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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.22 no.40 Lisboa jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.14195/2183-5462_40_13 

Artigo

Liberais ao estilo populista: A argumentação do MBL no YouTube

Populist Style Liberals: MBL’s Argumentation on YouTube

Pedro de Souza Lima Brodbeck1 
http://orcid.org/0000-0002-8995-4286

Kelly Cristina de Souza Prudencio1 
http://orcid.org/0000-0003-4064-8058

1 Universidade Federal do Paraná (UFPR). Brasil. pbrodbeck@gmail.com; kelly.prudencio5@gmail.com


Resumo

O uso das redes digitais para a profusão de mensagens populistas tem repercutido de forma importante na comunicação política e a argumentação tem um papel central nesta estratégia. A partir de 2015, o Movimento Brasil Livre se estabeleceu como um dos principais representantes da nova direita do país, sobretudo, pelo sucesso das publicações nas redes sociais. Para investigar como o movimento se comunica na internet, o trabalho faz uma análise argumentativa dos vídeos do MBL no YouTube que tratam sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que impedia a prisão após decisão judicial em segunda instância e a reforma da previdência. A análise classifica os elementos argumentativos em populistas ou tecnocratas de acordo com o conceito de estilo político proposto por Benjamin Moffitt e identifica que o MBL compõe os elementos argumentativos como forma de dramatizar e polarizar a performance comunicativa para envolver e convencer a audiência.

Palavras-chave: populismo; Movimento Brasil Livre; youtube; análise argumentativa

Abstract

The use of social media for the proliferation of populist messages has shown a great impact on the political communication, and argument plays a central role in this strategy. In recent years, the Movimento Brasil Livre has established itself as one of the main representatives of the country’s new right, driven, above all, by the success of its posts on social media. To investigate the way MBL communicates, the essay proposes an argumentative analysis of MBL videos on YouTube that deal with with the decision of the Federal Supreme Court that prevented arrest after a court decision in the second instance and Social Security. By categorizing the argumentative elements into populists or technocrats according to the concept of political style proposed by Benjamin Moffitt, the study identified that MBL composes its argumentation as a way to dramatize and polarize its communicative performance to engage and convince the audience in a way more efficient.

Keywords: populism; Movimento Brasil Livre; youtube; argumentative analysis

A coalizão entre conservadores e neoliberais não é nova, mas encontrou nas redes digitais um ambiente para reforçar esta aliança, amplificar ideias e mobilizar adeptos por meio de uma estratégia populista. Algumas das hoje principais lideranças globais emergiram e assumiram postos importantes ao subverter as lógicas tradicionais de comunicação política e das campanhas eleitorais se beneficiando da afinidade que estas mídias têm com discursos e argumentos populistas (Gerbaudo, 2018). Eles se utilizam de uma estratégia que evoca uma disputa constante entre um “povo legítimo” contra uma “elite corrupta” (Mudde, 2004), um comportamento agressivo e “politicamente incorreto” e uma retórica alarmista que aponta para uma constante ameaça de crise e caos (Moffitt, 2016, p.49).

Um dos grupos que surgiram em um contexto de acirramento do sentimento antipetista, discurso inflamado de crise e uso massivo das redes sociais foi o Movimento Brasil Livre (MBL). De acordo com Santos Júnior (2019, p.19), ao lado de Jair Bolsonaro, esse é “o maior case de sucesso da instrumentalização da internet para captar corações e mentes, liderar protestos imensos e converter curtidas em votos”. Apesar de se apresentar como um representante liberal da política brasileira, o MBL tem um histórico de subversão de alguns valores centrais do liberalismo em nome de pautas mais conservadoras.

Levando em conta, então, a ascensão dos movimentos políticos de direita, o sucesso do discurso polarizado radical populista nas redes digitais e o resultado obtido por estes atores na política institucional, este trabalho visa estudar a atuação do MBL no YouTube ao analisar as estratégias argumentativas do movimento. A argumentação como forma de persuasão é central na retórica populista (Blassnig et al, 2019, p.7). Levando em conta que o discurso e a estratégia populistas nas redes digitais têm sido exitosas (Gerbaudo, 2018), o trabalho pretende identificar como o movimento se utiliza de recursos populistas nos seus vídeos para defender paradoxalmente um suposto liberalismo.

A direita toma as redes e as ruas

As manifestações pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff em 2016 funcionavam como uma espécie de recrudescimento político e enviesado à direita daquilo que havia acontecido em 2013 em algumas das principais cidades do Brasil. Segundo Santos Júnior (2019, p. 18), foi uma apropriação de um sentimento de desencanto com a política por parte de novos entrantes da direita com pautas conservadoras e discurso hostil contra a esquerda e, principalmente, o PT. Esse descontentamento foi amplificado por um ambiente cada vez mais acessível a um maior número de pessoas, por meio das ferramentas digitais, e que favorece este tipo de debate, ainda que de forma superficial (Bülow, 2018, p.14).

Para Rocha (2018, p. 50), o movimento da Nova Direita é caracterizado como uma militância que deixa de ser vista como “inautêntica, manipulada por elites políticas mais importantes”, como de certa forma foi a “velha” direita ao longo das décadas anteriores, para passar a ser percebida como um movimento de identidades coletivas, capaz de se manifestar e tomar as ruas como os movimentos de esquerda sempre fizeram, com dinâmicas emocionais que surgem a partir de conflitos e interações de grupos políticos, impulsionadas e amplificadas pelas redes sociais.

A popularização das ferramentas de redes digitais reforçou um movimento que já havia iniciado com blogs políticos no início dos anos 2000 e “tornou possível a consolidação do que, na prática, constitui um movimento jovem politicamente ultraliberal e conservador nos costumes, participante ativo de fóruns de discussão e mídias sociais” (Santos e Chagas, 2018, p. 189).

A descrição coincide, em certa medida, com o que é definido como altright, diminutivo de Alternative Right, a ponto de alguns autores tratarem como sinônimos. Segundo Aggio e Castro (2019, p. 2), os movimentos da Nova Direita e da alt-right americana são caracterizados pelo “forte viés populista nas posições políticas e nas retóricas e ancorados, fundamentalmente, em estratégias de comunicação por meio de plataformas para redes sociais”. De acordo com Nagle, (2017, p. 12) a alt-right tem como característica uma cultura intimamente ligada aos códigos comunicacionais da internet, como o uso de memes e a linguagem irônica, para pregar oposição ao politicamente correto, ao feminismo, ao multiculturalismo, entre outros.

Reunindo estas características, o Movimento Brasil Livre (MBL) surge em 2014 a partir da reunião de alguns youtubers independentes que faziam vídeos antipetistas, como Fernando Holiday e Kim Kataguiri, e um grupo de amigos que trabalhou na campanha de um candidato a deputado estadual por São Paulo. Após a não eleição do candidato, os integrantes da campanha foram mobilizados pela coordenação da candidatura de Aécio Neves para criar conteúdo para o segundo turno da eleição presidencial. Com a derrota de Aécio, o grupo passou a organizar manifestações de rua pela saída de Dilma Rousseff (Kataguiri e Santos, 2019, p. 88). As mobilizações eram feitas a partir de eventos no Facebook. A primeira manifestação foi marcada para a semana seguinte à vitória da petista nas eleições. 200 mil pessoas confirmaram presença no evento na rede social e 5 mil pessoas compareceram à manifestação. Simultaneamente, eles produziam conteúdo no Facebook e no Youtube, fazendo campanha contra a presidente, além de fomentar o antipetismo1, alertar para um suposto processo de “venezuelização” do Brasil2 e, principalmente, alimentando o clima de polarização do debate político, frequentemente fomentando a narrativa do “nós contra eles”, em que o “nós” é representado pelo povo supostamente prejudicado por “eles”, o governo petista.

Em 2015 e 2016, as mobilizações lideradas pelo movimento ganharam corpo, e o MBL liderou a convocação das principais manifestações que pediam o impeachment de Dilma Rousseff. Em um destes atos, em março de 2016, mais de 500 mil pessoas foram às ruas em São Paulo pedir o afastamento da presidente, que aconteceu cinco meses mais tarde.

Em 2018, especialmente no segundo turno, o MBL passou a usar seus canais nas redes para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro, geralmente em nome do antipetismo e argumentando que a presença do economista Paulo Guedes, que viria a ser ministro da Economia, era a garantia da adoção de uma política econômica liberal no futuro governo.

Nesta mesma eleição, o youtuber e coordenador nacional do MBL Kim Kataguiri foi eleito deputado federal com a quarta maior votação do país para a Câmara Federal em 2018. Arthur do Val, outro membro do movimento, foi eleito deputado estadual em São Paulo, com 478 mil votos, a segunda maior votação para a Assembleia Legislativa do estado naquele ano e a quarta maior da história.

Redes digitais e o aconchego ao populismo

O YouTube tem um papel central na comunicação do MBL pelas redes sociais. Além do grupo ter estreado seu modelo de comunicação política fazendo vídeos em uma campanha eleitoral, o site é a plataforma na qual o movimento concentra maior parte da sua produção de conteúdo, inclusive com a publicação de um programa diário, ao vivo, com comentários políticos.

Segundo Burgess e Green (2018, p. 13), o YouTube é um caso único de sucesso e crescimento de relevância de plataformas geradas pelos seus próprios usuários, e isso se deve a quatro fatores inovadores: (1) a recomendação de vídeos aos usuários por meio de uma lista de vídeos relacionados àquele que está sendo assistido;

(2) a possibilidade de compartilhar o vídeo por meio de um link; (3) a adoção de caixas de comentários; (4) e um player de vídeos que poderia ser incorporado a outros sites por meio de um código. O sucesso da plataforma, segundo eles, depende de uma dinâmica em que os vloggers participam das discussões que acontecem na plataforma, e os usuários que compõem a audiência desses youtubers trabalham como “interlocutores, co-criadores e críticos” ao assistir seus vídeos, comentá-los e até mesmo produzir outros vídeos relacionados.

Esta interação característica da plataforma é, segundo Finlayson (2020, p. 6), o que faz com que o produtor de conteúdo seja reconhecido como muito mais próximo da sua audiência do que jornalistas, personalidades da mídia e também personagens políticos. De acordo com o autor, “a mídia digital participativa e compartilhável destruiu o monopólio dos políticos sobre os papéis principais em performances de dramas sociais e políticos”, que passou a ser dividido com influenciadores com afinidade com os temas, os quais “mudam as qualidades e características da retórica política e afetam a forma como as pessoas se identificam com posições e ideologias políticas” (2020, p. 2).

Estes produtores de conteúdo são atores centrais de um contexto que dá protagonismo ao “usuário comum” e às suas narrativas (Reis, Zanetti e Frizzera, 2020, p. 5). Neste ponto, a natureza deste tipo de comunicação tem uma afinidade muito íntima com o populismo, que opera como voz e representação da “pessoa comum” (Canovan, 1984, p. 325).

Ainda que a palavra “populismo” esteja intuitivamente ligada a algumas expressões políticas e determinados assuntos, a definição do termo é central em uma discussão recorrente na ciência política. É comum que, no debate das disputas políticas, o conceito seja reduzido a um entendimento exclusivamente pejorativo que abarque tudo aquilo que é considerado por um determinado grupo político como “perigoso, demagógico e irracional” (Gerbaudo, 2018, p. 747).

A definição de Mudde é uma das mais difundidas. O autor diz que “populismo é uma ‘ideologia rasa’, cujo conceito central é ‘o povo’, que tem na ‘a elite’ e no pluralismo seus opostos (2004, p. 544). Ainda segundo ele, “os oponentes não são apenas pessoas com prioridades e valores diferentes, eles são ‘o mal’, e qualquer forma de compromisso é impossível pois significa a corrupção da pureza”. Desta forma, para esta ideologia, “a sociedade é dividida em duas partes homogêneas e antagônicas: o povo puro contra a elite corrupta, e a política deve ser uma expressão da vontade geral do povo” (Mudde, 2004, p. 562).

O populismo também pode ser caracterizado pela sua perspectiva discursiva. Neste caso, a definição de populismo estaria mais associada à sua forma do que ao seu conteúdo (Finlayson, 2020, p. 3). No entendimento de Laclau (2013, p. 117), uma sociedade heterogênea tem grupos diferentes com interesses diversos, chamados de “demandas democráticas” que, uma vez não atendidas e acumuladas, se transformam em “demandas populares”. É neste aspecto que o povo se contrapõe às instituições políticas do poder. Estas demandas, diferentes entre si, precisam de um chamado “significante vazio”, na forma de um discurso, que as unifique de maneira hegemônica. O não-atendimento destas demandas, segundo o autor, é o que impediria o avanço político do povo, e a unificação desta exigência se trata da “lógica populista”.

Aslanidis (2016, p. 91-92) vai mais além e afirma que a ideia de populismo como uma ideologia é problemática por dois fatores: primeiro porque a defesa de que é uma ‘ideologia rasa’ não se sustenta, uma vez que, desta forma, qualquer fenômeno que não fosse amplamente difundido por um grande número de apoiadores seria igualmente fraco, o que, segundo o autor, não é verdade; o segundo aspecto se baseia no fato de que, se o populismo é uma ideologia oposta ao elitismo e ao pluralismo, seria correto definir estes dois também como ideologias, o que o autor acredita que não é possível e, portanto, há um erro metodológico na classificação. Por isso, mais adequado seria tratar populismo como uma forma de enquadramento discursivo que invoca “a supremacia da soberania popular para alegar que as elites corruptas estão defraudando ‘o povo’ de sua autoridade política legítima. Torna-se um discurso anti-elite em nome do povo soberano” (Aslanidis, 2016, p. 96).

Em uma medida semelhante, mas sob uma outra perspectiva, Moffitt defende que populismo é um “estilo político”, baseado, sobretudo, na performance, na forma de apresentação e na retórica aplicada. O autor define isso como “performances incorporadas e mediadas simbolicamente para públicos que são usados para criar e navegar nos campos de poder, desde o domínio do governo até a vida cotidiana” (2016, p. 42). Esta definição inclui tanto a retórica - linguagem escrita, falada ou corporal, argumentação, tom e gestos - quanto a estética.

Segundo Canovan (1984, p. 313), a classificação de populismo enquanto um estilo político é a definição que melhor dá conta sobre a dimensão comunicativa do populismo, uma vez que, de acordo com a autora, o que liga populistas de diferentes espectros ideológicos e de diferentes apelos discursivos é um “estilo retórico que depende fortemente de apelos ao povo”.

Esse estilo é caracterizado de três modos predominantes: o apelo do “povo” contra “elite”, e essa elite pode ser apresentada de várias formas, como uma elite intelectual, o establishment, o politicamente correto ou uma série de “outros”, como minorias, apelando para o “senso comum”; más maneiras, isto é, um endurecimento da retórica política e desdém pelos modos que seriam considerados apropriados de agir na esfera política; e uma alegação constante de crise, colapso ou ameaça, apresentada de forma dramática e performática, invocando para uma ação imediata e decisiva de forma geralmente simplista (Moffitt, 2016, p. 47-48).

De acordo com o autor, a classificação de populismo como um estilo político permite uma avaliação menos binária sobre o tema, identificando áreas cinzentas da atuação política populista. Não se trata, segundo ele, então, de uma definição que caracteriza se um líder é ou não populista, mas, sim, se uma ação específica se enquadra desta maneira ou se é mais ou menos populista.

Neste caso, o oposto de populismo não é o elitismo e o pluralismo, como definiu Mudde. Quando se trata de um estilo político, o oposto de populismo, segundo Moffitt, é o estilo tecnocrata (2016, p. 49). Ao invés de conclamar uma disputa entre povo e elite, o estilo tecnocrata apela para a perícia e a experiência. A forma de expressão é reconhecida como uma boa maneira, que segue padrões e a “etiqueta” política, sem recorrer a ofensas pessoais. Por fim, ao invés de invocar crises, colapsos e ameaças, o estilo político tecnocrata se vale da estabilidade e do progresso. No entanto, o autor fez uma ressalva: esta oposição se refere ao estilo político, o que não impede que governos sejam populistas e recorram a uma apresentação tecnocrata, e vice-versa.

No que diz respeito ao uso do estilo populista nas redes digitais como forma de comunicação política, muitos estudos apontam que há uma relação entre este sucesso eleitoral e comunicacional e o uso populista destas plataformas. Segundo Vreese et al (2018, p. 3), “uma ferramenta comunicacional usada para espalhar ideias populistas é tão central quanto o próprio populismo”.

Gerbaudo (2018, p. 476) argumenta que as mídias digitais ofereceram um canal que alimenta um anseio populista de supostamente representar aqueles que não têm voz, especialmente em um momento de crise econômica e das instituições democráticas. Segundo o autor, há exemplos tanto na direita quanto na esquerda de grupos, líderes e movimentos que expressam traços clássicos do populismo, como uma atitude vocal anti-establishment a pretensão de representar as “pessoas comuns” e amplificam este discurso pelas redes sociais.

As mídias digitais fornecem aos populistas uma possibilidade de evitar certas institucionalidades ou padrões impostos pelos meios de comunicação tradicionais. “Dessa forma, as mensagens populistas não precisam seguir os valores das notícias e são frequentemente de natureza mais pessoal e sensacionalista” (Engesser et al, 2016, p. 1113).

Como um dos pressupostos do populismo é que o povo é uma comunidade homogênea que tem como inimigo algo inautêntico, esta perspectiva permite que esta comunidade seja representada por uma única pessoa, que, pelas redes sociais, pode fazer essa interlocução supostamente de forma não-mediada (Kramer, 2017, p. 6). De acordo com Aggio e Castro (2019, p. 6), esta ideia de unidade também funciona como um artifício retórico para o discurso populista para alegar a inexistência ou desimportância de desigualdades diante de uma necessidade única de um povo autêntico.

A afinidade entre populismo e as redes digitais acontece também em decorrência de como os algoritmos destas plataformas trabalham, atraindo a atenção do público para postagens mais capazes de angariar reações e curtidas de outros usuários (Gerbaudo, 2018, p. 751).

Esta performance típica do Youtube incorpora um testemunho pessoal ideológico, como se aquela revelação fosse capaz de trazer uma suposta verdade que só pode ser advogada por aquele que está emitindo aquela mensagem (Finlayson, 2020. p. 14). O conceito se encontra com a definição de estilo político de Moffitt, que trata o populismo como um “estilo político performativo, fornecendo uma estrutura teórica em que o líder é visto como o ator, ‘o povo’ como o público e a crise e a mídia como o palco no qual o populismo se desenrola” (2016, p.12).

O que Bennet e Sergerberg (2012) viam como salutar acaba por favorecer um tipo de comunicação que paradoxalmente contraria o princípio do debate público em torno de questões de interesse coletivo, uma vez que o populismo sugere que as instituições (establishment) estão contra o povo. Junta-se a isso a orientação neoliberal e tem-se o cenário criado para a confluência que caracteriza o estilo populista de direita do MBL.

A argumentação ao estilo populista: o caso do MBL

Para observar como o MBL utiliza uma estratégia populista na estrutura das argumentações contidas nos seus vídeos, a análise argumentativa se debruça sobre os vídeos que tratam da proposta do governo de Jair Bolsonaro de reforma da previdência social e da determinação do Supremo Tribunal Federal que proibiu o cumprimento de sentença de prisão após decisão em segunda instância.

Segundo Blassnig et al (2019, p.7), a argumentação como forma de persuasão é central na retórica populista. A eficácia do que é verbalizado, e o impacto do que é dito em um determinado público ou no interlocutor é o objetivo de uma argumentação (Amossy, 2020, p. 7).

A análise argumentativa proposta por Stephen Toulmin estabelece uma estrutura argumentativa e divide o texto argumentativo em partes, como proposições, dados, garantias, apoios e refutações. O modelo estabelece um layout que permite a visualização dos elementos que estruturam um argumento. Este modelo, segundo Liakopoulos (2015, p. 2020), dá ênfase à persuasão e ao esforço de convencimento sobre a validade formal de um texto verbalizado e permite que o texto argumentativo “seja julgado com fundamento na função das suas partes inter-relacionadas”.

Figura 1 Modelo de layout da argumentação de Toulmin. Fonte: Toulmin, 2001, p. 146 

O esquema de Toulmin prevê que, quando alguém profere um argumento, esta pessoa deve ser capaz de sustentá-lo com boas razões caso queira que ele seja aceito pelo interlocutor (Amossy, 2020, p. 25). Para isso, ele deve ser composto por uma conclusão, chamada aqui de proposição, precedida no layout argumentativo por dados que a sustentam. Estes dados são baseados em uma informação, que pode ser implícita, que funciona como uma premissa geral que legitima os dados. Esta regra geral, chamada de garantia, também se ancora em um apoio. Ainda é possível que um argumento tenha um qualificador, que dá a intensidade ou a frequência da proposição, e de uma refutação, que estabelece uma condição para que a conclusão evocada não tenha validade.

Identificando os argumentos

Dois fatos políticos foram usados pelo movimento para mobilizações ao longo do ano de 2019. Um deles foi a proposta de reforma da previdência do governo federal. O movimento organizou 40 manifestações em 35 cidades3 para apoiar a proposta de reforma. Os atos também tinham como objetivo atrair pessoas que fossem contrárias à reforma previdenciária para debater com integrantes do MBL. Outro acontecimento foi a mudança do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o cumprimento de pena após decisão em segunda instância, contra o qual o MBL convocou manifestações de rua4 para apoiar a Operação Lava Jato, protestar contra a decisão da suprema corte brasileira e para pressionar deputados pelo andamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 410/2018.

Ao longo de 2019, o MBL postou 536 vídeos no Youtube. Deste total, 38 vídeos tinham como tema a defesa da reforma da previdência no âmbito federal ou então discussões relativas à prisão após decisão em segunda instância. Foram incluídas na seleção final do corpus de pesquisa outras duas postagens relativas à discussão da reforma da previdência social, uma de novembro de 2018 e outra de dezembro do mesmo ano, uma vez que eram vídeos que introduziam o tema e apresentavam a argumentação do movimento sobre a proposta de reforma. Portanto, ao final, a pesquisa chegou a um corpus de 40 vídeos postados pelo MBL no Youtube5 entre 29 de novembro de 2018 e 28 de novembro de 2019. São 12 publicações que tratam sobre a prisão após decisão em segunda instância e outros 30 vídeos que dizem respeito à proposta de reforma da previdência.

A análise da argumentação foi baseada nos textos falados nos vídeos do movimento. Para isso, a transcrição dos vídeos foi realizada por meio do serviço DYI Captions6, com posterior conferência, correção e revisão gramatical e ortográfica dos textos extraídos. No total, foram decupados e analisados 325 minutos de vídeos. Após a transcrição, foram identificadas, primeiramente, as proposições apresentadas. Depois, conforme sugere o esquema proposto por Toulmin, foram identificados os dados associados às proposições, suas garantias, seus apoios, qualificadores e eventuais refutações. A maior parte dos vídeos tinham mais do que uma proposição argumentativa sustentada por outros elementos. Em apenas um dos vídeos não foram identificados argumentos. Ao todo, a pesquisa identificou 516 elementos argumentativos nos 40 vídeos analisados. Foram 110 proposições, 193 dados, 136 garantias, 73 apoios, 2 qualificadores e 2 refutações.

O estilo populista foi subcategorizado em três marcadores. O primeiro é “o povo contra a elite”, que de acordo com Moffitt (2016, p. 47), que se manifesta pela caracterizarização do povo como o único e verdadeiro detentor da soberania. Relacionado a isso, também está “a divisão dicotômica da sociedade entre ‘o povo’ e ‘a elite’ (ou outros significantes relacionados, como ‘o sistema’ ou ‘o establishment’)”. Ainda segundo o autor, a recorrência de alvos determinados também é uma característica do estilo populista.

Levando em conta estes conceitos, foram enquadrados como elementos populistas que apelam à disputa entre povo e elite as partes de argumentos que tratavam “o povo” ou “a população” como um ente homogêneo que é traído, contestado, subjugado por um acordo ou uma ação da elite ou elementos que recorrem a um eventual anseio único popular. O trabalho também reconhece que, quando se trata da argumentação referente às discussões sobre prisão após decisão em segunda instância e reforma da previdência, “os políticos”, “a esquerda”, “o funcionalismo público”, “o STF” são atores que representam “a elite” nesta relação dicotômica com a vontade homogênea da população.

O segundo marcador do estilo populista é “más maneiras”, que se manifesta quando há um endurecimento na retórica populista. Segundo o autor (Moffitt, 2016, p. 48), isso acontece pelo uso de gírias, palavrões, agressões verbais, apelo ao “politicamente incorreto”. Foram classificados neste conceito os elementos argumentativos que recorriam a xingamentos ou ataques pessoais ou direcionados para qualificar uma determinada proposição.

Crise, alerta ou ameaça é o terceiro marcador desse estilo, uma reação a um sentimento extremo de crise em que o discurso populista surge como uma forma urgente e fundamental de superar esta ameaça (Taggart, 2004, p. 275). As crises podem estar aliadas à dissonância entre a elite e o povo, mas também a uma ameaça à vontade e à soberania popular. Foram incluídos nesta categoria os argumentos que evocam algum risco, ameaça ou colapso caso uma determinada ação contrarie as reivindicações centrais dos textos analisados. Também foram considerados elementos que apelam para uma permanente ameaça à vontade popular. Outros três marcadores foram definidos para o estilo tecnocrata. A tecnocracia recorre a uma suposta perícia técnica nas ações e no discurso, sem recorrer ao povo ou ao senso comum. Ao invés de performances apaixonadas e com emoção, o estilo tecnocrata recorre à neutralidade emocional e à racionalidade na sua apresentação (Moffitt, 2016, p. 49).

O estilo tecnocrata jurídico é aquele que se baseia na interpretação de leis e no vocabulário característico. O estilo tecnocrata econômico recorre a fundamentos orçamentários e conjunturais nos vídeos que abordaram a proposta de reforma da previdência, bem como nos que apontavam as consequências econômicas da reforma, sem apelar para uma ameaça iminente. O marcador tecnocrata político foi identificado nos argumentos que evocavam os ritos e prognósticos políticos. Foram considerados argumentos de estilo tecnocrata políticos todos os elementos que apresentam propostas por meio de mobilização popular ou pelo processo legislativo ou que levantam dados por meio da análise do cenário político.

A retroalimentação dos argumentos populistas e tecnocratas

Os vídeos sobre prisão após decisão em segunda instância foram publicados a partir do dia 16 de outubro de 2019, dois dias após o então presidente STF, Dias Tóffoli, pautar uma nova votação para julgar questionamentos sobre a prisão de condenados sem que as ações tivessem transitado em julgado, ou seja, até que todas as instâncias sejam esgotadas7.

Nos seus vídeos, o MBL é veementemente contra a mudança de entendimento promovida pelo Supremo. Nas publicações, o movimento apresenta argumentos para mostrar que a decisão do STF é contrária à doutrina jurídica, o histórico brasileiro e o entendimento mais recorrente em outros países, além de reivindicar a necessidade de se aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institua a prisão após decisão em segundo grau. Além disso, defende que a mudança vai beneficiar corruptos, bandidos perigosos e a esquerda. No geral, em 12 vídeos sobre o tema, foram apresentados 41 argumentos, sendo que 22 deles recorreram ao estilo tecnocrata e 19 proposições foram enquadradas no estilo populista.

Tabela 1 Tipos de argumentos sobre prisão após 2ª instância 

Fonte: Os autores (2021)

As alegações mais frequentes nos vídeos são duas: uma que se utiliza do estilo populista e outra do estilo tecnocrata. A proposição populista mais frequente afirma que há um acordo entre o tribunal e os políticos para liberar bandidos da cadeia em detrimento da vontade do povo. A argumentação técnica mais frequente, que é repetida mais vezes nos nove vídeos finais, após o fim do julgamento do STF, diz que os apoiadores do movimento devem se mobilizar e pressionar os deputados pelo andamento da PEC da prisão em segunda instância.

Em menor frequência, o movimento também utiliza a estratégia de alertar para a ameaça da mudança de decisão, que instalaria um clima de impunidade aos políticos corruptos, que traria insegurança ao país, com a libertação de milhares de bandidos perigosos, e que facilitaria a volta do PT e da esquerda ao poder, com a saída de Lula da cadeia. Por fim, a performance relacionada às más maneiras se manifesta com ataques pessoais àqueles que defendem a prisão após a última instância como imorais e corruptos.

Considerando os demais elementos argumentativos (dados, garantias, apoios, refutações e qualificadoras), ao todo foram identificados 164 elementos nos 12 vídeos do canal sobre o tema. As 41 proposições mencionadas recorreram a 54 dados, que foram fundamentados por 42 garantias e 24 apoios. Foram identificados 2 qualificadores e 2 refutações. Dos 165 elementos identificados, 104 apresentaram estilo tecnocrata e 60 se enquadram nas características de estilo populista.

Até pela natureza característica dos elementos, os apoios e dados, que fundamentam as garantias e proposições, respectivamente, com números, estatísticas e fatos históricos, entre outros, contêm uma frequência maior de elementos de estilo tecnocrata do que populista. Já ao apresentar as garantias e, principalmente, as alegações, o MBL recorre ao estilo populista com maior frequência, conforme Gráfico 1.

Gráfico 1 Ocorrência de elementos populistas e técnicos em vídeos sobre prisão em 2ª instância. Fonte: Os autores (2021) 

O Gráfico 2 mostra que apenas 10 dos 41 argumentos apresentados são embasados apenas por dados, garantias e apoios de estilo tecnocrata. Outros 25 argumentos são sustentados tanto por elementos técnicos quanto populistas. Há ainda 6 proposições que são estritamente populistas.

Gráfico 2 Composição dos argumentos em vídeos sobre prisão após decisão em 2ª instância. Fonte: Os autores (2021) 

As alegações de estilo técnico de caráter jurídico, em sua maioria, foram embasadas apenas por elementos também jurídicos. Nestes casos, as proposições que diziam ser justa a prisão após segunda instância se baseavam em exemplos de constituições e rituais jurídicos de outros países, entendimentos de décadas passadas e princípios jurídicos de que a culpa de um condenado é julgada até a segunda instância e que, portanto, a presunção de inocência de uma pessoa não é um direito violado quando ela é presa após o julgamento em segundo grau. É diferente, no entanto, quando as proposições são técnicas de característica política. O mais comum é que as alegações tenham sido baseadas em dados, garantias e apoios tanto de natureza técnica quanto com elementos populistas. É o que acontece, por exemplo, quando o fundador do MBL Renan Santos afirma em uma das postagens que o STF age de forma casuística. Esta proposição apresenta um dado de suporte no estilo populista dizendo que o “STF defende os grandes interessados na impunidade do Brasil, sejam agentes da esquerda, centrão ou grandes empresários”, fundamentada na garantia técnica de que políticos condenados em segunda instância podem ser soltos com a decisão do Supremo.

A análise também apontou que os argumentos mais robustos, compostos por proposições, dados, garantias e dados, têm uma proporção maior de reivindicações técnicas. Das 22 proposições apresentadas com estilo tecnocrata, 12 tinham os outros três elementos argumentativos para fundamentá-las, o que representa 54% das alegações técnicas. Por outro lado, das 19 proposições de estilo populista, apenas 3 apresentaram dados, garantias e apoios, o que representa 16% destes argumentos.

Gráfico 3 Completude dos argumentos nos vídeos sobre prisão após decisão em 2ª instância. Fonte: Os autores (2021) 

De acordo com o conceito desenvolvido por Moffitt, entende-se que mesmo alegações de caráter técnico recorrem a elementos populistas como uma forma de dramatizar e polarizar a performance da argumentação. Da mesma forma, as reivindicações de natureza populista se fundamentam em dados, garantias e apoios técnicos para que eles sejam reconhecidos como argumentos lúcidos e racionais em alguma medida, ainda que incorporados da urgência característica do estilo populista.

Figura 2 Exemplo de argumento populista. Fonte: Os autores (2021) 

Os vídeos sobre reforma da previdência foram publicados entre 29 de novembro de 2018, cerca de um mês após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições, e 11 de julho de 2019, um dia após a Câmara dos Deputados aprovar o texto-base da PEC da Previdência. Ao todo, são 28 vídeos postados no canal do MBL no YouTube sobre o tema neste intervalo de tempo.

A principal mudança instituída com a reforma foi a definição de uma idade mínima para que os segurados possam começar a receber aposentadoria. Ficou definido que homens só podem se aposentar após os 65 anos e mulheres após os 62 anos de idade. Além disso, os trabalhadores precisam cumprir um tempo mínimo de contribuição para ter direito à aposentadoria, que varia de 15 a 30 anos, dependendo da atividade.

Os dois primeiros vídeos são postados antes mesmo da posse de Bolsonaro como presidente. Nas postagens, o movimento foca nas proposições de estilo tecnocrata, utilizando argumentos de natureza política. De 7 alegações identificadas nestes dois vídeos, quatro são classificadas como políticas. Os argumentos tratam da dificuldade que a reforma pode encontrar no Congresso e da necessidade de apoio popular para que a PEC seja aprovada. Ainda há, também, uma proposição técnica que aborda aspectos econômicos da importância da aprovação das mudanças. Duas alegações se enquadram no estilo populista ao argumentar que a reforma da previdência é que vai definir se o Brasil “dá certo ou não” e que não haverá sucesso algum no governo Bolsonaro se não houver reforma da previdência, alegando que o futuro do país será caótico sem as mudanças.

A PEC da previdência começou a tramitar no Congresso Nacional em fevereiro e foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no final de abril. Entre o início do mandato de Bolsonaro, passando pela apresentação do projeto na Câmara dos Deputados e a aprovação na primeira comissão, o MBL publicou 17 vídeos sobre o tema. Neste período, foram apresentados 46 argumentos sobre o tema, nos quais 34 das proposições apresentadas têm natureza técnica e 12 têm características populistas. A maior parte da argumentação trata de aspectos políticos sobre a morosidade do andamento da proposta no Congresso. São 19 alegações políticas, sendo que 11 delas tratam sobre a necessidade do governo acelerar as negociações com os deputados para fazer a proposta ser aprovada o mais rápido possível. A alegação de que o MBL sempre foi favorável à reforma, mesmo no governo anterior, também é repetida ao longo dos vídeos.

Das 15 reivindicações técnicas de natureza econômica, os argumentos mais frequentes alegam que as mudanças não representam cortes de direitos, que os mais pobres não serão prejudicados pelas alterações na previdência e que o sistema vigente é insustentável.

Entre as 12 proposições de estilo populista, 6 remetem à ameaça de crise ou colapso caso a proposta não seja aprovada. Em 4 argumentos o movimento afirma que a aposentadoria dos trabalhadores pode acabar e o futuro do país será trágico caso a PEC não seja aprovada. Outras 2 proposições afirmam que o cenário de caos com a não aprovação da reforma pode promover a volta da esquerda ao poder. Em outras 5 argumentações, classificadas na categoria “povo contra elite”, o MBL argumenta que o modelo anterior de previdência favorecia privilegiados, especialmente servidores públicos, em detrimento dos trabalhadores da iniciativa privada. Em um dos vídeos, o membro do grupo Pedro D’Eyrot argumenta que “o MBL vai lutar pela população contra o inimigo obscuro”, ao defender que existe um acordo entre as elites para que a reforma não seja aprovada.

Depois de aprovada na CCJ, a proposta da previdência foi discutida em uma Comissão Especial da Câmara, criada especificamente para a votação da PEC. Neste período, entre 9 de maio e 11 de julho de 2019, o MBL publicou nove vídeos sobre a proposta de reforma da previdência. Neste período há a maior incidência proporcional de proposições de estilo populista. São 16 alegações apresentadas, sendo 9 delas de estilo tecnocrata e 7 populistas. A categoria mais frequente entre as proposições neste período é a econômica, com 5 argumentos - sendo que 3 deles alegam que o país voltaria a crescer uma vez que a proposta de reforma fosse aprovada. Entre as proposições de estilo populista, a categoria mais recorrente neste período é a que recorre a más maneiras e ataques pessoais. São 4 proposições afirmando que os parlamentares de oposição não têm moral, são irresponsáveis e hipócritas.

Ao todo, nas 28 postagens sobre a reforma da previdência, são 68 proposições, sendo 47 delas apresentadas com estilo tecnocrata e 21 alegações que recorrem ao estilo populista. Entre os argumentos com reivindicações apresentadas com características técnicas, são 27 proposições de natureza política e 20 econômicas. No caso das proposições populistas, 9 apresentam um cenário de crise, alerta ou ameaça, 7 recorrem a elementos que apontam para uma disputa entre povo e elite e 5 são expostas por meio de ofensas ou más maneiras.

Tabela 2 Argumentos sobre reforma da previdência 

Fonte: Os autores (2021)

Nas 40 postagens analisadas sobre reforma da previdência, foram identificados 351 elementos argumentativos, sendo que 280 deles apresentam o estilo tecnocrata (151 de natureza econômica e 129 de características políticas) e 71 no estilo populista (29 evocando estado de crise, 24 recorrendo à uma contraposição entre povo e elite e 18 ataques pessoais).

Proporcionalmente, a maior prevalência de elementos populistas acontece nas proposições, com 30% de alegações populistas. A menor recorrência acontece na apresentação dos dados, em que os elementos populistas representam apenas 16% das argumentações.

Gráfico 4 Ocorrência de elementos populistas e técnicos em vídeos sobre reforma da previdência. Fonte: Os autores (2021) 

Assim como nos vídeos sobre prisão após decisão em segunda instância é comum que existam argumentos com proposições técnicas baseadas em algum elemento populista, assim como o contrário. Mas desta vez, com a predominância de dados técnicos, a proporção de argumentos apresentados exclusivamente de maneira tecnocrata é consideravelmente maior, conforme o Gráfico 5.

Gráfico 5 Composição dos argumentos em vídeos sobre reforma da previdência. Fonte: Os autores (2021) 

As construções mais comuns são os argumentos políticos inteiramente técnicos, alegando que é preciso ser mais célere na aprovação da reforma para que os benefícios econômicos prometidos pela mudança apareçam logo e para que o governo Bolsonaro possa usufruir da eventual popularidade destes resultados e os argumentos de natureza econômica que alegam a necessidade fiscal da aprovação de uma reforma que corte gastos. Ainda assim, é frequente que os argumentos sejam fundamentados em elementos de estilo populista que sugerem um futuro caótico caso a PEC não seja aprovada ou seja desfigurada pelos parlamentares.

No que diz respeito à completude dos argumentos, ou seja, aqueles que apresentam pelos menos quatro elementos argumentativos, há uma maior prevalência de reivindicações de caráter técnico econômicas que são completas. 63% das 22 proposições econômicas apresentadas contam com dados, garantias e apoios. Praticamente metade dos 25 argumentos políticos e dos 9 argumentos que evocam crise também contam com todas as partes principais de um esforço argumentativo.

Gráfico 6 Completude dos argumentos sobre reforma da previdência. Fonte: Os autores (2021)Conteúdo populista com verniz tecnocrata 

Ao longo de toda a análise dos 40 vídeos do Movimento Brasil Livre no YouTube foram identificadas 110 proposições embasadas por outros 416 elementos argumentativos. Ao adotar o conceito de Benjamin Moffitt para reconhecer o estilo populista na apresentação dos argumentos nos vídeos, nota-se que a maioria dos argumentos usados pelo MBL, em 59 dos 110 argumentos analisados, contém elementos que recorrem, simultaneamente, ao estilo tecnocrata e ao estilo populista.

Gráfico 7 Composição dos argumentos nos vídeos do MBL. Fonte: Os autores (2021) 

Na comparação entre os dois temas, é possível perceber que a argumentação do MBL recorre ao estilo populista com maior frequência nas discussões acerca da reivindicação da necessidade de prisão após decisão em segunda instância do que na abordagem referente à reforma da previdência. Uma hipótese para isso é que a defesa de um Estado mais enxuto, com menos gastos, seja uma bandeira naturalmente alinhada ao discurso neoliberal que o MBL representa, enquanto a defesa da exclusão de uma garantia constitucional como o direito de estar livre até que todas as instâncias se esgotem contradiga os valores liberais.

Por outro lado, as argumentações nos vídeos que tratam da reforma da previdência são mais robustas, com uma maior proporção de argumentos completos fundamentados em todos os elementos argumentativos. Não apenas as proposições de estilo tecnocrata com características econômicas são as com maior proporção de argumentação completa, como inclusive as proposições populistas, nestes vídeos, também são melhor embasadas, com maior proporção de garantias e apoios.

Dois temas de argumentos, um tecnocrata e outro populista estão presentes tanto nos vídeos sobre previdência quanto nos vídeos sobre prisão após decisão em segunda instância. Um deles sempre recorre à necessidade de mobilização política e pressão popular para que as demandas do movimento evoluam pelos meios institucionais, seja para aprovar a PEC que mudaria o texto da Constituição instituindo a prisão após a condenação em segundo grau, seja para pressionar deputados para um andamento mais célere da reforma da previdência no Congresso Nacional. O outro argumento que se repete em diversos vídeos, independente do tema, é o alerta de ameaça do retorno de Lula e do PT ao poder. Nos vídeos jurídicos, a liberdade de Lula e a possibilidade dele, no futuro, poder se candidatar à presidência é um dos pilares argumentativos centrais para justificar o posicionamento do MBL nos vídeos. Nos vídeos sobre a previdência, o retorno do PT aparece de forma mais contextual, com a alegação de que, caso a reforma não seja aprovada, o partido se aproveitaria do caos social para voltar à presidência.

Também é possível notar nos vídeos, mesmo naqueles com argumentação essencialmente tecnocrata, o que Moffit (2016, p. 48) define como “linguagem de tabloide” - e que Gerbaudo (2018, p. 746) aponta como “exclamações emocionalmente carregadas”. Outra característica importante nestes vídeos é que a maioria deles, 29 de 40, são gravados em formato vlog, com o youtuber falando diretamente para a câmera, sem recursos refinados de edição ou direção, o que reforça a cultura participativa e interacional da plataforma (Burgess e Green, 2009, p. 58).

Considerações finais

Diante dos resultados, a pesquisa verificou que a maioria dos argumentos usados pelo MBL nos vídeos para defender seus pontos se utiliza tanto de elementos técnicos quanto populistas para tentar convencer a audiência. É comum que uma reivindicação de estilo tecnocrata seja embasada por um dado ou garantia de natureza populista, assim como o contrário.

Isso permite entender que as alegações de caráter técnico recorrem a elementos populistas como uma forma de dramatizar e polarizar a performance da argumentação para convencer a audiência. Da mesma forma, as reivindicações de natureza populista se fundamentam em elementos técnicos para que eles sejam reconhecidos como argumentos lúcidos e racionais (logos) em alguma medida, ainda que apresentados com a urgência característica do estilo populista. Via de regra, ainda que apresente elementos argumentativos técnicos, classificados como econômicos, jurídicos e políticos, nas reivindicações em defesa da prisão após decisão em segunda instância e da reforma da previdência, 69 das 110 proposições recorrem a pelo menos um elemento argumentativo populista. Desta forma, o grupo se utiliza de uma fachada tecnocrata para ocultar uma estratégia de argumentação populista, fundamentalmente baseada no antipetismo e na ameaça do suposto risco que seria a volta do partido ao poder.

A argumentação utilizada, fundamentada em reivindicações ora de caráter populista, ora baseada em dados tecnocratas, ajuda a explicar como o grupo consegue se destacar como um importante ator político no Brasil e como os vídeos do MBL são capazes de mobilizar uma grande audiência de simpatizantes. Isso se explica porque, segundo Gerbaudo (2018, p. 751), a afinidade entre populismo e as redes sociais acontece pela forma como as plataformas priorizam, com maior visibilidade, maior potencial de compartilhamento e maior destaque nas postagens com características populistas. Em complemento, Moffitt (2016, p. 85) acredita que atores políticos que melhor incorporam o estilo populista são aqueles que, também, sabem usar melhor as ferramentas das redes digitais.Os estilos tecnocrata e populista presentes nos vídeos do MBL se fundem numa argumentação que permite contestar a autodeclaração do grupo como expoente do liberalismo. Uma comunicação baseada no paradoxo do argumento de formato tecnocrata com um apelo populista, tal qual Laclau define como significante vazio.

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Notas

1 https://www.youtube.com/watch?v=C5EcjEGmH7c. Acesso em 13 de setembro de 2020.

2 https://www.youtube.com/watch?v=50oORwZcseI. Acesso em 13 de setembro de 2020.

3 https://twitter.com/MBLivre/status/1124394896209711104. Acessado em 22 de abril de 2021.

5 Catálogo de vídeos disponível em: https://www.youtube.com/c/MBLIVRE/videos. Acessado em 20/01/2021

6 DIY CAPTIONS. Disponível em: https://www.diycaptions.com. Acesso em 10 nov. 2020

7 Com a mudança de entendimento do STF, julgada na oportunidade, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva teve direito a sair da prisão, uma vez que ele estava condenado, naquele momento, em duas instâncias, mas ainda estava recorrendo da pena. https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/11/08/lula-deixa-a-prisao-em-curitiba-apos-decisao-do-stf.ghtml. Acessado em 14 de maio de 2021.

Notas biográficas

8Pedro de Souza Lima Brodbeck é mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná. Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná. Integrante do COMPA, Grupo de Pesquisa em Comunicação da UFPR. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-8995-4286 ID Lattes: 9368429936138856. Morada: 80060-000, Curitiba, Brasil

9Kelly Cristina de Souza Prudencio é doutora em Sociologia Política. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. Coordenadora do COMPA, Grupo de Pesquisa em Comunicação e Participação Política Universidade Federal do Paraná (UFPR). ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-4064-8058 ID Lattes: 5621310244457556 Morada: 80060-000, Curitiba, Brasil

Recebido: 08 de Outubro de 2021; Aceito: 06 de Fevereiro de 2022

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