Introdução
Os jovens de hoje serão protagonistas nas suas sociedades, tomadores de decisão de questões-chave para o planeta e relacionar-se-ão, inevitavelmente, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas. Nesse contexto, o consumo de informação sobre o meio ambiente e especificamente sobre as alterações climáticas torna-se ainda mais relevante, bem como os critérios que os jovens usam para selecionar, consumir e agir nas suas vidas. Especialmente para os jovens adultos da geração Z (nascidos entre 1995 e 2002), a constituição dos domínios de identidade e moral é essencial para se considerar o consumo de notícias. O processo é complexo e importa considerar os usos da internet e a importância que esse ambiente sociotécnico apresenta, preferencialmente nas redes digitais, nas quais os jovens dão importância e passam muito tempo conectados.
Em projeto de investigação que originou este artigo, “Engage for SDG”1, buscou-se responder a algumas questões: os domínios morais pessoais dos jovens adultos influenciam o consumo de notícias?; o uso de domínios morais nas narrativas noticiosas pode gerar engajamento juvenil em relação aos objetivos dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), e especialmente às alterações climáticas?; como as diferenças de cultura, género e localização dos jovens adultos influenciam a tomada de decisão no consumo de notícias e o uso de argumentos sobre o meio ambiente?; e, finalmente, quando reunidos para argumentar, se os discursos dos jovens são influenciados de acordo com a orientação racional ou moral das notícias consumidas? - questões a que tentaremos responder neste artigo.
Para isso, foi aplicado a jovens adultos em instituições do ensino superior no Brasil e em Portugal, diferentes procedimentos metodológicos para compreender a importância dos atributos morais em sua decisão de envolver-se com o debate sobre alterações climáticas. Partimos da aplicação de questionário psicométrico que mede a adesão às narrativas morais, o Questionário de Fundamentos Morais QFM (Graham et al., 2011); coletamos comentários sobre notícias ambientais no Twitter e as analisamos segundo a Teoria dos Fundamentos Morais TFM (Graham et al., 2013); selecionamos notícias de ambos países a partir do protocolo MIME (Tamborini, 2012; Weber et al., 2021), para a posterior aplicação em grupos focais; e na realização de um debate final deliberativo (Habermas, 1990) entre jovens dos dois países.
Os jovens estão desempenhando um papel cada vez mais ativo e comprometido no que diz respeito ao consumo de notícias ambientais, particularmente no contexto das alterações climáticas. Um exemplo disso são os recentes movimentos globais liderados por jovens, como a Greve Global pelo Clima liderada por Greta Thunberg, que aumentaram significativamente a conscientização sobre as mudanças climáticas entre os jovens (Thunberg, 2019). Isso motivou muitos deles a buscar ativamente notícias e a se envolver em ativismo relacionado ao meio ambiente (Hickman, 2020). Este envolvimento está enraizado na crescente conscientização sobre os desafios ambientais que o mundo enfrenta. Eles não apenas buscam informações em redes sociais, mas também dedicam tempo à leitura de artigos científicos e livros para aprofundar seu entendimento sobre alterações climáticas. Essa abordagem mais profunda e informada é fundamental para seu compromisso com a ação climática. A busca por literatura científica permite que eles compreendam os processos climáticos, os impactos das atividades humanas e as implicações para o futuro (IPCC, 2018). Essa abordagem informada e baseada em evidências é essencial para que eles se tornem defensores e agentes de mudança em relação ao desafio das alterações climáticas.
1. Referencial Teórico
Para Goffman (1966), o engajamento é definido como a manutenção de um foco único de habilidades cognitivas e visuais entre dois ou mais participantes numa situação. Já para Sidner & Dzikovska (2002), trata-se de um processo onde os envolvidos estabelecem, permanecem e encerram uma conexão intencional. Por seu turno, para Poggi (2007), o engajamento é percebido através do valor que um participante de uma interação atribui ao objetivo de estar junto com os outros e manter essa interação. Já para Bohus e Horvitz (2009), o engajamento depende das atividades partilhadas e coordenadas nas quais os participantes iniciam, mantêm, juntam, abandonam, suspendem, retomam ou terminam uma interação (Bohus &Horvitz 2009).
O consumo de notícias sobre alterações climáticas por jovens em plataformas de redes sociais é um fenômeno complexo e multifacetado. As redes sociais desempenham um papel cada vez mais importante na disseminação de informações, incluindo notícias relacionadas ao meio ambiente e às alterações climáticas.
Muitos jovens acedem a notícias sobre alterações climáticas de maneira “acidental”, por intermédio das redes digitais. Isso ocorre quando as notícias são partilhadas e aparecem nos seus feeds de notícias ou são impulsionadas por algoritmos (Smith et al., 2019). As redes digitais muitas vezes usam algoritmos para determinar quais conteúdos são exibidos no feed do utilizador. Isso pode criar “bolhas de filtro”, onde os jovens são expostos principalmente a informações que se alinham com suas interações prévias ou com volumes estatísticos de preferência (Donghee et al., 2013). Por outro lado, alguns jovens procuram ativamente notícias sobre alterações climáticas, seguindo páginas de notícias ambientais, perfis de jornalistas ou hashtags específicos para se manterem informados (Lee et al., 2023). Além disso, utilizadores da internet, muitos jovens se envolvem ativamente com o conteúdo relacionado com o tema das alterações climáticas. Isso pode incluir comentários, partilhas e discussões sobre notícias (Pearce et al., 2019).
No que se refere ao engajamento com notícias sobre alterações climáticas, é importante considerar essas diferentes dimensões ao avaliar como as pessoas consomem e se envolvem com notícias nos dias de hoje. O engajamento está intrinsecamente ligado aos fundamentos morais, tanto dos receptores das notícias, como na produção de conteúdo noticioso. A forma como as pessoas percebem e respondem a essas informações é influenciada por suas crenças éticas e valores pessoais, bem como pela maneira como o conteúdo é apresentado (Balbé & Carvalho, 2017). Vamos explorar essa relação complexa entre engajamento e fundamentos morais. Nas redes digitais, as opiniões sobre as notícias sobre as alterações climáticas dinamizam a perceção sobre os fenómenos. As opiniões podem subscrever o que é noticiado ou podem gerar reações contrárias ou alternativas. Além disso, a forma de consumo de informação em cada rede digital varia de acordo com a sua estrutura, o que implica metodologias diferentes de análise (Balbé, 2018). Por exemplo, a análise do engajamento com as alterações climáticas sugere a existência de vários fatores limitantes e barreiras via Facebook, desde o acesso à informação na timeline até à organização de grupos de interesse (Balbé & Carvalho, 2016). Já no caso do Twitter, é mais comum a partilha de notícias e a existência maior de hyperlinks e hashtags, tornando a comunicação por um lado segmentada e por outro difusa. A pesquisa por palavra-chave permite identificar maior volume de notícias sobre os impactos reais do que uma “hipótese”, mas ainda assim, relacionadas às consequências para o futuro (Balbé & Carvalho, 2017).
Também é necessário ressaltar o conceito de Media Engagement (Dahlgren, 2009), que se refere à maneira como as pessoas ativamente interagem e se envolvem com os meios de comunicação de massa. Esse engajamento não é um processo passivo, mas sim um processo ativo e multifacetado, no qual os indivíduos não apenas consomem informações, mas também as interpretam, refletem criticamente sobre elas e participam ativamente na discussão pública.
Dahlgren (2009) enfatiza que o Media Engagement inclui várias dimensões, como o engajamento cognitivo, que envolve a reflexão crítica sobre as mensagens mediáticas; o engajamento emocional, que envolve respostas afetivas às mensagens; o engajamento prático, que engloba a participação ativa, como compartilhar conteúdo ou participar de discussões online; e o engajamento social, que se refere às interações com outros indivíduos em torno do conteúdo mediático.
Já as dissonâncias entre informações sobre alterações climáticas e narrativas opinativas pode dever-se à identidade cultural de cada indivíduo, que seleciona quem está envolvido em julgamentos racionais, emocionais e morais. À medida que as identidades pessoais são formadas pelo conjunto de narrativas simbólicas escolhidas para exposição e influenciadas por ethos fundamentais, como família, cultura e nação, ou por agentes mediáticos (Capoano, 2017a, p. 63). A combinação desses fatores gera valores morais sobre as informações recebidas e resulta em diferentes tomadas de decisão para cada indivíduo. Nesse contexto, o tema “natureza” pode ser influenciado por conceitos racionais e emocionais, pela conexão afetiva ou objetiva com o meio ambiente ou por julgamentos morais, resultado de identidades (Capoano, 2017b).
O projeto de pesquisa apresentado por este artigo parte da teoria da mente moralista (Haidt, 2020), que entende a condição humana como uma condição moral enquanto característica evolutiva que nos permite selecionar, avaliar, criticar e julgar os indivíduos para que possamos criar grupos cooperativos não relacionados. Grupos nômades, agrícolas e religiosos estão entre as muitas organizações que teriam sido fomentadas pela moralidade humana biológica, inata e universal. Por sua vez, a moralidade individual é moldada pelo grupo e pelas instituições das quais as pessoas participam.
De acordo com a teoria da mente moralista, nossas mentes têm sistemas psicológicos, e os fundamentos morais fazem parte desse kit de ferramentas. Mais rápido que o pensamento racional e estratégico, as instituições morais surgem de forma automática e instantânea e passam a ser justificativas para as ações e decisões que os indivíduos tomam perante seus grupos (comportamento post hoc, in Haidt, 2020 s.p.). O raciocínio moralista é uma resposta à intuição (a reação mental diante do raciocínio estratégico) e aos afetos (sentimentos instantâneos que avaliam uma situação e nos preparam para ela) que os indivíduos sentem quando se deparam com novas informações. Portanto, essa abordagem está mais ligada às emoções. Damásio (2018) nomeia a moralidade como uma das emoções secundárias ou sociais de outros campos e áreas científicas que estudam a moralidade.
Por sua vez, a relação entre a Psicologia Social, com destaque para a Teoria dos Fundamentos Morais (TFM), e as teorias de comunicação, como a Ação Comunicativa de Habermas (1990), é complexa e multifacetada, com pontos de conexão significativos.
A Ação Comunicativa de Habermas enfatiza a importância do discurso racional na moldagem da compreensão moral e ética em uma sociedade (Habermas, 1990). Ambas as abordagens compartilham a ênfase no diálogo e na deliberação moral. A TFM considera os fundamentos morais como elementos essenciais na tomada de decisões morais (Graham et al., 2011). Enquanto isso, a Ação Comunicativa promove o discurso público e a deliberação como meios de alcançar consenso moral na sociedade (Habermas, 1990).
Por fim, a participação cívica e o engajamento são incentivados por ambas as abordagens. A Ação Comunicativa de Habermas destaca a importância da participação democrática e do discurso público na tomada de decisões políticas (Habermas, 1990). Enquanto isso, a TFM considera como os fundamentos morais podem influenciar o engajamento em questões sociais e políticas (Feinberg & Willer, 2013).
Entretanto, a Teoria dos Fundamentos Morais (TFM) não é uma unanimidade. As críticas enfatizam que as ciências cognitivas e neurociências têm revelado a interconexão de áreas cerebrais e processos mentais na formação da moralidade, desafiando assim a visão modular da TFM. Além disso, argumentam que fatores como contextos sociais, culturais e emocionais desempenham um papel significativo na formação de julgamentos morais, o que a TFM tende a negligenciar (Greene, 2014; Joyce, 2007).
2. Metodologia
A pesquisa proposta envolveu diversas etapas que foram fundamentais para responder às questões formuladas. Primeiramente, foi feita a formulação clara e específica das questões de pesquisa, abordando o impacto dos domínios morais pessoais dos jovens adultos no consumo de notícias, o potencial engajamento juvenil por meio do uso de domínios morais nas narrativas noticiosas, a influência de fatores como cultura, gênero e localização na tomada de decisão sobre notícias ambientais e a relação entre orientação racional e moral das notícias consumidas.
Além disso, este projeto e sua metodologia foram aprovados junto do conselho de ética da Universidade do Minho2, garantindo assim a confidencialidade e o carácter anónimo sobre os dados obtidos tanto pelo Moral Foundations Questionnaire MFQ (Graham et. al, 2011), pela recolha de dados no Twitter e nos grupos focais. Este artigo discute os dados desses processos metodológicos, tentando refletir uma panorâmica holística da metodologia, mesmo que esses processos apareçam em diversos trabalhos anteriores (Costa, Capoano, & Balbé, 2022; Costa, Capoano, Balbé, & Gravato, 2022; Capoano & Dutra-Balbé, 2023). Relativamente aos resultados dos grupos focais, são aqui apresentados de forma inédita.
Para mensurar os fundamentos morais, foi utilizado o Questionário de Fundamentos Morais QFM, composto por 32 itens divididos em duas partes. Na primeira parte, o respondente avalia 16 itens em termos de relevância para afirmar que algo está certo ou errado. A escala vai de 0 (zero = nada relevante) a 5 (cinco = extremamente relevante). O valor zero é ancorado com a frase “Esta consideração não tem nada a ver com meu julgamento de certo e errado”. O valor cinco é ancorado na frase “Este é um dos fatores mais importantes quando julgo o que é certo e o que é errado”. Na segunda parte, são apresentadas 16 afirmações nas quais o respondente julga o quanto concorda com cada uma delas. A escala vai de 0 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).
O objetivo desta metodologia foi a de perceber o engajamento dos jovens de língua portuguesa com notícias sobre alterações climáticas, todavia numa abordagem a partir dos domínios morais. Para tal, entendemos que a triangulação entre questionário dos fundamentos morais, recolha de tweets sobre o tema e exploração do tema em grupos focais nos dará uma visão transversal do fenómeno.
A seleção cuidadosa dos países e participantes foi outro passo crucial. O aspeto lusófono da pesquisa foi considerado, ao se escolher Brasil e Portugal como recorte geográfico de pesquisa, além de haver experimentado anomalias ambientais em 2019, poderiam oferecer uma visão do Sul Global sobre um tema comumente discutido pelos países do Norte. Os participantes foram recrutados a partir do email institucional e solicitação dos professores.
A captação e tratamento dos dados no Twitter foram possíveis através de um conjunto de ferramentas algorítmicas pela empresa AP.Exata, sediada em Braga, Portugal, produzidas utilizando linguagens como Python e PHP, sendo a base de dados gerida através de MySQL. A extração de dados foi possível através da comunicação destes algoritmos com a API do Twitter. Embora diferentes objetivos ou dados de pesquisa exijam abordagens metodológicas distintas, as APIs das redes sociais são valiosas por sua sociomaterialidade, isto é, “APIs são compreendidos como um histórico de arranjos contingentes de componentes sociais e materiais que permitem a produção de novas realidades” (Bucher, 2013).
Programaram-se estes algoritmos de recolha automática de tweets tendo em conta os comentários de notícias ambientais com base num conjunto de palavras-chave. Essas palavras-chave foram escolhidas a partir do Google Trends dos anos anteriores, o que juntava termos como “alterações climáticas”, “ambiente”, “Greta Thunberg” e “negacionismo climático”. A estes, acrescentamos classificações políticas em língua portuguesa como “Liberal” e “Esquerda”, de modo a criarmos um binómio. A programação de procura de informação foi efetuada por apenas um codificador e gerou uma grelha com quatro informações: nome e link do responsável pelo tweet, data, conteúdo escrito do tweet e proveniência por IP. Com esses dados, foi possível convidar os donos dos perfis para a conta do projeto de pesquisa no Twitter.
Para o Brasil, foram recolhidos dados a partir das 148 maiores cidades. No caso de Portugal, foram distribuídos cinco focos de coleta, três cobrindo as zonas norte, centro e sul do país, sendo criados mais dois para cada um dos arquipélagos. Devemos referir ainda que apenas foram coletados dados em língua portuguesa. Para analisar os conteúdos dos tweets, recorremos ao software NVIVO, tendo como objetivo formular dois tipos de análise: uma quantitativa e meramente descritiva, e uma análise mais quantitativa e focada em fundamentos morais utilizados. Na análise quantitativa, estudamos a estatística do agrupamento de palavras e as associações entre termos, por país e por recorrência numérica desses mesmos na sua relação com temas e argumentos.
O resultado foi a coleta e tabulação de 21.338 tweets, entre 01 de outubro de 2021 e 01 de abril de 2022. A recolha gerou a seguinte distribuição geográfica de proveniência de tweets: 20.609 tweets provenientes do Brasil (96,6%) e 716 tweets provenientes de Portugal (3,35%).
A etapa seguinte de investigação foi o preenchimento do Questionário de Fundamentos Morais QFM (Haidt, 2012). Para isso, foram enviados convites aos perfis de tweets coletados, além de convites diretos dos investigadores do projeto aos alunos de diversos cursos de comunicação e de ciências sociais de universidades públicas e privadas do Brasil (mais focado na região de São Paulo) e de Portugal (em geral, mas com maior incidência em Braga e no Porto por razões de proximidade dos investigadores envolvidos).
Para a aplicação do questionário foi antes necessário um processo de adaptação do QFM à dinâmica temática do ambiente, o que nomeamos QFM-A (Costa et al., 2022). Para isso, aplicamos o protocolo de adaptação proposto por Humbleton e Zenisky (2011), a aferição de equivalências via processo de Adaptação Transcultural (ATC) (Herdman, Fox-Rushby & Badia, 1998) e a equivalência conceptual formulada pela adaptação para língua portuguesa efetuada para o QFM por Silvino et al. (2016). Este novo questionário (QFM-A), foi validado por 179 voluntários no Brasil e em Portugal, que responderam ao questionário tanto em suporte papel quanto em formato eletrónico, e suas respostas foram analisadas seguindo os procedimentos de Graham et al. (2011) sobre o QFM original. O QFM-A esteve disponível entre os dias 04 de janeiro e 03 de março de 2021. Ao todo, foram obtidas 265 respostas válidas. Foram utilizadas estatística descritiva e correlações para a análise de dados, utilizando o SPSS e o Excel (de Vaus, 2013). A esses respondentes, foi-lhes realizado o convite para a próxima etapa da investigação, os grupos focais.
Antes da realização dos grupos focais foram selecionadas notícias sobre alterações climáticas dos países abordados para aplicá-las nas dinâmicas. Assim, foram recolhidos 60 textos noticiosos em jornais periódicos, produzidos entre 2017 e 2021, nos portais de notícias mais acedidos: os portugueses CM Jornal (www.cmjornal.pt) e Jornal de Notícias (www.jn.pt), e dos brasileiros G1 (www.g1.com.br) e UOL (www.uol.com.br). O método de recolha usado foi o motor de busca dos próprios sites, aplicando os termos “alterações climáticas”, “mudanças climáticas”, “clima” e “aquecimento global”. As notícias foram classificadas através da aplicação do MIME (Modelo de Moralidade Intuitiva e Exemplar) à análise de notícias sobre o ambiente. Foi aplicado o MIME simplificado (Weber et al.,2018), cujos significados foram considerados e classificados em períodos, frases e narrativas que contemplam intuições morais subjetivas (Capoano & Balbé, 2023).
Finalmente, para a realização dos grupos focais, foram organizadas cinco sessões ao todo (duas brasileiras e três portuguesas), totalizando 24 jovens - cinco jovens por sessão, excetuando uma sessão portuguesa que teve a participação de apenas quatro elementos. Os jovens voluntários participantes foram recrutados a partir das etapas anteriores, assim como pela divulgação no email institucional dos membros da equipa. Em cada sessão os participantes foram provocados a comentar sobre as rotinas de consumo de notícias, interesse pelo tema ambiental e a presença do assunto nas suas conversas diárias com os seus pares. Em um segundo momento, foram-lhes apresentadas duas notícias locais sobre alterações climáticas, às quais deviam identificar quais os atributos morais salientes e justificarem a escolha de qual mais lhes gerava envolvimento. A partir da transcrição dos grupos focais, os dados foram anonimizados e analisados.
3.1 Tweets sobre notícias ambientais
Com os tweets recolhidos (21.338), a análise dos tweets provenientes do Brasil (20 608) indicou que os fundamentos morais mais utilizados no tema do ambiente são o dano e o cuidado, seguidos de autoridade e subversão. Da mesma forma, na análise aos 716 tweets recolhidos a partir de Portugal, percebemos que os fundamentos morais mais utilizados no tema do ambiente são o dano e o cuidado, seguidos de autoridade e subversão. A diferença entre as respostas dos países está nos detalhes desses dados: enquanto brasileiros mencionavam dano e cuidado relativamente a florestas e autoridade e subversão relativamente a políticos nacionais, portugueses relacionavam dano e cuidado ao território português em geral, e a autoridade e subversão ficavam relacionados entre figuras políticas portuguesas e europeias.
3.2 Questionário de Fundamentos Morais Adaptado
Já sobre o QFM-A (265 respostas válidas), os respondentes ao inquérito tinham idades compreendidas entre os 12 e 65 anos de idade. A média foi de 24 anos e o desvio padrão foi de 7,8. O grupo etário entre os 18 e os 25 anos representou 76,7%. Acima dos 40 anos, a amostra foi de apenas 7,3%, o que demonstra bem a juventude dos inquiridos.
Sobre os resultados, destacam-se as questões referentes ao atributo dano/cuidado 1 (média de 5,37 e menor desvio padrão de 0,97), 7 (5,24), 12 (5,22), e uma referente ao atributo justiça/trapaça, 13 (5,19). Tal verifica-se entre a questão 1 e a questão 16. Já entre as questões 17 e 32, destacam-se as questões 22 (moral geral 5,69), 18 (moral autoridade/subversão 5,48) e 23 (moral Dano/cuidado 5.41). As questões 22, 18 e 24, respetivamente, são as que revelam menor desvio padrão.
3.3 Grupos focais
Entre 29/10/22 e 27/02/23, foram realizados cinco grupos focais (três em Portugal e dois no Brasil), totalizando 24 jovens. Destes, 9 são homens (37,5%) e 15 mulheres (62.5%). Um voluntário foi excluído da amostra, por não estar na idade entre 18 a 25 anos, recorte da investigação. A média de idade foi de 21,9 anos. Tabela 1.
Os voluntários preencheram o QFM para a identificação dos seus perfis morais. Dentre os 24 voluntários, tiveram o seguinte resultado: 17 perfis cuja moral saliente foi cuidado/dano (70.8%); 6 perfis (25%) registaram justiça/trapaça; e 1 perfil (4.1%) teve a moral pureza/degradação a mais saliente.
Os jovens reforçam que o consumo de notícias tem sido feito através de redes sociais, ainda que alguns consumam notícias em jornais ou média tradicionais e que procuram por meios como YouTube. Há ainda divergências com familiares.
Então, (a busca por notícias) é mais pelo feed do insta ou o reels e, fora isso, algum amigo vem me conta (...). Quando eu abro o YouTube e tem alguma coisa, geralmente é BBC News, (...) eu sigo uma página no Instagram, não é bem de notícias, se chama Razões para Acreditar, fala um monte de…, eu gosto da página. Assim, para chorar todo dia, mas bons e não de violência. S.L., Brasil
Converso (sobre notícias ambientais) mais com meus amigos (...) porque, na minha família (...), a gente tava vendo uma notícia sobre aquecimento global e meu tio chegou e falou: ‘Aí, esse aquecimento global aí é tudo invenção da imprensa, não tá nem quente!’ O que que você fala com uma pessoa dessa? N.A., Brasil
Sobre a avaliação de notícias nacionais e identificação de atributos morais, foram apresentadas duas notícias brasileiras e portuguesas aos jovens dos mesmos países, com atributos morais já identificados pela equipe de investigação via MIME:
“Nações pobres são as que mais sofrem com deslocamentos devido a eventos climáticos extremos, diz Oxfam”. Fonte: G1/Brasil. Morais salientes: dano/ cuidado e justiça/trapaça
“Incêndios no Pantanal causam devastação, matam animais e emitem alerta climático”. Fonte: G1/Brasil; morais salientes: dano/cuidado e pureza/degradação
“Queimadas no Brasil impedirão o país de honrar o Acordo Climático de Paris, conclui estudo da Unemat”. Fonte: G1/Brasil. Morais salientes: justiça/trapaça e dano/cuidado
“Alterações climáticas forçam 20 milhões a deixarem suas casas por ano”. Fonte: JN/Portugal. Morais salientes: dano/cuidado e pertencimento/traição
“Centenas de pessoas participam em Lisboa na Marcha pelo Clima”. Fonte: CM/Portugal. Morais salientes: justiça/trapaça e autoridade/subversão
“Luís Figo expressa consternação e pesar e doa mil árvores”. Fonte: JN/ Portugal; Morais salientes: dano/cuidado e pertencimento/traição.
Foi-lhes solicitado que identificassem quais as duas morais mais salientes por notícias, ou escolhessem uma ou mais de duas morais. Assim, notou-se que não houve unanimidade nas morais identificadas pelos jovens: por vezes, eles identificaram as morais mais salientes das notícias; outras vezes, escolhiam apenas uma moral, mais de duas ou se abstinham da resposta; ou ainda, percebiam morais salientes que surgiam em suas justificativas racionais, independentes da análise das notícias. Também houve muita imitação nas respostas, ou seja, influência da primeira resposta nos demais respondentes. As notícias mais escolhidas (“1” no Brasil e “4” em Portugal) foram justificadas pelo sofrimento retratado sobre os grupos afetados pela crise climática, e a empatia causada por histórias e fotos que retratavam pessoas. Logo, os atributos dano e
cuidado foram os mais recuperados para justificativa de escolha da notícia.
O critério local das notícias e a mobilização social cobrando autoridades e políticos responsáveis pela crise climática também foram fatores de escolha das notícias, sugerindo que a moral justiça e trapaça também tenham influenciado na decisão.
Já as notícias que geraram menos interesse se referem a generalizações e extrapolações numéricas sobre a crise climática, sem casos nem exemplos possíveis de serem transpostos à realidade dos voluntários nos grupos focais:
Você pergunta se a gente leria a notícia? Desculpa, eu não leria, não me chamou tanta atenção por causa da generalização. Por exemplo, se tivesse falando da vida daquele menino na foto, aí eu leria tipo quando eles começam “a pessoa tal disse´’, porque quando fala nas 20 milhões de pessoas, eu não consigo imaginar, tipo o que é que é (sic) 20 milhões de pessoas, a gente, pessoas, mas se falar a vida de uma pessoa e o sofrimento que ela tá passando me chamaria mais a atenção (S., Brasil).
Eu não vou conseguir imaginar 20 milhões de pessoas sofrendo. Eu consigo imaginar uma pessoa específica que teve a casa destruída e agora ela vai ter que levantar a vida de novo de baixo para cima e eu acho que isso seria muito mais efetivo. Se ele focasse assim em uma pessoa específica, por causa que aí eu conseguiria imaginar melhor, eu conseguiria sentir melhor, por causa que mexe muito com um negócio de empatia, né? (N., Brasil.)
Outro argumento apresentado é que as notícias não trazem o contexto completo, seja pelo apelo humano sem a questão ambiental, ou ambiental sem humano, ou pela simplificação da informação sobre o que aconteceu sem entrar em detalhe as causas.
Nós acabamos por ficar sempre com mais sensibilidade na parte humana do que na parte das alterações climáticas. Porque eu acho que a notícia toda acaba por falar mais sobre a questão social e humana do que propriamente a questão de climática, neste sentido. (M., Portugal)
A gente também tem que entender que grande parte das alterações climáticas, elas são causadas pelas indústrias, são causadas pelas fábricas, enfim, e não necessariamente pelos indivíduos. E essas notícias não aprofundam nessas questões e acabam não falando realmente sobre isso, e o que é que causa esse sofrimento e, principalmente, as poluições destes países desenvolvidos são empresas e indústrias, por exemplo, europeias, que vão para esses países e exploram a mão de obra, e até mesmo território, desses países e que causam, muitas vezes, desastres ambientais. (O., Portugal)
Além disso, revelaram entusiasmo sobre a cobertura de protestos e a proximidade.
E como é aqui de Portugal, a minha questão é sempre, como é que eu posso acrescentar a esse movimento e que tipo de coisas estão à minha volta, que também são importantes levar para o movimento. (...) Eu fico com os olhos a brilhar quando começa a haver pessoas a organizarem-se, assim, espontaneamente. (S2., Portugal)
A partir das sessões dos grupos focais, foram identificadas algumas características em comum nos indivíduos portugueses e brasileiros: há diversidade na forma com que buscam e consomem notícias, entre meios tradicionais, como rádio e TV, e novos meios, como plataformas sociais e podcasts. O consumo de notícias serve para relacionarem-se com amigos ou família, para uso no trabalho ou por hobby; há desconfiança nos veículos tradicionais como jornais e grandes broadcasters, por suposta relação com o poder político e econômico; há confiança em comunicadores independentes e alternativos, como influencers e perfis de redes sociais (preferencialmente no Brasil). Além disso, os jovens referiram buscar por notícias boas ou com sugestões de como enfrentar a crise climática. Também revelaram que quando a cobertura jornalística foca na emergência climática, o consumo de notícias ambientais lhes gera ansiedade e tristeza; há indignação com as decisões dos atuais responsáveis pelo meio ambiente e preocupação com o que jovens terão de enfrentar no futuro.
Discussão
Os resultados obtidos nesta pesquisa oferecem interações entre os domínios morais pessoais, os objetivos da pesquisa e o conceito central de engajamento, especialmente no contexto da SDG 13 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13) Ação pelo Clima. Em suma, os resultados destacam diferenças significativas na discussão das alterações climáticas entre Brasil e Portugal, com o Brasil apresentando uma politização mais intensa e um foco maior no governo nacional, enquanto Portugal enfatiza questões como justiça climática e ações coletivas europeias. Também existem variações nos fundamentos morais invocados em cada país, refletindo as diferentes abordagens à temática ambiental.
Primeiramente, considerando o objetivo de investigar se os domínios morais pessoais dos jovens adultos influenciam o consumo de notícias, os resultados revelam uma relação direta entre os atributos morais e o engajamento dos jovens. Os domínios morais de cuidado/harmonia e justiça/trapaça emergiram como os mais influentes no processo de escolha das notícias, demonstrando que os jovens são sensíveis a questões morais ao decidir quais informações consumir. Isso, por sua vez, está intimamente relacionado com o conceito de engajamento, especialmente quando se trata da SDG 13. Os jovens demonstraram maior envolvimento com notícias que ressoavam com seus valores morais relacionados à justiça e ao cuidado com o meio ambiente, alinhando-se assim com os objetivos de ação pelo clima estabelecidos pela ONU. Os resultados reforçam a conexão entre morais e engajamento. Procurando entender como as diferenças de cultura, género e localização dos jovens adultos influenciavam suas decisões de consumo de notícias relacionadas com o meio ambiente, os resultados destacam a importância da cultura nesse contexto, especialmente quando se considera o engajamento com a ação climática. Os padrões diferentes de interpretação moral entre jovens brasileiros e portugueses nos comentários do Twitter demonstram que as influências culturais desempenham um papel fundamental na perceção moral das notícias e, por extensão, no engajamento com essas notícias relacionadas às alterações climáticas.
No que diz respeito aos fundamentos morais, no Brasil, os mais utilizados são “Justiça” e “Dano”, com ênfase na relação entre ações humanas e danos ao meio ambiente. Em Portugal, “Justiça” também é predominante, mas há uma maior ênfase na “Pertença”, destacando o comprometimento com a natureza e a Europa como elemento-chave no combate às alterações climáticas. “Autoridade” e “Pureza” são menos frequentes em ambos os países.
Os resultados indicam que tanto as intuições morais quanto as justificativas racionais desempenham papéis complementares na tomada de decisão dos jovens, influenciando seu engajamento com questões climáticas. As morais servem como impulsionadoras iniciais do engajamento, enquanto as justificativas racionais ajudam a sustentá-lo.
Em suma, os resultados desta pesquisa evidenciam a centralidade dos domínios morais na formação do engajamento juvenil com notícias ambientais, especialmente quando se considera o contexto do engajamento com as alterações climáticas. Destacando o modo como os valores morais dos jovens influenciam suas escolhas de informação e o seu envolvimento com questões críticas relacionadas com o clima. Além disso, os resultados enfatizam a importância das considerações culturais, emocionais e racionais na complexa equação do engajamento, proporcionando insights valiosos para a promoção da ação pelo clima entre os jovens.
Uma última nota para as limitações deste estudo: as críticas das ciências cognitivas e neurociências questionam a simplificação da TFM em relação à moralidade, o que se torna uma compreensão mais abrangente e interdisciplinar dos processos morais humanos aqui estudados.