Introdução
A quimioterapia (QT) é um dos tratamentos mais comuns na doença oncológica sendo, no entanto, acompanhado de múltiplos efeitos secundários negativos1. A administração de medicamentos citostáticos pode causar inúmeros efeitos secundários, incluindo efeitos imediatos (por exemplo, hipotensão, rubor corporal e facial, e sensações anormais do paladar), efeitos a médio prazo (por exemplo, náuseas, vómitos, distúrbios gastrointestinais e estomatite) e efeitos a longo prazo (por exemplo, fadiga, alopecia, toxicidade renal e disfunção sexual)1. Se geridos de forma ineficaz, estes efeitos secundários podem levar a interrupções no tratamento e atrasar a resposta terapêutica à doença, reduzindo a adesão ao tratamento, com um impacto negativo na sobrevivência e qualidade de vida (QV)2. Além disso, estes efeitos reduzem a qualidade de vida global3 e o bem-estar dos doentes.
Nas últimas décadas, o tratamento de QT tem, na maior parte dos casos, transferido para a pessoa a responsabilidade pela monitorização e gestão dos sintomas adversos e complicações associadas à terapêutica quimioterápica, quando já se encontram em contexto ambulatório. Este processo de aprendizagem e treino das competências necessárias para garantir uma vida ativa e emocionalmente satisfatória face a uma doença crónica é denominado de autogestão4.
O presente estudo pretendeu avaliar a perceção de autoeficácia e qualidade de vida, em doentes oncológicos a realizar quimioterapia, acompanhados presencialmente e via telefone por enfermeiros, na autogestão dos sintomas da quimioterapia.
Enquadramento
A promoção da autogestão da doença e do tratamento associado tem sido descrita como um forte determinante de uma adaptação mais favorável, ajudando a pessoa a adquirir uma maior perceção de controlo e de autoeficácia sobre a doença e o processo de tratamento5 e um aumento na sua qualidade de vida (QV)6.
A autoeficácia tem sido considerada um alvo importante para intervenções clínicas que promovem o autocuidado em doentes oncológicos7. A evidência revela que doentes com níveis mais altos de autoeficácia envolvem-se mais na mudança dos seus comportamentos de saúde e uma maior adesão à autogestão, levando a um melhor controlo dos sintomas e qualidade de vida5.
A qualidade de vida é hoje considerada um dos mais importantes PROs (Patient reported outcomes) usados para avaliar o impacto da doença e respetivos regimes terapêuticos no bem-estar e funcionalidade dos doentes8. A quimioterapia tem um impacto negativo na QV dos doentes9 especificamente nos domínios relativos ao bem-estar físico e emocional10.
Neste contexto, considera-se que intervenções de enfermagem destinadas a fornecer orientações terapêuticas individualizadas de autogestão da doença e regime terapêutico apresentam o potencial responder às necessidades das pessoas com cancro. Estas têm como objetivos, colmatar as possíveis lacunas de informação, melhorando a literacia em saúde, monitorizar o estado de saúde e orientar na tomada de decisão, com vista a uma melhor autogestão da sintomatologia experienciada11. Outro domínio importante destas intervenções é a promoção da automonitorização, que se refere à supervisão, por parte do doente, de parâmetros físicos específicos, ou sintomas de determinada condição de saúde12.
Atualmente assiste-se a uma tendência generalizada da sociedade para a adesão a novas tecnologias, nomeadamente a utilização de smartphones e os seus diversos aplicativos informáticos, inclusive no domínio dos cuidados de saúde. Considera-se que estas abordagens se constituem como uma mais-valia no processo de empoderamento e capacitação em saúde11. A utilização de aplicativos informáticos em smartphones parece, não só, ter o potencial de promover a autogestão dos sintomas, associados ao tratamento da doença oncológica e prevenir eventuais complicações, como também, sugere ter efeitos positivos nos PROs (Patient reported oucomes), como, por exemplo, no aumento da sua qualidade de vida13.
Neste contexto surgiu o projeto iGestSaúde, no seu módulo Quimioterapia, que tem como finalidade desenvolver um aplicativo informático para smartphone de suporte à autogestão dos sintomas associados à quimioterapia11,14. O aplicativo a desenvolver terá como objetivo promover a automonitorização e a autogestão do regime terapêutico em pessoas submetidas a tratamento de QT. Deste modo, pretende-se responder atempadamente e de forma proativa aos sintomas adversos experienciados pela pessoa, identificando a sua gravidade e fornecendo orientações terapêuticas em conformidade.
O desenvolvimento do aplicativo iGestSaúde: Quimioterapia iniciou-se com uma extensa revisão da literatura para a seleção dos vários sintomas adversos associados a este tipo de tratamento15, tendo sido identificados os seguintes: anorexia, dor, diarreia, obstipação, fadiga/inatividade, dispneia, insónia, ansiedade, náuseas/vómitos, mucosite, alopecia, alterações da pele, alterações da sexualidade e distúrbios urinários. O passo seguinte consistiu no desenvolvimento de orientações, ou seja, de um conjunto de medidas não farmacológicas passiveis de serem fornecidas à pessoa com a finalidade de prevenir, tratar e/ou minimizar os sintomas experienciados. Partiu-se de uma revisão da literatura que permitiu identificar um conjunto de orientações terapêuticas de suporte à autogestão de cada um dos sintomas pós QT anteriormente identificados16. Seguidamente, foram estabelecidos, para cada sintoma em estudo, critérios que permitiram a sua classificação em três níveis de alerta de gravidade (verde, amarelo e vermelho). Esta classificação permitiu a posterior organização das orientações terapêuticas em níveis de intervenção no autocuidado. Assim, no nível de alerta verde, o sintoma está presente de forma leve, correspondendo a uma intervenção ao nível do autocuidado - prevenção. Neste nível de intervenção no autocuidado serão fornecidas orientações terapêuticas que assegurem a prevenção do agravamento do sintoma. No nível de alerta amarelo, o sintoma está presente de forma moderada, relacionando-se com uma intervenção ao nível do autocuidado - tratamento. As orientações terapêuticas fornecidas neste nível terão como objetivo evitar não só o agravamento do sintoma, como também outras possíveis complicações. No caso de sintomatologia que reflita um grau de gravidade classificada no nível de alerta vermelho, terá uma intervenção focalizada na sinalização e referenciação da pessoa para os profissionais de enfermagem da instituição de saúde e/ou orientada a contactar o seu médico17.
Numa segunda fase, foi realizado um estudo de consensos, recorrendo à técnica de Delphi18. Este estudo permitiu auscultar a opinião de um grupo de enfermeiros, peritos na área da doença oncológica/intervenção na pessoa em tratamento de QT, sobre as orientações terapêuticas organizadas nos dois níveis de intervenção no autocuidado (prevenção e tratamento), para os catorze sintomas. Este estudo possibilitou a obtenção do consenso da maioria das orientações terapêuticas propostas.
Findas estas fases iniciais, e no sentido fazer uma primeira avaliação da implementação das orientações terapêuticas até que o aplicativo se encontre disponível, realizamos este estudo, em que as orientações foram testadas através de uma intervenção de suporte via telefone de um grupo de doentes em tratamento de QT. Este acompanhamento, via telefone, foi já avaliado como eficaz na promoção da autogestão dos sintomas associados à quimioterapia19 e radioterapia20, tendo como resultado uma redução significativa na gravidade dos sintomas nos doentes expostos a este tipo de intervenções.
Assim, o objetivo geral deste estudo foi avaliar os efeitos de uma intervenção de enfermagem via telefone, utilizando um conjunto de orientações terapêuticas de apoio à autogestão dos sintomas, na perceção de autoeficácia e qualidade de vida, em doentes oncológicos a realizar quimioterapia, ao longo do primeiro mês de tratamento16.
Metodologia
Este estudo é descritivo-correlacional e de natureza longitudinal (com três momentos de avaliação intra-sujeitos), que se desenvolveu, numa primeira fase, no hospital de dia de quimioterapia de um hospital da região norte do País e posteriormente através de contactos telefónicos de acompanhamento aos 15 e 30 dias após o primeiro tratamento. A recolha de dados estendeu-se durante o período de 6 meses.
Foram delineados dois momentos de intervenção e três momentos de recolha de dados (figura 1), nomeadamente:
- Primeiro momento de avaliação: constituiu-se como o primeiro contacto com o participante no estudo, no momento da sua admissão no serviço de hospital de dia e início do tratamento de QT. Neste primeiro contacto, presencial, os doentes que cumpriam os critérios de inclusão estabelecidos eram convidados a participar no estudo, pelo enfermeiro do serviço. Seguidamente, um dos investigadores apresentava à pessoa o projeto, dando liberdade total à mesma para decidir da sua participação. Caso a pessoa demonstrasse interesse em participar, era fornecido o modelo de consentimento informado para formalização da sua participação no estudo. Neste primeiro momento, e paralelamente aos cuidados de saúde habituais, foi administrado um formulário (Formulário IGestSaúde) para recolha de dados sociodemográficos e sobre o estado de saúde da pessoa, tendo sido também aplicadas as escalas de avaliação da autoeficácia e qualidade de vida. Decorrente deste primeiro contacto foi solicitado ao participante um contacto telefónico, que nos permitisse a realização de um conjunto de orientações face aos sintomas apresentados e avaliações subsequentes.
- Segundo momento de avaliação: este segundo momento ocorreu 15 dias após o início do tratamento de QT. Este contacto foi estabelecido pelos investigadores/enfermeiros com o participante, via telefone. Foram novamente aplicadas as escalas avaliação da autoeficácia e qualidade de vida e nesta avaliação foram também identificados os sintomas vivenciados desde o último tratamento, de forma a estabelecer os graus de gravidade dos mesmos, de acordo com o Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) versão 5.0 do National Cancer Institute17, e em função destes parâmetros, fornecer à pessoa as orientações terapêuticas adequadas.
- Terceiro momento de avaliação: este terceiro contacto, estabelecido com o participante igualmente por via telefónica, ocorreu passado um mês desde o primeiro momento de avaliação. No decorrer deste contacto foram novamente aplicadas as escalas da avaliação da autoeficácia e qualidade de vida para além de se avaliar a condição de saúde da pessoa e a utilização e eficácia das orientações terapêuticas fornecidas para os sintomas identificados na avaliação anterior. Assim, a pessoa teve a oportunidade de referir se utilizou ou não as orientações fornecidas e os resultados que obteve com a sua utilização. Do mesmo modo, voltou a questionar-se a pessoa sobre a sintomatologia vivenciada desde o último tratamento. Embora não fosse objetivo deste último contacto, uma vez que a recolha de dados e o contacto com o participante terminava neste momento de avaliação, pareceu-nos adequado continuar a fornecer orientações terapêuticas em conformidade com os sintomas apresentados.
Para a constituição da amostra definiram-se os seguintes critérios de inclusão: a) estar a iniciar tratamento de QT pela primeira vez ou que tenha realizado o último ciclo de QT há mais de um ano; b) possuir idade igual ou superior a 18 anos; c) possuir capacidade cognitiva preservada; e, d) aceitar participar voluntariamente no estudo.
Foram construídos três questionários, recorrendo à ferramenta Formulários do Google®, tendo sido aplicados em um ou nos três momentos de contacto, e incluíam as seguintes componentes:
1) Formulário iGestSaúde: Este formulário foi construído para o efeito e aplicado apenas no primeiro momento de avaliação, por contacto presencial com a pessoa, no início do tratamento de QT. Através deste instrumento foram recolhidos dados sociodemográficos e do estado de saúde da pessoa;
2) Escala de autoeficácia geral percebida - Versão Portuguesa (EAGP)21. A escala é constituída por 10 itens, respondidos numa escala do tipo Likert de quatro pontos (sendo que um corresponde a “não é verdade a meu respeito”; dois a “é dificilmente verdade a meu respeito”; três a “é moderadamente verdade a meu respeito” e quatro a “é totalmente verdade a meu respeito”. A pontuação média pode variar entre um e quatro pontos, sendo que pontuações elevadas indicam a presença de uma perceção de elevada autoeficácia geral22. Esta escala foi aplicada nos três momentos de avaliação.
3) Versão Portuguesa da European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core-30 (EORTC QLQ-C30), versão 3.023. A escala apresenta um núcleo central de 30 perguntas, divididas em cinco escalas funcionais (função física; função de papel; função emocional; função cognitiva e função social); uma escala do estado de saúde global/qualidade de vida; três escalas de sintomas (fadiga, náuseas/vómitos e dor); e seis itens simples que avaliam sintomas comuns nos doentes oncológicos (dispneia, insónia, obstipação, diarreia, perda de apetite e dificuldades financeiras). As subescalas e os itens simples são transformados em valores, num score de zero a cem. Uma pontuação elevada, para as escalas funcionais e escala do estado de saúde global/qualidade de vida, representa um nível elevado de funcionamento/boa capacidade funcional e nível elevado de saúde em geral/qualidade de vida. Uma pontuação alta, para as escalas de sintomas e itens simples, representa um nível elevado de sintomatologia. Esta escala foi aplicada nos três momentos de avaliação.
Os dados recolhidos, através da aplicação dos formulários, foram incluídos numa base de dados no programa SPSS®, versão 29.0. O processo de análise e tratamento dos dados foi efetuado através de procedimentos de análise estatística descritiva e inferencial.
Ao longo do estudo foram respeitados todos os pressupostos éticos, inerentes à realização de um trabalho de investigação, nomeadamente:
Autorização da Comissão Nacional de Proteção de dados (n.º 5855/2018);
autorização do Conselho de Administração e da Comissão de Ética em Saúde da Instituição de Saúde para recolha de dados (N.º 41/CE/JAS), a autorização dos respetivos autores para utilização dos instrumentos de recolha de dados; bem como a garantia da confidencialidade dos participantes e de todas as informações por eles fornecidas e a formalização da participação da pessoa, pelo documento de declaração do consentimento livre e esclarecido para participar no estudo.
Resultados
A amostra foi composta por 51 pessoas com doença oncológica a realizarem quimioterapia, dos quais 27 (53%) eram do sexo feminino, e os restantes 24 (47%) do sexo masculino. Tinham uma média de idades de 60 anos (com um mínimo de 35 e um máximo de 83 anos), e com habilitações académicas, na sua maioria, ao nível dos três ciclos de escolaridade básica (n=36; 71%), sendo que 23 (45%) eram detentores apenas do 1.º ciclo.
Na sua grande maioria eram casados ou viviam em união de facto (n=39; 76%), e todos habitavam no norte do País, particularmente no Concelho da Matosinhos (n=31; 61%). Encontravam-se em situação profissional ativa (n=5; 9,8%), ou com baixa (n=12; 24%) ou eram reformados (n=21; 41%).
Relativamente ao diagnóstico oncológico, o cancro da mama foi o mais frequente (n=17; 33%), seguido do cancro gástrico, da laringe, da próstata, entre outros.
Dos 51 participantes, 23 (45,1%) não realizaram nenhum tratamento prévio ao tratamento de QT. Dos tratamentos prévios realizados, a cirurgia surge como o mais prevalente (n=24; 47,2%), isoladamente ou em associação à quimioterapia e/ou radioterapia. A maioria dos participantes (n=46, 90,2%) encontra-se em tratamento de primeira linha de QT, sendo que os restantes efetuaram o último tratamento há mais de um ano. A grande maioria da amostra não se encontrava a realizar qualquer tratamento para a doença oncológica, anteriormente ao primeiro momento da colheita dados (n=40; 78,4%), sendo o início desta colheita coincidente com o início do primeiro tratamento de QT.
Relativamente ao tipo de tratamento de QT identificou-se uma grande diversidade de esquemas terapêuticos, prevalecendo a terapêutica administrada por via endovenosa (n=48; 94,1%).
Previamente à doença oncológica e concomitante a ela, os participantes neste estudo reportaram outras doenças crónicas, como doenças cardiovasculares, diabetes, doenças renais, para as quais se encontravam a tomar medicação diversa.
Apesar de os participantes se encontrarem autónomos, questionamos sobre as pessoas que lhe eram significativas e lhes prestavam mais apoio nesta fase, sendo que as respostas se centraram essencialmente entre esposa/marido e filhos.
Na Tabela 1 sintetizam-se as principais características sociodemográficas e clínicas dos participantes.
Tabela 1 Principais características sociodemográficas e clínicas dos participantes
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*poderiam ser selecionados mais do que um tratamento.
Começamos por apresentar os resultados do estudo descritivo da aplicação das escalas EAGP e QLQ-C30 nos três momentos de avaliação, bem como os resultados da comparação das médias, utilizando o teste não paramétrico de Friedman.
Tabela 2 Fidelidade e valores da perceção de autoeficácia e de qualidade de vida, bem como os resultados da comparação de médias, nos três momentos de avaliação
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N=51; NS - Não significativo em termos estatísticos
Os resultados indicam que os participantes no estudo apresentaram uma boa autoeficácia (máximo de 4), ao longo de todo o percurso avaliado (0, 15 e 30 dias após início da quimioterapia). No que se refere à perceção de qualidade de vida, os resultados sugerem que os participantes perceberam uma qualidade de vida global satisfatória a boa ao longo de todo o período em avaliação (score máximo de 100). Relativamente às escalas funcionais, apesar de globalmente positivas, percebemos um aumento estatisticamente significativo da função emocional (FE) e da função cognitiva (FC) entre a primeira e as restantes avaliações.
Relativamente aos sintomas, apenas as náuseas e vómitos aumentaram significativamente, em especial entre os 0 e os 15 dias após tratamento de QT.
Por outro lado, os restantes sintomas como a dor, a dispneia e a insónia, a perda de apetite e a obstipação foram diminuindo ao longo do tempo.
Foi ainda explorada a relação entre a idade e as habilitações literárias das pessoas submetidas a QT que compõem a presente amostra e a sua perceção de qualidade de vida, utilizando para tal a correlação de Spearman. Obtivemos os resultados que se apresentam na tabela seguinte.
Tabela 3 Matriz de correlação entre a idade e as habilitações literárias dos participantes na amostra e a perceção de Qualidade de Vida
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A idade dos participantes no estudo, correlaciona-se de forma significativa e negativa com a função física (FF) em particular no primeiro momento de avaliação, demostrando que quanto mais avançada a idade destas pessoas, pior a sua perceção de desempenho físico, em especial no momento em que iniciavam a QT.
Por outro lado, as habilitações literárias mais elevadas demonstraram, no presente estudo, estarem associadas a uma melhor perceção de qualidade de vida geral (QoL), de desempenho físico (FF) e de desempenho do papel (FP).
Discussão
O objetivo deste estudo foi avaliar a perceção de autoeficácia e qualidade de vida em doentes oncológicos a realizar quimioterapia, acompanhados presencialmente e via telefone na autogestão dos sintomas da quimioterapia, ao longo do primeiro mês de tratamento. Os sintomas foram organizados em função da sua gravidade e seguindo as orientações internacionais, neste caso da Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) versão 5.0 do National Cancer Institute17.
Os participantes foram doentes oncológicos dos dois sexos, com habilitações literárias, na sua maioria, ao nível da escolaridade básica, essencialmente casados ou a viverem em união de facto com um companheiro/a, encontrando-se de baixa clínica ou na situação de reforma. No primeiro contacto, encontravam-se a iniciar um programa de quimioterapia, essencialmente num esquema de primeira linha, com tratamento endovenoso, por neoplasia da mama, gástrico, da laringe ou de outros locais corporais.
Os resultados mostraram que os participantes apresentaram, ao longo do trajeto de tratamento de QT avaliado neste estudo, uma autoeficácia geral satisfatória que não se alterou de forma substancial ao longo do tempo, e que provavelmente lhes permitiu fazer face ao stress e encontrar estratégias para ultrapassar essas adversidades. A evidência mostra o papel determinante desta variável na adaptação à doença, mais concretamente na diminuição perturbação emocional e de sintomas como a fadiga e a dor24.
Relativamente aos indicadores de qualidade de vida e mais especificamente na escala do estado de saúde global/qualidade de vida, obtiveram-se valores médios aproximadamente entre 67 e 69, nos três momentos de avaliação, indicando um nível de perceção de saúde global/qualidade de vida satisfatório. Num estudo realizado no Brasil, com doentes a realizarem quimioterapia ou radioterapia, os valores encontrados neste parâmetro foram apenas ligeiramente superiores, de 7125. Considera-se expectável que as pessoas a vivenciar o diagnóstico de uma doença oncológica e a realizar tratamento de QT, por todos os constrangimentos envolvidos, não percecionem nem descrevam a sua qualidade de vida como muito boa ou ótima. Parece-nos positivo constatar que, de uma forma global, não se verificaram diminuições estatisticamente significativas nos valores desta variável entre os três momentos de avaliação, ou seja, ao longo do processo de tratamento.
Reforçamos que para 90% da amostra, o tratamento de QT é um tratamento de primeira linha, sendo indicativo de que a maioria destas pessoas se encontra a vivenciar uma transição desafiante na sua vida, causada não só pelo impacto do diagnóstico da doença oncológica, mas também pela necessidade de realizar um tratamento complexo, caracterizado pela manifestação de sintomas adversos importantes. Apesar do apoio e informação que é ministrada pelos profissionais de saúde no momento do início do tratamento de QT, é principalmente no domicílio que os sintomas surgem ou se evidenciam, pondo a descoberto as dificuldades decorrentes das lacunas de informação ou de integração/compreensão do que lhes foi dito, visto que num momento de stresse como o de início de um tratamento como este é expectável que as capacidades cognitivas como as de atenção e memorização estejam comprometidas. Deste modo, torna-se imprescindível que a pessoa desenvolva conhecimentos e habilidades que lhe permitam lidar não só com a doença e as mudanças físicas, emocionais e psicológicas envolvidas, mas também, e neste contexto específico, com os sintomas nefastos que vão surgindo, associados ao tratamento de QT.
As orientações terapêuticas ministradas pelos enfermeiros por via telefónica tinham o objetivo de desenvolver a literacia em saúde, apoiar o processo de automonitorização e autogestão da sintomatologia e impedir um agravamento da doença, mantendo um contacto permanente com os serviços de saúde.
Nos domínios de funcionalidade da qualidade de vida, observou-se um aumento estatisticamente significativo da função emocional (FE) e da função cognitiva (FC) entre a primeira e as restantes avaliações. Após o primeiro tratamento de quimioterapia (T1) e ao longo de 15 dias (T2), era expectável que as funções emocional e cognitiva se agravassem, considerando as repercussões físicas das drogas quimioterápicas no organismo e suas implicações. Estes resultados seriam concordantes com o estudo realizado por Silveira et al.2 após três meses de se completar a quimioterapia. No entanto, tal como foi descrido noutro estudo26 verificamos uma melhoria ao nível emocional, o que pode estar associado com o maior conhecimento da situação de saúde, sensação de maior autocontrolo e de melhoria da estabilidade emocional ao longo do tempo de tratamento.
Considerando que as orientações terapêuticas se dirigiam aos sintomas presentes no momento de contacto, alguns dos sintomas avaliados neste estudo parecem ter diminuído ao longo do percurso da doença (T2 e T3), como a dor, a dispneia, a insónia, a perda de apetite, a obstipação e a diarreia. A fadiga aumentou no terceiro momento de contacto (T3), ou seja, ao fim de um mês de início do tratamento, embora sem significado estatístico.
Face aos resultados do presente estudo, podemos colocar a hipótese de o apoio dado telefonicamente pelos enfermeiros ter sido um fator promotor/positivo (associado a outros) na perceção das pessoas a realizarem tratamento de QT.
Relativamente aos sintomas, apenas as náuseas e vómitos aumentaram significativamente, em especial entre os 0 e os 15 dias após tratamento de QT. As náuseas são caracterizadas por um distúrbio que causa sensação de vontade de vomitar, sendo os vómitos o ato reflexo de ejetar o conteúdo do estômago pela boca17 .O aumento deste sintoma ao longo do tratamento é comum e expectável, considerando os efeitos prejudiciais das drogas quimioterápicas no bem-estar da pessoa, especialmente aumentando as náuseas e vómitos no seu período de nadir, ou seja, o ponto mais baixo da contagem de células sanguíneas que geralmente acontece entre o 7.º e 14.º dia pós-quimioterapia27.
Por outro lado, os restantes sintomas como a dor, a dispneia e a insónia, a perda de astenia e a obstipação foram diminuindo ao longo do tempo. Este aspeto é também o esperado, considerando o efeito benéfico do tratamento sobre a saúde dos indivíduos, o que pode estar associado ainda a uma melhor gestão emocional da doença e autocontrolo. As náuseas/vómitos são sintomas muito prevalentes associados à QT28, podendo este facto explicar o aumento significativo, observado no valor da média para estes sintomas, do primeiro (T1) para o segundo momento de avaliação (T2), com diferenças estatisticamente significativas. Relembramos que as orientações terapêuticas foram ministradas pelos enfermeiros entre a segunda e a terceira avaliação, sendo que na primeira avaliação (presencial) também são abordadas essas questões pelos profissionais de saúde.
Ainda no que diz respeito à frequência das náuseas e dos vómitos, a National Comprehensive Cancer Network29 diz-nos que cerca de 70 a 80% dos doentes que recebem QT estão em risco de vir a desenvolver a sua ocorrência no decorrer do tratamento. O ineficiente controlo destes efeitos secundários assume um impacto negativo na QV dos doentes, na medida em que interfere nas atividades de vida diárias, e induz o aparecimento de complicações tais como anorexia e déficits nutricionais, aumentando as consequências a nível físico, emocional e social.
Percebemos ainda com os resultados do presente estudo que o avanço da idade pode ser um fator negativo para a perceção de desempenho físico durante o tratamento de QT. Em oposição, as habilitações literárias podem ser um fator favorecedor da perceção de qualidade de vida nas suas diferentes dimensões, talvez pela maior oportunidade de desenvolvimento da educação em saúde.
Sendo assim, a educação do doente permite que este participe ativamente no seu processo de tratamento e contribui para que este se adapte à doença30.
As novas tecnologias, largamente denominadas de e-health, como a internet e as app’s, podem facilitar o acesso aos doentes em domicílio, permitindo melhorar o apoio à gestão dos problemas e o controlo da terapêutica em tempo real31,11,32. É necessário, no entanto, que sejam submetidas a estudos mais profundos, do tipo ensaio clínico randomizado com grupo de controlo, para avaliar a sua eficácia e aceitabilidade pelos utilizadores11,33.
É assim nosso objetivo futuro avançar para um apoio de saúde consistente, mas mais perto dos seus utilizadores, através da construção e validação da app iGestSaúde32.
Conclusão
Este estudo propôs-se analisar a perceção de QV e sintomas associados de 51 pessoas com doença oncológica que iniciaram QT há menos de um mês e que foram acompanhadas presencialmente e por via telefónica nesse processo.
Os resultados levam-nos a pensar que, apesar de todas as dificuldades associadas à doença oncológica e particularmente ao tratamento de QT, as pessoas conseguem manter a sua autoeficácia geral, o que os ajudou muito provavelmente nesse confronto. Apresentaram ainda uma perceção de qualidade de vida geral positiva, com melhorias ao longo do tratamento.
As náuseas e vómitos foram o sintoma mais perturbador, especialmente na primeira fase do tratamento. Também a idade e as habilitações académicas se mostraram como variáveis que influenciam a perceção de qualidade de vida destas pessoas.
Os resultados levam-nos a pensar que o acompanhamento de enfermagem ao longo de um mês após o primeiro tratamento de quimioterapia possa ter sido favorecedor do processo de transição. É indiscutível a necessidade de apoiar estas pessoas na sua automonitorização e autogestão de sintomas no domicílio, especialmente as náuseas e vómitos associados ao tratamento de QT. Deste modo, torna-se imprescindível que a pessoa desenvolva conhecimentos e habilidades que lhe permitam lidar não só com a doença e as mudanças físicas, emocionais e psicológicas envolvidas, mas também, e neste contexto específico, com os sintomas adversos, associados ao tratamento de QT.
É necessário assim que estas pessoas tenham acesso fácil (de preferência no domicílio) a um conjunto de orientações terapêuticas que lhes permitam melhor lidar com estes efeitos nefastos, lançando mão, entre outras, das novas tecnologias m-health. A app iGestSaúde tem esse como objetivo principal 11,32.