Introdução
A evolução da comunicação política, ao longo das últimas décadas, tem sido descrita em termos de eras - Pré-moderna, Moderna e Pós-moderna (Norris, 2004) ou de Idades -Primeira, Segunda e Terceira (Blumler e Kavanagh, 1999). Ambas as classificações identificam a televisão como “a mudança crítica” (Norris, 2004, p. 5) para as campanhas políticas modernas com impacto profundo na relação entre os elementos da comunicação política - atores políticos, media e cidadãos (McNair, 2017): redução da frequência de exposição seletiva à propaganda partidária; assunção da televisão como a plataforma central da comunicação política; alargamento da audiência da comunicação política atingindo segmentos do eleitorado anteriormente mais difíceis de alcançar e menos expostos às mensagens políticas; os valores e os formatos da televisão passam a ter um impacto na programação dos acontecimentos políticos, linguagem política e personalização da sua apresentação (Blumler e Kavanagh, 1999). Desde a década de cinquenta do século XX, a televisão tem sido o elemento dominante na estratégia comunicacional dos atores políticos que assumem, como prioridade, o acesso e uma cobertura favorável nos espaços televisivos. A evolução tecnológica das últimas décadas, com a generalização da internet, os novos media e a multiplicação da oferta televisiva, abriu a porta a uma quarta Idade da Comunicação (Aagaard, 2016; Blumler, 2016) marcada pela “complexidade, multiplicidade, variedade e correntes-cruzadas” (Blumler, 2016, p.28), um tempo em que a interatividade, fragmentação continuada, mediatização e algoritmos moldam a opinião pública, a par da estagnação dos media de massas e da emergência dos media digitais (Aagaard, 2016). Esta mudança lançou a interrogação se teria chegado “O Fim da Televisão?” (Katz, 2009, p.6).
Na verdade, a televisão enfrenta desafios novos: a fragmentação das audiências, que a poderá pôr em causa como meio de massas; a maior dificuldade de as empresas tradicionais manterem uma programação atrativa; e a mudança do modelo de negócio que está a conduzir à migração de telespetadores e anunciantes para outras plataformas (Enli e Syvertsen, 2016). No entanto, estes autores sublinham que esta evolução não é linear e universal e, para além das variáveis tecnológicas e económicas, há fatores políticos, históricos e culturais que têm um papel relevante, pelo que “os rumores sobre a morte da TV são assim exagerados” (Enli e Syvertsen, 2016, p. 149). Em Portugal, o panorama televisivo foi caracterizado pelo monopólio dos canais públicos RTP1 e RTP2, até 1992, ano em que se operou a abertura da televisão à iniciativa privada e a chegada das estações televisivas SIC - Sociedade Independente de Comunicação e TVI - Televisão Independente, já em 1993. Em 8 de janeiro de 2001, o cenário televisivo mudou, de novo, com a fundação da SIC Notícias, o primeiro canal informativo de uma estação generalista em Portugal. Mais tarde, RTP e TVI lançaram os seus próprios canais de notícias, aprofundando um modelo informativo televisivo caracterizado por ciclos de notícias 24/7.
Ao longo dos anos, em Portugal, a televisão tem sido um instrumento relevante na comunicação política, nomeadamente na comunicação dos Presidentes da República (Cádima, 2022). Mas a partir de 2016, ganhou uma centralidade reforçada no exercício de Marcelo Rebelo de Sousa. O atual Presidente da República (PR) escolheu a televisão como principal instrumento para chegar aos cidadãos/espetadores, pondo em prática uma estratégia comunicativa assente numa presença permanente nos écrans televisivos, seja em declarações gravadas ou diretos com jornalistas, nos diferentes espaços e formatos informativos, seja participando em programas de entretenimento. A televisão foi o meio, por excelência, de comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa. O PR teve uma presença discreta nos novos media: não desenvolveu contas pessoais nas redes sociais, usou o Facebook apenas para a divulgação da agenda pública, com poucas apreciações políticas. No Twitter, a sua comunicação foi ainda mais rara.
Lógica Mediática e Mediatização
Diariamente, os atores políticos competem pelo acesso ao espaço mediático e os media têm de fazer escolhas relativamente aos protagonistas e temas que vão seguir. Altheide e Snow (1979) apresentaram a noção de lógica mediática para descrever o quadro de referência no qual os media constroem o significado dos eventos e personalidades que reportam, isto é, o processo através do qual apresentam e transmitem informações, incluindo os formatos utilizados, a forma como o material é organizado, o estilo em que é apresentado, o foco em características particulares do comportamento e a gramática da comunicação mediática, envolvendo, assim, “ritmo, gramática e formato” (Altheide, 2004, p.294). Isto tem consequências na forma como os atores políticos vão comunicar e na própria política, conduzindo à “‘espetacularização’ dos formatos e do próprio discurso político” (Mazzoleni e Schulz, 1999, p. 251) e obrigando à adaptação da linguagem dos atores políticos em três domínios: a perspetiva de comunicação, as técnicas de comunicação utilizadas e o conteúdo do discurso (Mazzoleni e Schulz, 1999).
A influência crescente dos media conduz-nos ao conceito de mediatização, que se refere ao “meta-processo pelo qual as práticas diárias e as relações sociais são historicamente moldadas por tecnologias de mediação e organizações de media” (Livingstone, 2009, p.10). Na política, a mediatização refere-se “à incorporação de lógicas e normas baseadas nos media na ação política” (Couldry, 2008, p.5). A mediatização é, assim, a crescente intrusão da lógica mediática, como uma regra institucional, noutros campos onde complementa ou, em casos extremos, substitui as regras existentes para definir o comportamento apropriado (Esser, 2013). Na mesma linha, Stromback e Van Aelst (2013) concluem que, hoje, todos os atores e instituições políticas e sociais são dependentes dos media. Políticos, partidos e governos têm de se ajustar e adaptar aos media como forma obrigatória de perceber e interpretar o mundo e agir sobre ele. “Os media tornaram-se ambientais” (Silverstone, 2007, p.5) e tal como o ambiente não podem ser evitados.
O fenómeno de mediatização força os políticos a adaptarem-se à lógica e padrões de noticiabilidade dos media e, em consequência, a desenvolverem estratégias de comunicação ajustadas à linguagem dos media, em particular da televisão (Strömbäck, 2008). Para obterem cobertura mediática, têm de aderir ao estilo de dramatização dos discursos dos media, a frases curtas de efeito soundbites, bem como a formatos visuais e de entretenimento (Altheide, 2004). “A política mediatizada é a política que perdeu a sua autonomia, que se tornou dependente nas suas funções centrais dos mass media e que é continuamente moldada pelas interações com os mass media” (Mazzoleni e Schulz, 1999, p. 250). Quando os políticos interiorizam as regras de produção e os critérios de seleção dos media e tentam explorar esse conhecimento com objetivos políticos, encenando ou moldando os eventos, adequando-os às necessidades dos media, para obter a sua atenção, estamos perante a auto mediatização, isto é, a gestão estratégica da comunicação, auto iniciada, num esforço para dominar as novas regras que regem o acesso à esfera pública, um processo que também foi descrito como “auto-mediatização” (Meyer, 2002, p. 58). No entanto, esta não é uma relação linear, na verdade, “as relações entre os media e a política são caracterizadas por uma dinâmica, interações e interdependências complexas ao longo de vários níveis e dimensões” (Strömbäck e Esser, 2009, p. 220).
Televisão e Personalização Política
Uma das consequências do domínio da televisão é o favorecimento do fenómeno de personalização política, reforçando o papel da personalidade dos líderes, por contraponto ao debate dos assuntos e programas políticos (Swanson e Mancini, 1996; Mancini, 2011). Ao privilegiarem, na sua lógica discursiva, as figuras individuais, os media “tornam-nos personagens de histórias que são difundidas nas notícias” (Balmas e Sheafer, 2013, p. 2).
Tendo em conta que a linguagem da televisão tem por base imagens, a divulgação da informação é mais fácil através de rostos ou personagens familiares do que por meio de instituições ou ideias abstratas (McAllister, 2007). Este facto contribui para acentuar o fenómeno de personalização, uma vez que “as características da narrativa audiovisual tornam a personalização inerente ao meio televisivo” (Virgili et al, 2014, p. 64). A personalização tem também consequências na forma como os espetadores observam e avaliam a realidade política que passa a assentar, justamente, nos desempenhos das personalidades, ou seja, “os políticos tornam-se a principal âncora das interpretações e avaliações no processo político” (Reinemann e Wilke, 2007, p. 101)
Van Aelst et al. (2011) distinguem duas vertentes de personalização: a individualização, que se refere a uma mudança na visibilidade mediática dos partidos ou governo aos políticos individuais; e a privatização, quando os políticos, apesar de ocuparem cargos públicos, são representados na sua esfera privada.
Apesar de existirem equipas de consultores e assessores, o cargo de PR é profundamente unipessoal, o que acentua a personalização. No entanto, o atual PR reforçou essa tendência. “Com Marcelo, a Presidência é mais unipessoal do que nunca e Fernando Frutuoso de Melo, o atual chefe da Casa Civil, resume-o na perfeição: “Só há um artista na companhia” (Silva, 2019).
A personalização reflete-se, também, no interesse das televisões pela dimensão mais privada dos políticos, como a observação dos seus hobbies (Figura 1).
A Arena Mediática e a Agenda Política
Schafer (2001) considera que a arena mediática se caracteriza por uma competição de questões, eventos, mensagens e atores pela atenção dos media e há dois elementos que têm um papel relevante nessa competição: a habilidade carismática e os recursos políticos, que incluem a posição e a centralidade política do ator. A habilidade carismática é a capacidade demonstrada pelo ator na sua performance e a medida em que corresponde às exigências e valores profissionais dos media; a centralidade política significa que quanto mais elevada for a posição simbólica da uma determinada instituição e de um ator dentro dessa instituição, mais elevada é a sua posição. O autor identificou cinco categorias para o desenvolvimento de uma capacidade carismática: iniciativa e criatividade políticas; iniciativa e criatividade de comunicação; habilidades retóricas e dramáticas; cooperação com os políticos; e cooperação com jornalistas (Sheafer, 2001). Estas dimensões são fundamentais para captar o interesse mediático.
Neste contexto, a construção da agenda pública permite verificar até que ponto os atores políticos criam situações de disponibilidade para os media. No caso do PR, Marcelo Rebelo de Sousa tem, habitualmente, quatro agendas distintas. “Há uma primeira, minimal, que é publicada no site oficial da Presidência. Há uma segunda, mais completa, que é enviada à comunicação social. Há uma terceira, com visitas ou encontros que o Presidente não quer divulgar mas que acabam por surgir nas redes sociais e rapidamente se tornam notícia. E há uma quarta, menos frequente, mas nem sempre menos importante, com as coisas que Marcelo decide fazer (a visita ao Jamaica é apenas um exemplo), aparentemente em cima da hora, para surpresa de todos” (Silva, 2019). Por outro lado, a agenda do PR tem uma margem de flexibilidade em função dos acontecimentos, “O programa muda durante o dia…” (Rodrigues, 2023) e é gerida de uma forma dinâmica, com elementos de imprevisibilidade, “como se de um formato de realidade televisiva se tratasse” (Cardoso, 2023, p. 150).
O Candidato e Presidente da Televisão
Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito PR, a 26 de janeiro de 2006, com 52% dos votos. Com uma longa ligação aos media, integrou o núcleo fundador do jornal Expresso, tendo chegado a Diretor, colaborou noutros jornais e rádio e, mais tarde, na televisão: de 2000 a 2004, foi comentador no Jornal Nacional da TVI; de 2005 a 2010, na RTP, no programa As Escolhas de Marcelo e, a partir de 2010, de novo, na TVI, no Jornal das 8 de domingo (Matos, 2012). Manteve-se na televisão até ao anúncio formal da candidatura à Presidência da República. Este facto permitiu-lhe criar uma ligação aos espetadores/ cidadãos: “a presença continuada no ecrã permite afirmar uma personalidade e agendá-la continuamente no espaço público, bem como construir uma relação de familiaridade com os eleitores…” (Figueiras, 2023). Esta ligação foi uma vantagem na corrida a Belém: “A sua vitória deve-a à “montra” da RTP e à TVI, exposta em anos a fio” (Oliveira, 2016).
Consciente do poder da televisão e do fenómeno das audiências, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de manter essa ligação após a eleição presidencial mas, agora, com mais intensidade. Deixou os écrans do comentário aos domingos, “Passou para o outro lado do vidro” (Lopes e Botelho, 2019, p. 8) e, no seu novo papel político, “Está nos ecrãs televisivos quase todos os dias” (Lopes e Botelho, 2019, p. 8). Participou em emissões não apenas de natureza política, como programas de entretenimento (Figura 2) ou jogos de futebol (Figura 3).
A notoriedade televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa, construída ao longo de anos, deu-lhe uma dimensão de “celebridade” (Marshal, 1997; West e Orman, 2002; Street, 2004 e 2019; Cardoso, 2023), a característica atribuída aos cidadãos que, devido aos media, têm “uma maior presença e âmbito de atividade e agência mais vasto do que aqueles que constituem o resto da população. Podem subir ao palco público enquanto o resto da população observa” (Marshall, 1997, p. 9). Sinal disso, é o apelo que tem para os cidadãos a sua presença. Tal como buscam fotos com atores, desportistas ou personalidades muito conhecidas, os cidadãos desejam a “selfie” com o PR: “A sua imagem é partilhada por milhões, dando-lhe uma dinâmica de viralidade e a popularidade necessária para a manutenção do papel de ‘político-
-celebridade’ nas redes e media sociais” (Cardoso, 2023, p. 153). Adicionalmente, como assinalam Hordecki e Piontek (2014) a existência de estações televisivas de informação 24 horas, com uma presença constante de políticos, reforça o estatuto de celebridades dos atores políticos. A sua visibilidade torna-se uma medida do sucesso e “a sua existência pública e, consequentemente, a sua prosperidade política, depende da sua popularidade” (Hordecki e Piontek, 2014, p. 212). “Mais do que um ‘animal político’, Marcelo será, certamente, um ‘animal mediático’, um entertainer sério da política e da sua transparência, ou, no limite, para os mais críticos, uma espécie de popstar do novo firmamento mediático português” (Cádima, 2022,p.336).
Método, Questões e Hipóteses de Investigação
Nesta pesquisa, desenvolvemos análise documental, análise quantitativa e entrevistas a informadores qualificados (Bryman, 2012). A análise quantitativa incide sobre o número e o tempo das notícias em que o PR, Marcelo Rebelo de Sousa, foi protagonista, ao longo do primeiro mandato, nos serviços regulares de informação dos canais de televisão em sinal aberto: RTP1 - Jornal da Tarde, Portugal em Direto e Telejornal; RTP2 - Sumário e Jornal 2; SIC - Primeiro Jornal e Jornal da Noite; TVI - Jornal da Uma e Jornal das 8. Recolhemos os dados do ranking anual dos protagonistas televisivos elaborado pela MediaMonitor, MMW/Telenews, Grupo Marktest1, comparando os cinco primeiros elementos. O ranking é elaborado pela segmentação dos jornais televisivos num conjunto ordenado e classificado de notícias individuais e a cada notícia é associado um vídeo, a informação do canal, programa e hora de emissão, a classificação temática segundo uma grelha fixa de temas e uma sinopse que inclui título e protagonistas. A notícia individualizada é a unidade que é classificada em várias temáticas e associada aos protagonistas/intervenientes. Consideram-se protagonistas das notícias, instituições e personalidades cuja intervenção na informação diária justifica o seu destaque. O primeiro mandato iniciou-se a 9 de março de 2016 e terminou a 8 de março de 2021 mas, para efeitos deste estudo, consideramos os anos de 2016 a 2020. Num segundo momento, realizámos entrevistas estruturadas (Bryman, 2012) a todos os jornalistas que, neste período, foram Diretores de Informação nas televisões nacionais e, assim, responsáveis pela orientação editorial das estações (Figura 4).
Questões de Investigação:
QI1. Até que ponto o PR, Marcelo Rebelo de Sousa, foi um dos protagonistas da informação nos canais de televisão generalista e qual a regularidade dessa presença em número e tempo das notícias, ao longo do primeiro mandato?
QI2. Quais os elementos da estratégia de comunicação do PR, Marcelo Rebelo de Sousa, que o tornaram um dos protagonistas dominantes dos espaços noticiosos dos canais de televisão generalista?
Estas questões suscitam-nos as seguintes Hipóteses:
H1: O PR, Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo do primeiro mandato, foi um dos protagonistas principais da informação televisiva e a cobertura manteve-se elevada, tanto em número como no tempo das notícias, ao longo do mandato.
H2. O PR, Marcelo Rebelo de Sousa, foi um dos protagonistas principais da informação televisiva, devido à convergência de três vetores: pessoal as suas competências comunicativas; político - o lugar simbólico do cargo e a sua iniciativa política; e mediático - disponibilidade para os media.
Análise e Discussão de dados
Trajetória do PR na Informação Televisiva
No primeiro ano do mandato do PR, Marcelo Rebelo de Sousa registou um intenso interesse da informação televisiva, tendo sido protagonista de 2093 notícias que ocuparam 89 horas, 58 minutos e 45 segundos (Figura 5). Em segundo lugar, surge o Primeiro-ministro, António Costa. Os líderes partidários do PSD, PCP e BE vêm a seguir.
O facto de estarmos perante um novo Presidente, com uma estratégia de afirmação pública muito distinta do anterior, foi uma das razões para o interesse das televisões que se manteve no ano seguinte (Figura 6).
Em 2017, os protagonistas mantêm-se. Marcelo Rebelo de Sousa foi o foco de 2031 notícias que ocuparam 89 horas, 58 minutos e 45 segundos. O Primeiro-ministro surge, de novo, em segundo. Depois, a coordenadora do BE, Catarina Martins e o líder do PSD, Pedro Passos Coelho (embora Pedro Passos Coelho fique à frente em termos do tempo das notícias), Assunção Cristas, líder do CDS-PP, entra para o lugar anteriormente ocupado por Jerónimo Sousa, do PCP, que surge em quinto.
Pelo terceiro ano consecutivo, em 2018, o PR ocupa o primeiro lugar no ranking, tanto em número de peças jornalísticas, 1930, como de tempo ocupado, 82 horas, 28 minutos e 53 segundos (Figura 7).
António Costa permanece em segundo lugar e, em terceiro, surge Rui Rio, que substituiu Pedro Passos Coelho na liderança do PSD. As líderes do BE e CDS-PP surgem em 4º e 5º lugares, respetivamente.
O ano de 2019 é marcado pelas eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República. Este facto condiciona as opções de cobertura política televisiva. Assim, pela primeira vez, o líder do Partido Socialista e Primeiro-ministro, é o protagonista principal das notícias (Figura 8).
Apesar de o ano eleitoral colocar o enfoque noticioso nos líderes e partidos políticos, o PR mantém-se no topo das notícias, ocupando o segundo lugar, com 1677 notícias e 74 horas, 55 minutos e 57 segundos, à frente dos líderes do PSD, BE e PCP.
2020 foi o ano da pandemia de Covid 19. O tema colocou um desafio inédito aos governos no plano da saúde e nas dimensões sociais, económicas e políticas. A situação obrigou ao confinamento da população e a uma redução significativa dos atos públicos da atividade política. Durante meses, a pandemia teve uma presença esmagadora nas notícias. Neste cenário, o Primeiro- ministro e os responsáveis da área da Saúde foram figuras centrais no ciclo noticioso (Figura 9).
António Costa foi, assim, o protagonista número 1 das notícias televisivas, um ranking para onde entraram a Ministra da Saúde, Marta Temido, e a Diretora-geral da Saúde, Graça Freitas. O PR manteve o segundo lugar, tendo sido protagonista de 1739 notícias e ocupado 88 horas, 20 minutos e 23 segundos. O PR chegou a estar em confinamento, em casa, mas nem essa circunstância o afastou das notícias, mostrando disponibilidade para responder às questões dos jornalistas, à distância, do alto do terraço da sua residência pessoal (Figura 10).
Em suma, Marcelo Rebelo de Sousa teve, ao longo do seu primeiro mandato, uma presença dominante na informação televisiva. Em 2016, 2017 e 2018 foi o primeiro e, em 2019 e 2020, o segundo, atrás do Primeiro-ministro António Costa. O primeiro ano de mandato foi aquele em que a sua presença televisiva foi mais intensa; 2019, o ano em que a sua exposição foi menor. Em 2020 voltou a subir tanto em número como em tempo de notícias (Figura 11).
Podemos colocar a questão se a intensidade desta cobertura tem apenas a ver com a natureza do cargo presidencial, independentemente do seu ocupante. A comparação com dois anteriores Presidentes da República sugere-nos uma resposta negativa (Figura 12).
Confrontando o primeiro ano de mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, 2016, com o primeiro ano de Cavaco Silva, 2006, e o último de Jorge Sampaio, 2005, neste caso por ser o único ano sobre o qual temos dados completos, verificamos que Marcelo Rebelo de Sousa foi objeto de mais do dobro de notícias por comparação com Cavaco Silva e Jorge Sampaio nos anos em questão. Acreditamos que esta diferença se verificou em todo o mandato, o que pode ser confirmado numa análise comparativa mais alargada. No entanto, estes dados demonstram que não basta o relevo do lugar político, o exercício é fundamental para a cobertura televisiva.
O PR na Arena Informativa Televisiva
As entrevistas que realizámos aos Diretores de Informação da RTP, SIC e TVI, permitem confirmar a hipótese que explica o domínio televisivo de Marcelo Rebelo de Sousa, pela convergência de três vetores que se refletem no exercício comunicacional do PR: o vetor pessoal (características de personalidade e percurso profissional que o habilitam para a comunicação televisiva); o vetor político (relevância política do cargo e grau de iniciativa e criatividade que coloca na sua ação e na relação com outros políticos e com os cidadãos); e vetor mediático (relações que estabelece com o círculo mediático e capacidade de adaptação aos formatos, temas e agenda dos media). De sublinhar que, do lado dos media, há sempre uma margem de relatividade na análise destas competências. Por um lado, são avaliadas em comparação com outros atores; por outro, podem mudar com o tempo; e a entrada de um novo ator com elevadas competências pode afetar a forma como as capacidades de um outro ator são percebidas (Sheafer, 2001).
O Vetor Pessoal
Nesta categoria, encontramos as características de personalidade e o percurso pessoal e profissional que permitem desenvolver um conjunto de competências que tornam os atores políticos mais preparados para operarem nos media e, desta forma, os torna mais suscetíveis de obter uma maior cobertura mediática.
Como comentador televisivo, Marcelo Rebelo de Sousa desenvolveu um potencial comunicativo, explicando de forma simples os acontecimentos da semana, num estilo empático, próprio da sua personalidade. Era, regularmente, líder de audiências, alcançado mais de 1 milhão e meio de espetadores, como refere Sérgio Figueiredo, então Diretor de Informação da TVI (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023).
“Marcelo Rebelo de Sousa é mesmo o primeiro Presidente feito nas televisões. O meio televisivo é o aquário onde ele cresceu e se fez. E a tarimba que o comentário político lhe deu durante anos e anos, faz com que tenha um à-vontade, no relacionamento com as câmaras que muitos pivots profissionais não têm” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023).
A personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa e os seus dotes comunicacionais, experimentados nos jornais, na rádio e na televisão ao longo de muitos anos, também ajudam a perceber o seu singular protagonismo” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023).
Para além de comentário na televisão, a experiência de professor universitário permitiu-lhe desenvolver uma reconhecida capacidade oratória.
“O Presidente comunica com as inflexões de voz, o tom professoral de quem está a transmitir conhecimento, saber. E isso é claramente visível nas televisões, com a frase curta, concreta, incisiva para caber num noticiário, ou a explicação mais detalhada numa entrevista de grande fôlego” (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013).
“Ele sempre foi um comunicador e trouxe para a política portuguesa, quando se torna PR, essa teatralidade toda” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “A sua linguagem é muito descritiva, explicativa e ilustrativa não esquecer que, na essência, é um professor” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
O facto de a Presidência da República ser um órgão unipessoal, favorece a personalização. O PR explora essa dimensão, colocando o enfoque total sobre si próprio. “Não há ideias que passem em Belém que não sejam as que passam pela minha cabeça e só eu falo pela Presidência da República” (Sousa, 2023).
Esta dimensão reforça o interesse televisivo. “Tem equipas à sua volta, mas ele tem sempre controlo total sobre o que vai fazer. (…) É assessor, consultor, motorista… de si próprio” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023). “Ocupa ele o espaço todo, digamos assim, com o intuito de assumir por inteiro a responsabilidade que o voto direto do povo o obriga” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023). A personalização refletiu-se, também, na abertura do PR para revelar aspetos de natureza mais pessoal, mantendo, no entanto, a vida familiar e afetiva na reserva da sua esfera de privacidade “Sendo tão próximo das pessoas, de tão fácil acesso, o que o PR não mostra na TV é a sua vida íntima” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023). “Marcelo Rebelo de Sousa ‘dessacralizou’ a função do Chefe de Estado. Abriu as portas a um espaço de intimidade, mas sabe fechá-la quando lhe convém” (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013).
O Vetor Político
No sistema constitucional português, o cargo de PR corresponde ao topo da hierarquia política, sendo a primeira figura do Estado. Assim, pelo valor político e simbólico que representa, e independentemente da personalidade que ocupa o lugar, a orientação editorial geral, tanto na televisão pública como nas estações privadas, é o acompanhamento permanente do PR. “Há dois cargos que merecem um acompanhamento permanente por parte da comunicação social, o de Chefe de Estado e o de Primeiro-ministro - a arquitetura do regime torna-os nas principais figuras políticas do país” (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013). “A regra geral sempre foi ir a todo o lado com o PR, onde quer que ele vá” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “Acompanhamos quase tudo, exceto no estrangeiro, por razões orçamentais” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023).
Outra questão é saber em que dimensão esse acompanhamento dá origem à produção de notícias e o número e o tempo das peças informativas. Neste domínio, conta o exercício do ocupante do cargo. “Marcelo é one man show (…) dos eventos em que participa, resultava sempre um happening, uma coisa engraçada, um comentário que ninguém lhe pediu e ele fez e que espoletava sempre reações” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “O PR tem uma centralidade importante no nosso sistema constitucional, mas Marcelo Rebelo de Sousa deu-lhe uma dimensão incomum” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023).
No panorama parlamentar e governamental, Marcelo Rebelo de Sousa lidou com um governo minoritário do PS, apoiado no Parlamento pelo BE, PCP e PEV, uma solução política inédita na democracia portuguesa que ficaria conhecida como “Geringonça” que, de início, suscitou dúvidas relativamente à sua estabilidade e durabilidade. Neste quadro, o PR encontrou, para si, um espaço de intervenção relevante, num cenário político designado de “bloco central de palácios” (Silva, 2016), por analogia com governos envolvendo partidos centrais do espetro partidário, um mais à esquerda e outro mais à direita.
“O facto de conviver com um governo minoritário, viabilizado por uma solução política inédita (a ‘geringonça’), limitada e precária, deu-lhe um maior espaço de intervenção. Preocupado com a estabilidade política, económica e social, justificou e explicou muitas medidas do governo” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023). “
(…) o PR decidiu assumir um papel de garante da estabilidade governativa” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023).
Um outro facto que permitiu uma maior visibilidade da intervenção do PR relaciona-se com as dificuldades de afirmação, nesse período, do maior partido da oposição.
“Marcelo Rebelo de Sousa sentiu, por diversas vezes, a necessidade de ser o contrapeso ao governo da Geringonça (…). Do ponto de vista de cobertura noticiosa, ao ocupar o espaço vazio deixado pela oposição, Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se ainda mais notícia” (A. Crespo, entrevista pessoal, junho 19, 2023).
No plano da relação com o país, encontrou um ambiente de crispação social, na sequência dos chamados “anos da troika”, marcados pela austeridade económica e financeira. Através de uma intensa agenda pública procurou desanuviar o ambiente social e político. “Os anos da Troika estavam para trás, era preciso dar ânimo a um país que tinha passado por uma fase mais depressiva. E, nesse aspeto, o seu contributo foi muito significativo” (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013).
“O país estava a sair de um momento muito difícil da sua História, a intervenção da troika, os credores externos, um Governo sem capacidade de gerar esperança na população, um Primeiro-ministro muito pessimista e Marcelo humanizou a sua função na Presidência da República, abriu-nos estradas com luz” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023).
“Como o próprio disse, várias vezes para explicar a sua atitude pública, sentia necessidade de ‘descrispar’ a vida política portuguesa (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
No plano comunicacional, Marcelo Rebelo de Sousa rompeu com a estratégia do seu antecessor, Cavaco Silva, muito mais reservada no uso da palavra e contida no número de iniciativas públicas. Inovou, aumentando o interesse dos media. “Num estilo completamente diferente do exercício presidencial, em absoluto contraste com o Presidente anterior e mesmo com todos os seus antecessores” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023). “Esta atitude contrasta fortemente com a atitude do seu antecessor, parco em declarações e com uma agenda pública com muito menos iniciativas. Contrasta também com a generalidade das práticas de todos os seus antecessores” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023).
Através da sua natureza empática e a facilidade de diálogo, características da sua personalidade, construiu a imagem do “Presidente dos Afetos” (Sebastião, 2018), formulação que se generalizou para caracterizar o seu exercício presidencial: próximo dos portugueses, indo permanentemente ao seu contacto.
“Desde o início do seu mandato se percebeu que iria ter uma relação com os portugueses muito diferente da do seu antecessor. Essa relação passava pelo lado afetivo a selfie que até veio a ser cunhada de ‘marselfie’ pela relação direta com os portugueses” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
“Marcelo Rebelo de Sousa é uma persona pública com um alto reconhecimento, em grande medida pela forma como sempre se posicionou na vida pública, mas também na forma como quis ‘transferir’ essa proximidade, os afetos nas palavras do próprio para o seu mandato presidencial” (A. Crespo, entrevista pessoal, junho 19, 2023).
Na Presidência da República, o gabinete que trata da comunicação intitula-se, justamente, Comunicação e Proximidade.
“Se houvesse cognomes para os Presidentes, à semelhança dos Reis, acho que Marcelo seria ‘O Popular’. Não apenas pela popularidade que cruzou o seu mandato até agora, mas por ser o mais próximo do povo. Isso marcou permanentemente a sua forma de comunicar, com muita inovação e criatividade” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023).
“A sua capacidade em interagir com qualquer interlocutor num qualquer cenário, exposta e potenciada nas televisões e redes sociais, trouxeram-lhe uma popularidade inquestionável” (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013).
A forma como o PR se posicionou politicamente e as inovações e criatividade que introduziu, contribuíram para o interesse da informação televisiva. “Marcelo teve uma dupla criatividade, na sua proximidade com o povo e na prática de uma agenda pública intensiva. Isso, obviamente, tornou-o um “objeto” mais interessante por ser novo e de certa forma imprevisível” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023). “A forma como interpreta a política faz dele um ser inovador e constantemente criativo” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “O PR, Marcelo Rebelo de Sousa, é um criativo e inventivo politicamente falando. O nível da sua intervenção e criatividades políticas é altíssimo” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
O Vetor Mediático
Como PR revelou uma enorme disponibilidade para os media e uma capacidade de ajustamento às suas necessidades. “Marcelo teve uma cooperação total com os media. (…). Grande parte desta relação de amor que existe entre os jornalistas e o PR tem a ver com essa capacidade de ele estar à disposição” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “A relação com a imprensa é muito próxima, o que faz com que haja uma certa boa-vontade em adaptar-se em certas situações às exigências da comunicação social, sobretudo das televisões e dos seus incontáveis ‘diretos’ (P. Dentinho, entrevista pessoal, maio 30, 2013). “Marcelo Rebelo de Sousa percebe, conhece e domina muito bem os tempos e as necessidades dos media. Creio que há uma relação de conveniência mútua” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
Devido à sua longa experiência como comentador televisivo, Marcelo Rebelo de Sousa conhece “os valores e necessidades dos media” (Sheafer, 2001) e facilmente se adequa às circunstâncias.
“O nível de adaptação é total, dependendo totalmente da circunstância. Uma coisa na rua, outra num discurso solene, outra ainda numa declaração ao país ou num debate ou entrevista televisiva. No entanto, o facto da presença na rua ser esmagadora acaba por condicionar totalmente a imagem que existe do PR” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023).
O grau de abertura do PR tem também expressão nos assuntos sobre os quais é possível escutar a sua palavra que não se limita apenas aos tópicos que têm diretamente a ver com a função presidencial. Tal como o ex-comentador televisivo discorria sobre todos os temas da semana, o PR discorre sobre quase todos os temas do dia-a-dia. “Marcelo tem também disponibilidade para comentar todos os assuntos. Ele fala sobre tudo” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “De uma forma geral, Marcelo Rebelo de Sousa tem manifestado abertura para falar sobre todos os temas que lhe são apresentados” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023). “A minha leitura é simples: se é isso que interessa aos portugueses, é sobre isso que Marcelo Rebelo de Sousa quer falar” (A. Crespo, entrevista pessoal, junho 19, 2023). Marcelo Rebelo de Sousa reconhece esta característica definidora da sua presidência: “Cada um é como é. Eu tenho falado imenso enquanto presidente, tenciono não falar nada depois” (Sousa, 2023).
A flexibilidade comunicacional manifesta-se também na abertura para adaptar a agenda em função do imprevisto e dos acontecimentos de “última hora”. “Aconteceu inúmeras vezes. É alias uma constante e uma marca da sua presidência” (R. Costa, entrevista pessoal, junho 13, 2023). “Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente ‘última hora’. Ele tem o instinto de perceber quando alguma coisa acontece que é verdadeiramente importante e, nalguns casos, até se antecipa” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023). “A sua experiência política, argúcia, inteligência, disponibilidade total, capacidade de intervenção rápida, conferem-lhe um exercício presidencial permanente, 24 horas sobre 24 horas” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023). Tal comos os media televisivos estão atentos aos passos do PR, o PR não des-
cura a agenda televisiva.
“Há um pacto, e ainda continua a haver, não escrito, não combinado, entre as redações e o PR que faz com que a agenda de um seja determinada pelo outro e eu não sei quem é que determina aqui, mas há uma simbiose inequívoca” (S. Figueiredo, entrevista pessoal, maio 31, 2023).
Marcelo Rebelo de Sousa não se limitou a reagir a acontecimentos, a Presidência promove eventos com apelo mediático. “Organizou feiras de livros, chamou artistas, homens de letras e académicos ao Palácio de Belém e colocou-os a dialogar com estudantes, trouxe personalidades estrangeiras ao Conselho de Estado, deu maior dimensão às comemorações do 10 de junho com comemorações fora do país, tornou-se parte ativa de quase todos os acontecimentos nacionais” (A. J. Teixeira, entrevista pessoal, junho 8, 2023). “Marcelo Rebelo de Sousa tem o dom de ocupar o espaço mediático. De nunca desaparecer das notícias. Se for necessário, criando ele próprio notícias” (A. Crespo, entrevista pessoal, junho 19, 2023).
O exercício do lugar de PR teve características inovadores que atraíram a atenção dos media e se refletiram no número e no tempo das notícias televisivas em que foi protagonista.
“O que torna Marcelo Rebelo de Sousa tão noticiável tem a ver com as características do próprio, na forma como comunica, na forma como gere a informação a dar, na empatia que cria com os telespetadores, naturalmente, mas, sobretudo, na relevância e nos factos políticos que cria em quase tudo o que faz ou diz” (A. Crespo, entrevista pessoal, junho 19, 2023).
“Essa surpresa que emprestou à sua forma de ser Presidente, espantou o país e fez com que a Comunicação Social o seguisse com mais intensidade que seguia o seu antecessor. Até porque havia mais atividade, mais intervenções, mais ação. Pela novidade, por ser inédita esta forma de estar na vida pública e política, por ser diferente, por causar outras interações, por de facto surpreender, é natural que tenha sido o mais procurado, o mais visto, o mais seguido, o mais questionado” (M. F. Pedroso, entrevista pessoal, junho 18, 2023).
Conclusões
O estudo da forma como Marcelo Rebelo de Sousa se tornou uma figura central da informação televisiva, ao longo do seu primeiro mandato como PR, permite-nos identificar um conjunto de vetores que individualmente e em convergência explicam o domínio da arena informativa televisiva pelos atores políticos. Esses vetores incluem as características pessoais do ator político - Vetor Pessoal, as capacidades de intervenção política- Vetor Político, e a relação que estabelece com os media - Vetor Mediático (Figura 13).
Relativamente ao vetor pessoal, são elementos fundamentais as características de personalidade - empatia, proximidade, sociabilidade; e o percurso pessoal e profissional que facilitam o domínio de capacidades comunicativas ou a ligação aos media; e as capacidades performativas televisivas o domínio da linguagem adequada aos meios audiovisuais.
Quanto ao vetor político, corresponde ao grau de iniciativa e criatividade que o ator revela nos assuntos políticos, bem como na relação que estabelece com os outros atores políticos e com os eleitores. Adicionalmente, o lugar de maior ou menor relevo de determinado cargo no sistema político determina a centralidade do seu titular na arena mediática.
Finalmente, o vetor mediático é constituído pela capacidade demonstrada pelo ator político para se ajustar às necessidades dos media; a abertura para abordar uma gama diversificada de assuntos; a capacidade de adequação da agenda aos acontecimentos inesperados; a promoção de eventos; e proximidade com os jornalistas. O grau de afirmação dos atores políticos, em cada um e em conjunto, nestes vetores, determina o maior ou menor domínio da arena informativa televisiva.
No caso concreto do exercício presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa verificamos que o PR apostou numa estratégia de comunicação centrada na televisão e todos estes vetores convergiram para que tivesse uma intensa cobertura mediática. Tendo em conta que “a personalização da política se tornou uma marca registada das democracias contemporâneas” (Balmas e Sheafer, 2013, p. 3), Marcelo Rebelo de Sousa centralizou toda a comunicação presidencial na sua figura e foi protagonista de uma intensa agenda pública com impacto nas escolhas informativas televisivas.
No domínio pessoal, Marcelo Rebelo de Sousa tem características de personalidade e conhecimentos que decorrem do seu percurso como professor e comentador, nomeadamente no domínio da performance televisiva, que explicam que seja um “homem da televisão”. A visibilidade televisiva que alcançou beneficiou das suas ‘competências carismáticas’, isto é, de “aptidões, comportamentos, performances e talentos exibidos por um ator que são pertinentes para a arena em que opera” (Balmas e Sheafer, 2013, p. 4). No campo político, perante um cenário parlamentar e governamental com dimensões inovadoras, revelou iniciativa e criatividade, definindo, para si, um papel de intervenção política que o colocou no foco do interesse mediático. Por outro lado, executou uma intensa estratégia de aproximação aos cidadãos, permitindo às televisões o acesso a conteúdos visualmente apelativos. Ao criar condições para os media contarem boas histórias (Wolfsfeld, 2022), Marcelo Rebelo de Sousa reforçou o seu domínio do espaço público. No plano mediático, manteve uma atenção permanente aos media, adequando-se às suas necessidades, em termos de agenda, na promoção de eventos, multiplicando iniciativas públicas e tendo disponibilidade para abordar diferentes temas da atualidade noticiosa. “O Presidente presta uma atenção colossal aos media, conhece muito bem as lógicas jornalísticas, domina os processos de agendamento dos temas e tem uma enorme eficácia na construção de uma mensagem mediática, quer no conteúdo, quer na forma” (Lopes, 2018).
Sendo uma figura popular e com elevada notoriedade, como as pesquisas de opinião demonstram, a presença do PR nos noticiários interessa às televisões. “As marcas massmediáticas lucram, pois procuram aumentar as audiências na televisão e a viralidade nas redes sociais. O político lucra porque, tornando-se mais popular, alarga a sua potencial base eleitoral” (Cardoso, 2023, p.154).
Estas múltiplas dimensões, colocadas ao serviço da sua estratégia comunicativa, garantiram a Marcelo Rebelo de Sousa o domínio da arena informativa televisiva no seu primeiro mandato.