Enquadramento
Ao árbitro do TAD compete administrar a justiça perante litígios que, na exata expressão da lei, relevam do ordenamento desportivo ou estão relacionados com a prática do desporto (artigo 1.º da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho).
A competência do TAD exerce-se através da atuação de árbitros e mediadores, correspondendo aos dois métodos de resolução de litígios que a lei prevê, um de natureza jurisdicional - a arbitragem, e outro de natureza conciliatória - a mediação . No presente texto abordam-se unicamente as questões relacionadas com o estatuto do árbitro. À semelhança do que acontece com os árbitros, os mediadores do TAD integram uma lista aprovada pelo Conselho de Arbitragem Desportiva, escolhidos segundo o critério da especial qualificação científica, profissional ou técnica na área do desporto, para além da idoneidade e independência indispensáveis ao desempenho de funções desta natureza (artigo 8.º do Regulamento de Mediação do TAD ) . Ainda que as qualidades reconhecidas a quem pode ser mediador não tenham que coincidir com os critérios para a constituição do corpo arbitral do TAD, pode dizer-se que o estatuto de um e de outro em pouco se distinguem. Isso é particularmente assim no domínio crucial das exigências deontológicas, em especial no que diz respeito às garantias de isenção, imparcialidade, independência, disponibilidade e diligência .
A natureza do TAD
É seguro afirmar que o TAD é uma entidade singular no sistema de administração da justiça em Portugal, não se encontrando claro paralelo noutras instâncias criadas com o propósito de resolver conflitos fora dos tribunais estaduais.
Desde logo porque não se reconduz ao figurino do centro institucionalizado de arbitragem, sendo, antes, uma criatura da lei que define o essencial das regras por que se pauta a atividade jurisdicional que leva a cabo e o estatuto daquele que, colocado na posição de julgador, é chamado a encontrar a solução conforme com a lei e com o Direito.
Atuando no âmbito do direito materialmente administrativo delimitado pelos artigos 4.º e 5.º da Lei do TAD, não se confunde com os centros de arbitragem instituídos ao abrigo do artigo 62.º da Lei da Arbitragem Voluntária e do Decreto-lei n.º 425/86, de 27 de dezembro, ou, em matéria tributária, pela Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. Os centros de arbitragem são, por regra, frutos da vontade de entidades interessadas em favorecer este meio alternativo de resolução de litígios, constituindo instituições parceiras do Estado na administração da justiça através do reconhecimento de certas condições estabelecidas na lei.
Com os centros de arbitragem administrativa o TAD partilha, porém, alguns fundamentos: a habilitação constitucional colhida no n.º 2 do artigo 209.º da Lei Fundamental e as vantagens da justiça especializada.
A natureza peculiar do TAD afasto-o, por exemplo, do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, entidade que funciona sob a égide de uma pessoa coletiva privada de natureza associativa, cuja atividade foi autorizada por ato governamental ao abrigo dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de dezembro (Despacho do Secretário de Estado da Justiça de 27 de janeiro de 2009, publicado no DR, II S., n.º 30, de 12 de fevereiro de 2009).
O TAD é, por força da lei e não da vontade dos potenciais interessados na sua atuação, uma entidade jurisdicional independente dos órgãos da administração pública e dos organismos que integram o sistema desportivo, para o que dispõe da indispensável autonomia administrativa e financeira, com jurisdição específica na resolução de controvérsias que relevam do ordenamento jurídico-desportivo ou relacionadas com a atividade desportiva (n.º 1 do artigo 1.º da Lei do TAD).
A natureza sui generis do TAD resulta, assim, de uma opção do legislador que, afastando a hipótese de manter a resolução do litígio desportivo no âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos, ainda que em secções especializadas desses tribunais, também não aderiu a soluções conhecidas noutras paragens, quase todas assentes exclusivamente na vontade e iniciativa das organizações desportivas.
Não cabe aqui ponderar desenvolvidamente nas motivações do legislador para a escolha do modelo que vigora e do papel que, nele, o TAD desempenha, designadamente como instância de reexame das decisões dos órgãos de justiça interna das entidades desportivas ou de entidades da administração pública desportiva em matéria contratual ou de prevenção e repressão da dopagem. A consulta a escritos que se referem aos estudos na base da opção do legislador revela que foi ponderado, de um lado, o valor da autonomia das organizações desportivas e o interesse na sua preservação; e, de outro lado, o papel que ao Estado cumpre desempenhar por determinação constitucional, de promover o desporto enquanto direito fundamental reconhecido aos cidadãos, mas também o interesse público da paz desportiva essencial à lisura dos processos desportivos que ao poder público cabe garantir .
Na opção pesou, também, o dever que incumbe ao Estado de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, instituindo meios idóneos para que todos possam fazer valer os seus direitos quando ameaçados ou ilegalmente violados ou negados, perante uma entidade garantidamente independente, de acordo com os princípios do due process. No caso que aqui nos ocupa, em domínios em que os direitos podem ser afetados pelos poderes de autoridade que as federações e ligas profissionais exercem, inerentes ao reconhecimento do interesse público das suas atividades ou diretamente atribuídos pela lei.
Na ponderação feita pelo legislador esteve ainda presente a necessidade de uma justiça célere, mais compatível com os tempos e as necessidades do fenómeno desportivo, tempos e necessidades que não se compadecem com os períodos habituais de pendência nos tribunais da jurisdição administrativa.
O árbitro e o TAD
3.1. estabelecimento da Lista de Árbitros
O reconhecimento constitucional do papel da arbitragem na administração da justiça implica a sua submissão aos momentos essenciais da função jurisdicional. Entre eles, o princípio do processo equitativo que torna imperativa a participação dos interessados na resolução dos litígios, com armas iguais, logo na designação do árbitro único ou na constituição do colégio arbitral. Um qualquer processo no qual não se identifique um ato de participação das partes na escolha do julgador ou julgadores, não pode ser qualificado como arbitragem.
Na arbitragem em geral, a génese de cada formação arbitral ou a investidura do árbitro único podem ser condicionadas por declarações prévias das partes - na arbitragem voluntária as partes podem encarregar terceiros de designar os árbitros ou proceder à escolha na própria convenção de arbitragem. Ou a escolha dos árbitros ser feita de entre um conjunto de personalidades previamente habilitadas.
A arbitragem que decorre perante o TAD é um desses casos em que os interessados não têm plena liberdade de escolha dos árbitros. Os litígios obrigatória ou facultativamente submetidos ao TAD, são dirimidos por árbitros que integram um corpo, uma lista fechada de, no máximo, 40 personalidades, das quais 20, pelo menos, são juristas de idoneidade e mérito reconhecidos, sendo os demais detentores de comprovada qualificação científica, profissional ou técnica na área do desporto.
O estabelecimento da lista de árbitros repousa na síntese entre o reconhecimento do desporto como fenómeno essencialmente emergente da sociedade, manifestação humana que não nasce nem depende de ato do poder, mas que, atenta a natureza universal do interesse subjacente à prática desportiva e à atividade física e o enredo de interesses expressos na competição, o colocam no patamar da dignidade humana, base dos direitos fundamentais. Sem que isso signifique negar o valor da iniciativa e autonomia do movimento desportivo e das suas organizações, a intervenção reguladora do Estado impõe-se para garantir a inviolabilidade desses direitos e o acesso a mecanismos para os fazer valer.
A dialética entre os valores da autonomia das organizações desportivas e a necessidade de garantir o direito fundamental ao desporto e à competição justa e leal fundada nos valores solidários e universais do olimpismo, explica que, a despeito de o TAD ser uma criação do poder legislativo do Estado, a maioria das personalidades que integram a lista de árbitros é indicada por entidades representativas de vários interesses desportivos , cabendo ao Conselho de Arbitragem Desportiva - em cuja composição se reflete também esta relação -, a palavra final quanto à seleção dos melhores para o exercício da função .
Não discutindo a bondade da lógica que presidiu ao modo de recrutamento dos árbitros do TAD, a opção do legislador feita em detrimento de um procedimento público e não condicionado por indicações prévias por parte das organizações desportivas, deve ser discutida e reponderada pelo legislador em sede de revisão da Lei do TAD. Ponderação orientada por outra ordem de valores, cara ao prestígio e idoneidade da arbitragem como forma de administração da justiça a par da justiça feita nos tribunais do Estado, como são os da independência e imparcialidade do julgador. Não há justiça sólida e credível que viva sob a suspeita de não ser impermeável aos interesses em disputa e distante dos protagonistas desses interesses. No mundo atual, em que o poder factual e económico de algumas organizações e agentes desportivos desafia a efetividade regulatória do poder público, impõe-se, a nosso ver, uma maior exigência no controlo das condições subjetivas e objetivas de exercício de funções materialmente jurisdicionais, reforçando as garantias institucionais de imparcialidade e de isenção dos árbitros perante as partes e os seus interesses, seja na arbitragem necessária, seja na arbitragem voluntária.
Naturalmente que as opiniões divergem quanto à valia da solução vigente no cotejo com outra que afaste as organizações desportivas do processo de escolha de árbitros por se entender iníqua a excessiva publicização das instituições, repete-se, nascidas da vontade associativa e não de ato de poder. Porém, cada vez faz menos sentido a existência de um ordenamento jurídico desportivo desprendido do sistema princípios e normas que rege a vida de uma comunidade nacional ou mesmo transnacional com interesses comuns. Se o sistema reclama por uma justiça baseada nos valores do processo justo e equitativo - verdadeira e não só formalmente -, então há-se assentar em garantias de estrita neutralidade por parte de quem é chamado a julgar.
Somos, pois, daqueles que encaram como positiva uma revisão da lei que afaste a participação, nos moldes atuais, das organizações desportivas no procedimento de escolha dos árbitros, sendo elas, como são, interessadas potenciais na solução de litígios a dirimir no TAD.
Se bem que na curta existência do tribunal não se registe qualquer caso de recusa de árbitro com o fundamento de que foi designado para o processo pela parte que também o indicou para integrar a lista de árbitros do TAD, pensamos que a credibilidade da arbitragem desportiva deveria ser protegida de alegações desta natureza, evitando o anátema que se mostrará, a prazo, corrosivo da confiança no modelo.
Reconhecendo as virtudes do sistema de lista fechada, e sendo inegável que este sistema ajuda a libertar de qualquer influência a constituição do tribunal, capaz de fazer duvidar da isenção de quem julga os atos e omissões das entidades sujeitas à jurisdição do TAD, somos favoráveis à adoção de procedimento aberto e transparente destinado a aferir das qualidades que a lei manda que sejam reconhecidas aos árbitros. Reforçar-se-iam as garantias de isenção e imparcialidade e, por via disso, o prestígio da arbitragem desportiva. E nada de relevante ficaria prejudicado, designadamente o interesse na especialização no Direito do desporto, a par do reconhecimento dos méritos e competências de juristas e não juristas que deve continuar a ser feito pelo Conselho de Arbitragem Desportivo de acordo com exigentes critérios .
De jure condendo, julgamos ainda que a lei deverá dar tratamento diferente à arbitragem necessária e à arbitragem voluntária no que à designação dos árbitros diz respeito.
Se nas ações arbitrais interpostas por via de recurso (artigo 4.º da Lei do TAD) e nos processos destinados a conhecer da legalidade das decisões que aplicam as normas que visam prevenir e reprimir a dopagem (artigo 5.º da Lei do TAD), entendemos ser mais adequado que os colégios arbitrais continuem a ser constituídos exclusivamente por árbitros da lista estabelecida nos termos do artigo 21.º da Lei do TAD, na arbitragem de natureza convencional (artigo 6.º e 7.º da Lei do TAD) a liberdade de escolha das partes deveria ser mais larga, podendo os árbitros a indicar pelas partes ser escolhidos de entre pessoas que reunissem os requisitos enunciados no artigo 9.º da Lei da Arbitragem Voluntária e que aceitassem desempenhar a função de acordo com o Regulamento de Arbitragem Voluntária do TAD. Neste quadro alternativo ao regime em vigor, a lista de árbitros do TAD serviria, somente, de tabela para escolha do presidente do colégio arbitral.
Cremos que, para além da aproximação à verdadeira matriz da arbitragem voluntária, esta solução permitiria fazer com que o TAD viesse a ser mais claramente reconhecido como o centro institucionalizado de arbitragem desportiva, designadamente em matéria laboral e no largo universo de relações jurídicas estabelecidas direta ou indiretamente por causa desporto, designadamente no âmbito das atividades social e economicamente muito relevantes na sua órbita.
3.2. Exercício do mandato
O árbitro é designado para exercer funções por um período de quatro anos, admitindo-se a renovação do mandato sem fixação de qualquer limite.
Pode, porém, suceder que o vínculo entre o árbitro e o TAD se quebre antes de concluído o ciclo de quatro anos previsto no artigo 22.º da Lei do TAD.
A desvinculação pode ocorrer por intervenção do CAD ou por renúncia do próprio.
O n.º 2 do artigo 22.º dispõe que as funções de árbitro podem cessar a todo o tempo por deliberação tomada por dois terços dos membros do CAD destinada a promover a sua exclusão da lista. Não se enunciam as razões para a exclusão, prescrevendo-se que este órgão delibera a exclusão de árbitro da lista “quando houver razões fundadas para tanto, designadamente a recusa do exercício de funções ou a incapacidade permanente para esse exercício”.
O recentemente aprovado Estatuto Deontológico do Árbitro do Tribunal Arbitral do Desporto, veio limitar a amplitude dos poderes de exclusão do árbitro aos casos mais graves de violação de deveres deontológicos. Nos termos do seu artigo 15.º, essas situações correspondem a impedimento ou incompatibilidade do árbitro que aceitou encargo, recebimento de remuneração das partes ou de terceiros, oferta ou favor em contrapartida do serviço arbitral e incumprimento dos deveres de reserva e confidencialidade ou angariação. Adiante se detalhará o âmbito dos deveres que correspondem a cada uma destas situações.
Apesar de a lei não prever expressamente a extração da lista por declaração do próprio árbitro, este pode desvincular-se comunicando não pretender manter o vínculo ao TAD.
A renúncia não se confunde com a escusa de aceitação da designação ou fundada em causa superveniente, declaração que o árbitro faz no processo arbitral e que se confina a esse processo.
Do princípio afirmado no artigo 23.º da Lei do TAD - princípio geral da arbitragem, expresso nos mesmos termos no artigo 12.º da LAV -, pode inferir-se que, se ninguém pode ser obrigado a atuar como árbitro nos processos, também não pode negar-se-lhe a faculdade de se desvincular permanentemente da entidade que o pode designar, renunciando, assim, ao estatuto de árbitro.
Nos casos em que, supervenientemente à inclusão da lista, ocorram situações de incompatibilidade ou impedimento permanente, a renúncia impõe-se ao árbitro, tendo a natureza de dever.
Abrindo-se vaga por exclusão, procede-se à inclusão de novo árbitro, observando-se para o efeito o prescrito para o estabelecimento da lista de árbitros do TAD, que exercerá funções pelo período restante do quadriénio (n.º 3 do artigo 23.º da Lei do TAD). Consequentemente, o Conselho de Arbitragem Desportiva deve dirigir convite à entidade que propôs ao árbitro excluído para que promova nova designação. Ou, então, o Conselho deve proceder diretamente à escolha quando o árbitro renunciante tiver ingressado na lista ao abrigo do n.º 3 do artigo 21.º da Lei do TAD.
Como se registou, a lei não prevê expressamente a declaração de renúncia. As regras aplicáveis ante a omissão devem ser achadas por aplicação da solução legal para a exclusão, o que significa que o árbitro que declara renunciar ao estatuto de árbitro do tribunal deve ser substituído nos termos previstos no n.º 3 do artigo 22.º da Lei do TAD.
Quid juris se, perante a exclusão ou renúncia do árbitro, a entidade que o propôs não apresentar nova personalidade em substituição, ou não o fizer em tempo razoável? Perante a ausência de norma expressa, equacionam-se, como abstratamente possíveis, duas hipóteses de resposta. Uma: considerar que deve o árbitro substituto ser incluído na lista por decisão do Conselho de Arbitragem Desportiva, alargando-se deste modo a quota de designações que lhe cabe ao abrigo do n.º 3 do artigo 21.º da Lei do TAD; outra: entender que o não exercício da faculdade de propor árbitro pelas entidades desportivas não pode, por falta de estatuição legal expressa, ser suprida por deliberação do Conselho, devendo prescindir-se da participação da entidade e, consequentemente, da inclusão de um novo árbitro na lista. Sufragamos a segunda destas hipóteses porque, no silêncio da lei, não se pode presumir a competência do Conselho, mas também porque a substituição não é imperativa (ressalvado o caso extremo do número de renúncias e exclusões colocar em causa a capacidade de atuação do tribunal). Na verdade, o n.º 1 do artigo 20.º dispõe que “o TAD é integrado, no máximo, por 40 árbitros, constantes de uma lista”. O que significa que, só por si, o facto de não se proceder à substituição do árbitro excluído ou renunciante por vontade ou por inércia da entidade designante, não coloca em causa o caráter permanente do tribunal uma vez que a lei admite o corpo de árbitros seja constituído por menos de 40 personalidades.
O ÁRBITRO E O PROCESSO
4.1. Aceitação do encargo
O processo arbitral é marcado por uma particular preocupação de celeridade na sua tramitação. Ainda que não preveja um prazo de conclusão, a lei dá indicações claras no sentido do desenvolvimento processual célere .
A fase da constituição do colégio arbitral no processo de arbitragem necessária conclui-se em poucos dias: cada parte designa um árbitro e os árbitros assim designados escolhem o árbitro presidente .
Após a indicação feita nos articulados, os árbitros indigitados devem comunicar a sua aceitação nos três dias imediatos, sob pena de, omitindo a entrega da declaração de aceitação , se presumir que declina a designação (v. n.º 2 do artigo 23.º da Lei do TAD).
A lei não fixa prazo para que os árbitros procedam à escolha do presidente do colégio arbitral, nem para a declaração de aceitação por parte deste. Embora o n.º 2 do artigo 23.º da Lei do TAD vise “cada árbitro designado” e não o árbitro cooptado para a presidência do tribunal, não se vê qualquer razão para não lhe ser aplicável a mesma regra e a cominação prevista para a omissão da aceitação expressa no prazo aí previsto.
O cumprimento dos prazos é relevante não apenas à luz do princípio da celeridade e do dever de diligência, mas ainda para permitir o recurso ao mecanismo de substituição previsto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 28.º da Lei do TAD: caso o demandado ou o(s) contrainteressado(s) não designem árbitro (ou se os que forem designados não aceitarem sem que sejam propostos outros em sua substituição), na arbitragem necessária a designação é feita pelo presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul, o mesmo sucedendo se os árbitros não chegarem a acordo quanto ao presidente do colégio arbitral .
As regras de designação dos árbitros valem, mutatis mutandis, para a escolha dos árbitros da Câmara de Recurso que conhecem das impugnações das sentenças proferidas nos processos arbitrais , não podendo, porém, a escolha recair nos árbitros que julgaram em primeiro grau da jurisdição arbitral (v. artigo 30.º da Lei do TAD).
Importa ainda referir o caso singular do árbitro de urgência, figura introduzida no Regulamento de Arbitragem Voluntária do TAD na versão entrada em vigor em 20 de março de 2020, para os casos de especial urgência na apreciação de providência cautelar . Nos termos do artigo 21.º do referido regulamento, a designação cabe ao presidente do TAD que dispõe de dois dias para o efeito, ficando o árbitro designado impedido de decidir o litígio como árbitro único ou integrar o colégio encarregado de o dirimir.
4.2. Substituição de árbitro
Prescreve a Lei do TAD, na esteira da Lei da Arbitragem Voluntária, que a aceitação do encargo pelo árbitro implica a sua permanência no colégio arbitral para que foi designado, sendo legítima a escusa somente quando se funde em causa superveniente que impossibilite o exercício da função.
O Estatuto Deontológico do Árbitro é a este respeito mais expressivo, estabelecendo como princípio geral no n.º 3 do artigo 2.º que, “com a sua inclusão na lista de Árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto, o Árbitro afirma-se disponível, vinculando-se ao dever de, salvo ocorrência ou impedimento que não lhe permita aceitar o encargo, contribuir diligentemente para a resolução dos litígios que lhe forem submetidos”.
Pode, porém, acontecer que sobrevenham à aceitação do árbitro circunstâncias que obstem à continuidade das funções que aceitou desempenhar, designadamente colocar-se em situação enquadrável num dos casos de impedimento previstos na lei e no Estatuto Deontológico do Árbitro ou incorrer nalgumas das situações de impedimento e suspeição constantes do regime aplicável aos magistrados judiciais para o qual remete o n.º 1 do artigo 25.º da Lei do TAD. Ou pode proceder o incidente de recusa a que se refere o artigo 26.º ou qualquer das situações a que atende o artigo 27.º da Lei do TAD. Em qualquer destes casos o árbitro é substituído aplicando-se à substituição as regras definidas para a designação.
A substituição de árbitro, para além do impacto que tem no ritmo do procedimento pelo simples facto de se voltar ao procedimento de designação, obriga ainda à intervenção dos tribunais do Estado. Apesar de exigir a audição das partes e dos restantes árbitros, a lei atribui exclusivamente aos presidentes do Tribunal Central Administrativo do Sul ou do Tribunal da Relação de Lisboa, consoante a natureza do litígio, o poder de determinar quais dos atos processuais já realizados e dos que venham a realizar-se na pendência do procedimento de substituição, podem ser aproveitados.
Percebe-se mal a razão de ser desta solução constante do n.º 1 do artigo 31.º da Lei do TAD. Facilmente se adivinham as eventuais entropias resultantes da intervenção dos presidentes daqueles tribunais superiores em processos que tramitam à margem das respetivas jurisdições. Bastará pensar nas consequências no andamento de processos arbitrais quando a substituição se verifique com a instrução concluída ou adiantada. Se a produção de prova for complexa ou o processo repleto de atos de parte ou do tribunal que aquelas entidades tenham de apreciar, o mecanismo do n.º 1 do artigo 31.º da Lei do TAD conduz a uma avaliação necessariamente morosa e obviamente condicionada pela ausência de imediatismo. Essa avaliação poderia, com evidentes vantagens, ser feita pelo próprio colégio arbitral já integrado pelo árbitro substituto, com a participação ativa das partes ou do presidente do TAD, solução que se advoga no quadro de uma futura revisão da Lei do TAD.
4.3. Responsabilidade do Árbitro
A Lei do TAD dedica à responsabilidade dos árbitros o artigo 45.º dispondo que os árbitros que obstem a que a decisão seja proferida no prazo previsto no n.º 1 do artigo 58.º respondem pelos danos causados .
A responsabilidade do árbitro vai, porém, além das consequências danosas pelos atrasos na decisão decorrentes do incumprimento do prazo de 15 dias que a lei fixa para a prolação da sentença arbitral. O árbitro também responde pelos efeitos danosos da escusa injustificada ao exercício da função, após declaração de aceitação (n.º 3 do artigo 23.º da Lei do TAD).
Destas normas - e da aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 9.º da Lei da Arbitragem Desportiva ex vi do artigo 61.º da Lei do TAD - decorre que são os árbitros, e não o tribunal, quem responde perante as partes, pese embora o vínculo nascido com a aceitação do encargo ser estabelecido com o tribunal e não com os sujeitos processuais, como acima se defendeu.
No demais, ao árbitro é aplicável o regime previsto para os magistrados judiciais no exercício do poder jurisdicional.
INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS
A Lei do TAD torna incompatível com a condição de árbitro o exercício da advocacia no tribunal. A incompatibilidade estende-se também às funções de perito em processos em curso no TAD, e, igualmente, inibe a prestação de serviços com a finalidade de elaborar pareceres destinados a instruir processos em apreciação (v. n.º 3 e 4 do artigo 8.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD).
Sendo a lista de árbitros do TAD constituída maioritariamente por juristas que exercem advocacia enquadrados em sociedades de advogados, coloca-se a questão de saber se, com a investidura do árbitro, fica a sociedade de advogados a que pertence impedida de, através de outros profissionais, exercer o mandato judiciário perante o TAD.
O n.º 2 do artigo 8.º do Estatuto Deontológico do Árbitro exclui expressamente esta situação do acervo de incompatibilidades ao estabelecer que a proibição de exercício de advocacia que é imposta ao árbitro, “não abrange a sociedade de advogados que o árbitro integra”, obrigando somente ao cumprimento do dever de revelação (alínea d) do n.º 4 do artigo 4.º do referido Estatuto).
Note-se, porém, que nos termos do n.º 6 do artigo 2.º do Estatuto Deontológico dos Árbitros do TAD, complementar às disposições previstas na Lei do TAD, as regras aí fixadas devem ser interpretadas e integradas tendo presentes os princípios sobre os requisitos de escolha dos árbitros, designadamente, à luz das Diretrizes da IBA - International Bar Association relativas a conflitos de interesses em arbitragem internacional.
Ora, ainda que este instrumento de soft law não prevaleça sobre a regra expressa de que a incompatibilidade que atinge o árbitro não se estende à sociedade de advogados em que se integra, importa considerar, na avaliação casuística das condições de exercício do encargo pelo árbitro, as Diretrizes da IBA a este propósito. Na parte 6. dedicada às “Relações”, entende-se que “em princípio é considerado que o árbitro é equiparado à sociedade de advogados em que se integra, mas ao analisar a relevância dos factos ou circunstâncias para apurar da existência de um potencial conflito de interesses, ou da necessidade de uma revelação, as atividades da referida sociedade de advogados devem ser apreciadas no caso concreto. Assim, o facto de as atividades da sociedade de advogados em que o árbitro se integra envolverem uma das partes não constituirá necessariamente uma fonte de conflito ou um motivo de revelação”.
Desta linha de orientação, conjugada com as normas legais (incluindo as do Estatuto da Ordem dos Advogados) e com os princípios e regras constantes do Estatuto Deontológico do Árbitro, designadamente a que impede o árbitro de aceitar o encargo quando o mandatário de uma das partes pertence à mesma sociedade de advogados, resulta que não obstante ser admitido às sociedades de advogados litigar perante o TAD quando na lista de árbitros figura advogado nelas enquadrado, tal situação, pelos reflexos que tem na perceção sobre a isenção e independência do tribunal, deve ser avaliada com especial cuidado.
Mais largo é o leque de impedimentos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 25.º da Lei do TAD é aplicável ao árbitro do TAD o regime de impedimentos legalmente previsto para o magistrado judicial, com as adaptações necessárias em vista da diferente natureza do estatuto de um e de outro.
A lei consagra ainda como circunstâncias específicas impeditivas da aceitação ou manutenção do encargo pelo árbitro, a sua intervenção, seja qual for a qualidade em que intervenha, na questão a dirimir ou a existência relações de proximidade com qualquer das partes em litígio (n.º 2 do artigo 25.º da Lei do TAD).
O Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD veio densificar e desenvolver o regime dos impedimentos. O artigo 7.º do Estatuto estabelece que, para além das situações que cabem na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 2.º, o árbitro não pode aceitar o encargo sempre que: (a) pertença a órgãos sociais das partes; (b) se relacione, em razão de vínculo profissional ou de qualquer natureza, com qualquer das partes, seus representantes ou gestores de negócios; (c) tiver atuado como mandatário em questão relacionada com o litígio, abrangendo a participação em tentativas extra processuais de resolução da controvérsia; (d) integrar sociedade de advogados a que pertença o mandatário de qualquer das partes; (e) tiver desempenhado funções de mediador em relação à questão ou a parte dela; (f) tiver emitido parecer, ao abrigo dos serviços de consulta do TAD, em processo ou causa relacionados, ainda que parcialmente, com o objeto do litígio; e (g) se tiver pronunciado em meios comunicacionais sobre a questão em momento anterior à sua submissão ao TAD.
Qualquer destas situações coloca o árbitro perante um real ou potencial conflito de interesses. Ou traduzem-se em circunstâncias suscetíveis de afetar as condições subjetivas ou objetivas de independência e imparcialidade.
Estes impedimentos são permanentes, aliás como todos os deveres estatutários dos árbitros. O que significa que não só inibem o árbitro de aceitar o encargo, como não consentem a continuidade do exercício da função arbitral no processo caso se venha a verificar a ocorrência de qualquer das situações enunciadas nos artigos 25.º da Lei do TAD e 7.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD.
O controlo dos impedimentos cabe, prima facie, ao árbitro designado, obrigado a declinar a designação ocorrendo uma das referidas circunstâncias, escusando-se à aceitação ou à continuidade das funções, consoante o caso. Para além do autocontrolo, às partes é reconhecida a faculdade de escrutinar a existência de impedimentos, podendo para o efeito desencadear incidente de recusa, caso o árbitro, tendo aceitado o encargo, dele não se desincumba em tempo razoável.
A lei, porém, não confere às partes o poder de afastar o árbitro. Também não confere esse poder aos restantes árbitros da formação arbitral. Tal competência é conferida ao presidente do TAD, a quem, perante a ausência da declaração de renúncia e em resultado da apreciação dos motivos para a recusa e as provas que a sustentam a sua invocação, incumbe decidir manter ou afastar o árbitro, decisão sempre precedida de audição do visado, tomada no prazo máximo de cinco dias e insuscetível de recurso.
Para garantia do valor da estabilidade da instância arbitral, a faculdade reconhecida às partes nos artigos 25.º e 26.º da Lei do TAD encontra-se sujeita a limites temporais. A parte que entenda haver razões para a recusa só pode suscitar o correspondente incidente no prazo de três dias contados da data em que obtiver conhecimento da constituição do colégio arbitral, ou, na pendência do processo, das circunstâncias que possam levar ao impedimento.
A impugnação de árbitro é, como facilmente se intui, um momento delicado, suscetível, por vezes, de lançar indesejáveis suspeições sobre o visado. Não raro sucede que, perante a suscitação do incidente, o árbitro entenda voluntariamente revogar a aceitação ou renunciar ao encargo. Também por isso, compaginando-se com os bons princípios e as melhores práticas da arbitragem, o n.º 4 do artigo 27.º da Lei do TAD estatui que a renúncia do árbitro (ou aceitação pelas partes da cessação do vínculo ao processo na situação de incapacidade ou inação prevista no n.º 1 do artigo 27.º da Lei do TAD), não implica o reconhecimento dos fundamentos da recusa invocados pela parte que pretenda o seu afastamento.
OS DEVERES DO ÁRBITRO
Com o propósito de reforçar as garantias de independência e imparcialidade dos árbitros, o Conselho de Arbitragem Desportiva aprovou, ao abrigo da alínea h) do artigo 11.º da Lei do TAD, um novo Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD, entrado em vigor em 16 de novembro de 2020.
Para além da reafirmação dos princípios e deveres gerais enunciados na lei e do desenvolvimento do regime de incompatibilidades e impedimentos, o Estatuto veio formular, e nalguns casos reformular, o conteúdo dos deveres específicos do árbitro.
Importa, em síntese, proceder a uma referência, ainda que breve, aos deveres que a deontologia especialmente impõe.
6.1. revelação
Tal como sucede em geral na arbitragem, o árbitro do TAD deve informar as partes, expressa e claramente, de todos os factos e circunstâncias que possam justificadamente suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade.
A lei é absolutamente clara na afirmação de que o árbitro designado pela parte não é seu representante nem mandatário. Não é árbitro de parte aquele que é por esta designado. Por isso, só a revelação de tudo quanto, no passado ou contemporaneamente ao curso do processo, possa gerar incerteza sobre as condições para que decida sem inclinações para um dos interesses em disputa, permite criar a confiança dos sujeitos processuais no coletivo.
A personalidade indigitada para integrar o colégio arbitral (ou desempenhar funções de árbitro único ou árbitro de urgência nos processos de arbitragem voluntária), deve, logo nos contactos com a parte que o pretende designar, comunicar-lhe quaisquer sucessos, pretéritos ou atuais, que a ele digam respeito e que possam perturbar a perceção de independência e imparcialidade (v. n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto Deontológico do árbitro do TAD). Passado este teste, o árbitro designado pela parte ou escolhido para presidir à formação arbitral, declara, com a aceitação do encargo, tudo quanto possa interessar à avaliação da sua imparcialidade, declaração que, sendo submetida de imediato à plataforma eletrónica por onde tramita o processo, fica disponível para conhecimento de todos os sujeitos processuais.
É exemplificativo o elenco constante do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD das situações que devem levar à relevação espontânea , devendo para além delas, ser mencionadas todas as circunstâncias que coloquem as partes na posição de ausência de qualquer dúvida sobre a isenção do árbitro.
A orientação dada em (c) da parte 3. das Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional que encontrou eco no Estatuto Deontológico do Árbitro, é clara: a incerteza acerca da existência do dever de revelar é resolvida a favor da revelação.
A revelação não tem o significado de admissão pelo árbitro de que os factos e circunstâncias que dá a conhecer limitam a sua capacidade de atuar com isenção e independência das partes e dos interesses que protagonizam. Ao invés “o árbitro que tiver feito uma revelação às partes considera-se, a si próprio, imparcial e independente em relação às mesmas, a despeito dos factos divulgados; caso contrário, teria recusado a sua nomeação ou apresentado a sua renúncia” . Como antes se enfatizou, o dever de revelar está funcionalizado à faculdade das partes escrutinarem as condições do árbitro para julgar com imparcialidade e independência.
Atenta a prevalência de advogados na lista de árbitros do TAD, é real o risco do conflito entre o sigilo profissional (e até o segredo de justiça) a que estão vinculados e o dever de revelação. O n.º 7 do artigo 4.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD é preciso sobre qual dos deveres deve ceder em caso de conflito: se ao cumprimento do dever de revelação se opuserem vinculações externas de sigilo, deve o árbitro recusar o encargo.
A formação do corpo de árbitros do TAD por adoção do sistema de lista fechada potencia a dúvida sobre a independência e imparcialidade do árbitro repetidamente escolhido pelas mesmas partes e para decisão das mesmas questões.
O recurso ao mesmo árbitro é favorecido por ser circunscrita a margem de escolha do árbitro pela parte, tendo esta a natural tendência para escolher o árbitro que sabe que subscreve a tese que lhe interessa, conhecimento que obtém facilmente compulsando as decisões arbitrais que contaram com a participação dele ou as posições doutrinárias que sufraga sobre os temas do processo.
Questão que se agrava quando se verifica um fraco nível de renovação da lista de árbitros em cada novo mandato.
Como é sabido, a concentração de processos no mesmo árbitro tem sido considerada incompatível com as garantias de independência, em especial, nos processos de arbitragem obrigatória. Nas arbitragens organizadas em centros ou tribunais em que o julgador há de ser obrigatoriamente personalidade que integra uma lista, o remédio normalmente prescrito é suscetível de, nalgumas situações limite, matar mais que curar. Esse remédio é a imposição de limites ao número máximo de processos que é lícito a um árbitro aceitar, isto é, a adoção do método de contingentação. É evidente que a métrica do contingente pode ser mais larga ou mais apertada, e, em função dessa métrica, serem maiores ou menores as dificuldades colocadas à atividade jurisdicional. Num tribunal que só pode contar com um número contado (e não muito extenso) de árbitros, para além de uma limitação excessiva da liberdade de escolha das partes (já de si limitada pelo elenco pré-fixado), a contingentação, mesmo que determinada em termos mais largos, pode gerar fortes constrangimentos à atividade do tribunal, desde logo na constituição, em tempo razoável, dos colégios arbitrais.
O Estatuto Deontológico do Árbitro não ignora a questão, mas opta por solução distinta da fixação de limites à aceitação de processos, evitando os transtornos potenciais deste método. Impõe ao árbitro o dever de, na declaração de aceitação, informar as partes das designações anteriores feitas pelos mesmos sujeitos processuais no decurso dos doze meses anteriores, desde que o número de designações seja igual ou superior a cinco. A mesma obrigação recai sobre o árbitro envolvido em arbitragens nas quais tenham sido apreciadas idênticas questões de facto e de direito no mesmo período de doze meses, mas neste caso a obrigação só existe a partir do terceiro caso. Cumprido o dever de revelação nesta especial vertente, as partes ficam habilitadas a aceitar a designação ou a trilhar o caminho da recusa.
6.2. diligência
O empenho e diligência do árbitro são as melhores garantias da confiança e reconhecimento da arbitragem como meio idóneo de administração da justiça.
O artigo 9.º do Estatuto define o conteúdo do dever que vincula o árbitro à obrigação de conduzir o processo de forma célere, eficaz e económica.
A celeridade e eficácia impõem ao árbitro que use dos poderes/deveres de gestão processual, adequando o procedimento à complexidade da causa e à necessidade de descoberta da verdade, não permitindo que a mora degrade os direitos reclamados ou comprometa a efetividade da tutela. A economicidade impõe que o processo seja conduzido sem que se agravem sem proveito as despesas com a arbitragem, recusando a produção de prova dispendiosa quando o processo contenha já o necessário para formar a convicção do tribunal ou preferindo aqueles meios de prova que sejam, do ponto de vista do seu custo, mais acessíveis (sendo necessário recorrer a uma peritagem deve o árbitro preferir a perícia singular à colegial se a questão não exigir as vantagens da colegialidade). Note-se, porém, que a diligência não significa sacrificar os momentos essenciais do processo arbitral plasmados no artigo 34.º da Lei do TAD, o que o artigo 9.º do Estatuto Deontológico do Árbitro expressamente ressalva .
6.3. disponibilidade
O compromisso expresso na declaração de aceitação impõe ao árbitro o dever de contribuir para que o processo se conclua em tempo razoável, garantindo efeito útil à sentença, com a consciência de que se espera uma melhor gestão do tempo na arbitragem especializada do que nos tribunais estaduais. Razão pela qual se afirma no n.º 1 do artigo 10.º do Estatuto Deontológico que “o árbitro reconhece que a qualidade e a celeridade da arbitragem são valores de que depende o prestígio do Tribunal Arbitral do Desporto e a confiança na arbitragem desportiva”.
Mas a vertente porventura mais relevante deste dever encontra-se expressa no artigo 23.º da Lei do TAD. A par da liberdade aí reconhecida ao árbitro para aceitar ou não o encargo, consigna que, uma vez aceite o árbitro dele só se pode desvincular por causa forte que justifique a quebra do compromisso.
6.4. reserva e confidencialidade
O artigo 12.º proscreve ao árbitro a revelação pública de factos que conheça pelo seu envolvimento nos processos nos quais se encontre designado, mas também lhe impõe que guarde as informações que venham ao seu conhecimento pela sua condição de árbitro, mesmo que não intervenha no processo a que respeitam.
A inclusão na lista de árbitros e a consequente investidura numa função jurisdicional, implicam a contração da liberdade de expressão ao necessário para que não resultem comprometidos os princípios do processo justo e a integridade da arbitragem. Nessa medida, o árbitro deve evitar condicionar a ação do tribunal e contribuir para a perceção da sua integral neutralidade sobre matérias controversas.
Impõe-se-lhe, ainda, que observe o dever de reserva quanto a questões do foro desportivo que seja razoável admitir virem a ser submetidas ao TAD. O artigo 12.º do Estatuto Deontológico veda-lhe a pronúncia em “meios comunicacionais”, expressão que abrange, para além dos órgãos de comunicação tradicionais, as redes sociais.
Os deveres de confidencialidade e de reserva não obstam à publicidade das decisões do TAD (al. f) do artigo 34.º e artigo 50.º) e cedem perante a necessidade de salvaguardar a honra e dignidade pessoais do árbitro, mediante avaliação das circunstâncias e decisão do presidente do TAD.
O sigilo sobre a informação processual é, de resto, princípio enfaticamente afirmado no Regulamento da Arbitragem Voluntária na versão que vigora desde 20 de março de 2020 . Princípio que não impede que as partes prescindam do sigilo. Não obstante, mesmo neste caso os deveres de reserva e confidencialidade continuam a vincular o árbitro, salvo nos casos de defesa da honra e dignidade e na estrita medida do necessário para esta defesa.
6.5. Proibição de remuneração e de angariação
Ao árbitro é expressamente vedado fazer-se remunerar pelas partes ou por terceiros. Esta é condição sine qua non da independência dos árbitros e expressão de que o árbitro não tem qualquer vínculo contratual com a entidade que o designou ou mesmo com o conjunto de sujeitos processuais, mas exclusivamente com o tribunal.
A remuneração do árbitro corresponde aos honorários que lhe cabem nos termos da tabela anexa à Portaria n.º 310/2015, de 22 de setembro, sendo também da responsabilidade exclusiva do tribunal reembolsá-lo das despesas que realize com a arbitragem nos termos do Regulamento de Despesas do Árbitro que vigora desde 15 de julho de 2020. A independência do árbitro e a credibilidade da arbitragem desportiva impõe neste domínio especiais exigências de probidade, impedindo o árbitro de aceitar qualquer oferta ou favor provenientes das partes, na pendência ou após a conclusão do processo.
As mesmas exigências de probidade e de independência impedem o árbitro de diligenciar, por qualquer meio e junto de quaisquer entidades pela designação para processos arbitrais no TAD, assegurando-se também por aqui a insuspeição, para além da dignidade que deve ser reconhecida à função arbitral.
6.6. Comunicação com as partes
A salvaguarda da distância do árbitro em relação às partes e aos seus interesses é igualmente condição para a confiança no julgamento imparcial e na independência dos árbitros, afastando-os de qualquer pressão com o intuito de influenciar a decisão.
Por esta razão, o artigo 6.º do Estatuto Deontológico consigna que a comunicação com as partes é feita, por norma, pelo próprio tribunal pela forma e pelos meios legal e regulamentarmente previstos.
Excecionam-se duas situações. Considera-se lícito o contato entre o árbitro designado e a parte designante para que esta lhe dê a conhecer o litígio através de descrição sumária, identifique os restantes árbitros e mandatários se os houver, o teor da convenção e o prazo previsto ajustado para a decisão nas arbitragens voluntárias. Estas informações são evidentemente necessárias para que o árbitro possa ponderar nas condições pessoais e objetivas para participar na arbitragem, mas também para cumprir com o dever de revelação pois só pode revelar eventuais factos e circunstâncias suscetíveis de colocar dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade se souber de antemão qual a questão litigiosa e quem está envolvido no pleito (v. n.º 3 do artigo 6.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD).
É ainda permitido ao árbitro que se dirija à parte que o designou pedindo que se pronuncie sobre o árbitro escolhido para presidir ao colégio arbitral. O árbitro não é obrigado a obter concordância sobre esta escolha da parte que o designou, nem tão pouco fica vinculado ao sentido da pronúncia. Todavia, para evitar as consequências indesejáveis de um incidente de recusa do presidente do colégio arbitral, recomendam as boas práticas que os árbitros procurem saber se existe algum motivo que possa impedir o escolhido de presidir à formação arbitral ou se ocorre alguma fundada razão para duvidar, perante o caso concreto trazido ao tribunal, da sua isenção (v. n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto Deontológico do Árbitro).
Consagra-se, ainda, uma outra exceção à regra da proibição da comunicação, esta na pendência do processo. Discute-se se deve reconhecer-se ao árbitro papel ativo na procura de situação alternativa ao desfecho do processo com a prolação da sentença. Atentas as especificidades do caso desportivo, considera-se legítimo que o árbitro possa, naturalmente quando para tanto o processo lhe fornece informação suficiente, sugerir às partes a convolação do processo arbitral em mediação, o que o artigo 14.º do Estatuto Deontológico expressamente prevê. O n.º 2 deste artigo possibilita que o tribunal estabeleça uma relação dialógica com as partes, orientando-as de acordo com a metodologia própria da mediação, de modo a obter solução transacional do litígio.
Note-se, porém, que a esta consentida aproximação do tribunal às partes é colocado um relevante limite: ao árbitro é vedado conduzir à transação por via da antecipação do sentido da decisão arbitral (v. n.º 1 in fine do artigo 14.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD).
6.7. Consequências da falta deontológica
A violação de deveres deontológicos, denunciada pelas partes ou apurada no respeito pelos princípios do processo justo e equitativo pelo Conselho de Arbitragem Desportiva, reflete-se na faculdade da recusa e no exercício das competências do presidente do TAD nos termos dos artigos 26.º e 27.º da Lei do TAD, ou no sancionamento pelo Conselho de Arbitragem Desportiva que pode consistir na mera advertência ou no desencadear do procedimento de exclusão do árbitro nos termos estabelecidos no n.º 2 do artigo 22.º da Lei do TAD nos casos de faltas deontológicas consideradas especialmente graves, como são as violações dos deveres definidos nos artigos 7.º, 8.º, 11.º, 12, e 13.º do Estatuto Deontológico do Árbitro do TAD.