INTRODUÇÃO
O stress é um fator de risco que afeta tanto o desenvolvimento de transtornos aditivos, quanto a recaída em comportamentos aditivos (incluindo a ingestão de alimentos mais saborosos), podendo comprometer a gestão do peso (1). Em termos de definição, o Stress é um constructo que tem sido definido e repensado ao longo de décadas, sendo um exemplo de uma possível definição proposta por Torres & Nowson, conforme citado por Hyldelund e colaboradores (2): “a resposta generalizada e não específica do corpo a qualquer fator que sobrecarregue, ou ameace sobrecarregar, as habilidades compensatórias do corpo para manter a homeostasia”. Sabe-se que elevados níveis de stress associam-se positivamente à ingestão emocional (3), que é descrita pela incapacidade em controlar impulsos alimentares em resposta às emoções negativas perante situações de stress na vida de uma pessoa, o que pode levar a um comportamento alimentar disfuncional, caracterizado pelo descontrolo alimentar (4). Por outro lado, entende- -se por um comportamento alimentar equilibrado, comer quando se sente fome, em momentos regulares para permitir assegurar as necessidades fisiológicas e o gasto energético (5).
A insegurança alimentar pode ser um fator de stress e potenciador da ingestão emocional (4), existindo também uma relação entre o stress, a depressão e a obesidade, tendo sido estabelecida associações positivas entre o nível de ingestão emocional e o nível de stress (2, 6).
Parecem existir alterações fisiológicas e psicológicas que se desencadeiam por forma a reduzir as emoções negativas, levando a comportamentos como o consumo de álcool, aumento do tempo sedentário, tabagismo ou a ingestão inconsciente de alimentos altamente saborosos (alimentos de elevada densidade energética), que se podem refletir posteriormente no peso corporal e na saúde (7, 8). O stress é aliás um fator de risco para problemas de saúde, tais como a hipertensão arterial, outras doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, doenças neuro endócrinas e do sistema nervoso central (6, 8). Também, o Coronavírus SARS-CoV 2, em Março de 2020, obrigou muitos países a entrar em confinamento, o que acabou por originar alterações de comportamento (isolamento, distanciamento social, stress, hábitos alimentares alterado), o que motivou em algumas pessoas mais ansiosas, sensíveis, deprimidas e com mais stress, alterações negativas dos hábitos alimentares (9).
A presente revisão centra-se no efeito do stress no comportamento alimentar em adolescentes, adultos e idosos.
METODOLOGIA
A pesquisa foi efetuada na PubMed, em junho de 2023 e os descritores utilizados “eating behavior”, “food” e “stress”. Recorreu-se ao operador booleano “AND”. Foram obtidos 1636 artigos, tendo sido incluídos na presente revisão 29 desses artigos por se enquadrarem na temática almejada.
Stress e Alimentação
A relação existente entre o impacto do stress e o comportamento alimentar é complexa existindo essencialmente dois tipos diferentes, mas relacionados, de resposta fisiológica ao stress, que podem afetar a ingestão de alimentos. A primeira é a ativação do eixo hipotálamohipófise-suprarrenal, e a segunda implica o sistema nervoso simpático, que corresponde ao aumento dos mecanismos de excitação, tais como a secreção de adrenalina, o aumento da pressão arterial e o desvio do fluxo sanguíneo do trato gastrointestinal para o músculo esquelético (3).
Atualmente a exposição a fatores de stress é quase inevitável existindo vastas consequências ao nível da saúde e qualidade de vida, como o desenvolvimento de doenças crónicas como a depressão e/ou a obesidade (3, 10).
Conhecem-se diferentes tipos de respostas ao nível do comportamento alimentar aos elevados níveis de stress, podendo ocorrer a perda de apetite e subsequente perda de peso ou, em contraponto, um aumento de apetite e da ingestão alimentar menos consciente com o subsequente aumento de peso (3, 10). Esta diversidade de reações explica, em parte, a variabilidade individual na relação entre o stress e o comportamento alimentar, sendo também relevantes nesta relação outros aspetos do estilo de vida, aspetos culturais e o modo de encarar o stress (11, 12). O aumento de apetite e a maior tendência para comer em resposta a emoções negativas (ingestão emocional) com a preferência por alimentos com elevado valor energético, elevado teor de gordura, sal, açúcar e bastante agradáveis ao paladar como por exemplo, snacks, aperitivos e doces, somando-se a diminuição da escolha de alimentos saudáveis como frutas e vegetais são as mais usuais consequência no comportamento alimentar da exposição crónica a níveis de stress elevados (2, 11).
Num estudo de coorte, realizado em 12 países da europa, com 9052 participantes, observou-se uma associação positiva entre a ingestão de alimentos e a ingestão emocional e a condição emocional, como o stress, depressão, solidão e consolo emocional, bem como razões para melhorar a atividade física e a condição psicológica. Conclui-se que as emoções podem provocar comportamento alimentar emocional (ingestão emocional). A maneira de lidar com o stress, a depressão ou outros estados emocionais, é importante em momentos de sobrecarga emocional (8).
Os vegetais e as frutas apresentam um efeito protetor contra o stress mental, provavelmente graças às substâncias antioxidantes que contêm e que reduzem o stress oxidativo, levando ainda a uma mais elevada ingestão de fibra alimentar que também se tende a associar com uma melhor saúde mental e melhor perfil da microbiota intestinal (13). Em contraponto, o consumo frequente de alimentos fritos e conservas está relacionado com níveis mais elevados de stress, bem como o consumo de carne, que apesar de conter elevado teor de proteína e ser fonte de minerais, apresenta também concentrações elevadas de ácidos gordos saturados, o que se correlaciona com o aumento do risco de dislipidemia e depressão (13).
Evidências nos Adolescentes
Os adolescentes são um grupo etário frequentemente sujeito a stress, quer ao nível fisiológico, cognitivo e/ou social (14, 15), sabendo-se inclusivamente que as situações de stress, provocam frequentemente falta de concentração, défice de atenção e mau humor em adolescentes de ambos os géneros (16).
O consumo de alimentos genericamente considerados como não saudáveis e menor consumo de alimentos saudáveis (fruta e vegetais) está associado a mais elevados níveis de stress em adolescentes, sendo os alimentos mais processados e que apresentam mais elevadas concentrações de sal, gordura e energia que mais contribuem para essa associação (11, 16).
O período da adolescência é também traçado pela grande probabilidade do desenvolvimento de comportamentos de compulsão alimentar, em que existe menor capacidade de autorregular o consumo de grandes quantidades de alimentos num determinado espaço de tempo (17). Durante a fase da adolescência, elevados níveis de stress podem afetar a qualidade do sono, e quando esta é afetada, aumento o risco de uma alimentação de menor qualidade (18).
Verifica-se que adolescentes, com excesso de peso e obesidade, quando expostos a elevados níveis de stress agudo, estão altamente suscetíveis a aumentar o seu aporte energético como resposta a esse estímulo, sendo essa relação entre o stress agudo e o aporte energético, moderada pelo risco e sintomatologia associada a distúrbios do comportamento alimentar (19).
Evidências nos Estudantes Universitários
A maioria dos estudantes universitários sofre de stress académico sendo os momentos de avaliação apontados como a fonte principal de stress (14). A par destes fatores podem ser apontados outros, como o impacto da mudança do ensino secundário para o ensino universitário, muitas vezes a mudança de casa e para longe da família, a rivalidade entre colegas e as notas, bem como uma carga horária superior ao habitual (18). No entanto, o stress académico aparenta não causar os mesmos efeitos, entre estudantes do sexo masculino e estudantes do sexo feminino. Caso e colaboradores, verificaram que as estudantes femininas apresentam elevados níveis de stress académico, tendendo a comer mais em resposta ao stress e ansiedade, em comparação com os estudantes masculinos (14).
Quanto ao consumo de alguns alimentos, a título de exemplo, Arbués e colaboradores encontraram uma associação positiva entre uma menor adesão às recomendações de consumo de hortícolas e os níveis de stress, ansiedade, depressão e insónia, sendo associações semelhantes também verificadas com o baixo consumo de lacticínios e o elevado consumo de doces neste contexto académico (18).
De uma forma geral, existem alguns estudos que indicam que os estudantes universitários tendem a ganhar mais peso do que os adolescentes não estudantes e que não frequentam a universidade (20). Muitas vezes os adolescentes demonstram dificuldades em saberem gerir as suas próprias prioridades, e no que toca a este assunto os estudantes não tomam em consideração a sua saúde como um fator de extrema importância, sobrepondo-se frequentemente o prazer e o gosto associado ao consumo de alimentos saborosos (20).
Evidências nos Adultos
Durante a vida adulta o stress é frequentemente sentido quando as obrigações percecionadas pelo indivíduo excedem as suas capacidades adaptativas, estando o nível de stress, associados ao desenvolvendo de obesidade derivado de comportamentos de resposta ao stress que colocam em risco a saúde como uma alimentação pouco saudável (i.e. consumo de alimentos com elevada densidade energética, ricos em gordura, açúcar e sal), consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo e sedentarismo (21, 22).
Estima-se que mais de um terço dos adultos sofre de obesidade a nível global, e o seu gradual aumento chama cada vez mais a atenção dos profissionais de saúde, por ser considerado uma crise de saúde pública (23, 24). O comportamento sedentário está bastante associado ao aumento da obesidade, sendo exemplos de comportamentos sedentários estar sentado ou reclinado a ver televisão ou em frente a outros ecrãs ou trabalhar sentado interruptamente (23). Situações de stress acompanhas de emoções negativas, levam frequentemente os adultos a procurar alimentos de conforto como compensação emocional, pensando-se que este tipo de alimentos sejam reconfortantes por causarem sensações positivos e agradáveis, todavia, existe uma grande variabilidade de alimentos que podem ser considerados “alimentos de conforto”, pois isso parece depender não só de fatores individuais, mas também geográficos, culturais e gastronómicos de cada país (25). Um ponto comum dos alimentos utilizados como “compensação emocional” ou usualmente denominados como “alimentos conforto” (21).
Consumir elevadas quantidades de alimentos ultraprocessados dificulta a regulação energética, aumenta o risco de ganho de peso e desenvolver doenças crónicas não transmissíveis, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e cancro, existindo vários fatores que podem afetar a qualidade da dieta como os a idade, a condição socioeconómica, o nível de escolaridade e estado civil e os níveis de stress (21). Cortes e colaboradores observaram que os adultos empregados entre os 18 e os 35 anos, com maiores níveis de escolaridade, solteiros, fumadores, com mais hábitos alcoólicos e maior perceção do stress, tinham um maior consumo de alimentos ultraprocessados (21).
Schweren e colaboradores, com base numa coorte de 121008 adultos também concluíram que existia uma associação positiva estatisticamente significativa entre elevados níveis de stress e uma dieta de pior qualidade (26). Já Berge e colaboradores concluíram que maiores níveis de stress levam a que pais (adultos) possam fornecer aos seus filhos (e a eles próprios) uma alimentação menos correta (i.e. bebidas açucaradas, alimentos ricos em gordura e açúcar) e práticas alimentares desadequadas como exercerem demasiada pressão para os filhos comerem (27).
Evidências nos Idosos
Os idosos também sofrem com o impacto negativo do stress, pois são obrigados a trabalhar até mais tarde devido ao aumento da esperança média de vida e à alegada sustentabilidade do sistema social (28). Alguns destes idosos, ainda trabalham, e devido às consequências que o stress pode trazer, este acaba também por influenciar o seu comportamento alimentar, dado que comer, é um ato social complexo e que é afetado por vários fatores (e.g. género, nível educacional, estado civil, atividade laboral, estado de saúde, personalidade) (29). De acordo com um estudo realizado em idosos, níveis de stress nos idosos, também podem desencadear uma ingestão alimentar mais emocional, e este comportamento é afetado pelos seguintes fatores preditores: perceção do nível de stress, índice de massa corporal, estado civil e género (30).
Na população idosa o stress também se associa a alterações no comportamento alimentar, e as consequências na saúde, além do risco de desenvolvimento de excesso de peso e obesidade, diabetes, hipertensão arterial, também se verifica maior risco de alterações no estado nutricional, já mais prevalentes nesta faixa etária (e.g. risco de desnutrição, sarcopenia) (31).
Por outro lado, um sono desregulado tem um impacto negativo no comportamento alimentar, levando a aumento do consumo energético, aumentando o risco de desenvolvimento de várias doenças (e.g. doenças cardiovasculares, obesidade), e isto é explicado por um aumento do apetite, devido à desregulação das hormonas responsáveis pela regulação do apetite, existindo ainda uma associação entre um sono de pior qualidade e o aumento do índice de massa corporal e outros riscos para a saúde (32, 33).
ANÁLISE CRÍTICA
Foram analisados os principais fatores e consequências do impacto do stress na alimentação de 3 faixas etárias, nomeadamente nos adolescentes, adultos e idosos. No geral, a evidência aponta para que o stress possa efetivamente afetar o comportamento alimentar existindo, pelo menos, duas vias diferentes de resposta, por um lado o desejo por alimentos mais saborosos aumenta em alguns indivíduos e por outro, pode ser exibida uma situação de perda de apetite em outros indivíduos (3).
Os episódios de stress estão diretamente relacionados com alguns problemas de saúde como, obesidade, doenças cardiovasculares e deterioração da saúde mental. Face ao stress é usual os indivíduos optarem por alimentos mais saborosos, de elevado valor energético e com grandes quantidades de açúcar, gordura e sal.
A própria perceção dos níveis de stress, parece ter interferência na qualidade da alimentação, acabando por ter impacto na saúde (21). Também se verificou, que na presença de maiores níveis de stress, surgem mecanismos compensatórios que se refletem no comportamento alimentar. Nesse sentido, técnicas que auxiliem na consciencialização do consumo alimentar podem ajudam na autorregulação do comportamento alimentar, reduzindo a ingestão emocional protegendo do aumento do peso ou até promovendo a redução de peso (34).
Por vezes pode-se considerar que a relação do stress com o comportamento alimentar é bidirecional, pois tanto o stress pode levar a alterações comportamentais e de estilo de vida como a alimentação a atividade de física e o sono, como o contrário também se verifica, ou seja, ter uma má alimentação, não praticar exercício físico ou não ter suficiente qualidade de sono também aumenta os níveis de stress. Salienta-se a necessidade de mais estudos experimentais que possam inferir casualidade na possível relação bidirecional entre o stress e o comportamento alimentar e que averiguem a efetividade de estratégias concretas na prevenção dos episódios de desregulação do comportamento alimentar induzidas pelo stress por forma a fornecer mais e melhores ferramentas aos profissionais de saúde e nutrição que trabalham com esta temática a nível individual ou coletivo.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
MA: Pesquisa bibliográfica inicial, leitura e seleção bibliográfica inicial e redação da versão inicial do artigo; AC: Pesquisa bibliográfica complementar, leitura e seleção bibliográfica complementar e redação de uma versão final do artigo; RJ: Acompanhamento e coordenação da elaboração do artigo em todas as suas etapas e concretização da revisão crítica e correção científica que deu origem à versão final do artigo, revisto e aprovado por todos os autores.