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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.40 no.4 Lisboa ago. 2024  Epub 31-Ago-2024

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v40i4.13562 

Relatos de caso

Síndroma de Saethre-Chotzen: relato de caso

Saethre-Chotzen syndrome: a case report

Patrícia de Azevedo1 
http://orcid.org/0000-0001-7952-9836

Tiago Francisco Cunha Costa1 

Luís Pinheiro2 

Maria Alcina Bastos Machado2 

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Hygeia, ACeS Tâmega III - Vale do Sousa Norte. Lixa, Portugal.

2. Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar. USF Hygeia, ACeS Tâmega III - Vale do Sousa Norte. Lixa, Portugal.


Resumo

Introdução:

O síndroma de Saethre-Chotzen é uma doença genética rara que se caracteriza por deformidades faciais e cranianas. Este relato de caso pretende alertar para os sinais que caracterizam a doença e para a importância do médico de família na gestão dos cuidados de saúde destes doentes e das suas famílias.

Descrição do caso:

ADTG, sexo masculino, 4 anos. Gravidez vigiada nos cuidados de saúde primários, sem intercorrências. Nascimento com Apgar 5/10/10, com necessidade de ventilação assistida. Foi observado na primeira consulta de vigilância nos cuidados de saúde primários, aos 15 dias de vida, objetivando-se assimetria facial e ocular, tendo sido referenciado a consulta de pediatria para estudo. Após observação e confirmação das alterações no exame físico foi referenciado a consulta de genética médica, onde se confirmou a mutação genética do síndroma de Saethre-Chotzen.

Comentário:

As doenças raras requerem uma gestão complexa dos cuidados de saúde prestados. A realização de consultas de vigilância no âmbito da medicina geral e familiar é fundamental, considerando os autores que este caso reflete competências do médico de família, nomeadamente de gestão de cuidados de saúde primários, e evidencia o seu papel como o primeiro ponto de contacto na prestação de cuidados.

Palavras-chave: Síndroma de Saethre-Chotzen; Caso clínico; Cuidados de saúde primários

Abstract

Introduction:

Saethre-Chotzen syndrome is a rare genetic disease characterized by facial and cranial deformities. This case report intends to alert to the signs that describe the disease and the importance of the family doctor in the health care management of these patients and their families.

Case description:

ADTG, male, 4 years old. Surveillanced pregnancy in primary health care, without complications. Birth with Apgar 5/10/10 requiring assisted ventilation. In the first surveillance appointment in primary health care, it was observed that at 15 days of life, there was a facial and ocular asymmetry, having been referred to a pediatric appointment for study. After observation and confirmation of the changes in the physical examination, he was referred to a medical genetics appointment, where the genetic mutation of Saethre-Chotzen syndrome was confirmed.

Commentary:

Rare diseases require complex management of the health care provided. Conducting surveillance appointments within the scope of general and family medicine is therefore essential, considering the authors that this case reflects the family doctor’s competences, namely in the management of primary health care, and highlights its role as the first point of contact in providing care.

Keywords: Saethre-Chotzen syndrome; Case report; Primary health care

Introdução

O síndroma de Saethre-Chotzen é uma doença genética rara, autossómica dominante,1 que se caracteriza por deformidades cranianas e faciais.1-4 Dentro destas deformidades incluem-se a assimetria facial, craniossinostose, principalmente coronal (unilateral ou bilateral), linha frontal do couro cabeludo e implantação das orelhas baixas, pregas helicoidais das orelhas proeminentes, podendo ainda estar presentes estrabismo, ptose e sindactilia. 1-4 Outras manifestações menos comuns incluem alterações músculo-esqueléticas, hipertelorismo, anomalias do palato, baixa estatura e malformações cardíacas. 1-3 O desenvolvimento cognitivo é geralmente normal; no entanto, se ocorrer uma grande deleção genómica, este pode ficar comprometido. Estima-se que a prevalência deste síndroma seja de 1 em cada 25.000 a 50.000 nascimentos. 4 A maior parte dos doentes com síndroma de Saethre-Chotzen apresenta mutações no gene TWIST, cromossoma 7p21.2. 2,5-6

O médico de família, como primeiro ponto de contacto com o sistema de saúde, assume um papel fundamental na identificação precoce de características clínicas sugestivas de síndromas genéticas, devendo estar atento a sinais que o possam sugerir no exame clínico. Para além disso, tem um papel crucial no acompanhamento longitudinal destes casos dado o seu impacto individual, familiar e na descendência futura.

Com este caso pretende-se apresentar um síndroma genético raro, alertando para os sinais que o caracterizam e para a importância do médico de família na gestão dos cuidados de saúde destes doentes e das suas famílias.

Descrição do caso

Caracterização do utente

ADTG, sexo masculino, quatro anos de idade, família nuclear - vive com pai e mãe. Tem uma irmã uterina de 18 anos, que vive com a tia materna. O genograma está representado na Figura 1. Trata-se de uma família de classe média baixa, segundo a classificação de Graffar.

Em relação aos antecedentes pessoais, tratou-se de uma gravidez de baixo risco, vigiada nos cuidados de saúde primários, sem intercorrências. Apgar 5-10-10 ao nascimento com necessidade de ventilação assistida.

Figura 1 Genograma da família da criança ADTG, realizado em janeiro/2022. 

Desconheciam-se, à data do nascimento da criança, antecedentes familiares de relevo. A criança não faz medicação habitual e não apresenta alergias medicamentosas ou alimentares conhecidas.

História da situação

A criança foi observada na primeira consulta de vigilância nos cuidados de saúde primários aos 15 dias de vida. Ao exame objetivo observou-se assimetria facial e ocular, características semelhantes à mãe. Dada esta assimetria foi referenciado a consulta de pediatria para estudo. Após observação e confirmação das alterações no exame físico foi referenciado a consulta de genética médica, onde se confirmou a mutação genética do síndroma de Saethre-Chotzen. Na sequência do resultado foi realizado estudo genético à família, tendo-se confirmado que a mãe da criança é portadora da mesma variante. A irmã uterina não apresenta síndroma de Saethre-Chotzen. A tia materna e o avô materno da criança não foram estudados; no entanto, clinicamente apresentam as mesmas assimetrias craniofaciais e oculares.

A Figura 2 apresenta uma fotografia da criança com 20 dias de vida e a Figura 3 apresenta uma fotografia da mãe com cerca de dois anos de idade, ambas prévias ao diagnóstico. As Figuras 4 e 5 apresentam fotografias mais recentes da criança. Todas estas evidenciam as alterações craniofaciais e oculares características do síndroma de Saethre-Chotzen.

Figura 2 Criança ADTG com 20 dias de vida. Observa-se assimetria facial e ocular. 

Figura 3 Mãe da criança ADTG com dois anos de idade. Observa-se marcada assimetria facial e ocular e ptose. 

Figura 4 Criança ADTG com três anos de idade, após a neurocirurgia. Observa-se turrencefalia. 

Figura 5 Criança ADTG com quatro anos de idade. Observam-se alterações craniofaciais. 

Aos dois anos de idade, a criança foi referenciada a neurocirurgia pediátrica, onde se mantém em seguimento. Aos três anos de idade foi submetida a cirurgia de craniossinostose bicoronal, uma vez que a sutura sagital, que até então estava completamente patente, se apresentava encerrada e com crista óssea. Na consulta de reavaliação após cirurgia verificou-se desenvolvimento de turrencefalia que a neurocirurgia considerou que não justificava intervenção. Mantém-se em vigilância nesta consulta.

Aos três anos de idade, na consulta de vigilância de saúde infantil e juvenil, na Unidade de Saúde Familiar, a criança apresentava boa progressão estaturoponderal; no entanto, evidenciava dificuldades ao nível da concentração e atenção e dificuldades na linguagem. Estas alterações foram posteriormente corroboradas pela educadora de infância. Neste âmbito, foi solicitada avaliação psicológica. Dos subtestes que foi possível aplicar, a psicóloga relatou que a criança apresentava muita dificuldade em compreender as instruções e em completar as tarefas. Em todos os testes obtiveram-se resultados inferiores à média esperada para a sua idade. Em termos de motricidade fina, a criança demonstrava também limitações em copiar uma imagem, não possuindo um traçado firme e o seu desenho encontrava-se ainda na fase de rabisco simples. Considerando as limitações identificadas e a necessidade de intervenção precoce, o médico de família encaminhou a criança para a Equipa Local de Intervenção (ELI) da área de residência, iniciando também acompanhamento em terapia da fala e terapia ocupacional.

Aos quatro anos de idade, na consulta de seguimento de pediatria, verificou-se que cumpria apenas os requisitos para os três anos de idade. No entanto, apresentava já melhorias na linguagem com as sessões de terapia da fala. Nesta consulta foi referenciado a consulta de pediatria do desenvolvimento.

Comentário

O médico de família conhece o indivíduo, a família e a comunidade onde este se insere, adaptando a sua prática para uma abordagem centrada na pessoa.

A criança com síndroma de Saethre-Chotzen pode constituir um grande desafio clínico, dada a complexidade que exige ao nível da gestão dos cuidados ao doente e apoio à família. Não se tratando de um caso inédito, pois já existem alguns casos relatados na literatura,1 é importante realçar o papel fundamental que o médico de família assume neste processo, nomeadamente na identificação precoce de sinais ou sintomas que caracterizam o síndroma genético, no acompanhamento longitudinal da criança, na sincronização dos diversos cuidados e na realização das referenciações necessárias. É-lhe ainda depositada a confiança dos pais que recorrem frequentemente com dúvidas. No caso em apreço, a mãe da criança recorreu múltiplas vezes aos cuidados de saúde para tirar dúvidas relacionadas com o filho.

A realização de consultas de vigilância no âmbito da medicina geral e familiar é, por isso, fundamental, considerando os autores que este caso reflete competências do médico de família, nomeadamente de gestão dos cuidados de saúde primários, e evidencia o seu papel como primeiro ponto de contacto na prestação de cuidados.

Contributo dos autores

Conceptualização, PA; metodologia, PA; software, PA; análise formal, PA e TC; investigação, PA; recursos, PA e LP; curadoria de dados, PA; redação do draft original, PA; revisão, validação e edição do texto final, PA, TC, LP e AB. Todos os autores leram e concordaram com a versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

Os autores declaram não ter recorrido a qualquer financiamento para a elaboração deste artigo.

Referências bibliográficas

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2. Gallagher ER, Ratisoontorn C, Cunningham ML, Adam MP, Feldman J, Mirzaa GM, et al. Saethre-Chotzen syndrome. GeneReviews(r). Seattle: University of Washington; 2003 May 16 [updated 2019 Jan 24]. [ Links ]

3. Junn A, Dinis J, Lu X, Forte AJ, Mozaffari MA, Phillips S, et al. Facial dysmorphology in Saethre-Chotzen syndrome. J Craniofac Surg. 2021;32(8):2660-5. [ Links ]

4. Díez de Los Ríos Quintanero B, Gracia Rojas E, Ortiz Movilla R, Cabrejas Núñez MJ, Marín Gabriel MA. Síndrome de Saethre-Chotzen: a propósito de un caso. Arch Argent Pediatr. 2021;119(2):e129-32. [ Links ]

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6. Alawneh RJ, Johnson AL, Hoover-Fong JE, Jackson EM, Steinberg JP, MacCarrick G. Postnatal progressive craniosynostosis in syndromic conditions: two patients with Saethre-Chotzen due to TWIST1 gene deletions and review of the literature. Cleft Palate Craniofac J. 2023;60(8):1021-8. [ Links ]

Recebido: 04 de Agosto de 2022; Aceito: 29 de Outubro de 2023

Endereço para correspondência Patrícia de Azevedo E-mail: patriciazevedo.93@gmail.com

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