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Revista Onconews

versão impressa ISSN 1646-7868versão On-line ISSN 2183-6914

Revista Onconews  no.45 Porto dez. 2022  Epub 28-Dez-2022

https://doi.org/10.31877/on.2021.45.01 

Artigo de Investigação

Fatores determinantes na transição para cuidados paliativos: Perspetiva de enfermeiros peritos

Conditioning factors for the transition to palliative care: Clinical nurse specialist’ perception

Factores determinantes en la transición a cuidados paliativos: Perspectiva de enfermeros expertos

P. Tavares1  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Software, Redação do rascunho original e Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-6593-7991

R.S. Silva1  , Metodologia e Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-2651-2373

B Magalhães2  3  4  , Metodologia e Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-6049-8646

1 Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos, Hospital da Luz Lisboa, Portugal

2 Escola Superior de Saúde de Santa Maria, Departamento Cirurgia Oncológica, Instituto Português de Oncologia do Porto (Portugal); Porto, Portugal

3Oncology Nursing Research Unit IPO Porto Research Center (CI-IPOP), Portuguese Oncology Institute of Porto (IPO Porto) / Porto Comprehensive Cancer Centre (Porto.CCC) &amp, Porto, Portugal

4RISE@CI-IPOP (Health Research Network), Porto, Portugal


Resumo:

Enquadramento:

O foco de atenção dos enfermeiros deve abarcar os fatores de vulnerabilidade para compreender a dimensão da intensidade das suas intervenções, de forma a facilitar o processo de transição para cuidados paliativos.

Objetivo:

Determinar a perceção dos peritos em enfermagem sobre as condicionantes da transição para cuidados paliativos.

Metodologia:

Estudo qualitativo, com abordagem fenomenológica descritiva, com recurso ao método de análise de conteúdo, de Bardin. Entrevistas semiestruturadas a 9 peritos de uma Unidade de Cuidados Paliativos. Os dados foram interpretados à luz da Teoria das Transições, de Afaf Meleis e organizados com o software ATLAS.ti®.

Resultados:

Identificaram-se fatores considerados facilitadores, tais como atitudes e significados positivos sobre os cuidados paliativos, a espiritualidade e religiosidade; e outros identificados como inibidores, tais como suporte familiar insuficiente, expectativas irrealistas e falta de conhecimento sobre cuidados paliativos.

Conclusão:

Os enfermeiros devem tornar-se agentes facilitadores da transição para cuidados paliativos, identificando as barreiras e enfatizando os fatores facilitadores com vista a uma transição saudável.

Palavras-chave: cuidados paliativos; enfermagem; cuidado transicional; estudo qualitativo

Abstract

Background:

Nurses’ focus should include vulnerability factors to understand the intensity range of their interventions, in order to facilitate the transition process to palliative care.

Objective:

To determine the conditioning factors for the transition to Palliative Care from the Clinical Nurse Specialist’ perception.

Methodology:

Qualitative study, with a descriptive phenomenological approach, using Bardin's method of content analysis. Semi-structured interviews with 9 experts from a Palliative Care Unit. Data were interpreted in the light of Afaf Meleis' Theory of Transitions and organized with the ATLAS.ti®.

Results:

Facilitating factors were identified, such as positive attitudes and meanings about palliative care, spirituality and religiosity; and others identified as inhibiting conditions, such as insufficient family support, unrealistic expectations and lack of knowledge about palliative care.

Conclusion:

Nurses must become the facilitators of the patient’s transition process to the palliative care identifying and stepping in the obstacles to their development according to the individual, their family and the caregivers’ needs.

Keywords: palliative care; nursing; transitional care; qualitative research

Resumen

Marco contextual:

El enfoque de los enfermeros debe abarcar los factores de vulnerabilidad para comprender la dimensión de la intensidad de sus intervenciones, para facilitar el proceso de transición a los cuidados paliativos.

Objetivo:

Determinar la percepción de los expertos en enfermería sobre los determinantes de la transición para Cuidados Paliativos.

Metodología:

Estudio cualitativo, con enfoque fenomenológico descriptivo, utilizando el método de análisis de contenido de Bardin. Entrevistas semiestructuradas con 9 expertos de una Unidad de Cuidados Paliativos. Los datos se interpretaron a la luz de la Teoría de las Transiciones, de Afaf Meleis y se organizaron con el software ATLAS.ti®.

Resultados:

Se identificaron factores facilitadores para la transición, como actitudes y significados positivos sobre Cuidados Paliativos, espiritualidad y religiosidad; y otros identificados como obstáculos, como apoyo familiar insuficiente, nivel socioeconómico bajo, expectativas poco realistas y desconocimiento sobre Cuidados Paliativos.

Conclusión:

Los enfermeros deben convertirse en agentes facilitadores de la transición a los Cuidados Paliativos, identificando barreras y enfatizando los factores facilitadores para una transición saludable.

Palabras clave: Cuidados Paliativos; Enfermería; Transición; Investigación Cualitativa.

Introdução

No decurso do ciclo vital, as pessoas vivenciam transições e os enfermeiros, pela inerência das suas competências, lidam com estas. A transição remete para a mudança do status de uma pessoa.1 Enquanto conceito relevante em saúde, tem sido analisado, contudo, estudos empíricos já realizados reforçam a necessidade de abordagem deste mesmo conceito em Cuidados Paliativos (CP).

O processo de transição para CP não deve ser subestimado. Considerando-o como um processo caracterizado pela sua singularidade, diversidade, complexidade e múltiplas dimensões que geram significados vários, determinados pela perceção de cada pessoa, procura-se uma transição saudável, que é determinada pelos padrões de resposta desta2 em que as pessoas com necessidades paliativas e as suas famílias experienciam transições. Neste processo existem condições facilitadoras e inibidoras que devem ser conhecidas, a fim de se acentuarem aquelas que são facilitadoras e ultrapassarem as que interferem negativamente na transição.1

Assim, as intervenções de Enfermagem, no âmbito das competências autónomas, mas também das interdependentes, devem proporcionar conhecimento e capacidade àqueles que as vivenciam.3

O objetivo do presente estudo foi determinar as perceções relativamente aos fatores determinantes na transição para CP.

Enquadramento

Falar de CP significa, em primeiro lugar, falar de cuidados de saúde. Não são caridade, não são cuidados de apoio social, são cuidados de saúde e são uma área de especialização, como é o caso de tantas outras especialidades médicas. Os CP, enquanto cuidados holísticos ativos, prestados a pessoas com doenças graves, incuráveis e progressivas, que exortam, inevitavelmente, sofrimento, têm como objetivo primordial melhorar a qualidade de vida (QdV) das pessoas doentes, familiares e cuidadores. Não pretendem acelerar nem retardar a morte, mas sim afirmar a vida, reconhecendo a morte como um processo natural.4

A Enfermagem e os enfermeiros tomam por foco de atenção quer as respostas humanas às transições, quer a procura de conhecimento. O desafio surge com a necessidade de suporte nos processos de transição, procurando conhecê-lo, planeando e implementando intervenções que se traduzam em ganhos em saúde, perspetivando-se a sensação de bem-estar e estabilidade da pessoa.3,5

A Teoria das Transições, de Afaf Meleis, enquanto teoria de médio alcance consagra que, durante a nossa vida, somos alvo de transições. As transições são resultado de eventos críticos e das mudanças produzidas em indivíduos ou ambientes.6 A Teoria da Transição, centrando-se nas respostas humanas aos processos de vida, de saúde e de doença, guia conceptualmente este estudo.

Em 2000, através da revisão de literatura em Enfermagem, Meleis et al.1 afirmam que os enfermeiros devem antecipar, avaliar, diagnosticar, lidar e ajudar as pessoas a experienciar os processos transacionais, processos esses que o ser humano vivencia durante o seu ciclo vital, enquanto processo contínuo de transformação de um estado, fase ou períodos, para outro. A necessidade, por um lado, de lidar com as mudanças e com os desafios que ocorrem ao longo do tempo e, por outro, de se ajustar a essas realidades é uma propriedade inerente à vida.

A transição torna-se numa área de atenção para enfermeiros quando esta interfere na saúde das pessoas ou quando as respostas às transições são manifestadas por comportamentos que influenciam a saúde.3

O modo como cada pessoa lida e experiencia a transição é influenciado pelo processo per si, pelo período e por outras condicionantes, quer sejam elas pessoais ou ambientais, por exemplo. Relativamente às transições de saúde/doença, cada pessoa compreende a transição e atribui significados de acordo com os seus valores, atitudes e crenças, que personificam o carácter único de cada ser humano.1,7

Para que os enfermeiros possam tornar-se agentes facilitadores da transição necessitam de compreender as condições pessoais, da comunidade e da sociedade, que podem ser determinantes na transição, quer sejam facilitadores, quer inibidores.1

Os CP são alvo de controvérsia na prática clínica, especialmente no que abrangem e quando e como podem ajudar as pessoas e as suas famílias.8 Os CP continuam a ser discriminados, sendo limitados, frequentemente, aos cuidados de fim de vida, embora devam ser integrados como cuidados básicos, existindo evidência científica sobre a sua eficácia, vastamente descrita na literatura.9,10

Se, por um lado, a integração precoce dos CP permitirá o controlo de sintomas, melhorará a QdV e poderá prolongar a intervenção curativa10,11, por outro, o início precoce altera, por exemplo, o uso da quimioterapia no fim da vida, promovendo a discussão entre a equipa multidisciplinar, adotando medidas de conforto, suspendendo terapêuticas fúteis.12

O enfermeiro estabelece e mantém uma relação terapêutica com a pessoa doente com maior facilidade, resultante da prestação constante de cuidados diretos e específicos durante longos períodos. Desta forma, encontra-se numa posição privilegiada, uma vez que conhece a pessoa doente, permitindo-lhe não só identificar as suas necessidades específicas e planear as intervenções congruentes e ajustadas, mas também conhecer a família e a comunidade em que se insere. Os enfermeiros, por estarem na primeira linha de cuidados e ao longo da trajetória de saúde/ doença, integrados em diferentes contextos, podem ser os primeiros profissionais de saúde a identificar necessidades paliativas.13,15

A preparação para a transição compreende intervenções de Enfermagem, sendo a educação imprescindível para criar condições necessárias para que este processo se realize.6O enfermeiro especialista na área de Enfermagem à Pessoa em Situação Paliativa (EPSP) deverá, numa perspetiva interdisciplinar e multidisciplinar, implementar intervenções que maximizem o bem-estar e a QdV no cuidado à pessoa doente em situação paliativa e, também, aos seus cuidadores e familiares.16,17

Questão de investigação

Na perspetiva dos peritos em EPSP, quais são as condicionantes na transição para Cuidados Paliativos?

Metodologia

A investigação realizou-se sob forma de um estudo fenomenológico descritivo, centrado na análise de dados recolhidos junto de peritos em EPSP, e situa-se no paradigma qualitativo. A amostragem é intencional, constituída por enfermeiros peritos de uma Unidade de Cuidados Paliativos (UCP) que respeitaram os seguintes critérios de inclusão: deter formação pós-graduada em CP, em instituição de ensino superior, com um mínimo de 30 ECTS; prática superior a 3 anos em CP, em unidade onde se exerçam CP de nível III; participação na elaboração de programas estruturados e regulares de formação especializada em CP, assim como a participação em atividades de formação contínua e o desenvolvimento de atividade de investigação em CP. Os participantes foram convidados a participar por correio eletrónico, tendo todos aceites participar.

Quanto ao método e instrumento de colheita de dados, optámos pela entrevista semiestruturada. Para além de uma breve caracterização sociodemográfica e da experiência e formação profissional em CP, as entrevistas orientaram-se por um guião constituído por questões sobre a consciencialização, o envolvimento, a mudança e diferença da pessoa doente face ao evento crítico, assim como sobre os fatores que podem influenciar, favorável ou desfavoravelmente, o processo de transição para CP. As entrevistas decorreram na UCP, conduzidas pelo investigador principal e foram gravadas em suporte áudio, após obtenção do consentimento informado, livre e esclarecido e posteriormente transcritas para suporte papel. Foram apontados os aspetos paralinguísticos como os silêncios e as entoações de voz, para que os dados obtidos fossem as mais fiéis possíveis ao discurso verbal e não-verbal. Não existiram alterações às transcrições iniciais. A duração média foi de 30 minutos. Em relação ao método de análise e tratamento de dados, alicerçou-se no método de análise de Conteúdo, de Bardin e à luz da Teoria das Transições, de Afaf Meleis, sobretudo nos fatores determinantes para a transição (condições pessoais, comunidade e sociedade). Como ferramenta auxiliar na análise dos dados recolhidos utilizou-se o Software ATLAS.ti®. Neste estudo foram respeitados todos os aspetos formais e éticos. O estudo foi autorizado pela Comissão de Investigação do Hospital da Luz Lisboa, após parecer favorável da respetiva Comissão de Ética (n.º de referência CES/14/2021/ME).

Resultados

A amostra é constituída por nove enfermeiros e contempla indivíduos entre os 26 e 36 anos. Quanto ao género, a amostra é predominantemente do sexo feminino, 77,8% (n=7). Ao nível do exercício profissional em CP, a amostra detém experiência profissional entre 4 a 13 anos de prática, sendo a média de 8,7 anos. Já quanto ao exercício profissional em CP de nível III, a média situa-se nos 8,6 anos de prática profissional, variando entre os 3 e os 13 anos. Relativamente à formação académica em CP, dos nove peritos em EPSP entrevistados, oito têm pós-graduação em CP e um tem mestrado em CP, obtidos em instituições de ensino superior, com um mínimo de 30 ECTS.

O investigador principal realizou uma leitura flutuante, seguindo-se uma mais complexa e posteriormente identificaram-se categorias que se referem a um conjunto de condições internas e externas à pessoa, que podem constituir-se como facilitadoras ou inibidoras no processo e resultados de uma transição saudável. As 10 categorias identificadas podem ser englobadas em duas grandes dimensões gerais relacionadas com a pessoa doente: a dimensão relacionada com as condições intrínsecas e a dimensão relacionada com as condições extrínsecas (Tabela 1). A primeira dimensão categoriza aspetos cognitivos, emocionais e físicos. A segunda dimensão reflete as interações que a pessoa doente estabelece com o meio, com as pessoas da família, com os profissionais de saúde e os recursos de saúde, nomeadamente serviços de CP.

Para efeitos de apresentação dos dados, cada um dos participantes será identificado com a letra E, seguida de um número, atribuído por ordem crescente com início em 1, de acordo com a ordem de aceitação de participação no estudo. Na apresentação dos resultados deste estudo serão utilizados símbolos/códigos linguísticos, cujo significado passamos a apresentar:

- “Frases entre aspas e itálico” - Correspondem a citações das palavras ou frases dos entrevistados;

- (...) - Omissão de citação (excerto de entrevista não considerado relevante para análise);

- [Relativamente a X] - Contextualização de citação.

Tabela 1: Visão geral das categorias e subcategorias. 

Dimensões Categorias Subcategorias Entrevistas Cotações
Fatores intrínsecos à pessoa Atitudes/ Comportamentos Aceitação do estado de saúde e adaptação E6, E8, E9 6
Estratégias de adaptação E1, E3, E6, E9 7
Convicções/ Crenças/ Opiniões E1, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9 14
Expectativas/ Envolvimento E1, E2, E3, E6, E7, E8 11
Controlo de intenções e impulsos/ Estratégias comportamentais E2, E6, E8 11
Perceção/ Reconhecimento das mudanças E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9 23
Estatuto Socioeconómico E4, E6 3
Conhecimento/ Informação E1, E2, E3, E4, E5, E7, E8 23
Significados/ Experiências prévias E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8 18
Emoções E1, E4, E8, E9 7
Preparação para a mudança/ Antecipação E1, E2, E5 7
Fatores extrínsecos à pessoa Papel/ Suporte Familiar E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9 15
Serviços de Cuidados Paliativos/ Profissionais de Saúde E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9 51
Comunicação E1, E2, E3, E4, E7 10

Discussão

Categoria: Atitudes/ Comportamentos

De acordo com os peritos, este é um aspeto que interfere na motivação e comportamento da pessoa em transição. Um evento crítico, como o diagnóstico de uma doença, espoleta a reconstrução de uma nova identidade e, na desconstrução e reconstrução da mesma, intervêm fatores intrínsecos e extrínsecos à pessoa doente.1

“(...) Temos de assistir a pessoa a encontrar estratégias que permitam adaptar-se à nova condição.” E9

A doença representa um acontecimento negativo e o valor dessa ameaça é definido com base nas representações de saúde/ doença da pessoa.

“(...) Se for uma pessoa que nunca teve problema ao longo da vida, possivelmente terá desenvolvido menos estratégias de coping. Neste momento poderá ter dificuldade em ultrapassar esta crise.” E9

Importa que exista um estímulo desencadeador que leve a pessoa a adotar o comportamento adequado. Em algumas situações, como relatado pelos participantes, a severidade da doença promove a consciencialização e a adoção de comportamentos.

Os participantes realçaram que a família, tal como a pessoa doente compreende crenças que podem ser facilitadoras ou inibidoras do processo de transição da pessoa para CP, assim como os profissionais de saúde.

Uma família com crenças e valores semelhantes aos do cliente pode facilitar e, pelo inverso, dificultar (...).” E3

(...) relativo aos profissionais de saúde, as crenças dos próprios (...) são determinantes na transição (...).” E4

Categoria: Perceção/ Reconhecimento das mudanças

“A identificação por parte do cliente que está num processo de transição é, na minha opinião, difícil de identificar e de reconhecer.” E1

A presença de sintomatologia, o aumento de incapacidade para o autocuidado e a prevalência de emoções negativas podem levar a pessoa a consciencializar-se de que tem uma doença e a alterar as suas crenças.

(...) o que os faz reconhecer é o descontrolo de sintomas, aumento de dependência e perda de funcionalidade.” E3

Os participantes salientaram a necessidade de elucidar sobre o verdadeiro sentido dos CP na prevenção e alívio do sofrimento, promovendo a melhor QdV possível para a pessoa doente e para a sua família.

(...) as equipas de CP são responsáveis pela promoção da consciencialização do cliente e da família.” E3

Categoria: Estatuto Socioeconómico

“O nível de diferenciação, a condição socioeconómica (...) influenciam positiva ou negativamente a transição.” E4

Como inibidores (...) a inexistência de recursos económicos, sociais (...).” E6

A pessoa com um estatuto socioeconómico mais baixo poderá experienciar, com maior frequência, sintomas psicológicos que dificultam a transição.1

Categoria: Conhecimento/ Informação

O conhecimento das pessoas sobre os serviços de saúde impulsiona a sua utilização, permitindo-lhes perceber se são relevantes para a sua situação.

“A perceção e o conhecimento do que são os Cuidados Paliativos e dos objetivos de cuidados que lhes são propostos são as alterações mais significativas que encontro nos clientes em fase de mudança.” E4

Os peritos relataram que, no momento do diagnóstico e no início do tratamento, embora mergulhada em emoções negativas, a pessoa doente necessita de informações que lhe permita compreender as diferentes etapas do tratamento. Quando essas informações não existem, as pessoas são dominadas por perceções subjetivas da doença e desenvolvem-se sentimentos de impotência, desamparo e frustração.

Percecionam tanto mais quanto mais conhecimento revelarem sobre a doença e o prognóstico.” E7

Importa, também, perceber se a pessoa quer saber as informações relativas à doença e ao impacto que esta terá na sua vida. De igual forma, o conhecimento ou desconhecimento da família sobre a doença e sobre os CP condiciona a transição:

“A família, a informação que o cliente transmite à família, o que a família tem na sua posse e o que compreende dela... De certa forma somos um ser único, mas estamos envolvidos e é muito importante a opinião da nossa família, a sua participação e o consentimento sobre as nossas decisões.” E2

Os profissionais de saúde devem por isso fornecer informações, tendo em consideração aquilo que a pessoa sabe e o que quer saber, adaptando a comunicação à condição da pessoa.

Categoria: Significado/ Experiências prévias

Dos fatores críticos que influenciam a transição, os peritos consideraram os significados atribuídos às experiências prévias, do próprio, de familiares ou significativos.

Experiências anteriores, do cliente ou ambiente que o rodeia, nomeadamente a família, o conhecimento construído e os significados facilitam ou não esta transição.” E4

Realçaram que os profissionais de saúde devem procurar desconstruir significados, promovendo o conhecimento da pessoa, família e significativos, estando assim de acordo com Meleis et al. 1

Queremos ajudar a desconstruir significados e ideias pré-concebidas.” E1

Categoria: Papel/ Suporte Familiar

“A família será alvo dos nossos cuidados; quando um familiar está doente, não nos devemos cingir à pessoa doente, porque estando um doente, toda a família está «doente».” E3

O apoio à família é, portanto, indispensável, permitindo que esta possa adaptar-se às mudanças e ao impacto da doença no seu familiar, promovendo uma vivência saudável desta transição. Os participantes afirmaram que os enfermeiros devem atuar de acordo com duas premissas: conhecimento e compreensão, sendo estas identificadas na Teoria das Transições. Importa, por isso, antecipar: antecipar sintomas, progressão da doença e proximidade da morte, tal com os participantes relatam.

A família pode ser um fator facilitador ou inibidor. (...) Sobretudo se, junto deles, anteciparmos cenários, abordarmos o percurso de doença, à medida que este vai acontecendo.” E1

Categoria: Emoções

“Tendo em conta a minha experiência, há pessoas que desistem, porque associam os Cuidados Paliativos à morte...” E4

Durante este processo, o cliente experiencia ansiedade, angústia, inquietação e em alguns casos, somatizam.” E1

De acordo com os participantes, os enfermeiros devem implementar intervenções com vista à prevenção e alívio do sofrimento da pessoa doente e família, promovendo esperança.

A antecipação de sinais e sintomas pode reduzir a ansiedade e facilitar desta forma a transição.” E1

Categoria: Preparação para a mudança/ Antecipação

“Temos o dever de antecipar os cenários e intervir e só́ assim podemos ajudar a pessoa a fazer um esforço cognitivo e comportamental que permita reagir perante esta mudança.” E1

A antecipação é apontada como uma das estratégias facilitadoras do processo de tomada de decisão, sendo por isso fundamental fornecer informação adequada.1

(...) A antecipação, o quanto possível, da possibilidade de passagem para CP, mas também da situação per si, é facilitadora do processo de mudança.” E5

Categoria: Serviço de Cuidados Paliativos/ Profissionais de Saúde

A literatura produzida em torno dos fatores que influenciam a transição é consensual quanto à influência dos profissionais de saúde neste processo. Das narrativas emerge uma opinião muito clara face ao papel dos enfermeiros enquanto facilitadores da transição da pessoa doente e família para CP:

“Os enfermeiros são dos profissionais de saúde com mais influência na facilitação do reconhecimento das alterações. É importante, por isso, que o enfermeiro seja capaz de fazer uma correta e completa avaliação.” E8

Outra das dificuldades também relatadas é a referenciação tardia de pessoas doentes para serviços de CP.

O tempo de referenciação pode tornar-se num fator facilitador da transição, no caso de o doente ser referenciado no tempo útil que o profissional que gere a situação clínica considere importante para haver um efetivo controlo dos seus sintomas e com isso que promova uma qualidade de vida para os objetivos que o doente tem.” E2

Dificuldades na identificação dos diagnósticos e os múltiplos trajetos das patologias tornam problemática a determinação do momento apropriado para a referenciação. Importa investir na divulgação e na formação dos profissionais de saúde.

“(...) As crenças dos profissionais, o conhecimento, as experiências anteriores, são determinantes na transição, isto porque estes fatores determinam, por exemplo, a forma como o profissional comunica com o doente.” E4

Dificuldades dos médicos em aceitarem a mortalidade, focando-se na cura, evitando abordar os cuidados em fim de vida e a falta de serviços de CP são, também, barreiras à referenciação e que, consequentemente, condicionam a transição. Estas dificuldades ressaltam nas entrevistas aos peritos em EPSP. Assim, os peritos em EPSP concluem que:

“(...) A referenciação no momento certo é um fator facilitador da transição.” E7

Referiram ainda aspetos relacionados com a sobrecarga dos profissionais de saúde, assim como lacunas na formação dos profissionais de saúde, influenciando os dois negativamente na transição.

A falta de tempo, aliás, as dotações seguras, a adequação de carga de cuidados de Enfermagem em CP... O tempo de cuidados estabelecidos para cada cliente poderá dificultar a transição para CP.” E3

Categoria: Comunicação

“A comunicação, enquanto uma das armas mais poderosas em cuidados paliativos, ajuda a que a pessoa fale sobre a situação e se abordem os anseios, as preocupações e os medos.” E1

A comunicação é um dos pilares dos CP, a par do controlo de sintomas, o apoio à família e o trabalho em equipa.

(...) Sem dúvida que as competências comunicacionais e a personalização dos cuidados são fatores facilitadores da transição.” E3

Procura-se a eficácia na comunicação e para isso os participantes relataram necessidades de formação e treino para os profissionais de saúde que lidam com a pessoa doente e a família.

Tenho a certeza de que a comunicação é a principal arma deste processo.” E1

Conclusão

A transição para CP é influenciada por fatores que decidimos agrupar em quatro dimensões: fatores relacionados com a pessoa doente, fatores sociais e económicos, fatores relacionados com o sistema e a equipa de saúde e fatores relacionados com a doença.

Nos fatores relacionados com a pessoa incluem-se as atitudes, o conhecimento, as emoções negativas, a preparação para a mudança e os significados. As condições económicas e sociais podem interferir na forma como a pessoa tem acesso à saúde e tem implicação na QdV. Um baixo estatuto socioeconómico, suporte social inadequado e condições instáveis na vida limitam a pessoa, uma vez que condicionam o acesso a recursos de saúde e o acesso à informação. O suporte familiar torna-se, por isso, imprescindível na vivência da transição. Aspetos como a inacessibilidade aos serviços e cuidados de saúde, lacunas na formação dos profissionais de saúde para implementar intervenções paliativas, a sobrecarga de trabalho, para além da escassez na rede de CP podem refletir-se negativamente na transição. Outro fator mencionado, a referenciação tardia para CP. Isto acontece primeiro por obstáculos relacionados com o profissional de saúde, como o desconhecimento de critérios específicos de referenciação para CP que os referencia e segundo por crenças erróneas da pessoa doente e dos familiares.

A integração de CP na trajetória da doença é, portanto, uma mais-valia, permitindo a capacitação da pessoa doente e família para gerir o regime terapêutico, adotar comportamentos saudáveis e construir significados positivos sobre a doença. Minimiza emoções negativas inerentes e sobretudo, alivia o sofrimento. Por último: a doença. Os sintomas e a gravidade percebida, a incapacidade física, psicológica, laboral e social decorrente da doença, experiências previas e mudanças frequentes no plano de cuidados interferem desfavoravelmente na transição.

Devem considerar-se a influência de vários fatores em simultâneo e por isso importa identificar sistematicamente as barreiras e implementar intervenções que se traduzam em benefícios percebidos.

Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de adquirir competências para cuidar da pessoa em situação paliativa, reforçando a necessidade de formação em CP. Os profissionais de saúde de CP têm um papel preponderante na desconstrução de significados e crenças erróneas, pelo que é de extrema necessidade o reforço da educação sobre CP, quer junto de outros profissionais de saúde, quer junto da população em geral. A influência da família em CP advoga que esta seja alvo de cuidados, a par da pessoa doente. Devemos, por isso, redobrar esforços na atenção à família.

O presente estudo representa um contributo para que se redobrem esforços na identificação de pessoas em situação paliativa. Em estudos futuros poder-se-á determinar a influência das dimensões descritas, com impacto na transição para CP, em diferentes instituições e em diferentes regiões e poder-se-á desenvolver instrumentos de avaliação que permitam identificar precocemente condicionantes com impacto desfavorável na transição para CP.

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Recebido: 15 de Março de 2022; Aceito: 22 de Maio de 2022

Autor correspondência Pedro Tavares: pedromiguelvicentetavares@gmail.com,

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