INTRODUÇÃO
A abordagem da Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI - Responsible Research and Innovation) viabiliza o desenvolvimento da pesquisa, por meio de colaboração entre indivíduos de diversas áreas da sociedade, incluindo educação, negócios, saúde, governo e a comunidade em geral (European Commission, 2017). Essa abordagem destaca a importância da cooperação entre os diferentes setores no desenvolvimento da pesquisa para promover a cidadania responsável e alinhar inovações científicas com as necessidades da sociedade (Almeida & Okada, 2018; European Commission, 2017; Vocht & Laherto, 2017). A RRI teve sua origem no Programa-Quadro de Investigação e Inovação da Comissão Europeia na 5ª e na 6ª edições. Em 2011, foi destacada como uma ação-chave no programa “Ciência com e para a Sociedade”, no Workshop Horizon 2020 (European Commission, 2017; Shimazaki et al., 2018; Souza, 2021).
A RRI busca avaliar resultados e possibilidades, considerando aspectos sociais e éticos, bem como influenciando o desenvolvimento de novas pesquisas, produtos e serviços. É fundamental que a RRI seja introduzida de forma abrangente e inclusiva no processo de pesquisa e inovação, garantindo a participação em todos os níveis (European Commission, 2017).
No contexto da Educação, a RRI pode contribuir para o desenvolvimento de propostas pedagógicas que levem os estudantes a terem uma interação reflexiva com questões que circundam a sociedade, de maneira investigativa, engajando-se nos problemas desse contexto e se envolvendo na busca de soluções responsáveis (Reis et al., 2020). Logo, estas atividades pedagógicas têm o potencial de desenvolver uma investigação realizada de forma colaborativa, com questionamentos, dispondo os estudantes os seus argumentos de forma ética, ao levar em consideração a aplicação da ciência e da tecnologia na comunidade (Pinto & Ribeiro, 2018; Vocht & Laherto, 2017).
Nessa direção, a adoção da Ilha Interdisciplinar de Racionalidade, de Gérard Fourez (1997), pode favorecer o desenvolvimento da RRI, uma vez que ambas têm o intuito de aproximar o ensino de Ciências do dia a dia do estudante, com uma alfabetização tecno-científica. Essa pode ser uma estratégia didática com potencial para o desenvolvimento das aulas de ciências, que buscam a criticidade em relação à ciência e à tecnologia, na perspectiva da abordagem da RRI.
Dessa forma, apresentamos os resultados de uma revisão sistemática de literatura realizada com o propósito de analisar publicações científicas que abordam a RRI e a IIR, buscando identificar relações que permitam o desenvolvimento dos eixos-chave da RRI, por meio da aplicação da metodologia IIR no âmbito educacional.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ciência e inovação tornaram-se cada vez mais associadas e formalizadas no âmbito da política de pesquisa, em meados do século XX. Cresceu o debate sobre a responsabilidade do poder tecnológico no sentido de gerar benefícios e evitar danos (Stilgoe et al., 2013).
Com vistas a alinhar os interesses e valores da sociedade com o desenvolvimento científico, a União Europeia discutiu essa temática na 5ª e na 6ª edição do Programa-Quadro de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. Durante a sétima edição desse programa, o nome foi modificado, passando de “Ciência e Sociedade” para “Ciência na Sociedade”, com o intuito de aproximar a ciência da sociedade civil. A RRI, no Workshop Horizon 2020, foi legitimada como uma ação-chave do programa “Ciência com e para a Sociedade” (Quinn, 2012; Shimazaki et al., 2018). A RRI incentiva as pessoas a colaborarem de forma conjunta em todos os aspectos da pesquisa e inovação, com o objetivo de garantir que processos e resultados estejam alinhados com os valores, necessidades e expectativas da sociedade, por meio de abordagens participativas (Quinn, 2012; Souza, 2021).
Essa abordagem da União Europeia consiste em seis eixos, a saber: 1) “Escolham juntos”: é o envolvimento de toda a sociedade; 2) “Libere todo o potencial”: em relação à igualdade de gênero, representação de mulheres e homens, sendo que esse aspecto deve ser integrado na pesquisa e no conteúdo de inovação; 3) “Aprendizagem criativa, novas ideias”: diz respeito à educação científica, aumentar o interesse das crianças e dos jovens pelas áreas da matemática, ciências e tecnologia, a fim de que se tornem pesquisadores no futuro. Para esse fim, é necessário prover conhecimento e equipá-los com ferramentas, para que haja participação com responsabilidade na pesquisa e inovação, contribuindo para a alfabetização científica; 4) “Compartilhar resultados, avançar”: a prática da pesquisa e inovação precisa ser clara, compreensível, para tornar o acesso aberto à realidade; 5) “Pense e faça o certo”: refere-se à ética. A pesquisa e inovação precisam responder adequadamente aos desafios da sociedade, com respeito aos direitos, sem se afastar da ética; e 6) “Ciência do design para e com a sociedade”: esse eixo engloba todos os outros, referindo-se à esfera política (Quinn, 2012).
De acordo com RRI Tools (s.d.), a estrutura da RRI inclui quatro elementos: “Diverso e Inclusivo”, “Antecipatório e Reflexivo”, “Aberto e Transparente” e “Responsivo e Adaptável à mudança”. Essa estrutura facilita o engajamento de pesquisadores e membros do setor público em empreendimentos de pesquisa e inovação, permitindo antecipar e avaliar consequências, contemplar princípios, objetivos subjacentes e realizar modificações alinhadas às perspectivas das partes interessadas e às necessidades da sociedade. A RRI busca dar visibilidade aos processos de pesquisa e inovação, comunicando resultados de forma transparente para aumentar a credibilidade e visibilidade. Além disso, visa garantir a avaliação ética e social dos resultados, influenciando o desenvolvimento de novas pesquisas, produtos e serviços. Assim, é essencial introduzir a RRI como um programa abrangente e inclusivo para garantir a participação a todos os níveis (European Commission, 2017).
A RRI visa proporcionar oportunidades para os cidadãos participarem de processos de pesquisa e inovação, para alinhar o seu desenvolvimento e resultados com os valores, necessidades e expectativas da sociedade (Lundström et al., 2017).
O segmento educacional é importante na abordagem da RRI. Nessa perspectiva, as principais ideias que influenciaram o estabelecimento da RRI são: alfabetização científica, natureza da ciência e questões sociocientíficas (Lundström et al., 2017). As práticas de RRI na educação têm como objetivo desenvolver atividades pedagógicas colaborativas, permitindo que os alunos realizem pesquisas sobre temas específicos e construam argumentos sobre dilemas sociais, por meio de atividades investigativas (Okada & Rodrigues, 2018; Souza, 2021).
É possível elaborar atividades de pesquisa e inovação através de fundamentos teóricos, métodos e práticas de ensino voltados para a educação contemporânea, para uma formação crítico-científica com o objetivo de buscar responder aos desafios que surgem cada vez mais rápido no campo das inovações científicas (Souza, 2021). Diante deste cenário, surgem questões acerca das dimensões éticas e políticas que envolvem a ciência e a tecnologia. Entretanto, não existe um método definido para aplicar a RRI na educação científica (Pinto et al., 2018), porém existem algumas experiências e pesquisas neste campo para ajudar a desenvolver discussões sobre a RRI (Lundström et al., 2017).
Desse modo, o ensino de Ciências pode abordar questões sociocientíficas e levar os alunos a refletirem sobre questões prioritárias da sociedade, desenvolvendo sujeitos engajados em questões políticas, tecnológicas, científicas e ambientais. Nessa direção, Fourez (1997) afirma que a Alfabetização Científica e Técnica (ACT) nas aulas de Ciências propicia um ambiente em que o conhecimento científico pode desenvolver a autonomia, permitindo ao estudante colocar suas considerações, tomar suas próprias decisões e se responsabilizar em relação a essa atuação. Com essa percepção, Fourez (1997) propõe uma estratégia didática chamada de Ilha Interdisciplinar de Racionalidade (IIR), uma metodologia pela qual os estudantes se tornam atuantes durante o desenvolvimento das aulas.
Nesse sentido, há possibilidades de articular a abordagem da RRI com a metodologia das IIR nas aulas de Ciências, com o intuito de levar os estudantes a serem ativos em questões sociais, políticas, ambientais e éticas, exibindo uma perspectiva crítica e abrindo caminho para que se tornem sujeitos ativos na sociedade. Os conceitos teóricos para esse método baseiam-se em conhecimentos de várias disciplinas e também em conhecimentos que circundam o dia a dia e que são necessários em diversas situações (Fourez, 1997).
A teoria da Ilha de Racionalidade compara o conhecimento a uma ilha, emergindo em um oceano de ignorância. Ao construir essa ilha, reconhecemos que as representações estão sujeitas a limitações, como se fossem “caixas pretas”, ou seja, há partes do conhecimento que não são totalmente compreendidas. Essa teoria destaca a racionalidade, ao considerar que o modelo almejado é discutível e adaptável conforme sua relevância para o projeto estruturado, enfatizando a utilidade e pertinência do conhecimento em cenários específicos, em vez de buscar uma verdade abstrata (Fourez, 1997).
As etapas que compõem essa metodologia contextualizam os conhecimentos de várias disciplinas com as vivências dos estudantes, nas quais esses conteúdos podem levá-los à reflexão e à atuação de forma ativa, para buscarem soluções, tornando os problemas mais compreensíveis e, assim, abrirem as caixas pretas (com as dúvidas sobre a questão). Essa interdisciplinaridade suscita a colaboração de diversas disciplinas e também de diferentes setores e especialidades da sociedade, sendo nomeada por Fourez como Ilha Interdisciplinar de Racionalidade. Com isso, elementos externos aos conteúdos, como os de natureza política, médica, religiosa, cultural, entre outros, podem contribuir para uma compreensão maior do tema estudado, lidando com as questões que encontrarem. Fourez (1997) acrescenta que, para realizar uma IIR, é preciso combinar conhecimentos de várias disciplinas e saberes cotidianos para organizar uma representação ou modelo diante de um determinado contexto.
METODOLOGIA
Este estudo utiliza a abordagem qualitativa, que combina as evidências obtidas de diferentes fontes (Yin, 2016), conduzida com aprofundamento dos objetos estudados para obter significados visíveis e latentes (Chizzotti, 2003). Esse método é apropriado para abordar questões específicas e detalhadas, que podem ser difíceis de medir (Martins, 2022). Diante disso, quanto aos fins da pesquisa de natureza exploratória, destaca-se pelo seu planejamento flexível, permitindo o estudo sob diferentes perspectivas e aspectos (Prodanov & Freitas, 2013). Um de seus objetivos é aumentar a compreensão sobre o assunto ou gerar hipóteses (Gil, 2002), contribuindo para o desenvolvimento, esclarecimento e modificações de conceitos e ideias, que facilitam a realização de estudos futuros (Gil, 2008).
O percurso inicia com a revisão de estudos anteriores, para fundamentar ações conforme as possibilidades encontradas. Na pesquisa científica, um planejamento rigoroso é essencial para contribuições significativas. Este tópico é abordado com influência metodológica na revisão sistemática de literatura, caracterizando estudos selecionados, avaliando qualidade, identificando ideias-chave e comparando análises estatísticas para conclusões embasadas, além de sugerir novas pesquisas (Sampaio & Mancini, 2007).
Ressalta-se que o levantamento bibliográfico foi realizado em oito bases de dados nacionais e internacionais, que se complementam, tendo um escopo mais amplo. No âmbito nacional: Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Portal de Periódicos da CAPES; e seis bases internacionais: Google Acadêmico, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Education Resources Information Center (ERIC); Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (REDALYC); Scopus e Web of Science. O levantamento realizado nessas bases de dados teve o recorte temporal de cinco anos, que ocorreu entre junho de 2017 a junho de 2022, uma vez que a abordagem da RRI é recente; e também com o intuito de identificar trabalhos atuais em relação à IIR, que podem fornecer elementos para identificar como podemos direcionar nosso estudo no campo da Educação em Ciências. As buscas ocorreram no mês de setembro de 2022 e foram verificadas por outros pesquisadores no mesmo mês.
Para analisar os dados, seguiremos uma metodologia baseada na Análise de Conteúdo (Bardin, 2011). Essa abordagem tem elementos para lidar com as informações obtidas por meio de diferentes técnicas de coleta de dados. O referido método possui três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A primeira etapa consiste em selecionar e organizar os dados, formular hipóteses e criar categorias. Na segunda etapa, o estudo concentra-se detalhadamente nos dados coletados, identificação de frequências, bem como em temas emergentes. A realização da codificação tem como objetivo principal obter uma representação clara e precisa do conteúdo dos dados, permitindo esclarecer suas características e responder a perguntas de pesquisa. Na última etapa, que pode ser chamada de tratamento de resultados, o documento passa por diversos procedimentos que visam captar o significado intrínseco de cada comunicação (Bardin, 2011).
Esta pesquisa adota essas etapas para avaliar os dados coletados na revisão sistemática de literatura, com o objetivo de vincular a Pesquisa e Inovação Responsáveis com a Ilha Interdisciplinar de Racionalidade na aprendizagem dos alunos.
PROCESSO DE BUSCA DA REVISÃO DE LITERATURA
Em uma revisão sistemática, é fundamental que todas as etapas sejam registradas, assim como os objetivos, os operadores booleanos utilizados nas buscas e os critérios de inclusão e exclusão dos estudos (Ramos et al., 2014). Nesse ínterim, passamos a apresentar as etapas desenvolvidas nesta revisão, que compreendem seis estudos relacionados à Pesquisa e Inovação Responsáveis e treze estudos referentes à Ilha Interdisciplinar de Racionalidade, que são relevantes para essa pesquisa, incluindo artigos de revistas nacionais e internacionais, dissertações e teses. Apesar da importância desse tema, esses dados demonstram que há poucas pesquisas atuais sobre o assunto, apoiando a originalidade da ideia deste estudo.
Na primeira fase, correspondente à organização da análise (Bardin, 2011), estabelecemos os critérios de seleção dos trabalhos adequados para nossa pesquisa. A pesquisa sobre RRI e a IIR no Ensino de Ciências no Ensino Fundamental foi realizada utilizando as seguintes bases de dados: Google Acadêmico, Scopus, Web of Science, ERIC, REDALYC, SciELO, Portal de Periódicos da CAPES e Portal de Teses e Dissertações da CAPES. Os critérios de inclusão abrangeram artigos de revistas científicas, teses e dissertações publicadas entre junho de 2017 e junho de 2022, excluindo estudos sobre formação de professores, gestão escolar ou temas não relacionados com a Educação. A validação metodológica incluiu a replicação da busca e a verificação por outros pesquisadores. Os dados coletados foram tratados com o auxílio do software NVIVO para seleção e análise crítica, incluindo a construção de nuvens de palavras. Para realizar a busca, utilizamos palavras-chave em português, espanhol e inglês, “Pesquisa e Inovação Responsáveis”, “Responsible Research and Innovation” e “Investigación e Innovación Responsables”, além de termos “Ilha Interdisciplinar de Racionalidade”, em diferentes idiomas, “Interdisciplinary Island of Rationality” e “Islote Interdisciplinario de racionalidad”. Optamos também por incluir o termo “Ilha de Racionalidade”, conforme descrito por Fourez (1997), para abranger um maior número de estudos, incluindo “Island of Rationality” e “Islote de racionalidad”. Todos os termos buscados foram inseridos entre aspas para buscar abordagens específicas. A busca seguiu um padrão similar em quase todos os portais de busca, com a exceção do Web of Science, em que foi necessário incluir o booleano “and” para filtrar estudos no campo da Educação.
A seguir, o Quadro 1 demonstra o processo realizado para o levantamento das produções científicas sobre o tema desse estudo. Estas etapas são definidas para direcionar as buscas das pesquisas que irão compor a análise.
Os resultados encontrados são apresentados nas figuras 1 e 2:
Em alguns repositórios de busca, certos termos pesquisados foram considerados inadequados, pois o resultado encontrado era muito amplo, não havendo aplicação de filtros que pudessem ter auxiliado no refinamento dos dados. Os termos não contabilizados foram: no Google Acadêmico “Responsible Research and Innovation” (10.300); no Redalyc “Interdisciplinary Island of Rationality” (1179) e “Island of Rationality” (6572); e no Catálogo de Teses e Dissertações “Interdisciplinary Island of Rationality” (114756) e “Island of Rationality” (114192).
Os trabalhos foram organizados no Excel e os duplicados foram removidos automaticamente. Em seguida, os resumos foram lidos para selecionar os que se encaixam no escopo deste estudo. A maior parte dos artigos encontrados pertence a diferentes áreas, como Ensino Superior, engenharia, política, indústria, saúde e tecnologia. Foi realizada a leitura flutuante dos estudos, a codificação, onde os dados brutos foram transformados em unidades de análise e categorias (Bardin, 2011).
A fase da categorização consiste na organização das unidades de análise em categorias, buscando classificá-las e interpretá-las (Bardin, 2011), para classificar as pesquisas nas perspectivas dos autores deste estudo. Os estudos considerados para nossa pesquisa compreendem seis trabalhos relacionados à Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI) e treze referentes à Ilha Interdisciplinar de Racionalidade. A seguir, passaremos a analisar os estudos relacionados à RRI. Chegamos ao momento em que realizamos a inferência, que é o momento da análise em que conseguimos identificar aquilo que as informações revelam sobre o objeto de estudo, permitindo entender melhor as nuances e os significados do corpus e conseguir conclusões sobre o objeto estudado (Bardin, 2011).
DESDOBRANDO AS DIMENSÕES DA PESQUISA E INOVAÇÃO RESPONSÁVEIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Antes de abordar os resultados das investigações consideradas neste tópico, será apresentada uma visão dos trabalhos encontrados, no quadro 2:
Podemos visualizar que os estudos encontrados se concentram nas etapas finais do ensino fundamental, indicando uma lacuna na pesquisa relacionada à abordagem nos anos iniciais dessa fase escolar. Tanto pesquisas nacionais quanto internacionais foram encontradas, enriquecendo a compreensão com diversas perspectivas culturais e contextuais. Neste cenário, vamos analisar os estudos selecionados.
O estudo de Veneu et al. (2017) investigou a colaboração de uma turma do 8º ano do ensino básico na criação de um banner como parte do projeto Irresistible na Europa. Eles destacam que a aprendizagem cooperativa capacita os alunos como produtores e críticos de conhecimento, em lugar de meros consumidores, como enfatizado por Reis et al. (2020, p. 2, tradução nossa), em que “as exposições ocorreram como ações coletivas de resolução de problemas democráticos, capacitando os alunos como críticos e produtores de conhecimento, em vez de colocá-los apenas no papel simples de consumidores de conhecimento”.
Esses dois estudos evidenciam a integração da abordagem da RRI na educação científica, promovendo o envolvimento interdisciplinar na sociedade e maior participação dos alunos nas atividades educacionais. No entanto, esta integração enfrenta desafios na implementação prática devido à disparidade entre as expectativas educacionais nos planos e as práticas nas escolas.
Além disso, Reis et al. (2020) analisam o impacto das exposições elaboradas por alunos do Projeto Irresistible, abordando questões sociocientíficas e dimensões da RRI. Os banners permitiram interações variadas dos visitantes, como expressão de ideias, observações e categorização de conteúdo. Muitos alunos optaram por exposições interativas com jogos físicos, enquanto outros utilizaram apresentações multimídia com filmes e recursos visuais diversos. Reis et al. (2020, p. 6, tradução nossa) destacam que “(…) esse tipo de artefato exige um dispositivo (tela de computador, tablet ou outro) para sua visualização (o que pode não ser uma opção viável para algumas escolas ) (…)”. Isso ressalta a importância de se investir em recursos digitais, procedimento importante para garantir o acesso equitativo nas escolas e prevenir o aumento das desigualdades sociais. As exposições dos alunos facilitaram a compreensão e interação com pesquisas inovadoras, capacitando-os para participar ativamente da RRI.
Dias e Reis (2017) utilizaram a Metodologia de Pesquisa Baseada em Design para analisar o impacto da integração de ferramentas Web 2.0 em atividades de Educação Científica Baseada em Investigação, visando aquisição de conhecimentos e habilidades para cidadania ativa em RRI. O estudo constatou que essa abordagem promoveu o envolvimento ativo dos alunos, o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e uma compreensão da ciência como parte integrante da RRI.
Levinson (2018) propõe uma abordagem de aprendizagem com base em investigação sociocientífica (SSIBL) no âmbito do projeto PARRISE, que combina educação cívica, preocupações sociocientíficas e IBSE, com ênfase no programa de RRI da União Europeia. O modelo composto por “Perguntar”, “Descobrir” e “Agir” visa desenvolver o processo de aprendizado e investigação, incentivando os alunos a questionar, analisar e agir, com base no conhecimento científico. Esse enfoque estimula uma educação em que os alunos se engajam de forma mais participativa. O projeto PARRISE utiliza essa abordagem para promover o desenvolvimento profissional dos professores e aumentar o envolvimento do público nos avanços científicos e técnicos.
Lopes et al. (2021) abordam a importância de atividades na Educação Básica para estimular o pensamento crítico e a cidadania. O estudo descreve uma sequência didática híbrida aplicada em duas turmas de 8º ano durante a Pandemia de Covid-19. Os resultados ressaltam a necessidade de reavaliar as metodologias de ensino, transformando a pesquisa em um veículo para informações críticas, com destaque para estratégias que incentivem cooperação, engajamento e pesquisa para aprimorar a educação e promover a autonomia dos alunos.
Na mesma direção, o estudo de Levinson (2018) destaca que a Educação necessita ser reestruturada. Atualmente, estamos imersos em uma época conhecida como a era da informação. Porém, é lamentável constatar que muitos jovens concluem todo o percurso educacional no Brasil sem adquirir a postura de indivíduos críticos, autônomos e engajados socialmente, conforme preconizado pelos documentos oficiais (Lopes et al., 2021).
Por fim, Souza (2021) discutiu a integração da RRI com narrativas digitais (ND) elaboradas por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, destacando o potencial dessas abordagens para promover o desenvolvimento da cidadania e autonomia dos estudantes. A autora considera que a integração da RRI com as ND permite compreender os conhecimentos e aspirações de aprendizagem dos estudantes. Nesta perspectiva, observamos o potencial para o ensino de Ciências ao integrar tecnologia e focar no desenvolvimento da cidadania, alinhando os interesses da comunidade com a formação de alunos como agentes de transformação social.
As análises nacionais e internacionais evidenciam que os princípios da RRI, como cooperação, engajamento e pesquisa, melhoram a educação, capacitando os alunos e promovendo a consciência social. Por meio da investigação, os alunos adquirem conhecimentos sobre questões locais e os aplicam na sociedade, destacando a eficácia desses princípios na melhoria da educação e no desenvolvimento de habilidades práticas.
Articulando essas pesquisas, a figura 3 ilustra uma nuvem de palavras, construída com o software NVivo, para indicar as dez palavras que surgem com maior frequência nos trabalhos (englobando variações derivadas):
A educação científica visa fornecer aos alunos uma base científica para “desenvolver” o pensamento crítico, a curiosidade e a resolução de problemas. Além disso, fica evidente o destaque da palavra “desenvolvimentos”, que está diretamente ligada a “pesquiso”. Nesse ínterim, os alunos passam gradualmente a obter uma compreensão ampla dos princípios científicos, teorias e aplicações práticas.
Assim, na educação científica, “desenvolvimento” e “pesquiso” referem-se a um processo constante de estudo teórico e prático que podem ajudar os alunos a se tornarem cidadãos bem-informados que possam compreender, desafiar e fazer avançar a ciência e a sociedade. Seguidas pela palavra “investigação” que, no âmbito da educação, desempenha um papel importante na implementação da RRI. A pesquisa no campo educacional deve ser ética, inclusiva e sustentável para atender aos princípios da RRI, incorporando valores éticos, participação pública, equidade de gênero, diversidade cultural e responsabilidade socioambiental. Ao colocar a “pesquisa” e a “investigação” em destaque, destaca-se a importância de os alunos se tornarem não apenas cidadãos críticos e informados, mas também agentes de mudança responsáveis, preparados para enfrentar com discernimento os complexos desafios que caracterizam nossa sociedade (Dias & Reis, 2017; Levinson, 2018; Souza, 2021).
Também aparece a sigla “RRI”, na qual se concentram os objetivos dos trabalhos analisados. Seguida da palavra “educação”, que também está referida dentro do recorte na abordagem. A RRI na educação visa capacitar os alunos para serem agentes de mudança responsáveis, abordando desafios globais, por meio de pesquisa informada, garantindo que avanços científicos e tecnológicos estejam alinhados com valores humanos e o bem-estar coletivo (Lopes et al., 2021).
Logo em seguida, palavras “estudantes” e “alunos” aparecem. A RRI coloca o aluno como ser ativo no desenvolvimento do ensino de Ciências que vai além do conhecimento teórico (Lopes et al., 2021; Reis et al., 2020). O desenvolvimento de “habilidades científicas” - a capacidade de conceber hipóteses, realizar experimentos, coletar e analisar dados, tirar conclusões com base em evidências e comunicar resultados com clareza - também está incluída (Levinson, 2018; Souza, 2021).
O termo “Ciências” e seu equivalente em inglês, “Science”, dentro da nuvem de palavras ressalta o caráter global da RRI, que adota uma perspectiva ampla no desenvolvimento da ciência, integrando fatores éticos, sociais e culturais (Dias & Reis, 2017; Souza, 2021). Essa abordagem busca alinhar o progresso científico e tecnológico com os valores e necessidades da sociedade, objetivando um avanço mais sustentável e benéfico para todos os indivíduos e comunidades.
E a última palavra que aparece na nuvem de palavras é “sociedades”. A educação deve atender demandas sociais, preparar alunos para serem participantes críticos e engajados. Incorporar diversos pontos de vista na pesquisa torna o estudo sensível ao ambiente social (Reis et al., 2020; Souza, 2021; Veneu et al., 2017).
No próximo tópico, vamos analisar os trabalhos que abordam as Ilhas Interdisciplinares da Racionalidade, uma metodologia desenvolvida no ensino de Ciências que pode contribuir para o desenvolvimento da RRI.
ILHAS INTERDISCIPLINARES DA RACIONALIDADE: ANÁLISE DOS RESULTADOS NO ENSINO FUNDAMENTAL
Antes de abordar os resultados das investigações consideradas nesse tópico, será apresentada uma visão dos trabalhos encontrados, no gráfico 1:
Estes estudos incluem oito dissertações: Fernandes (2017), Miletto (2017), Pacheco (2018), Gobbi (2020), Silva (2020), Lopes (2021), Teixeira (2021) e Werle (2021), além de cinco artigos: Carneiro e Cavassan (2020), Costa et al. (2018), Liz et al. (2019), Machado et al. (2019) e Tramontin et al. (2019). As pesquisas analisadas neste estudo demonstram que a maioria das investigações sobre as IIR foi realizada nos anos finais do ensino fundamental. As pesquisas referentes aos anos iniciais do ensino fundamental foram desenvolvidas apenas no 5º ano. Essa metodologia tem o potencial de proporcionar uma compreensão contextualizada dos campos científicos e tecnológicos, desde as primeiras fases da escolaridade.
Costa et al. (2018) inferem que o estudo explora a aplicação da IIR para compreender a formação de imagens no olho humano por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Destaca-se a importância de conectar o ensino com as experiências dos alunos, para aumentar o envolvimento no processo de aprendizagem. A utilização da IIR, juntamente com atividades práticas e assuntos cotidianos dos alunos, resultou em melhor compreensão da matéria e aumento da motivação, demonstrando a importância educacional dessa abordagem.
Teixeira (2021) propôs um estudo sobre Alfabetização Científica e hábitos alimentares saudáveis, utilizando a Teoria da Aprendizagem Significativa e a metodologia da IIR. Os resultados indicaram que essa abordagem contribuiu para encurtar a distância entre o conhecimento científico e a vida cotidiana dos alunos do 5º ano, promovendo assim a aquisição de habilidades essenciais para a compreensão crítica e reflexiva da ciência.
Em relação ao desenvolvimento dos conteúdos, Teixeira (2021, p. 29) considera que é “preciso encurtar a distância entre o que é ensinado em sala de aula e o que o aluno tem por necessidade saber para ter qualidade de vida, por meio de metodologia, estratégia, que venha a condizer com esse processo”. Essa afirmação concorda com os estudos de Costa et al. (2018), quando ressaltam a importância de contextualizar o conhecimento para melhorar a compreensão dos conteúdos escolares, promovendo a Aprendizagem Significativa e o pensamento crítico, essenciais para o desenvolvimento da IIR.
No estudo de Liz et al. (2019) utilizaram a gravura “Mad Dog” (1826), de Thomas Lord Busby, como elemento central para compreender a raiva. Eles desenvolveram uma IIR com vinte e dois alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II, promovendo uma abordagem interdisciplinar, que incluiu análise da gravura, pesquisas, consultas a especialistas e discussões. As atividades seguiram as etapas elaboradas por Fourez (1997) para o desenvolvimento da IIR articulada com os três momentos pedagógicos delineados por Delizoicov (2005).
Os autores argumentam a importância da “(…) promoção do ensino a partir das necessidades do estudante, baseado não apenas no conteúdo programático curricular, mas identificando contribuições científicas e tecnológicas disponíveis ao nosso redor” (Liz et al., 2019, p. 410). É fundamental elaborar atividades que relacionem os conteúdos escolares com as vivências cotidianas dos alunos, visando aprofundar a compreensão e fortalecer a autonomia frente aos desafios.
Outro estudo relevante é o de Carneiro e Cavassan (2020), que demonstrou como a estrutura da IIR pode melhorar as relações entre museus-escola. Eles aplicaram uma IIR sobre alimentação em uma escola pública de São Paulo, envolvendo etapas, como: descrição do assunto, discussões preliminares e síntese, por meio de um “júri simulado”, em que os estudantes representavam um ator social, como, por exemplo, prefeito, agricultores e comerciantes.
Na dissertação de Fernandes (2017), alunos do 8º ano participam da aplicação de uma IIR sobre a importância da água. A atividade inclui música, vídeo, discussões em equipe e atividades relacionadas, promovendo o desenvolvimento de autonomia, comunicação e conhecimento sobre a conservação da água, destacando os benefícios da abordagem interdisciplinar. Nesse sentido, Liz et al. (2019, p. 411) acrescentam que um “aspecto bastante característico das IIR é a busca pela relação entre os conteúdos disciplinares e o cotidiano dos alunos”.
A autora enfatiza a integração curricular com a experiência dos alunos para capacitá-los como estudantes ativos, ressaltando o papel do professor como mediador para orientar as investigações dos alunos na promoção da aprendizagem ativa, proposição esta que está em consonância com os apontamentos de Costa et al. (2018, p. 13): “(…) é necessário que o professor saia de sua ‘zona de conforto’. O professor deverá mediar a pesquisa com seus alunos”, aspecto importante da IIR.
Na pesquisa de Gobbi (2020), utilizando a metodologia da IIR de Gérard Fourez (1997), alunos do 8º ano, vindos de contextos socioeconômicos desfavorecidos, investigaram conceitos científicos com o tema “Churrasco Saudável”. Durante as atividades, houve seminários, apresentações e produção de material gráfico, enfatizando colaboração e tecnologias digitais. Os resultados evidenciaram que essa abordagem promoveu autonomia, domínio e habilidades de comunicação, fundamentais para a cidadania ativa e o pensamento crítico.
Tramontin et al. (2019) investigaram a implementação da IIR no ensino de Ciências em uma escola rural, com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, visando promover o pensamento crítico e a participação em ações socioambientais. O estudo baseou-se na abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e utilizou a metodologia da IIR de Fourez (1997), juntamente com um currículo ativo voltado para a cidadania de Hodson (2014). O foco foi o descarte inadequado de lixo doméstico em áreas rurais, buscando promover aprendizagem contextualizada e compreensão dos métodos corretos de descarte. Os autores destacam que
um currículo voltado à Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT) deve ser posto como uma estratégia, onde os saberes científicos se consolidem em uma tomada de atitude responsável, gerando emancipação por parte dos estudantes por meio de reflexões que repercutam na sociedade como um todo (…). (Tramontin et al., 2019, p. 201)
O estudo ressalta a importância de capacitar os estudantes não apenas para absorver conhecimento, mas também para aplicá-lo criticamente visando aprimorar a sociedade. Os resultados indicaram que os alunos adquiriram vocabulário científico e compreenderam a relevância da preservação ambiental, alcançando assim a ACT, considerando as três características elencadas por Fourez (1997, p. 61): “autonomia, capacidade de comunicar e domínio, frente a uma situação concreta”. Também pode-se perceber que o nível de envolvimento da comunidade nos eventos e palestras sugeridos foi substancial, tendo-se observado os alunos participando ativamente dos debates.
O estudo de Machado et al. (2019) visa conscientizar alunos de uma escola rural sobre a importância da vacinação contra a brucelose. Utilizando uma IIR centrada em uma gravura satírica intitulada “Os maravilhosos efeitos da nova vacina” (de James Gillray, 1802), os pesquisadores envolveram alunos do 8º ano do ensino fundamental. A abordagem integrou Arte e Ciências, conectando o currículo escolar com a vida real dos estudantes e introduzindo uma questão social relevante. Concordando com Fernandes (2017), a IIR é vista como estratégia de ensino interdisciplinar para resolver problemas do mundo real.
Pacheco (2018) investigou as contribuições da IIR na abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) sobre Meio Ambiente e Lixo Eletrônico para promover a alfabetização científica, tecnológica e cidadã de estudantes do 9º ano do ensino fundamental, por meio de um minicurso. O estudo utilizou dados dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema, diários de campo, registros audiovisuais e materiais produzidos pelos estudantes. Pacheco (2018, p. 136) salienta “(…) que nesse cenário as dificuldades em desenvolver as tarefas propostas pela IIR não são exclusivas dos alunos, o professor aplicador também se encontra diante de dilemas e entraves”. Como, a maneira de “(…) instigar os alunos a ter curiosidade, refletir, elaborar questionamentos, ter posicionamentos, desenvolver autonomia e domínio, sem interferir demasiadamente na condução da IIR (…)” (Pacheco, 2018, p. 136). Fernandes (2017) destaca a importância dos professores como mediadores no ensino, promovendo um ambiente de aprendizagem interativo, motivando os alunos a contribuir ativamente para a construção do conhecimento, e salientando que, em certos momentos, é necessário mudar as práticas habituais (Costa et al., 2018).
Lopes (2021) conduziu um estudo qualitativo com uma IIR para promover a ACT em alunos do 9º ano, destacando a interdisciplinaridade na abordagem e a importância de compreender a cultura escolar. É fundamental ainda que haja uma “(...) comunicação constante com outros professores, das mais diversas áreas de conhecimento, a fim de que a pesquisa ocorra com todos os especialistas necessários, de forma interdisciplinar” (Costa et al., 2018, p. 13).
Além disso, Lopes (2021, p. 127) destaca que “é a partir do Domínio dos conteúdos conceituais e procedimentais que o aluno se sente seguro para fazer uma boa comunicação, escolhendo não apenas as palavras a serem utilizadas, mas também as representações adequadas (…)”. Conforme o estudante adquire uma compreensão mais profunda dos conceitos e processos, sua habilidade de expressar ideias complexas de forma clara e aprimorada resulta em uma melhoria de suas habilidades de comunicar e atuar frente aos desafios.
Werle (2021) investigou a aplicação da metodologia da IIR no ensino on-line de Astronomia para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II, com o objetivo de promover a ACT. A IIR foi escolhida por promover a participação ativa dos alunos, resultando em melhorias na aprendizagem, incluindo autonomia, comunicação e conhecimento em Astronomia. Destaca-se o papel do professor como mediador, valorizando os saberes dos alunos e relacionando os conteúdos com a vida cotidiana, em consonância com estudos anteriores sobre o papel docente e a importância dos temas sociais.
Miletto (2017) conduziu um estudo com alunos do 9º ano, usando intervenções pedagógicas em Ciências. Eles estudaram os problemas locais, com a metodologia da IIR, integrando questões sociais, econômicas, culturais e ambientais. Destaca-se a relevância de abordagens educacionais ambientais e sociais para conscientizar sobre a cidadania. Os alunos debateram questões ambientais locais, promovendo uma compreensão teórica e prática das preocupações ambientais e sociais, enquanto incentiva um estilo de vida sustentável.
Por fim, Silva (2020) investigou como a Cultura da Convergência, por meio de uma sequência didática, impacta o ensino da Tabela Periódica com alunos do 9º ano. O estudo incluiu atividades, como palestras interativas e concursos de imagens, destacando a facilitação da integração das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Foram identificados quatro fatores-chave: acessibilidade eletrônica, capacitação docente, aprendizagem significativa e uso de ferramentas eletrônicas, destacando a relevância das TIC na educação e o papel mediador do professor.
A figura 4 reforça e fortalece essa compreensão ao apontar as dez palavras mais frequentes (incluindo suas formas derivadas) presentes nesses estudos teóricos.
A sigla “IIR” emergiu na nuvem de palavras, é a metodologia da qual os estudos analisados se concentram, cuja abordagem é desenvolvida no campo da(s) “ciência(s)”, que tem oito “etapas”, propostas por Fourez, palavras que também aparecem em destaque. Em relação à palavra “educação” essa abordagem prevê o desenvolvimento do conhecimento científico (Miletto, 2017; Silva, 2020), de forma que os alunos possam ter a oportunidade de desenvolver uma compreensão ampla dos princípios básicos das questões sociocientíficas.
Nesses trabalhos está nítido o destaque da palavra “alunos” e “estudantes” aos quais direcionam o papel central desses sujeitos no processo de ensino e aprendizagem, oportunizando estratégias pedagógicas que estimulem os alunos a serem ativos, críticos e autônomos na busca pelo “conhecimento”, que também aparece com frequência (Costa et al., 2018; Werle, 2021). Ou seja, “(…) nesse contexto, a prática metodológica desenvolvida afasta-se dos princípios disciplinares e os alunos passam a ser responsáveis pela produção de seu conhecimento, enquanto o professor é o intermediador” (Pacheco, 2018, p. 139). Ao se envolver com o conhecimento científico, os alunos têm a oportunidade de ter uma melhor compreensão dos princípios que ditam o funcionamento da sociedade.
O termo “ensino” aparece em destaque nos trabalhos e denotam a importância dos professores utilizarem estratégias que permitam aos alunos terem contato com problemas da sociedade, oportunizando a relação com outros atores da sociedade, ao fomentar práticas de ensino em diferentes contextos e investigação das interconexões entre vários campos do conhecimento (Lopes, 2021; Machado et al., 2019).
A palavra “pesquisas”, na abordagem da IIR, oferece aos estudantes a oportunidade de realizar diversas experiências para compreender o conhecimento de forma interdisciplinar. Isso inclui contato com especialistas de diversas áreas, o que possibilita um aprofundamento maior no tema investigado. Fernandes (2017, p. 88) reforça que “(...) um dos grandes desafios dos professores atualmente é preparar estudantes conscientes, autônomos e com capacidade de interagir positivamente no ambiente em que estão inseridos na busca de soluções frente às situações do cotidiano”. Sendo assim, essa metodologia requer envolvimento dos alunos em estratégias interdisciplinares, que vão além das fronteiras escolares convencionais.
Finalmente, a palavra “grupo” mostra a importância da colaboração entre os alunos durante estas atividades de investigação, uma vez que potencializa a troca de ideias e perspectivas, permitindo que os alunos se beneficiem mutuamente do compartilhamento de conhecimentos e do desenvolvimento de competências de trabalho em equipe (Fernandes, 2017; Gobbi, 2020).
ENTRECRUZAMENTO DA ABORDAGEM DA RRI COM A METODOLOGIA DA IIR
Neste tópico, vamos realizar uma comparação da abordagem RRI com a metodologia da IIR, com ênfase específica no campo do ensino de Ciências. Realizamos uma comparação entre as palavras que apareceram com frequência nas duas nuvens de palavras, conforme a figura 5 ilustra:
Pela figura 5, procuramos ilustrar a similaridade entre a abordagem da RRI com a metodologia da IIR, a inclusão dos cinco termos mais comuns: “Ciências/Sciences”; “estudantes”; “educação”; “pesquisa/pesquiso” e “alunos” - tais termos destacam um alinhamento entre os princípios fundamentais de cada uma das abordagens, indicando uma relação que pode ser beneficiada com a sua aplicação conjunta, tanto no que se refere à investigação empírica quanto conceitual. Ao serem aplicadas conjuntamente, essas abordagens podem promover a autonomia dos estudantes no processo de aprendizagem, conforme apontado por Fernandes (2017), e incentivam sua participação ativa na busca por soluções para os problemas sociais (European Commission, 2015). Ambas reconhecem a importância de compreender a ciência e a tecnologia não apenas como atividades técnicas, mas como práticas que requerem uma visão ampla de suas implicações sociais e éticas, como enfatizado por Quinn (2012), Lopes et al. (2021), European Commission (2015) e Fourez (1997).
Diante da complexidade das questões que envolvem a sociedade, a necessidade de diversos enfoques é destacada por Fourez (1997). No entanto, a proposta de colaboração entre pesquisa científica e sociedade, conforme apontado por Dias e Reis (2017), pode ser limitada pela falta de conscientização sobre a importância de abordar a responsabilidade social na pesquisa. É fundamental garantir que os alunos desenvolvam não apenas competências técnicas, mas também éticas e críticas, como ressaltado por Dias e Reis (2017). Nessa direção, a RRI busca relações colaborativas para práticas pedagógicas responsáveis (Okada & Rodrigues, 2018), mas a ênfase em habilidades investigativas em temas sociocientíficos (Lundström et al., 2017) pode não ser suficiente se não houver um envolvimento entre escola e sociedade, como apontado por Behrens et al. (2020).
Em relação às palavras que estão fora da intersecção (similaridade) na figura 5, com exceção das siglas das referidas abordagens RRI e IIR, os fundamentados das palavras se alinham no âmbito educacional, de acordo com os achados nos estudos analisados. A “sociedade” é elemento comum tanto na IIR quanto na RRI, destacando a aproximação entre essas abordagens em interpretar e avaliar situações reais do cotidiano (Lopes, 2021). Ambas as abordagens visam ultrapassar as limitações disciplinares por meio de práticas coletivas e cooperativas. Diante da complexidade dos problemas da sociedade, a necessidade de abordar diversos enfoques é destacada por Fourez (1997).
Para além disso, o conceito de RRI dá ênfase às atividades de “investigação”, que também relacionamos com as IIR. A implementação de atividades focadas em investigação, conforme evidenciado por Silva (2020), motiva os alunos a buscar ativamente soluções para suas dúvidas, conduzir experimentos e avaliar dados. Essa abordagem, conforme defendido por Dias e Reis (2017), capacita os alunos como construtores críticos de conhecimento, promovendo a cooperação entre investigação científica e sociedade para uma inovação responsável. No entanto, é importante reconhecer que a aplicação dos pressupostos da RRI no âmbito educacional, como destacado por Pinto e Ribeiro (2018) e Vocht e Laherto (2017), pode enfrentar desafios na prática, como a efetiva participação dos alunos e a incorporação de debates éticos. Souza (2021) destaca a importância da participação ativa dos estudantes nesse processo de aprendizagem centrada em investigação.
Considerando essa perspectiva, é possível estabelecer uma relação entre a palavra “desenvolvimento” nos estudos da RRI e os termos “ensino” e “conhecimento”, os quais foram destacados na nuvem de palavras da IIR, referentes ao processo educacional. Na aplicação da IIR, Gobbi (2020) enfatiza a necessidade de que o processo de ensino e aprendizagem de conhecimentos científicos seja impregnado de significado. Em consonância, Lopes et al. (2021) destacam que a abordagem da RRI busca promover nos estudantes habilidades essenciais para enfrentar os principais desafios da sociedade contemporânea, tornando-os protagonistas de sua própria formação por meio de experiências de aprendizado concretas e significativas.
Por fim, a última palavra da IIR, “grupo”, está relacionada também com a RRI, uma vez que a importância do trabalho colaborativo na pesquisa e inovação visa organizar processos, resultados e expectativas para aplicação na sociedade. As contribuições de Souza (2021) e Veneu et al. (2017) ressaltam a importância do trabalho colaborativo. Essa abordagem, como enfatizado por Okada e Rodrigues (2018), busca desenvolver atividades pedagógicas colaborativas, capacitando os alunos a investigar temas específicos e a construir argumentos sobre dilemas sociais. No processo de pesquisa, conforme salientado por Costa et al. (2018), os participantes compartilham informações e colaboram na reflexão sobre questões relevantes. Assim, o trabalho colaborativo é essencial para resolver situações-problema (Fernandes, 2017).
Dados os variados contextos educacionais, é importante compreender as dificuldades que podem ser encontradas na introdução da RRI em articulação com a IIR no ensino. A sua aplicação requer uma transformação da prática pedagógica que ultrapasse os limites da escola, o que pode não ser possível em alguns ambientes. Diante disso, Vocht e Laherto (2017) destacam que a adaptação do contexto, colaboração e investimentos são essenciais para uma educação de qualidade e inovação responsável. A governança da RRI destaca que a responsabilidade dos legisladores é a de criar mecanismos de supervisão. A falta de recursos tecnológicos e de conectividade também restringe a sua utilização, pois é necessário que haja investimento em infraestruturas (Souza, 2021). É preciso considerar as disparidades entre classes sociais e países, que, por vezes, ignoram o papel secundário dos países considerados “consumidores” de tecnologias avançadas, perpetuando a subordinação econômica e cultural e contribuindo para o agravamento das desigualdades (Vieira Pinto, 2005).
Ao analisar os estudos da RRI e da IIR, fica evidente que ambos os enfoques compartilham características comuns que se refletem nos exemplos práticos aplicados no mundo real. Por exemplo, ao integrar narrativas digitais à RRI, Souza (2021) mostrou que alunos desenvolveram conhecimento científico e postura investigativa, engajando-se no problema do lixo. Da mesma forma, Rosa et al. (2020) destacaram a importância da participação das comunidades indígenas em processos educacionais, promovendo a valorização dos saberes locais. Shimazaki et al. (2018) demonstraram que estudantes desenvolveram habilidades em Libras, transgênicos e agrobiodiversidade. Barumby et al. (2022) integraram disciplinas para ensinar Eletromagnetismo, resultando em impacto positivo na aprendizagem dos alunos. Siqueira e Gaertner (2015) enfatizaram a promoção do interesse dos alunos na Alfabetização Científica. Delgado e Milaré (2021) mostraram que a utilização da IIR levou os alunos a uma maior participação e interesse durante as aulas de química, resultando em discussões contextualizadas sobre automedicação. Esses exemplos evidenciam a aproximação entre a RRI e a IIR no desenvolvimento de práticas escolares contextualizadas e socialmente responsáveis.
Com a implementação de atividades baseadas em investigação, os alunos são motivados a buscar ativamente soluções para dúvidas, conduzir experimentos, fazer descobertas e avaliar dados. Este processo facilita o desenvolvimento de habilidades científicas. O envolvimento de grupos em atividades de investigação promove o intercâmbio de pontos de vista, permitindo aos alunos obter benefícios recíprocos, por meio da partilha de informação e do cultivo de competências colaborativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, propusemo-nos refletir teoricamente acerca das relações entre a abordagem da RRI com a metodologia da IIR para aplicação no âmbito educacional. Buscamos apresentar os pontos comuns entre as abordagens, com potencial de levar o ensino de Ciências não só para transmitir informação, mas também priorizar a responsabilidade e atuação dos estudantes na sociedade, de maneira crítica e reflexiva, em relação às consequências do desenvolvimento científico e tecnológico. A partir das discussões propostas, entendemos que a RRI e a IIR visam ao desenvolvimento dos temas presentes na sociedade de forma interdisciplinar, com envolvimento de diferentes atores sociais e de experiências práticas para responder aos desafios presentes em seu meio.
Os termos, como “educação”, “pesquisa”, “ensino”, “conhecimento” e “grupo” estão presentes nos estudos de ambas as teorias, os quais implicam que a implementação combinada entre a RRI e a IIR tem o potencial de permitir aos estudantes a autonomia no seu processo de aprendizagem e capacidade de serem ativos nas questões sociais. Além disso, a priorização da pesquisa e da cooperação em ambas abordagens destaca a importância do desenvolvimento de competências científicas e da promoção do compartilhamento de informações e experiências entre os alunos.
A responsabilidade social na pesquisa implica um compromisso com o bem-estar e a justiça social, construindo uma sociedade mais equânime e justa. Isso envolve garantir benefícios e reduzir riscos para os participantes e para a sociedade, além de distribuir os benefícios da pesquisa de forma justa. Práticas pedagógicas responsáveis buscam formar cidadãos críticos e conscientes, capazes de contribuir positivamente para a sociedade. A colaboração entre diferentes setores sociais é essencial para garantir que a pesquisa atenda às necessidades reais, construindo um futuro mais justo e sustentável.