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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.46  Braga dez. 2024  Epub 30-Dez-2024

https://doi.org/10.17231/comsoc.46(2024).5270 

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Irene Lisboa e o Jornalismo Literário na Violência Contra a Mulher. Representação Sociopolítica nas Revistas Portuguesas Seara Nova e presença (1929-1955)

1Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal


Resumo

Irene Lisboa (1892-1958) foi uma cronista, ou jornalista literária, que, a partir da voz de personagens reais ou personagens-fonte e da sua própria voz, apresenta um discurso de denúncia do cenário sociopolítico, resultado da sua posição imersiva nos locais de observação. Como revistas antirregime, e por isso censuradas, a Seara Nova e a presença, folha de arte e crítica, através dos seus autores, tentaram encontrar meios de resistir e, ao mesmo tempo, denunciar um país, um povo e, consequentemente, uma mulher idealizados. Assim, neste estudo, pretende-se compreender a representação da violência contra a mulher durante a ditadura portuguesa, numa perspetiva discursiva e narrativa, a partir do corpus cronístico de Irene Lisboa, publicado nas revistas Seara Nova e presença, folha de arte e crítica, no período entre 1929 e 1955. As conclusões apontam no sentido de que a autora deixa representada uma mulher vítima de violência exercida pelo Estado, pela família e pela sociedade. A mulher representada por Lisboa é um ser dual. Por um lado, a mulher burguesa que é formada pelo preconceito e pelo servilismo; por outro lado, a mulher do povo, também sujeita às questões de género e de poder que a desumanizam enquanto pessoa e mulher; e ambas longe da mulher idealizada pelo regime.

Palavras-chave: Irene Lisboa; Estado Novo; violência de género; jornalismo literário; crónica

Abstract

Irene Lisboa (1892-1958) was a chronicler or literary journalist who used the voices of real characters or source characters and her own to expose and critique the sociopolitical landscape, drawing from her immersive observations. As anti-regime publications, the magazines Seara Nova and presença, folha de arte e crítica, sought ways to resist and denounce the idealised portrayal of the country, its people, and, consequently, its women. This study aims to explore the representation of violence against women during the Portuguese dictatorship from a discursive and narrative perspective, using Irene Lisboa’s chronicles published in Seara Nova and presença, folha de arte e crítica, between 1929 and 1955. The findings highlight the author’s depiction of a woman victim of violence from the State, her family, and society. The figure Lisboa represents embodies a dual identity. On one hand, she is the bourgeois woman shaped by prejudice and subservience. On the other, she embodies the working-class woman, also grappling with gender and power dynamics that dehumanise her both personally and as a woman. This contrasts sharply with the idealisation promoted by the regime.

Keywords: Irene Lisboa; Estado Novo; gender violence; literary journalism; chronicle

1. Introdução

As revistas Seara Nova e presença, folha de arte e crítica1 (doravante presença) são dois recursos essenciais de comunicação e de contrapoder à ideologia da ditadura portuguesa do século XX e de uma divulgação cultural diferenciada daquela que é feita, em Portugal, pelos periódicos situacionistas (Marques et al., 2019). São alvo de censura, mas conseguem encontrar meios alternativos, mostrando a realidade, não ficcionada, de um país idealizado pelo regime (Barros, 2022) e fixando um tipo de mensagem dissonante daquele que se limita ao entretenimento anódino valorizado pela narrativa política.

Se grande parte da imprensa nacional participa na difusão de uma imagem irreal da mulher portuguesa ou se se mantém neutra, outra há, pouca, que resiste, optando por arranjar formas de contornar a censura (Tengarrinha, 2016). Marques (1981) refere que, em 1933, havia 33% de periódicos oposicionistas e, em 1945, apenas 1,7%, situação reveladora da forte pressão que o Estado exerceu sobre os periódicos.

É neste contexto que Irene Lisboa (1892-1958) começa a publicar. É uma mulher-escritora, que também é professora, pedagoga, poetisa e jornalista literária. A autora procura uma voz própria, através da crónica, para fugir aos estereótipos e ideação que então recaem sobre a mulher que escreve: a mulher em casa, como defende Salazar (Barros, 2022; Ferro, 2007; Tavares, 2011), ou, como refere Lisboa (1986) ironicamente, a fazer crochê; mas também sobre a mulher do quotidiano, aquela sobre a qual, no dizer de Maria Lamas (1973), “a vida pesa brutalmente” (p. 50). Esta mulher real está representada nas crónicas publicadas por Lisboa na imprensa independente, e é essa leitura que pretendemos fazer neste artigo. Tendo ainda em conta que a crónica, como referem Trindade e Soares (2018), deve ser “compreendida como texto formalmente integrante do jornalismo literário” (p. 209).

Continua a ser importante abordar as várias dimensões do papel da mulher, no longo período repressivo novecentista, para percebermos que há problemas que perduram no tempo. A situação torna-se ainda mais substantiva se a análise for feita a partir das representações sociopolíticas deixadas por uma jornalista literária que imerge no contexto social da sua época e mostra os factos que não convém mostrar, dando relevo ao quotidiano de pessoas anónimas e às suas dificuldades em sobreviver num país humilhado pelas políticas opressoras do regime. Essa análise torna-se complexa, pois as produções e a vida estão envolvidas pela subjetividade das emoções, das interpretações e da linguagem, tornando-as, contudo, significativas num quadro de referências para quem as produz e para quem as observa (Hall, 1997). Essa vivência é indicativa devido aos múltiplos planos de significação utilizados para explicar o que representam as coisas e para codificar, organizar e regular a conduta do ser humano, permitindo interpretar as ações dos outros e comunicar significados, transformando as experiências sociais em práticas de significação (Hall, 1997). Neste contexto, a linguagem (escrita, oral, outra) desempenha um papel importante, porque atribui sentido aos factos, relatando-os, integrando-os e formando sistemas de representação. É, portanto, através das representações, enquanto forma simbólica e referencial, que se atribui significado e uso quotidiano ao que existe no mundo exterior. A representação é, assim, um processo que vincula a relação entre factos, conceitos e signos e os integra num conjunto como resultado de um trabalho complexo de relações, em que o pensamento reúne, organiza, ordena, integra, atribui significado e relata o que lhe foi dado a observar num determinado momento histórico (Hall, 1997).

É a partir do conceito de “representação” e do contexto histórico (social e político) que analisaremos as dimensões física, psicológica e económica/laboral da violência contra a mulher na obra jornalística de Lisboa no período da ditadura portuguesa. Para isso, pretendemos responder à seguinte pergunta de investigação: como é representada a violência contra a mulher nas crónicas de Lisboa, publicadas nas revistas Seara Nova e presença (1929-1955)? Importa, pois, analisar como essas representações ajudam a atingir o objetivo deste estudo: caracterizar o discurso e as narrativas de Lisboa em relação à violência contra a mulher.

Em termos estruturais, este artigo, para além da introdução e da conclusão, divide-se em quatro pontos. No primeiro e no segundo ponto, apresenta-se o enquadramento teórico: a contextualização do tema da violência contra a mulher, a partir da definição de “crónica” integrada no corpus do jornalismo literário, a conjuntura histórica e uma introdução aos movimentos cívicos a que Lisboa esteve ligada. No terceiro ponto, indicam-se as opções metodológicas que se julga que melhor se adequam a este tipo de estudo. No quarto ponto, apresentam-se os resultados e a respetiva discussão.

2. Jornalismo Literário: A Crónica Como Representação Sociopolítica

Na segunda metade do século XIX, surge, a par com a corrente do realismo, um tipo de abordagem a que, em 1887, Matthew Arnold chama de “new journalism” (novo jornalismo; Brake, 1994), do qual temos bons exemplos, ainda neste século, também em Portugal. É o caso de Queirós, com Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres, e de Ortigão, com John Bull, mas também de Batalha Reis, com Revista Inglesa, e de Oliveira Martins, com Inglaterra d’Hoje (Rosa, 2019; Santos, 2007; Trindade & Soares, 2018), que se inspiram nas novas formas de fazer jornalismo produzidas em Inglaterra por Stead, Mearns ou Booth (Soares, 2011), como também acontece no século XX com Irene Lisboa, Maria Lamas e, antes delas, com Raul Brandão, cuja influência na obra cronística de Lisboa é evidente (Carmo, 2020; Morão, 1997). Não é fácil enquadrar Lisboa numa corrente artística do século XX. A sua preferência pelo banal, pelo quotidiano e pelo insignificante das classes populares aproxima-a do neorrealismo, que é, como refere Cachofel (1964), uma espécie de “realismo voluntário, um realismo de intenção” (p. 216).

O caminho do jornalismo literário, um jornalismo que se apresenta com estatuto de literatura (journalism as literature), continua, ao longo do século XX, com autores que apresentam textos e formas de chegar aos factos que se identificam com uma diferente forma de fazer jornalismo. É, pois, a partir de escritores, que também são jornalistas, que começa a tomar forma o corpo teórico do jornalismo literário, que não tem estado, contudo, isento de controvérsia, a nível internacional, nomeadamente na sua designação. A corrente anglo-luso-americana designa-o de “jornalismo literário” (Sims & Kramer, 1995; Trindade & Soares, 2018); a corrente hispânica opta por lhe chamar “periodismo narrativo” (Galindo & Naranjo, 2016; Herrscher, 2021). A este respeito concordamos com Kramer (2005, como citado em Cardoso, 2012) quando o autor refere não haver diferenças nas várias denominações. Falam, portanto, do mesmo, de um jornalismo que não se compadece com a pressa, com a superficialidade ou com as técnicas estritamente jornalísticas. Continua a ser jornalismo, mas usando as técnicas da literatura. É jornalismo porque não é ficcional, presume a pesquisa, o jornalista imerge no assunto e na demografia, não esquece nunca a verdade dos factos, bem como a sua fundamentação (Trindade & Soares, 2018); é literatura porque constrói cenas e descrições, utiliza e caracteriza personagens, serve-se de diálogos e de discurso direto (Trindade & Soares, 2018), de discurso indireto e, por vezes, de discurso indireto livre para contar as suas histórias. Adota um ponto de vista que não é condicionado pela objetividade, desde que nunca ultrapasse a linha da não ficção (Trindade & Soares, 2018) ou, se quisermos, como aponta Herrscher (2016) e confirmam Trindade e Soares (2018), é um jornalismo que faz conviver as técnicas da ficção com a verdade do jornalismo. Como lembram Sims e Kramer (1995), o jornalismo literário conjuga factos e acontecimentos particulares com a presença humana do autor, e isto faz toda a diferença, pois atribui ao jornalismo uma dimensão emocional, de proximidade e de liberdade que o jornalismo clássico não pode ter, mas que caracteriza a reportagem ou a crónica desde meados do século XIX (Soares, 2021).

A crónica emerge das línguas portuguesa e espanhola (Galindo & Naranjo, 2016; Soares, 2021; Trindade & Soares, 2018), embora a sua forma possa ter como antecedentes, como refere Rotker (1992), “a chronique periodística francesa de meados do século XIX, especialmente os fait divers de Le Figaro de Paris” (p. 106), mas a sua primeira influência remonta aos textos historiográficos, híbridos e contados na primeira pessoa dos humanistas portugueses Fernão Lopes, Pero Vaz de Caminha e Fernão Mendes Pinto (Morão, 1998; Polónia & Capelão, 2019; Sá, 2005). Estes cronistas já produzem crónicas que relatam o quotidiano do outro, depois de este ter sido interiorizado e transformado em narrativa por um observador-narrador (Carmo, 2020). Ora, a intensa experiência deste narrador não é isenta de emoção, isto é, de subjetividade: a verdade é entendida, já nesta altura, conforme referem Guerreiro (1992) e Sá (2005), como múltipla e subjetiva, assim como múltipla e subjetiva é a crónica do século XIX, a crónica de Irene Lisboa e a crónica na atualidade.

Galindo e Naranjo (2016) referem que a crónica é um texto narrado na primeira pessoa, de um acontecimento atual, cujo interesse se estende no tempo, a partir da imersão com fins investigativos do jornalista no local, procurando temas fraturantes para os transmitir com emoção. Ora, quando falamos de crónica (e.g., Caparrós, 2012; Galindo & Naranjo, 2016; Herrscher, 2021; Soares 2021; Trindade & Soares, 2018), referimos um texto jornalístico que não abdica da verdade dos acontecimentos, das personagens e dos cenários, nem das características próprias das geografias onde é concebido - países lusos, hispânicos e africanos de expressão portuguesa (Trindade, 2021). É um texto escrito com o objetivo de mostrar a visão ou a interpretação do cronista sobre a realidade quotidiana, diferente do jornalismo noticioso, por exemplo, na profundidade da abordagem ao tema, e, ao mesmo tempo, provocar emoções. A crónica é, assim, um texto, que assumindo múltiplas formas, abundantes características, variadas influências e estilo próprio, não abdica da voz sempre presente e opinativa do narrador-autor nem se incomoda com o fragmentarismo e com a incompletude (Caparrós, 2012; Carmo, 2022); portanto, um texto jornalístico com estatuto literário. O que prevalece na definição de crónica, mais do que o conteúdo, é o princípio jornalístico, a forma literária e a representação do mundo da vida quotidiana. Para Caparrós (2012), por exemplo, “a crónica tenta mostrar a vida de todos ( ... ). É uma forma de enfrentar a informação e a política do mundo: uma maneira de dizer que o mundo também pode ser outro” (pp. 7, 10).

Ora, Lisboa, com um trabalho de investigação no terreno (imersão), deixa uma obra marcada por histórias humanizadas, geográfica e demograficamente definidas, a partir de acontecimentos reais e atuais subjetivados pela narradora, cujo interesse se estende no tempo, como veremos com a violência física, psicológica e económica/laboral exercida contra a mulher no período em análise. São histórias narradas na primeira pessoa, com personagens não ficcionadas, com as quais a autora constrói cenas, utilizando diálogos, discurso direto, indireto e indireto livre, opiniões e críticas, por vezes em tom irónico, com o objetivo de despertar emoções ao denunciar os problemas de pessoas socialmente desfavorecidas, tornando-as heróis dignos, apesar do sofrimento.

Este é o contexto do jornalismo literário. Este é também o contexto da crónica de Lisboa: um texto híbrido e diverso (Herrscher, 2021) que utiliza o jornalismo e a literatura (e.g., Sims & Kramer, 1995; Trindade & Soares, 2018) para informar e emocionar o leitor, numa determinada conjuntura sociopolítica.

3. Irene Lisboa: Momento Histórico e Movimentos Cívicos

Irene Lisboa (1892-1958) nasce no campo, no concelho de Arruda dos Vinhos, de uma relação conturbada entre pai burguês e mãe camponesa. Vai estudar para Lisboa, onde se forma, primeiro, professora primária, e depois, professora do ensino infantil, na Escola Normal da capital. Em 1929, vai estudar psicologia e pedagogia para o estrangeiro, tendo sido aluna de Piaget e Claparède. É uma das mais entusiastas defensoras e teorizadoras dos métodos da educação nova em Portugal, mesmo antes da experiência no estrangeiro. Começa a escrever e a publicar em jornais e revistas em 1926, mas é em 1929 que a sua atividade em periódicos se intensifica, nomeadamente na Seara Nova, de 1929 a 1955, e na presença, de 1931 a 1935, tendo sido a primeira mulher a publicar nesta revista. Apesar de a sua “nova literatura” ser pouco lida pelo público, é muito apreciada pela elite intelectual opositora do regime, o que lhe abre o caminho de certas redações de jornais e revistas. O seu pensamento e a sua ação progressistas levam-na a ser expulsa do sistema de ensino português em 1940 e a dedicar-se em exclusivo à observação da vida do povo na cidade e no campo e à escrita.

Compreender a condição da mulher a partir da realidade social, política e comunicacional representada em periódicos da época, como faz Irene Lisboa, continua a ser um exercício relevante, tendo em conta as vozes da experiência vivida (Barros, 2022) num período autocrático e antiliberal, em que o autoritarismo assume um papel preponderante, levando os oposicionistas ao isolamento, à censura, à prisão e ao controlo opressor da imprensa (Tavares, 2011).

A instabilidade da Primeira República (1910-1926) leva ao golpe de Estado de 1926 e, consequentemente, à ditadura militar. O ano de 1929 é essencial para a imagem de Salazar. Ao equilibrar as finanças públicas, acaba por dominar o poder e por iniciar um caminho de propaganda interna e de censura aos jornais e às revistas que o conduzem ao poder absoluto (Estado Novo português), em 1933, com a aprovação da Constituição (Marques, 1981).

As décadas de 1930 e 1940 são de grandes lutas oposicionistas. O regime tem um início de governação difícil no plano das movimentações cívicas e no plano da imprensa, apesar de ter contado com uma repressão censória eficaz, pelo menos até à sua eleição (Barros, 2022). As movimentações cívicas e o povo em geral sofrem com as medidas repressivas de um Estado elitista e déspota, levando à degradação das estruturas sociais básicas, algumas já conquistadas ou em discussão em décadas anteriores (Lamas, 1960; Tavares, 2011).

Para além da perda da liberdade de expressão, continua por alcançar o direito ao voto em liberdade, sobretudo o direito ao voto das mulheres, e o direito ao divórcio e à independência feminina em relação ao marido (Tavares, 2011). A estagnação, ou mesmo retrocesso, na questão da independência da mulher fica registada nas crónicas de Lisboa. Observe-se o seguinte excerto: “do velho espírito liberal, que há duas boas décadas ( ... ) simplificava a vida de muitas famílias e alterara os seus panoramas mentais, já cessara de influir nesta” (Seara Nova, 1943, Número 808, p. 188).

Também o processo histórico do jornalismo em Portugal vai sendo construído ao longo das décadas de forma conturbada. Como referem Baptista e Camponez (2022), “primeiro foi preciso imaginar o jornalismo” (p. 7). Mas os anos da ditadura portuguesa atrasam os procedimentos em curso, nomeadamente nas tentativas de definição de uma carreira profissional (Camponez & Oliveira, 2022). As políticas autocráticas, por um lado, subjugam e punem o jornalismo; por outro lado, criam serviços e projetos editoriais com o intuito de propagar as virtudes e a ideologia do Estado Novo português (Serra et al., 2019); por outro lado, ainda fomentam “bolsas de resistência” (Baptista & Camponez, 2022, p. 7), permitindo que, apesar das dificuldades, as lutas, as reivindicações e a capacidade de organização continuem no sentido da conquista de direitos que, do ponto de vista legal, só acontece alguns anos depois do fim do regime (Camponez & Oliveira, 2022). Neste contexto político, alguns jornais e revistas vão conseguindo, apesar da censura, sobreviver e publicar. É o caso, por exemplo, da Seara Nova e da presença.

Com o fim da II Guerra Mundial e a vitória dos Aliados, apesar das dificuldades, a atividade oposicionista intensifica-se ou reorganiza-se. Começam a surgir movimentações democráticas que defendem a liberdade de reunião, de associação e de imprensa e o voto democrático (Tavares, 2011). Uma das organizações que surge, pela necessidade de derrubar a censura, é o Movimento de Unidade Democrática, em 1945, trazendo alguma agitação ao regime e contribuindo, em 1948, para a grande mobilização popular de apoio à candidatura do General Norton de Matos (Marques, 1981; Tengarrinha, 2016). Nesta confrontação, destacam-se várias personalidades, nomeadamente mulheres já habituadas à luta pela democracia. Cesina Bermudes, Maria Lamas, Irene Lisboa, Manuela Porto e Maria Isabel Aboim Inglez são algumas das mulheres que reivindicam o fim da regulamentação da prostituição, a igualdade de salários para trabalho equivalente, a assistência social e a igualdade jurídica para todos, bem como a votação eleitoral universal (Barradas, 2004, como citada em Tavares, 2011), levando à prisão, à demissão de cargos públicos e à colocação sob vigilância daqueles que se envolvem no movimento (Marques, 1981).

Irene Lisboa participa nesta luta ativa do Movimento de Unidade Democrática pela democracia em Portugal nos anos 40 do século XX, como demonstra a sua assinatura nos dois documentos consultados no arquivo da Fundação Mário Soares (1945, pasta 02969.052.001; 1948, pasta 10258.009.021) e dois textos da Seara Nova (1945, Números 948, 950). Também Maria Lamas, a par com Lisboa, é uma das mulheres que se revela como jornalista competente na luta pelos direitos da mulher e na captação do seu quotidiano (Tavares, 2011).

A participação de Lisboa como ativista na defesa da liberdade e do fim da censura não a leva à prisão, mas à privação da liberdade de expressão, que é um dos objetivos do exercício censório (Barros, 2022), às visitas a casa, à difamação e à expulsão, em 1940, do sistema de ensino português. Sobre a forma como Lisboa é retratada, observe-se o testemunho de Gomes Ferreira (1978/1991):

não hesitaram em acusá-la de desafiadora de todas as ordens estabelecidas ( ... ), além de outras poucas vergonhas indizíveis. Certos meios policiais, ou paralelos, chegaram a elegê-la como símbolo. E eu li ( ... ) um panfleto colado numa esquina em que lhe chamavam Irene Moscovo e lhe atribuíam mil e um agravos de toda a espécie de lama. (p. 25)

Como se depreende das palavras de Gomes Ferreira (1978/1991), ao desafiar “as ordens estabelecidas” (p. 25), Lisboa roga o direito de ter uma voz na sociedade, na política e na literatura, uma voz que, por ser de mulher, era questionada como transgressora e símbolo de “poucas vergonhas indizíveis”. É a própria autora que, desiludida, diz: “remeter-me ao silêncio, penso, era o meu dever” (Lisboa, 1974/1999, p. 201).

A década de 50 é de consolidação da máquina repressiva do regime autocrata de Salazar. A ditadura leva à prisão e ao exílio muitas individualidades (Tavares, 2011), mas também o povo anónimo experiencia o sofrimento infligido pelas políticas do Estado Novo. Reportando-se ao contexto sociopolítico da época, a cronista refere que “os perseguidos galgavam aquele gradeamento! Mas era dar-lhes porrada e deixá-los fugir ( ... ). Limpar a praça é que era preciso. E os polícias tinham gosto nas suas façanhas, como era natural” (Lisboa, 1941, pp. 37-38).

Lisboa reproduz, assim, situações de perseguição e de violência através do recurso à ironia, principalmente quando aborda o regime e os preconceitos burgueses. Desta forma, a intenção irónica convida o leitor a partilhar, de forma amarga (Morão, 1983), as situações observadas, denunciando dissimuladamente a perseguição, a violência e a injustiça, esperando também que, através deste recurso, a censura não interfira no texto, estratégia comum na época (Tengarrinha, 2016). A ironia é definida por Lisboa num poema publicado na Seara Nova, em 1936. Refere a autora: “esta graciosa coisa/que nos faz rir/do que dá vontade de chorar” (Número 487, p. 103).

A violência (física, psicológica e económica/laboral) contra a mulher tem sido vista como o resultado de relações de poder do homem e do Estado em relação à mulher (Tavares, 2011). Relações essas edificadas pelas desigualdades, fortalecidas pela ideologia de um regime patriarcal e machista, divulgadas por uma imprensa refém desse regime e aceites no imaginário cultural. É uma violência mantida no silêncio da família, a mesma família que o regime idealiza de forma abstrata como modelo natural da sociedade. Contudo, como esclarece Freire (1978), “a pessoa humana é algo concreto e não uma abstração” (p. 39). E, por isso, Lisboa propõe mostrar esse “mundo da vida” (Schutz, 1970/2012), recusando aceitar a injustiça como uma fatalidade do destino, impermeável à mudança, servindo-se do ato comunicacional como fator condicionador dessa mudança. A visão progressista do mundo impede-a de aceitar passivamente o preconceito, a discriminação e a violência exercidos contra a mulher, concebidas e expostas por discursos machistas e concretizadas em ações reais (Freire, 1992) contrárias ao seu sentido de justiça. Esta posição está presente também no pensamento de Lamas (1960). Refere a jornalista que a mulher é inferiorizada pelo homem e pela sobrecarga da humilhação, do sacrifício e da injustiça, como mãe e como trabalhadora; o que contraria o slogan “a mulher para o lar”, comum nas revistas dos anos 40. As mulheres do povo, aquelas de quem Lisboa (1939/1992) diz, em 1939, serem “mulheres que correm destinos” (p. 75), são para tudo, sem tempo nem oportunidade para serem “fadas do lar”.

Esta realidade está presente nos textos híbridos, porque cronístico, de Lisboa e exposta de forma avessa ao cânone ou, como a autora deixa expresso num poema de 1937, através de uma forma “nova, nova, nova, nova” (Lisboa, 1937/1991, p. 296) de escrever, à qual a autora não sabe dar nome, mas que os estudos mostram ser jornalismo literário (e.g., Galindo & Naranjo, 2016; Soares, 2021; Trindade & Soares, 2018).

4. Opções Metodológicas

O presente artigo apresenta-se com um design de estudo de caso longitudinal (Stake, 2007) com uma abordagem qualitativa/indutiva. A escolha desta abordagem deve-se à intenção exploratória e não conclusiva deste estudo, tendo como foco compreender e interpretar a violência contra a mulher num determinado período histórico através da representação sociopolítica que a autora deixou nas suas crónicas (Tabela 1).

Tabela 1 Género, classe e poder associados à violência contra a mulher na crónica de Irene Lisboa 

Considerou-se que este seria um dos caminhos possíveis para responder à questão definida: como é representada a violência contra a mulher nas crónicas de Irene Lisboa, publicadas nas revistas Seara Nova e presença (1929-1955)? E, desta forma, cumprir o objetivo definido: caracterizar o discurso da autora em relação à violência contra a mulher.

Para analisar o corpus que representa a violência de género e apoiar a abordagem selecionada utilizou-se as técnicas de análise crítica do discurso e narrativa. A análise crítica do discurso contribui para (a) compreender as condições políticas e sociais em que a autora escreveu as suas crónicas e como elas se relacionam com o pensamento crítico; e (b) identificar a ideologia presente nos textos analisados e como Lisboa desafia o poder instituído através do tom crítico das estratégias discursivas: escolhas linguísticas e retóricas, uso de metáforas, de ironia, entre outros, para influenciar a perceção do leitor sobre o assunto tratado (Neuendorf, 2002; van Dijk, 2014; 2017; Wodak, 2001). A análise narrativa, por sua vez, permite identificar as personagens e compreender as suas histórias no contexto social (Gunter, 2000; Hijman, 1996), partindo do princípio de que o ethos surge nos discursos argumentativo e narrativo e em todas as trocas verbais (Amossy, 1999/2005). Ambas permitem perceber os significados implícitos nos discursos e nas narrativas que dão sentido ao quotidiano violento das mulheres representadas pela autora no contexto social, histórico e cultural em que as histórias são contadas e como esses contextos afetam a forma de contar.

Para isso, mapeámos a obra da cronista publicada nas duas revistas, num total de 261 textos (este número confirma o estudo de Morão, 1983, em relação à Seara Nova, e os estudos de Azevedo, 2010, e Barbosa, 2018a, em relação à presença). Chegámos a um corpus de 103 textos na Seara Nova e 18 na presença, isto é, 121 no total, que apresentam características de crónica. Assim, selecionámos e estudámos as crónicas que abordam o tema, apoiadas por outras publicadas em livro (Tabela 2).

Tabela 2 Crónicas analisadas sobre violência contra a mulher 

Para este artigo, analisámos, portanto, oito crónicas (ver Tabela 2) das revistas Seara Nova e presença, por representarem de forma evidente a violência física, psicológica e económica/laboral contra a mulher. As cinco crónicas selecionadas e publicadas nos livros Esta Cidade! e Crónicas da Serra, referidas na Tabela 2, apresentam uma estrutura e elementos sobre o tema que, por um lado, ajudaram a complementar a análise em relação à violência contra a mulher na cidade (Crónica 9), e, por outro lado, permitiram complementar a análise da representação da violência contra a mulher no campo (Crónicas 10-13). As crónicas, também referidas na Tabela 2, que se reportam à obra de 1960, foram escritas nos finais dos anos 40 e inícios dos anos 50 do século XX, pois foi nessa altura que Lisboa passou algumas temporadas na Serra da Estrela (Ferreira, 1978). Só foram, contudo, publicadas postumamente. Foram ainda consultados dois documentos da Fundação Mário Soares e dois apontamentos da Seara Nova relativos à sua passagem pelo Movimento de Unidade Democrática, com vista a contextualizar a ação cívica da autora.

5. Apresentação e Discussão de Resultados

Trazer a voz de uma escritora e jornalista literária que aborda publicamente, em ditadura, os problemas reais da mulher portuguesa que não convém mostrar (Barros, 2022) pode ajudar a desconstruir o ideal feminino propagandeado pelo regime. O desígnio da mulher em casa e do homem no exterior (Ferro, 2007), defendido por Salazar, é uma ilusão e uma condição imposta e não uma decisão livre (Fuentes, 2008). É esta posição fictícia, construída a partir da ideia de uma mulher livre e feliz, autorizada pelo regime e transmitida pela imprensa afeta ao Estado Novo, que Lisboa quer contrariar nas crónicas que escreve na Seara Nova e na presença, deixando representada uma mulher com uma identidade oposta, condenada pelo Estado, pelo pai e pelo marido. Uma mulher que não quer nem pode ser a “fada do lar” no conforto da casa que muitas vezes nem tem, com histórias de vida reais que a autora recolhe do e no mundo da vida (Schutz, 1970/2012) e depois transforma em representação (Hall, 1997).

Os assuntos com maior insistência na obra de Lisboa são a pobreza, as más condições de trabalho e a falta de liberdade (Carmo, 2020, 2022). Já em 1937, ainda não tinha sido expulsa das suas funções laborais, a partir de um relato em que se misturam os discursos da narradora e da personagem, Lisboa fixa o distanciamento entre ser mulher do povo e ser mulher da burguesia. Diz a autora: “da pobre Luísa que se matou à celha, como ela dizia, a lavar roupa até altas horas da noite, roupa de mandrionas pelintras, sem humanidade” (Seara Nova, 1937, Número 537, p. 200). Observamos o peso do adjetivo “pobre” e da forma verbal “matou”, bem como da expressão “até altas horas da noite” que indicam a desumanidade a que a mulher do povo está sujeita. Repare-se também na utilização do discurso indireto livre na expressão “roupa de mandrionas, pelintras, sem humanidade”, que não só aproxima a narradora da personagem como remete para a mulher explorada e a mulher que explora, em tom irónico para referir o desnível entre classes. Para além da condição laboral e social violenta da mulher dentro e fora de casa, no campo e na cidade, Lisboa deixa retratada a brutalidade exercida contra a mulher do povo no seio da família e a falta de condições que o regime insiste em camuflar, em comparação com a superficialidade e os preconceitos da atitude da mulher burguesa rendida ao regime.

A voz da narradora também característica da crónica de Lisboa, por um lado, leva-a intencionalmente a manipular a história (Lubbock, 1936/2006), não a falseá-la, mas numa tentativa de representar o real de forma direta, realista (Lisboa, 1974/1999). Por outro lado, encontramos fragmentos em que a narradora se distancia, quase desaparecendo (Lubbock, 1936/2006), deixando as personagens, aparentemente, a controlar a narrativa. Só aparentemente, pois a vigilância permanece para que as emoções e a empatia, instrumentos autorais do jornalismo literário (Trindade & Soares, 2018), não criem ficção e respeitem a verdade. Quando as emoções surgem de forma vincada, a narradora encontra forma de as interromper ou mesmo de as anular, socorrendo-se da descrição da natureza circundante ou de outro recurso literário. Este trabalho vigilante e autorreflexivo, a partir da imersão na realidade, e o formato híbrido entre a crónica, a reportagem, a notação diarística e o conto, muitas vezes fragmentado e em permanente revisão, são características da obra periodística de Lisboa (Carmo, 2022) e, na generalidade, como evidenciámos, do jornalismo literário. A narradora-autora, por vezes, serve-se também das personagens para criticar ou expor a realidade. Esta opção pela voz das personagens é uma das características da crónica de Lisboa e do jornalismo literário, menos evidente na presença e em maior profundidade na Seara Nova e nas crónicas editadas em livro, algumas já anteriormente publicadas nesta última revista.

A representação da pobreza e da miséria, nunca romantizadas (Carmo, 2022), torna-se mais pragmática quando a cronista se volta para assuntos muito sensíveis como o trabalho infantil, a violência física, psicológica e económica/laboral contra a mulher ou quando essa violência está associada à falta de cuidados básicos. Observe-se este excerto de 1941: “calei-me. Aquela mesquinha criatura ia parir mais miseravelmente que um animal. Aquela mulher desconhecida e resignada ainda simbolizava mais negramente que a Virgem cristã a maternidade desamparada” (Seara Nova, 1941, Número 700, p. 59). A neutralidade aparente do verbo utilizado no início, “calei-me”, convida o leitor a partilhar a indignação da narradora, como vemos no que vem a seguir com a utilização do adjetivo “resignada” e os advérbios “miseravelmente” e “negramente” que transmitem uma ideia negativa das condições da maternidade, que podemos associar às condições de ser mulher resignada e da precariedade do sistema de saúde do regime. Esta representação fica mais acentuada quando a narradora remete a maternidade da mulher desconhecida, através de uma imagem comparativa, para a cena bíblica do nascimento de Cristo, evidenciando, desta forma, a violência física e psicológica proporcionada por um sistema ideológico falhado.

Também neste fragmento de uma crónica do mesmo ano, Lisboa descreve a situação de duas mulheres a dias:

estava lá a Arminda. Era uma pobre mulher ainda nova, que por mal dos seus pecados andava a dias. Tinha umas feições tão finas que desdiziam de todo com a grosseria do seu mister ( ... ). A Adelaide, outra que andou pelo menos dois anos em minha casa, também era uma mulher interessante. Na semana limpava dois escritórios para os Caminhos de Ferro, a minha casa, lavava a roupa de uma família, fazia recados à madrinha e trazia o marido e a filha no rigor e asseio. (Seara Nova, 1941, Número 720, pp. 55-56)

A cronista demonstra, aqui, que a mulher do povo, longe do ideal propagandeado, trabalha fora de casa o dia todo. Observe-se, ainda, o discurso negativo, facilmente associável às políticas do regime (Barbosa, 2023), quando a autora se refere à condição da mulher: “pobre”, “mal dos seus pecados” e na enumeração final que retrata a violência do trabalho da mulher dentro e fora de casa; mas, também, nas expressões de apreço relativas às personagens: “feições tão finas” e “mulher interessante”, que estabelecem o contraste entre ser mulher (positivo) e o papel que a mulher desempenha (negativo).

Nos fins dos anos 40 e inícios dos anos 50, Lisboa (1974/1999) volta a abordar a condição miserável da mulher do povo: “vendedeira bem-falante, fugitiva da polícia, como todas à porta da praça, uma mão oferecendo, a outra nadando já no ar, como barbatana ou rémige salvadora, auxiliar da fuga” (p. 185). Também neste excerto, observamos uma mulher que a pobreza obriga a sair de casa e, clandestinamente, a procurar sustento, enfrentando os desígnios da sorte, em vigília constante: tem de captar a atenção dos clientes e estar pronta para fugir à polícia. A narradora apresenta a personagem através de uma adjetivação positiva, referindo-a como “bem-falante”, estabelecendo, de novo, um contraste entre a mulher e a sua vida.

Quando aborda a violência contra os grupos mais frágeis, Lisboa não utiliza o mesmo tom irónico que usa na abordagem ao poder político ou à burguesia. Na crónica “Um Dito”, da obra Esta Cidade!, de 1942, a partir do relato de uma das personagens femininas mais relevantes da sua obra, a Adelina, a narradora expõe o tema da violência física contra a mulher e a inoperância do sistema. Observe-se:

a rapariga apanhava, apanhava e nunca dava resposta ( ... ). O hóspede batia outra vez muito na rapariga, ela é que não gritava... Antes gritasse... Sempre se podia chamar a polícia! Mas parece que a polícia só vem aos gritos de aqui-d’el-rei ( ... ). Nisto arruma-lhe um soco no nariz que a deixa toda cheia de sangue. Ela vira logo a cara, mas ele deu-lhe tantas, tantas, tantas... pelos ouvidos, pela cabeça... deixou-a negra! Ela agora é que encobre com o cabelo. (Lisboa, 1942/1995, pp. 234-237)

Atente-se no discurso, mais uma vez, entrecortado entre narradora e personagem. Em primeiro lugar, a violência física exercida contra a mulher através das expressões “soco no nariz”, “cheia de sangue” e “deixou-a negra”; depois, as repetições expressivas “apanhava, apanhava” e “tantas, tantas, tantas” que indicam a reiteração dessa mesma violência; de seguida, a passividade, admitida culturalmente, e a vergonha da violentada: “nunca dava resposta”, “não gritava” e “encobre com o cabelo”; por fim, o desejo de justiça da narradora, colocado na voz da personagem, quando refere “antes gritasse”, mas logo vem a consciência de que a vítima só seria socorrida perante uma situação extrema. Há um propósito claro de tecer uma crítica à inoperância das autoridades perante a violência exercida contra a mulher pelo homem, que, afinal, é considerado pelo regime o chefe de família, com a função de educar em casa.

Estas situações de violência contra a mulher, como vimos na passagem anterior, são representadas de forma realista. Muitas vezes, Lisboa anula-se enquanto narradora para dar a palavra às personagens. Mais uma vez é o eu-narrador vigilante das emoções a mostrar o sofrimento destas mulheres em contraste com a superficialidade da mulher edificada pelo Estado.

O tema da violência física contra a mulher já tinha sido abordado pela autora em duas crónicas publicadas na Seara Nova. Na primeira, de 1939, Lisboa fixa a conversa de uma mulher, com o filho ao colo, espancada pelo companheiro.

Explicando: e bateu-me mais aqui (numa anca), e na cabeça, e por toda a banda. Se não me tiram a criança dos braços, matava-a. E é o pai dela. ( ... ) Partiu-me um pau no lombo, e não ia ainda buscar outro? Se ele já matou a mãe à pancada. (Seara Nova, 1939, Número 627, p. 169)

A mulher expõe as marcas da violência exercida pelo marido. Repare-se que a violência masculina assume, mais uma vez, uma tendência repetitiva, inter e intrageracional e, também, sucessória, tornando-a uma prática comum contra a mulher e contra a criança, permitindo que esta última, sendo masculina, imite a atitude do pai e admita, como natural, a submissão feminina.

Na segunda crónica, de 1941, Lisboa relata a vida de uma vendedeira, a Rosália, que anda pelas ruas, como refere a cronista, “sempre com os sinais da bebedeira do marido” (Seara Nova, 1941, Número 720, p. 56). Mas, apesar da infelicidade, o relato da história intercala elementos de sofrimento: “um olho deitado abaixo, os braços arranhados” (p. 56), com elementos positivos: “mas os aventais de roda e a saia estreita mostravam o seu belo corpo, que o bruto do homem tão pouco prezava!” (p. 56). Também esta mulher se apresenta resignada, mas não é a resignação da “mulher do lar”. É um sofrimento que a mulher não tem como evitar, fruto de uma violência masculina acolhida pelos padrões da época e camuflada ou desvalorizada pelas autoridades. Observe-se a forma como a cronista descreve a situação:

as façanhas daquele vinho eram extraordinárias. Havia noites em que a família tinha de fugir toda para a rua, porque o homem de faca na mão punha a mulher e as crianças em alvoroço. Um dia tinha posto fogo à barraca ( ... ), noutro tinha feito em tiras os lençóis da cama; noutro fechava-se por dentro e não deixava entrar ninguém e ou se deitava a dormir ou virava os cacos de pernas para o ar. (Seara Nova, 1941, Número 720, p. 56)

Mais uma vez a violência extrema do chefe de família: “faca na mão”, “feito em tiras”, “tinha posto fogo” e “virava os cacos de pernas para o ar”, aqui, desculpada pelo efeito do vinho que a narradora apresenta de forma personificada e irónica através da expressão: “as façanhas do vinho eram extraordinárias”, que complementa a miséria do quotidiano representada pelas expressões “barraca” e “cacos”.

Esta condição de mulher oprimida da cidade, durante a ditadura portuguesa, estende-se também às zonas rurais experienciadas por Lisboa. Em Crónicas da Serra (Lisboa, 1960/1997), documentos escritos nos fins dos anos 40 e inícios dos anos 50, alguns publicados na Seara Nova entre 1952 e 1953, o tema palmilha quase por toda a obra. Na crónica “O Forno”, a autora regista a seguinte observação: “é maltratada como todas as mulheres daqui, mas bonita” (p. 42), mais uma vez o contraste mulher/condição feminina; em “Justiça de Aldeia”, referindo uma das suas informadoras da Serra da Estrela, a Carma, a narradora aponta a função de educar do homem: “o ensino dado pelo homem da Carma estendia-se à família toda: a murro ou a pau punha-a fora de casa a qualquer hora do dia ou da noite” (p. 61); igualmente em “De Volta à Serra”, mas de forma mais geral, a autora mostra ironicamente que a mulher é subjugada em várias frentes: “a mulher é que deve sentir-se fraca perante o homem, o escuro, o desconhecido, a justiça, o padre, os espíritos” (p. 89); por fim, na crónica “Dia de Santa Cruz”, com Maurício como informador-narrador, Lisboa faz uma crítica à forma como o seu amigo trata a mulher. Contudo, aqui, devido talvez à relação de proximidade da autora com o informador e amigo serrano, a crítica é mais branda, passando por alguns pormenores do discurso. Veja-se a seguinte passagem: “o Maurício, que não gosta de ser interrompido e dá pouca importância às falas da mulher, impacientou-se: E pronto! ( ... ). Essa já tinha a minha [ênfase adicionada] rapariga mais velha e o Joaquim [ênfase adicionada]” (pp. 95-96). Repare-se na última frase. O demonstrativo “essa” refere-se de forma impessoal, e até com desdém, à Patrocínia, mulher de Maurício, e o possessivo “minha” está associado à filha (mulher) do casal. Ambos conduzem à condição da mulher dominada pelo homem na sociedade patriarcal de então, neste caso, no espaço rural. A mulher, seja esposa ou filha, é considerada posse do marido/pai. Isto é evidente na forma como o filho (homem) é referenciado pelo nome próprio (“Joaquim”) em contraste com a forma como os elementos femininos aparecem no discurso.

A questão da violência física e económica/laboral contra a mulher não aparece nos escritos da presença. Figura, contudo, uma abordagem clara à condição de subalternidade da mulher em relação ao homem e aos preconceitos enraizados relacionados com o papel feminino na sociedade de então. Numa crónica intitulada “Mulheres” (presença, 1933, Número 39), a narradora aborda o preconceito a que as mulheres que não se casam estão sujeitas: “ah! Tão forte é a necessidade de amor e de domínio” (p. 4) conclui a cronista, após as suas interlocutoras decidirem que têm de lhe arranjar marido. A última participação cronística de Lisboa na presença é em 1935 com três crónicas, com o título “Três Trechos do Livro Solidão”. Observa-se, aqui, uma crítica profunda, embora disfarçada, à condição da mulher no Estado Novo, e, mais uma vez, a sua desvinculação desse universo feminino idealizado. Repare-se novamente no tom irónico que Lisboa utiliza para estabelecer o contraste entre a violência da vida da mulher do povo e a frivolidade da mulher burguesa rendida à imagem da mulher idealizada pelo regime: “cheguei a achá-las até dignas de friso, representantes do eterno feminino: sentadas em círculo, descansadas, de olhos baixos, conversando ora de meias, ora de homens” (presença, 1935, Números 53-54, p. 7).

A desvinculação da autora em relação a esta mulher não acontece só na abordagem ao universo burguês feminino, aparece, igualmente, quando a autora se debruça, como refere Barbosa (2018b), de forma demolidora sobre o universo do poder simbólico masculino. O confronto entre homem e mulher não significa que Lisboa pretenda estabelecer uma divisão entre o elemento feminino e o masculino. Como refere Carmo (2020), a autora pretende mostrar a vida real dos seres humanos, defendendo que o pensamento e a ação tanto pertencem ao homem como à mulher. As suas reflexões permitem concluir, como aponta Carmo (2020), que a categoria de género não é suficiente sem a associação da categoria de classe para se analisar a obra de Lisboa, uma vez que o olhar crítico da autora se estende, para além de outros fatores, como refere ainda a autora, à “violência surda e quotidiana exercida contra os grupos mais frágeis entre os quais se inclui a escritora” (Carmo, 2020, p. 310), também ela violentada pela sociedade e pelo Estado, como vimos nas palavras de Gomes Ferreira e na sua expulsão do sistema de ensino.

O desassossego, enquanto autora e cidadã, leva-a, em 1938, a perguntar - como fez Beauvoir (1949/1976) 11 anos depois - “o que é uma mulher?” e a responder: “um navio sem rota, um ser perdido” (Seara Nova, 1938, Número 552, p. 138). Na esfera pública ou privada, a mulher, intelectual ou não, está impossibilitada da sua condição de ser humano livre. A autora deixa isso claro quando, em 1942, escreve: “é sobretudo entre homens que se formulam opiniões ( ... ), onde há homens as mulheres são muito pouco ouvidas” (Seara Nova, 1942, Número 799, p. 36).

6. Conclusão

Neste artigo evidenciámos como Lisboa demonstra, através da crónica, a forma violenta como a mulher é tratada em casa, no trabalho e pelo Estado, e a submissão das mulheres em geral, amparada por um regime patriarcal (Tavares, 2011), que considera o cidadão como uma entidade abstrata (Barros, 2022; Freire, 1978). Lisboa denuncia esta narrativa situacionista, estendendo a crítica aos meios familiar, profissional, social e intelectual.

Associada a esta narrativa, a autora representa nas suas crónicas as várias dimensões da violência contra a mulher, uma consciência social partilhada com o jornalismo literário que também se dedica a questões de violência de género (Alexander & McDonald, 2022).

A mulher retratada por Lisboa é uma mulher dual. Por um lado, apresenta de forma irónica - recurso comum do jornalismo literário - a mulher burguesa formada pelo preconceito e pelo servilismo ao pai/marido e ao Estado, uma mulher idealizada como “fada do lar” e que o regime generaliza como sendo a mulher portuguesa (Tavares, 2011). A abordagem às frivolidades e aos preconceitos da mulher burguesa aparece na Seara Nova e estende-se à presença, embora nesta revista as crónicas se apresentem com características mais intimistas e reflexivas e menos interventivas do que na Seara Nova. Por outro lado, mostra a mulher do povo também sujeita às questões de género e de poder que a desumanizam enquanto pessoa e mulher, que a cronista comprova não se enquadrar na definição do regime. Lisboa retrata uma mulher brutalizada, marcada fisicamente por cortes, arranhões, olhos deitados a baixo, nódoas negras e sangue; estigmatizada psicologicamente pelo medo, pela vergonha, pela ocultação da violência de que é alvo perante a família e a sociedade, e pela exaustão; uma mulher condenada economicamente por ser pobre e incapaz de atingir a independência financeira, sujeitando-se, assim, aos trabalhos mesquinhos e exaustivos reservados às mulheres fora de casa e, ainda, aos trabalhos da vida familiar, também estes não menos esgotantes e violentos. Esta representação é feita, durante a ditadura, por Lisboa, em revistas avessas ao regime.

O bem-estar da classe burguesa aparece, assim, em confronto com a representação não romantizada da miséria, do preconceito, da degradação e da exclusão social do povo, nomeadamente, quando aborda a violência física, psicológica e económica/laboral exercida contra a mulher. Como referem Sapega (1996) e Carmo (2020), há uma crítica nos textos de Lisboa, por vezes velada, e uma exposição da vida dos oprimidos, em confronto com a propaganda de otimismo do Estado Novo. É através desta exposição e deste confronto que a cronista retrata a violência contra a mulher.

Esta incidência sobre geografias desfavorecidas (Trindade & Soares, 2018) como forma de consciencialização dos problemas daqueles cujas injustiças afetam o seu quotidiano é comum na história do jornalismo literário e também na crónica de Irene Lisboa. Há nos seus textos uma dimensão informativa, crítica e emocional (Trindade & Soares, 2018), portanto uma dimensão híbrida entre jornalismo e literatura. Encontramos este cenário na representação que a cronista faz da violência contra a mulher. Fá-lo através de uma escrita sem efabulação como se escrevesse literatura, informando com objetividade dentro de toda a subjetividade que implica qualquer representação do mundo.

Encontramos também este cenário no século XXI. As abordagens, por exemplo, de Miguel Sousa Tavares, Pedro Coelho, Raquel Ochoa, Isabel Nery ou Susana Moreira Marques fazem crescer a certeza de que os problemas que Lisboa aporta nas suas crónicas (1929 a 1955) continuam hoje atuais e na agenda de organizações nacionais e internacionais e das ciências sociais.

A ampliação e a replicação do presente estudo podem, assim, dar um contributo útil para robustecer o conhecimento da história da violência em Portugal, nomeadamente a constância da violência contra a mulher através de uma autora que deixa um importante documento humano.

Esta investigação está, contudo, sujeita a limitações. Foram considerados apenas os excertos que abordam a violência contra a mulher, desintegrando esta violência do quadro geral apresentado pela cronista, o que dificulta a interpretação do tema selecionado e o seu alcance comunicativo. Esta circunstância permite, porém, sugerir que abordagens futuras analisem a violência contra a mulher associada, por exemplo, à violência contra a criança, mas também associada à violência provocada pela precariedade laboral que atinge homens e mulheres, procurando, desta forma, determinar a representação que a autora deixa da violência no contexto da ditadura.

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1O nome da revista presença está grafado em minúscula no respeito pelo título original da publicação.

Recebido: 25 de Setembro de 2023; Aceito: 17 de Março de 2024

Jorge da Cunha é professor de Português no Externato João Alberto Faria, em Arruda dos Vinhos, distrito de Lisboa, e coordenador, na mesma instituição de ensino, do serviço de educação especial. É licenciado em Antropologia com especialização em ensino de Português e História e mestre em Ciências da Educação com especialização em análise e intervenção em educação (dislexia) e em educação especial (cognitiva e motora). É doutorando do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa, em Ciências da Comunicação (Jornalismo Literário). Email: jorgepaulodacunha@hotmail.com Morada: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa. Rua Almerindo Lessa, 1300-663 Lisboa, Portugal

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