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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.11 no.2 Lisboa out. 2023  Epub 25-Jul-2023

https://doi.org/10.25749/sis.31725 

Introdução

Pensar a Educação em Tempos de Transição

Thinking Education in Times of Transition

Pensar la Educación en Tiempos de Transición

i UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

ii UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

iii UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

iv UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

v UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal


Resumo

Vivemos tempos de transição, também no terreno educativo. O modelo escolar que herdámos dos séculos XIX e XX tem vindo a ser questionado em diversos sentidos. As sociedades mudaram muito e com elas os contextos educativos. O acesso à educação universalizou-se e os públicos escolares tornaram-se muito mais diversificados, tanto social como culturalmente. As tecnologias digitais trouxeram com elas novas formas de acesso aos saberes e novos desafios. Mas estes são também tempos paradoxais. As críticas à organização escolar e as tendências visando a desescolarização ou a privatização são paralelas à reivindicação de uma escola pública de qualidade, entendida como espaço de socialização e de construção de uma cidadania democrática, universal, mas simultaneamente plural. O investimento numa educação cada vez mais inclusiva convive com a consciência de desigualdades que se acentuam, por exemplo, no que diz respeito ao acesso ao mundo digital. O culto do individualismo e da mercantilização surgem a par de militâncias por causas cívicas, sociais ou ambientais. Nestes tempos de transição, importa, por isso, pensar o(s) futuro(s) da Educação. É o que procuramos fazer na componente monográfica do presente número a partir de um conjunto diversificado de olhares que podemos organizar em dois grandes eixos temáticos: 1) Educação, diversidade e novos ambientes de aprendizagem, com destaque para as práticas de inclusão em contextos formais e não-formais de educação e para a aprendizagem em sociedades tecnologicamente avançadas; 2) Educação e mudança, com ênfase, por um lado, na relação entre regulação, autonomia e “accountability” e, por outro, em novos modelos de desenvolvimento profissional dos professores.

Palavras-chave: transição; inclusão escolar; aprendizagem; regulação da educação; formação de professores

Abstract

We are living times of transition, including in the educational field. The school model we inherited from the 19th and 20th centuries has been under question in many ways. Societies have changed a lot and so have educational contexts. Access to education has become universal and school publics have become much more diverse, both socially and culturally. Digital technology has brought new ways of accessing knowledge and new challenges. But these are also paradoxical times. Criticism of school organization and trends towards descolarization or privatization run parallel to the demand for a quality public school, regarded as a space of socialization and construction of a democratic, universal but simultaneously plural citizenship. Investing in an increasingly inclusive education goes hand in hand with the awareness of inequalities which are becoming more pronounced, for instance, with respect to accessing the digital world. The cult of individualism and commercialization arises alongside militancy for civic, social or environmental causes. Thus, in these times of transition, it is important to think the future(s) of Education. This is what we seek to do in the monographic component of this issue, through a diversified set of perspectives we can organize according to two major thematic axes: 1) Education, diversity and new learning environments, with emphasis on inclusion practices in formal and non-formal educational contexts and on learning in technologically advanced societies; 2) Education and change, with emphasis, on the one hand, on the relation between regulation, autonomy and accountability and, on the other, on new models of teachers’ professional development.

Keywords: transition; school inclusion; learning; regulation of education; teacher training

Resumen

Vivimos tiempos de transición, incluso en el campo de la educación. El modelo de escuela que heredamos de los siglos XIX y XX ha sido cuestionado de muchas maneras. Las sociedades han cambiado mucho y, por lo tanto, también los contextos educativos. El acceso a la educación se ha vuelto universal y los públicos escolares se han vuelto mucho más diversos, tanto social como culturalmente. Las tecnologías digitales han traído nuevas formas de acceder al conocimiento y nuevos desafíos. Pero también son tiempos paradójicos. Las críticas a la organización escolar y las tendencias hacia la desescolarización o la privatización corren paralelas a la demanda de una escuela pública de calidad, entendida como espacio de socialización y construcción de una ciudadanía democrática, universal, pero, a la vez, plural. La apuesta por una educación cada vez más inclusiva convive con la toma de conciencia de las desigualdades que se acentúan, por ejemplo, en el acceso al mundo digital. El culto al individualismo y la mercantilización surgen junto con la militancia por causas cívicas, sociales o ambientales. Así, en estos tiempos de transición, es importante pensar en el(los) futuro(s) de la Educación. Eso es lo que buscamos en el componente monográfico de este número, a través de un conjunto diverso de perspectivas que podemos organizar en dos grandes ejes temáticos: 1) Educación, diversidad y nuevos entornos de aprendizaje, con énfasis en las prácticas de inclusión en contextos formales y no formales de educación y para el aprendizaje en sociedades tecnológicamente avanzadas; 2) Educación y cambio, con énfasis, por un lado, en la relación entre regulación, autonomía y “accountability” y, por otro lado, en nuevos modelos de desarrollo profesional docente.

Palabras clave: transición; inclusión escolar; aprendizaje; regulación de la educación; formación de profesores

Vivemos o tempo presente como um tempo de transição. No campo da educação, instituições e comportamentos rotinizados são postos em causa, sendo evidentes as tensões entre os princípios e valores fundadores do projeto educativo moderno e os juízos avaliativos sobre a sua concretização e as suas consequências. As críticas ao atual momento da educação visam as suas múltiplas facetas - políticas, organizacionais e práticas -, sendo as críticas conduzidas a partir de pontos de vista tão diversos que as soluções propostas nos orientam para futuros muito distintos. O debate sobre o destino do modelo escolar é um excelente revelador dessa enorme incerteza: propõem-se múltiplas vias para a “reescolarização” ou a “desescolarização” da sociedade e confrontam-se visões sobre a educação, entendendo-a ora como uma trajetória personalizada de aprendizagem, ora como um caminho de partilha de aprendizagens e narrativas comuns.

Importa, assim, pensar sobre a encruzilhada a que chegou a educação contemporânea, os seus objetivos, os seus processos, os seus efeitos e beneficiários; uma encruzilhada onde se encontram todas as insatisfações e, também, todas as divergências quanto ao diagnóstico do presente e à perspetivação do futuro. Ora, nas sociedades democráticas, a comunicação e o debate informado são respostas necessárias para viver os tempos de transição e as suas incertezas; e o mundo académico tem a responsabilidade de participar na dinamização dessas formas de ação pública. É tendo como referência este cenário desafiante que organizámos o presente número da revista Sisyphus dedicado ao tema “Pensar a educação em tempos de transição”.

O conjunto de 10 artigos incluídos no dossier que toma como central o referido tema pode ser dividido em quatro grandes eixos temáticos, o primeiro de entre eles dedicado às práticas de inclusão em contextos formais e não formais de educação, o que pressupõe a consideração da inclusão como um dos mais decisivos desafios com que se confrontam os sistemas educativos atuais.

O artigo de Martins, Oliveira e Marchão debruça-se sobre a inclusão escolar e social de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Começando por definir os conceitos centrais do estudo - inclusão e vulnerabilidade - as autoras constatam, a partir da análise da literatura e de relatórios nacionais e internacionais, que existe uma relação estreita entre a condição de vulnerabilidade e situações de insucesso, estigma ou exclusão escolar e social. Na parte final do artigo as autoras refletem sobre quais os aspetos da organização escolar e das práticas pedagógicas dos professores que poderão ser facilitadores da inclusão das referidas crianças e jovens, acabando por subscrever três das propostas presentes na literatura: a aprendizagem cooperativa e as tutorias entre pares; o co-teaching ou team-teaching; e a diferenciação pedagógica.

O artigo de Almeida apresenta como propósito conhecer o acompanhamento de proximidade realizado pelos Técnicos de Intervenção Local (TIL) no âmbito de uma medida educativa de promoção da inclusão e da equidade no contexto escolar, o Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF). A autora pretende compreender em que medida a intervenção desses técnicos facilita a ligação entre a escola, a família e os parceiros sociais criando condições para a inclusão escolar e social dos jovens “em fim de linha” na escola. A partir de um conjunto de entrevistas realizadas a TIL de turmas PIEF, a autora procura conhecer as perceções por eles construídas em relação ao programa e aos seus próprios atos e práticas profissionais. O modelo de intervenção desenvolvido, que a autora considera de enorme importância, assenta numa perspetiva ecológica e inter/multicultural, para além de interdisciplinar, e dirige-se a uma grande diversidade de crianças e jovens.

O artigo de Castanheira, Jardim e Oliveira é dedicado ao estudo do suporte social como fator de inclusão dos estudantes em mobilidade Erasmus, um tema escassamente investigado. Em particular, os autores procuraram saber se as dificuldades sentidas pelos estudantes em mobilidade estão associadas à falta de suporte social e quais as dimensões desse suporte que mais interferem com o processo de adaptação ao novo contexto. Para tal, realizaram uma investigação empírica quantitativa e de caráter exploratório com uma amostra de 413 estudantes de instituições portuguesas do ensino superior com recurso a dois instrumentos: uma Escala de Satisfação com o Suporte Social e um questionário socio académico. No final, os autores consideram ter encontrado uma relação entre as dificuldades percecionadas pelos estudantes e o maior ou menor suporte social com que se confrontaram com implicações na escolha do local e da língua que lhe está associada.

O artigo de Neto abre o segundo eixo temático deste dossier - melhorar a aprendizagem em sociedades tecnologicamente avançadas - e é dedicado a um tema de grande originalidade ao colocar em diálogo a dança, a coreografia e a educação pela arte. O autor propõe-se como objetivo pensar a criação coreográfica contemporânea tal como se expressa no terreno educativo, o que implica colocar o olhar investigativo num ponto de interseção entre as práticas artísticas e as práticas educativas, entre o professor-coreógrafo e o estudante-intérprete.

O artigo de Rauch e Dulle tem como propósito analisar a trajetória de um conjunto amplo das chamadas ECOLOG-schools, com base num questionário (survey) enviado para os seus dirigentes. As ECOLOG schools constituem uma rede de escolas austríacas que têm por base um programa assente no desenvolvimento sustentável. Esse conjunto de escolas procurou integrar uma abordagem ecológica na sua vida quotidiana. O estudo intentou sistematizar um conjunto de medidas para apoiar essa rede de escolas. Na ótica dos autores, os resultados mostram que os princípios do programa ECOLOG foram implementados por meio de ações ambientalmente conscientes, tendo os alunos interiorizado novas formas de pensar e de trabalhar; há, no entanto, espaço, segundo referem, para a introdução de algumas melhorias, designadamente no que diz respeito à colaboração com entidades parceiras.

O artigo de Neves, Boaventura e Galvão parte do conceito de ciência cidadã, entendida como uma prática científica com grande potencial para o estudo e a preservação da biodiversidade num contexto marcado pelas alterações climáticas. O objetivo foi compreender as perceções de professores do 1º ciclo sobre as potencialidades e os constrangimentos associados à sua participação, e dos seus alunos, num projeto neste âmbito com uma abordagem investigativa. Foi usada uma metodologia mista e participaram 7 professores do 4º ano. Segundo os autores, a investigação confirmou a importância da inclusão da ciência cidadã em contexto escolar pelas competências que são desenvolvidas tanto pelos professores como pelos alunos.

O artigo de Lindblad e Pettersson integra o terceiro eixo temático em que assentou a organização deste número da revista - regulação da educação, autonomia e accountability. Na tentativa de apreenderem formas de interação entre ciência e sociedade, os autores procuraram analisar o fator relevância nas conclusões de publicações científicas. O campo selecionado foi o referente aos ILSA - avaliações internacionais em grande escala (como o PISA). As bases de dados Scopus e Web of Science foram usadas para a seleção de um vasto conjunto de artigos avaliados por pares e que incluíam comparações empíricas entre dois ou mais países. As suas conclusões vão no sentido de que foi estudado principalmente o desempenho dos alunos, tendo sido prestada pouca atenção ao impacto das avaliações nas mudanças educacionais; as conclusões mais relevantes desses artigos tinham como destinatários os decisores políticos, o que permite constatar o forte compromisso social das pesquisas no campo das avaliações internacionais em larga escala.

O quarto e último eixo temático - modelos de formação e desenvolvimento profissional na educação - incorpora o contributo de três artigos. O primeiro de entre eles, da autoria de Tomkelski e Baptista, tem por objetivo analisar os conhecimentos didáticos dos professores de Física sobre o uso das Múltiplas Representações no ensino da Lei de Ohm, tendo por referência o conceito de Pedagogical Content Knowledge. Recorreu-se, para esse efeito, a um estudo de aula envolvendo 4 professores de escolas públicas brasileiras do chamado Ensino Médio. As conclusões vão no sentido de que a ênfase nas Múltiplas Representações favorece, em várias dimensões, o ensino do tópico, tendo os professores encorajado os alunos a integrarem as Múltiplas Representações no processo de aprendizagem.

O artigo de Maknamara insere-se no campo das pesquisas (auto)biográficas e respetivo contributo para a formação de professores. O autor, inspirando-se em Foucault, propõe-se compreender os processos de subjetivação desenvolvidos ao longo de uma pesquisa (auto)biográfica com professores de ciências. Para tal, analisou narrativas (auto)biográficas inseridas em 3 teses de doutoramento, constatando que o professor de ciências que emerge dessas narrativas é um sujeito que ocupa múltiplas posições, entre elas as de aprendente, consciente, esperançoso, resiliente, mediador, messiânico e investigador inovador, o que, segundo o autor, revela novas articulações entre a investigação (auto)biográfica e o ensino, em particular tendo como foco a inovação pedagógica.

O último artigo, da autoria de Firmino, Longo, Simões, Valentim e Marques, toma como objeto de estudo os estudantes de enfermagem. O objetivo dos autores é analisar as perceções desses estudantes em relação ao contributo da formação pedagógica para a aprendizagem na prevenção da sintomatologia musculosquelética. Tratou-se de um estudo qualitativo, interpretativo e exploratório que recorreu a um grupo focal constituído por 6 estudantes de enfermagem. A análise de conteúdo efetuada permitiu constatar que a formação pedagógica foi considerada pelos estudantes como crucial no que se refere ao seu investimento pessoal e académico.

Recebido: 29 de Junho de 2023; Aceito: 29 de Junho de 2023

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