Introdução
A sarcoidose é uma doença inflamatória sistémica caracterizada pela formação de granulomas em vários órgãos do corpo. O síndroma de Lofgren é uma forma aguda e autolimitada de sarcoidose, caracterizada por uma tríade clássica de sintomas: febre, dor nas articulações e erupções cutâneas nos membros inferiores.1 A febre é geralmente baixa e intermitente e pode ser acompanhada de sudorese noturna. A dor nas articulações é mais comum nos tornozelos e joelhos. As erupções cutâneas são geralmente localizadas nos tornozelos e pés e apresentam-se como lesões vermelhas e elevadas, que se definem como eritema nodoso. O diagnóstico é baseado na apresentação clínica típica e na exclusão de outras condições que possam causar sintomas semelhantes, podendo ser confirmado pela presença de granulomas não-caseosos em biópsias de tecidos afetados, como pulmões ou gânglios linfáticos. 2-3
O tratamento do síndroma de Lofgren é geralmente sintomático e de suporte. A maioria dos doentes não requer tratamento específico, uma vez que os sintomas resolvem espontaneamente após algumas semanas ou meses. No entanto, em casos mais graves ou persistentes pode ser necessário o uso de corticoides para controlar a inflamação sistémica. 4
Assim, é relevante relembrar este diagnóstico, visto ser uma manifestação atípica de sarcoidose que afeta principalmente mulheres adultas jovens, com uma mediana de 37 anos, 5 e que não deve ser esquecido. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem ajudar a prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida dos doentes. Descreve-se, por conseguinte, o caso de uma utente jovem de 33 anos com síndroma de Lofgren.
Descrição do caso
Utente do sexo feminino, 33 anos, caucasiana, sem antecedentes pessoais de relevo, mas antecedentes familiares de mãe com sarcoidose e prima com lúpus eritematoso sistémico. Fazia anticoncepção hormonal combinada oral (etinilestradiol + levanorgestrel 0,02 + 0,1 mg) e não apresentava alergias medicamentosas conhecidas.
Recorreu à consulta de intersubstituição da sua USF por quadro clínico com três semanas de evolução de poliartralgia de ritmo inflamatório, rubor, edema das articulações tibiotársicas, joelhos e cotovelos e lesões nodulares eritematosas e dolorosas ao nível de ambas as regiões pré-tibiais. Foi inicialmente medicada com deflazacorte 6 mg, com melhoria da sintomatologia relatada pela doente através de contacto telefónico com a sua equipa de saúde familiar ao terceiro dia de tratamento. Cumpriu desmame progressivo de corticoterapia, como prescrito inicialmente, ao longo dos quatro dias seguintes. Posteriormente, no segundo dia após o término da medicação, apresentava recorrência das queixas na sua totalidade, acompanhadas de febre (pico febril isolado de 38,9 °C), pelo que se dirigiu novamente, após novo contacto telefónico, à sua USF para reavaliação em consulta aberta. Não alegava outra sintomatologia, nomeadamente do foro respiratório, gastrointestinal, urinário, ocular ou constitucional (sem febre de predomínio vespertino, perda ponderal ou sudorese noturna). Ao exame objetivo apresentava lesões eritematosas nodulares e edema nos tornozelos, joelhos e cotovelos bilateralmente (Figura 1). Pela evolução do quadro clínico foi enviada ao serviço de urgência do hospital da área de residência, tendo ficado internada para estudo etiológico, apesar da suspeita de síndroma de Lofgren.
Analiticamente, no início do internamento, quatro semanas após início do quadro clínico, apresentava leucocitose 14.400/µL, neutrofilia 12.200/µL (85%), velocidade de sedimentação aumentada com 53 mm/h e proteína C reativa aumentada com 231 mg/L. A função hepática e renal estava normal, bem como a análise sumária da urina. As reações de Paul Bunnel, Weil Felix e Rosa de Bengala estavam negativas e a radiografia de tórax revelava reforço hilar bilateral, mais à direita, sem outras alterações. A tomografia computorizada do tórax exibia a presença de discretos micronódulos à periferia do lobo superior direito, podendo estar de acordo com incipiente sarcoidose, adenopatias subcarinal e mediastínicas, com eixo curto de 11 mm, sem outras alterações.
Iniciou corticoterapia com prednisolona 20 mg, com melhoria franca dos sintomas e melhoria analítica dos parâmetros de inflamação.
Teve alta ao fim de seis dias com o diagnóstico de síndroma de Lofgren, clinicamente melhorada (Figura 2), apirética (último pico febril no primeiro dia de tratamento com prednisolona), sem queixas articulares ou respiratórias, com melhoria franca das lesões nodulares nos membros inferiores e com resolução completa ao nível dos cotovelos. Ficou com indicação para manter corticoterapia durante quatro a seis meses, de acordo com a evolução, e com consulta de seguimento em medicina interna agendada em quatro semanas.
Comentário
O síndroma de Lofgren apresenta um excelente prognóstico associado a uma probabilidade superior a 90% de remissão espontânea em dois anos. 6 Apesar da elevada benignidade da história natural da doença, este caso reforça a importância do médico de família no diagnóstico precoce e terapêutica adequada no sentido de evitar complicações graves.
O caso apresentado expõe também a importância da telemedicina no dia a dia de um médico de família nos cuidados de saúde primários. A telemedicina é a prática de fornecer assistência médica remotamente por meio de tecnologia, como videoconferência, mensagens ou chamadas telefónicas. Permite o acompanhamento e evolução clínica do utente sem necessidade de consulta presencial, sendo mais conveniente e cómodo o pedido de exames complementares para esclarecimento da situação, ajuste da medicação, reforço dos sinais de alarme que motivem necessidade de observação presencial, tranquilização e esclarecimento quanto à evolução natural e prognóstico de doenças agudas e crónicas. 7 A telemedicina é uma ferramenta valiosa que ajuda a melhorar o envolvimento e a satisfação do utente com os seus cuidados, aumentando a confiança na relação médico-doente. O utente sente-se mais apoiado e capacitado na gestão dos seus cuidados, permitindo aumentar a adesão terapêutica e potencialmente melhorar os outcomes em saúde. 8 Neste caso, o contacto telefónico com a utente foi importante ao permitir, numa primeira fase, acompanhar a evolução clínica e explicação dos sinais de alarme, acabando por ser fundamental, após o internamento, para a explicação do diagnóstico, prognóstico e tranquilização da utente. Globalmente, os contactos telefónicos reforçaram o papel do médico de família e a sua relação com a utente, diminuindo a burocracia, agendamentos de consulta desnecessários e a incerteza da utente em relação à sua situação clínica.
Em relação à informação encontrada na literatura, 1-6 o presente caso acaba por se enquadrar no diagnóstico estabelecido, pelo que o médico deverá estar sensibilizado quando uma utente do sexo feminino, em idade jovem, com antecedentes familiares de sarcoidose (ou seja, com predisposição genética), lesões típicas de eritema nodoso e poliartralgia (principalmente com envolvimento dos tornozelos e de forma simétrica) recorre à consulta. É importante o médico de família explicar e vigiar os sinais de alarme, assim como reavaliar o doente, inclusive fazendo uso dos novos meios tecnológicos. Apesar de raro, benigno e pouco conhecido, é fundamental saber da existência deste síndroma e pensar nele em casos de eritema nodoso.