Introdução
As técnicas de termoablação percutânea guiada por imagem estão estabelecidas no tratamento local de tumores hepáticos, renais, ósseos, nódulos da tiróide, entre outros órgãos.1 Estas técnicas de Radiologia de Intervenção incluem a radiofrequência, micro-ondas (MW), crioablação e termoterapia induzida por laser (LITT).1
No contexto de lesões pulmonares, o aumento da população de pacientes com comorbilidades ou contra-indicações cirúrgicas tem dado popularidade a opções terapêuticas menos invasivas, como a radioterapia estereotáxica e a termoablação, em doentes selecionados. A termoablação pode estar indicada em alguns doentes com carcinoma pulmonar não pequenas células (NSCLC) estadio IA (limitado a T1a e T1b) e em doentes com carcinoma colorretal oligometastático com até 3 nódulos pulmonares (≤ 2 cm cada), com contra-indicações cirúrgicas.
Caso Clínico
Neste trabalho, apresentamos o caso clínico de um homem de 71 anos, com antecedentes de adenocarcinoma do reto cT3N1M0, previamente tratado com quimioterapia/radioterapia neoadjuvante e resseção anterior do reto. No seguimento imagiológico, identificou-se um novo nódulo pulmonar em crescimento no lobo superior esquerdo (Figura 1). Após duas biópsias deste nódulo com material insuficiente, o paciente recusou a terceira tentativa. Este nódulo era intensamente hipermetabólico na PET-TC, sugestivo de metástase (Figura 1). A decisão em equipa multidisciplinar foi de tratamento com termoablação por micro-ondas (MW) do nódulo pulmonar.
No dia do procedimento, o doente foi admitido no hospital e, previamente, foi obtido o consentimento informado. Realizou-se uma revisão dos exames anteriores, análises sanguíneas e medicação de acordo com os standards of practice do CIRSE.2
Após revisão de imagens tomodensitométricas torácicas recentes para planeamento pré-procedimento, decidiu-se realizar a termoablação com uma abordagem percutânea posterior - a abordagem anterior, com eventual trajeto intra-parenquimatoso mais curto, não seria possível devido a interposição de estruturas anatómicas anteriormente (artéria e veia subclávias, clavícula, articulação esterno-clavicular, plexo braquial). Uma aquisição tomodensitométrica imediatamente prévia ao procedimento permitiu o posicionamento correto do paciente e seleção do melhor corte axial para realizar o procedimento guiado por fluoro-TC.
O material necessário para realização da termoablação está representado na Figura 2.
A preparação e organização da equipa, da própria sala de intervenção, do material e a garantia do bom funcionamento do gerador de micro-ondas são passos iniciais essenciais. Com o posicionamento correto do paciente na gantry, esterilizou-se a pele e colocou-se um campo cirúrgico estéril na região de interesse - nesse momento, é possível confirmar o ponto de entrada cutâneo mais adequado e administrar lidocaína localmente (Fig. 3A), já com um planeamento de orientação correta da agulha (e posteriormente, da antena).
De seguida, realizou-se uma pequena incisão na pele com o bisturi. O próximo passo envolve punção percutânea com a antena de micro-ondas (Fig. 3B), posicionando-a com o ângulo de entrada correto em direção à lesão alvo.
Com os ajustes necessários, a antena foi avançada progressivamente, sob orientação de imagem (fluoro-TC), até alcançar a lesão alvo (Fig. 3C e 3D). Neste processo, é importante trespassar a pleura e o parênquima com um único movimento deliberado.
Com uma última aquisição tomodensitométrica (Fig. 3D), confirmou-se a posição da antena antes de iniciar a ablação. A equipa de anestesiologia confirmou a sedo-analgesia adequada nesta etapa. A potência e o tempo de ablação corretos foram escolhidos de acordo com a tabela fornecida pelo equipamento, para garantir o tratamento da lesão alvo com uma margem adequada, iniciando-se assim a termoablação (Fig. 3E). Durante o procedimento, é importante manter a antena na posição correta. No final da ablação, a antena foi removida em segurança, sem realização de ablação do trajeto (não recomendada nas ablações pulmonares, devido ao risco de fístula broncopleural).1
Para confirmar o resultado final, realizou-se uma TC torácica imediatamente após ablação. Neste caso, foi possível apreciar a zona de ablação (AZ), com um halo de opacidade em vidro despolido com cerca de um centímetro de margem, observando-se também o trajeto da antena e um pequeno pneumotórax pós-procedimento (Fig. 3F, Fig. 4).
Deve ser realizada uma radiografia torácica 1 a 4 horas após o procedimento, para excluir pneumotórax ou outras complicações. O paciente permaneceu em internamento hospitalar e vigilância durante apenas 1 dia. As radiografias de controlo não demonstraram alterações relevantes, o doente permaneceu apirético, sem dispneia nem outros sintomas respiratórios, com dor controlada (paracetamol 1000 mg, per os, a cada 8 horas). O doente teve alta na manhã seguinte ao procedimento, tendo sido agendadas as consultas de acompanhamento e os exames de imagem protocolares de vigilância (Fig. 5). Na TC de seguimento 3 meses após ablação (Fig. 5C), evidenciou-se na loca de termoablação uma área nodular de morfologia alongada e de maiores dimensões face à loca inicial, pelo que se preconizou re-avaliação por PET-TC para exclusão de recidiva local de doença. Neste exame PET-TC realizado 8 meses após ablação (Fig. 5D e 5E), observou-se redução dimensional da prévia área nodular, assumindo agora morfologia de densificação linear cicatricial, sem captação de FDG-F18, não se identificando alterações hipermetabólicas sugestivas de doença em actividade, loco-regional ou à distância. A termoablação pulmonar foi um sucesso técnico e clínico, e o doente permanece assintomático e em vigilância.
Discussão
A termoablação por microondas (MW) é uma técnica que, através de uma antena, utiliza energia electromagnética para oscilar moléculas de água e produzir calor através de fricção, culminando em morte celular. Face a outras tecnologias de termoablação (p. ex; radiofrequência (RFA)), a tecnologia por MW apresenta algumas vantagens: menos heat sink effect (ablação eficiente perto de vasos); propagação em gordura e calcificações (necrose de coagulação homogénea); temperaturas (intra-tumorais) mais elevadas (necrose maior e mais rápida); tempo de ablação mais rápido; volume de ablação maior; sem necessidade de grounding pads.1
Em doentes com carcinoma pulmonar não pequenas células (NSCLC), embora a resseção cirúrgica constitua a primeira opção terapêutica nos estadios I a IIIA, a termoablação percutânea pode estar indicada em doentes com NSCLC estadio IA (limitado a T1a e T1b) que apresentem contraindicações para cirurgia ou radioterapia estereotáxica (devido a comorbilidades cardiorespiratórias ou capacidade vital pulmonar insuficiente).1,3,4
Nos casos de metastização pulmonar, a termoablação pulmonar está indicada em doentes com carcinoma colorretal oligometastático com até 3 nódulos pulmonares (≤ 2 cm cada) e que apresentem contraindicação para cirurgia.1,3
Um exemplo de protocolo recomendado1 de vigilância imagiológica após termoablação pulmonar, semelhante ao adoptado pela nossa instituição, inclui: tomografia computadorizada (TC) com contraste realizada aos 1, 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses, e depois anualmente; tomografia por PET/TC com FDG realizada aos 3 e 12 meses, e sempre que houver suspeita de recidiva da doença em qualquer momento da avaliação protocolar por TC.
Para uma vigilância eficaz, é crucial reconhecer as características imagiológicas expectáveis após ablação e as características sugestivas de tumor residual ou recorrente.
As características tomodensitométricas após termoablação variam temporalmente,5 podendo ser enquadradas e descritas como (adaptado de Torres et al, comunicação livre educacional “CT imaging features of microwave ablation of lung malignant nodules” apresentado no Congresso Nacional de Radiologia de Intervenção em 2021) (Figura 6 e Figura 7):
Fase inicial (imediatamente pós-ablação até 1 semana)
A TC imediatamente pós-ablação demonstra uma área central de consolidação (representando o tumor tratado com ablação e o parênquima pulmonar necrótico) envolvida por um halo de opacidade em vidro despolido (GGO) que pode ser composto por duas camadas: um círculo interno de GGO ao redor da lesão e um círculo externo de GGO mais denso. Esta área descrita, considerada como zona de ablação (AZ), é geralmente oval e maior do que o tumor inicial (continuando a aumentar de tamanho nas primeiras 24 horas), com realce comparativamente reduzido (no entanto, nesta fase, pode ser identificada uma borda periférica de realce, benigna, concêntrica, lisa e com < 5 mm de espessura). Por vezes, identifica-se dissecação do tecido central ao longo do trajeto da antena.
Fase intermediária (1 semana a 2 meses)
A margem da AZ torna-se mais densa e o GGO envolvente involui em até 3 meses. A cavitação é comum e pode ser considerada uma resposta positiva ao tratamento. A AZ permanece maior do que o tumor pré-ablação, mas pode ser menor quando comparada à aquisição imediata pós-ablação. O realce da AZ é inferior quando comparado ao pré-ablação, embora o referido realce peri-ablação benigno possa persistir.
Fase tardia (> 2 meses)
A AZ continua a regredir e após 6 meses é expectável que seja menor do que o tumor pré-ablação, resultando numa cicatriz (tal como no nosso caso clínico) ou cavidade de parede fina. O aparecimento de novos nódulos, particularmente após os 6 meses, é altamente sugestivo de recidiva tumoral. Após esse período, o realce após contraste não deve ser superior ao do tumor inicial. Algumas características parenquimatosas como cavitação e alterações pleurais (espessamento, derrame, pneumotórax local) podem resolver-se neste período.
Os critérios propostos no documento CIRSE Standards of Practice on Thermal Ablation of Primary and Secondary Lung Tumours1 para avaliação de resposta após termoablação incluem:
Resposta completa:
Diminuição ≥ 30% do maior diâmetro tumoral (comparativamente a diâmetro tumoral avaliado no 1º mês pós ablação)
E sem evidência de realce após contraste.
Ablação incompleta (características sugestivas de tumor residual):
Realce intratumoral após contraste, ou
Crescimento tumoral na periferia da loca de ablação, ou
Aumento ≥ 20% do maior diâmetro tumoral.
As características imagiológicas sugestivas de tumor residual ou recorrente após termoablação por MW são relativamente sobreponíveis às características após ablação por RFA, descritas na literatura.1,5
O conhecimento prático e teórico das especificidades de cada equipamento e antena de termoablação, bem como das características da loca de ablação gerada, são essenciais para uma intervenção controlada e eficaz.
Este caso clínico apresentado documenta a utilização de termoablação com micro-ondas no tratamento de uma lesão pulmonar, com sucesso técnico e clínico, ilustrando o procedimento step-by-step, com explicação do protocolo de vigilância, das características imagiológicas expectáveis após ablação e das características sugestivas de tumor residual ou recorrente.
Conclusão
A termoablação guiada por imagem é uma técnica no campo da Radiologia de Intervenção que tem surgido como opção minimamente invasiva para tratamento de tumores em múltiplos órgãos, com diversas indicações e ótimos resultados, sendo cada vez mais utilizada.
Uma boa compreensão das características imagiológicas (in)esperadas após a termoablação é crucial para uma vigilância eficaz destes doentes.