e os 90 anos de idade, que responderam ao questionário de avaliação da empatia da relação médico-doente, entre 10/maio e 30/novembro de 2021.

O questionário foi aplicado através de dois meios: meio físico, suporte papel em oito unidades de CSP da Unidade Local de Saúde considerada; e meio digital através de uma plataforma online, com recurso à divulgação feita pelos meios de comunicação social locais (rádios e jornais) e das redes sociais. Nas unidades de CSP em que foram recolhidas respostas os questionários estavam em sítio visível para preenchimento dos utentes e eram entregues/colocados, pelo próprio utente, em caixas seladas, garantindo, assim, o anonimato.

O consentimento informado, livre e esclarecido foi obtido antes do preenchimento do questionário. No caso do preenchimento online, o consentimento era um pré-requisito para avançar no preenchimento do inquérito.

O presente estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Unidade Local de Saúde do Nordeste, sendo a confidencialidade dos dados garantida de acordo com a Declaração de Helsínquia e sendo estes apenas acessíveis pela investigadora principal e autoras.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada com o recurso ao software IBM SPSS® Statistics (versão standard 22.0; SPSS, Chicago, Illinois, USA).

Foi realizada uma análise exploratória de forma a caracterizar a amostra e para as respostas dadas ao longo de todo o questionário.

Resultados

Após a aplicação do questionário em formato digital e em formato físico obtiveram-se 584 respostas ao questionário: 415 via formulário online e 169 via papel.

Caracterização da amostra

O estudo envolveu uma amostra de 584 utentes, com uma idade compreendida entre 18 e 90 anos (mediana: 45,00 anos) (Figura 1). Foi alargado o tamanho amostral inicialmente calculado para incluir todas as respostas dos participantes que cumpriam os critérios e o limite temporal de resposta. A maioria da amostra reporta um sexo biológico feminino (67,47%) e um nível não graduado de escolaridade (57,71%) (Tabela 1).

Figura 1 Distribuição da idade da amostra estudada. 

Tabela 1 Caracterização demográfica da amostra 

Perceção do médico assistente, acessibilidade e tempos de consulta

Relativamente à acessibilidade ao médico de família e aos serviços de saúde, a maioria dos inquiridos (75,51%) considera que o seu médico de família é a primeira pessoa a quem recorrem quando têm um problema de saúde e que este tem as capacidades necessárias para a melhor orientação dos seus problemas de saúde (69,52%).(Tabela 2)

Atendendo à variável acesso, a maioria considera que é fácil o acesso à marcação de consulta e o acesso para esclarecimento de dúvidas pontuais (61,30% e 60,96%, respetivamente).

A maioria dos inquiridos considera também que o tempo de consulta é adequado (77,05%), sendo que dos 22,95% que pensam ser desadequado a maioria concorda com uma duração de 30 minutos.

Escala de Empatia JSPPPE-VP - Resultados descritivos

A Tabela 3 mostra as respostas dos inquiridos às afirmações do questionário traduzido Jefferson Scale of Patient Perceptions of Physician Empathy (JSPPPE-VP). Destaca-se que, em todas as questões da escala, a pontuação mais atribuída foi a máxima (7 pontos), seguida de 6 pontos e de 5 pontos. Ou seja, cerca de 50,00% dos indivíduos que responderam estão bastante ou totalmente de acordo (pontuações máximas: 6 e 7) com as afirmações constantes dos itens no JSPPPE-VP, demonstrando, assim, um elevado grau de empatia.

Tabela 2 Perceção de médico assistente, acessibilidade e tempo de consulta 

Tabela 3 Distribuição das respostas às cinco questões da Escala de Empatia JSPPPE-VP 

A afirmação «O meu médico de família é um médico que me compreende» obteve um maior número de pontuações máximas (n=351; 60,10%), seguida da afirmação «O meu médico de família parece preocupado acerca de mim e da minha família» (n=332; 56,80%).

A afirmação «O meu médico de família pergunta acerca do que está a acontecer na minha vida diária» foi a que menos obteve pontuação máxima (n=281; 48,10%); simultaneamente também foi a afirmação que obteve mais a resposta de 1 ponto, ou seja, discordância total (n=43; 7,40%).

Com base na Tabela 3 verifica-se que todas as respostas tiveram conotação positiva, uma vez que o valor mediano para todas as questões foi igual ou superior a 5, numa escala de zero a sete e tendo em conta que quanto maior é o resultado maior é a empatia sentida.

Discussão

Uma boa relação médico-doente implica uma abordagem centrada na pessoa, devendo o médico de família entender o paciente como um todo, sendo fundamental que o paciente se sinta como parte integrante desta relação. Para que tal aconteça, a abordagem holística e centrada na pessoa torna-se essencial e uma relação empática por parte do médico de família, um alicerce fundamental neste processo, sendo necessária a sensibilização do médico para o que é sentido e vivido pelo seu doente em cada momento. 12 De acordo com a literatura, uma maior perceção de empatia por parte do doente em relação ao seu médico está associada a melhores resultados em saúde e maior capacitação do doente. 12

Visando a melhoria da prestação de cuidados de saúde, é importante e pertinente avaliar a perceção da empatia por parte dos utentes de saúde do Nordeste Transmontano. Assim, neste trabalho de investigação avaliou-se a perceção dos utentes de vários centros de saúde da região, com aplicação do questionário JSPPPE-VP. Este questionário pretende a analisar a perceção de acessibilidade e dos tempos de consulta por parte do utilizador e a empatia sentida relativamente ao respetivo médico de família, de modo a compreender se os cuidados de saúde prestados vão ao encontro das expectativas dos utentes. 13

Na globalidade obtiveram-se resultados positivos, verificando-se uma perceção positiva relativamente ao acesso ao médico de família, qualidade de cuidados prestados e adequação do tempo de consulta. Uma reflexão importante a ter em consideração deve-se ao facto de este estudo ter sido realizado num contexto pandémico/pós-pandémico, existindo uma dualidade de ação: se, por um lado, houve uma alocação de recursos dos CSP para outros serviços/funções também é verdade que existia uma tentativa, na região abrangida pelo estudo, de garantir uma maior acessibilidade aos CSP. Efetivamente, no Nordeste Transmontano foram disponibilizados telemóveis às unidades de saúde e os seus números diretos aos utentes, pelo que qualquer utente de determinada unidade conseguia esclarecer uma dúvida que tivesse com o profissional de saúde de cada unidade alocado para tal. Assim, existe um potencial viés neste estudo, uma vez que houve um esforço adicional das unidades em assegurar a acessibilidade aos seus utentes.

De acordo com alguns estudos previamente realizados há uma relação proporcional entre a satisfação por parte do doente quanto à prestação de serviços e a duração da consulta. 14-15 Uma vez que cerca de 77,00% dos inquiridos concorda com o atual tempo de consulta adotado pode-se deduzir que, na perspetiva do utente, 20 minutos é um período adequado para uma abordagem da maioria dos problemas que levam o utente a recorrer aos CSP. No entanto, um viés a considerar neste estudo prende-se com o facto de não ter sido abordada a tipologia de consulta considerada. Apesar de, na teoria, uma consulta com o médico de família ser tipicamente uma consulta protocolada (consulta de saúde de adulto, de hipertensão arterial, de diabetes mellitus, etc.), não se pode descartar a possibilidade dos inquiridos se referirem a outras tipologias de consulta, como a consulta aberta.

Assim, num futuro estudo complementar será necessário colmatar potenciais viés como a abordagem/caracterização dos diferentes tipos de consulta, assim como abordar as perspetivas do utente quanto à dimensão da lista do seu médico de família e impacto no que concerne à acessibilidade e qualidade dos serviços de CSP daí decorrentes. Adicionalmente poderá ser interessante a caracterização da satisfação de acordo com a tipologia de consulta e de acordo com as características sociodemográficas do participante.

De igual modo, a maioria dos inquiridos perceciona uma relação empática por parte do seu médico de família em todas as questões do questionário JSPPE-VP. Uma vez que este questionário é respondido numa escala de Likert e não de forma dicotómica (ou seja, em respostas fechadas de Sim vs Não) é facilitada uma análise mais exata das opiniões dos doentes em relação às questões colocadas. Analisando os resultados obtidos verifica-se que os utentes percecionam menos empatia «Acerca do que está a acontecer na minha vida diária», sendo esta a questão que obteve uma maior frequência de respostas de nível 1.

Segundo a literatura, existe também uma relação proporcional entre a empatia da população portuguesa e a sua capacitação, o que revela o papel fundamental atribuído ao médico de família e a importância de uma boa relação médico-doente, na qual a empatia tem um papel primordial. 16-17

Relativamente às limitações do estudo destaca-se a análise estatística utilizada (descritiva e não analítica), limitando o potencial dos dados obtidos, limitação esta que poderá ser suplantada numa segunda fase do estudo. Na caraterização demográfica dos habitantes optou-se por caracterizar o sexo facultando apenas as opções de resposta masculino e feminino, não disponibilizando outras opções, nem se tendo estendido à caraterização do género, o que constitui uma limitação. Ainda outra limitação prende-se com o facto de não se avaliar uma variável importante para este estudo: o tempo decorrido desde a última observação em consulta com o seu médico de família.

Verificou-se a obtenção de um maior volume de respostas em formato online do que em formato físico, levantando a hipótese de existir um viés de seleção, associados ao perfil de participantes, quanto à utilização de tecnologias e eventual contexto geracional associado.

Este trabalho releva as perspetivas dos utentes, podendo ser um contributo para o desenvolvimento de estratégias favorecedoras de serviços centrados na pessoa e de melhor qualidade. Posteriores estudos que complementem este, colmatando as limitações identificadas e aprofundando algumas das dimensões consideradas, poderão ser pertinentes, nomeadamente a investigação de fatores preditores de perceção de empatia.

Conclusão

Os resultados suportam uma satisfação global dos utentes quanto à prestação, acessibilidade e qualidade dos serviços nos CSP na região do Nordeste Transmontano. Considerando a relação médico-doente, os participantes apresentaram globalmente perceções satisfatórias quanto à empatia manifestada pelo médico de família, sendo a dimensão com menor grau de satisfação atribuída a «O meu médico de família pergunta acerca do que está a acontecer na minha vida diária». Este trabalho permitiu ampliar o conhecimento sobre as perspetivas dos utentes dos CSP, nomeadamente na relação médico-doente, podendo ser a base de futuras investigações potenciadoras de estratégias favorecedoras da disponibilização de serviços centrados na pessoa.

Contributo dos autores

Conceptualização, JGS, SR, BA, FM e KM; metodologia, JGS, BA, FM e KM; validação, JGS, SR, BA, FM e KM; análise formal, JGS, BA, KM e SC; investigação, JGS, BA, KM e SC; recursos, JGS, SR, BA, FM, KM e SC; curadoria de dados, JGS e SC; redação do draft original, JGS; revisão, validação e edição do texto final, SR, BA, FM, KM e SC; visualização, BA, FM, KM e SC; supervisão, JGS; administração do projeto, JGS.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

Não foi obtido qualquer apoio financeiro para a realização ou escrita deste estudo.

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Recebido: 17 de Março de 2022; Aceito: 18 de Outubro de 2023

Endereço para correspondência Joana Gomes da Silva E-mail: joanagsilva@gmail.com

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