INTRODUÇÃO
Os Motoristas (de autocarros, camiões e táxis) estão sujeitos a inúmeros Riscos laborais; contudo, os associados ao nível Químico não estão particularmente desenvolvidos, nem se encontra com facilidade bibliografia sobre o tema. Pretendeu-se com esta revisão resumir o que de mais pertinente se encontra descrito, de forma a potenciar o trabalho desenvolvido pelas equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais, melhorando o ambiente de trabalho e patamar médico dos profissionais deste setor.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores com postos associados aos veículos de transporte de mercadorias e passageiros
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre o risco químico destes profissionais
-C (context): saúde e segurança ocupacionais no setor do transporte de mercadorias e passageiros.
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as particularidades do Risco Químico a que Motoristas (de autocarros, camiões e táxis), estão expostos?
Foi realizada uma pesquisa em fevereiro de 2021 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave/ expressões utilizadas nas bases de dados.
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
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1-P7 | Journal Club | É realizada a descrição sumária de um estudo que pretendeu avaliar a exposição a alguns produtos tóxicos em 36 centrais de camionagem e praças de táxis, analisando também a exposição de mecânicos e carregadores de mercadorias. |
2-P4 | Estudo original | Refere-se a um estudo transversal japonês, que incidiu nos motoristas de autocarro e taxistas de uma zona do Congo, relativamente a algumas particularidades de risco químico. A amostra foi de 319 profissionais, existindo um grupo de controlo de 106 professores. Concluiu-se que a semiologia respiratória foi mais prevalente nos indivíduos mais expostos ao trânsito. |
3-P3 | Trata-se de um estudo norte americano, no qual se idealizou avaliar a exposição a MP(2,5) e HAPs em motoristas de autocarro de uma zona de Peru, numa amostra de 2177 profissionais. | |
4-P12 | Artigo de Revisão | Nesta revisão polaca os autores pretenderam pesquisar o risco químico para os profissionais a exercer no setor dos transportes, eventualmente conjugando dados relativos a biomarcadores. Refere-se que alguns agentes estão presentes em quantidades diminutas, ainda que parte destes sejam cancerígenos. |
5-P13 | Estudo Original | Estes investigadores pretenderam avaliar a poluição existente no setor dos transportes municipais de uma cidade da Geórgia, através de 200 amostras, considerando profissionais tão diversificados como motoristas, soldadores e eletricistas (a trabalhar no setor). |
6-P1 | Trata-se de um estudo coorte retrospetivo egípcio, no qual se pretendeu avaliar a exposição dos Taxistas ao benzeno e respetivas alterações hematológicas, durante 14 meses, numa amostra de 280 profissionais. Concluiu-se que se encontraram alterações hematopoiéticas associadas a este agente químico. | |
7-P9 | Trata-se de uma investigação que teve o objetivo de avaliar a exposição a HAPs numa via de trânsito com muito tráfego, numa cidade colombiana. Concluiu-se que motoristas de autocarro e até ciclistas estavam expostos. | |
8-P6 | Este projeto pretendeu dosear a MP no interior de alguns veículos, em andamento e parados, com janela aberta e fechada, numa cidade alemã. Foram encontradas diferenças entre as variáveis atrás mencionadas. | |
9-P15 | Este projeto foi executado nos EUA e teve autores norte-americanos e chineses; o seu propósito foi avaliar a eficácia dos filtros HEPA no interior de táxis, relativamente à MP; tendo-se concluído que estes são úteis. | |
10-P14 | Trata-se de um estudo transversal libanês, no qual se procedeu à quantificação das PUFs e “carbono negro”, no interior de 20 táxis, comparando diferentes horas do dia, tabagismo dos passageiros, minutos de paragem no trânsito e utilização de sistemas de circulação de ar. | |
11-P5 | Esta referência carateriza um trabalho sul coreano que teve o objetivo de caraterizar a exposição a MP(2,5) e ao “carbono negro”, entre 61 profissionais a trabalhar no metropolitano. Os resultados mostraram diferentes exposições em função das diversas categorias profissionais. | |
12-P8 | Este trabalho também é proveniente de Coreia do Sul e pretendeu avaliar a exposição de 72 cantoneiros perante a MP associada ao gasóleo (destacando vários componentes específicos). |
CONTEÚDO
Contextualização
Os motores dos veículos emitem vários agentes tóxicos, alguns dos quais não têm parâmetros de controlo estabelecidos, mesmo em países mais desenvolvidos (como nos Estados Unidos da América- EUA), ainda que associados a malefícios para a saúde humana, por vezes. Aliás, o próprio sentido do vento pode conseguir alterar momentaneamente a concentração (1).
Os agentes químicos globalmente implicados na circulação rodoviária têm consequências médicas, nomeadamente a nível de semiologia e patologia respiratórias (como bronquite, enfisema (2) e asma (2) (3)); sendo que, geralmente, a intensidade e a cronicidade da exposição parecem ser razoavelmente proporcionais à gravidade das alterações orgânicas produzidas. Por exemplo, os produtos libertados pelos canos de escape contribuem para situações como odinofagia, rinite e faringite crónicas em motoristas de autocarro e táxi. Aliás, estima-se que cerca de dez mil europeus sejam afetados, anualmente, por doenças associadas aos agentes químicos rodoviários. Alguns estudos associam-nos a patologias oncológicas (como a nível de estômago e pulmão) (2).
Assim, os indivíduos com postos de trabalho neste setor estão expostos aos agentes químicos resultantes da combustão incompleta, emissões de motores e aos elementos secundários à evaporação dos combustíveis. Ainda que alguns existam em concentrações baixas, parte apresenta potencial cancerígeno (4), como já se mencionou; ainda que a primeira consequência biológica provavelmente seja um estado inflamatório e o stress oxidativo; as consequências finais de certa forma podem depender parcialmente da interação com o estilo de vida (como desporto, tabagismo e alimentação, por exemplo), entre outros parâmetros. Alguns investigadores defendem que nestas classes profissionais há uma maior prevalência de patologia cardiovascular, músculo-esquelética, gastrointestinal e até oncológica; eventualmente também associadas ao stress (secundário ao trânsito, cumprimento de horários, turnos rotativos, pausas irregulares para alimentação, baixa atividade física nas tarefas laborais, trabalhar num local de pequena dimensão, desconforto térmico, ruido e vibrações) (4).
No global, a perturbação de processos homeostáticos de defesa potencia a toxicidade, o surgimento de processos patológicos e a eventual diminuição de produtividade secundária (5).
Os motoristas de transportes públicos (sobretudo os que trabalham em zonas com muito trânsito) estão expostos a agentes químicos relevantes, provenientes direta ou indiretamente da utilização de combustíveis fósseis; a situação poderá ser mais grave em países em desenvolvimento, uma vez que as viaturas têm pior estado geral, pouca ou nenhuma manutenção, ausência de controlo de determinadas emissões de agentes poluentes e/ou a utilização de combustíveis com mais impurezas (3).
Exposições específicas
-Benzeno
Após a diminuição do chumbo na gasolina, outras substâncias passaram a ser mais utilizadas, como o benzeno, tolueno e xileno; bem como o etanol e o metanol, de modo a aumentar a eficiência (6).
A IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou o benzeno como sendo um carcinogénio humano. No interior do corpo ele é metabolizado a nível hepático pelo citocromo P450, formando vários metabolitos (como fenóis e catecóis), com capacidade para se depositarem na medula óssea, onde são mais oxidados por peroxidases em quinonas (como a hidroxiquinona e a parabenzoquinona), que são hematotóxicas e genotóxicas. Na prática observa-se uma diminuição do número das células sanguíneas (anemia, trombocitopenia, leucopenia ou até leucemia); ainda que o mecanismo não seja compreendido na totalidade. Ou seja, a exposição ao benzeno associa-se a várias alterações hematopoiéticas (6).
Considera-se, por exemplo, que os taxistas estão profissionalmente suficientemente expostos para apresentarem estas alterações. A concentração de benzeno para estes é duas a três vezes inferior à existente na proximidade de estruturas da indústria petrolífera (por exemplo) mas, ainda assim, três vezes superior ao limite recomendado pela ACGIH (American Conference of Government Industrial Hygienists) (6).
-Outros hidrocarbonetos
Os principais hidrocarbonetos neste contexto são o 1,3-butadieno, compostos aromáticos (1) [benzeno (1) (4), tolueno (1), xileno, etilbenzeno (1) (4) e estireno)], n-hexano, trimetilpentano, dimetilpentano, 2-metilhexano, metilpentano, 3-metilhexano e metilciclohexano; bem como aldeídos (como formaldeído e acetaldeído) e acetona (1). Outros autores também destacam o naftaleno, benzapireno, nitropireno (4).
Por exemplo, a exposição ao Tolueno e ao Xileno pode originar alterações neuropsicológicas, como astenia, cefaleia, sonolência/insónia, depressão, ansiedade, desconcentração e alterações da memória (6).
-Matéria Particulada
Os veículos motorizados são uma fonte importante de matéria particulada (MP) (1-3) (5) (7). A exposição é, por isso, proporcional à intensidade do trânsito (7) (8).
Esta tem impacto relevante na saúde humana (8) [nomeadamente em contexto de hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares (8) (9), mesmo em baixas concentrações)]. Pensa-se que a exposição a longo prazo poderá originar patologia oncológica pulmonar, disritmias a até alterações do crescimento, em contexto obstétrico (8). A MP(2,5) (9) em específico poderá estar associada a morte prematura, enfarte agudo do miocárdio e a alterações na função pulmonar; ela é composta por centenas de componentes (derivados do carbono, metais, iões inorgânicos (7) e Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAPs) (3) (7) (9), provenientes dos veículos, indústria e erosão) (7). A MP(2,5) associa-se ao stress oxidativo, ainda que o mecanismo não esteja totalmente compreendido (9). Os HAPs são carcinogénicos e surgem com a combustão (7); também estão associados a doenças cardiovasculares; os filtros HEPA não apresentam grandes resultados para estes em específico (9).
As partículas ultrafinas (9) (PUFs) aumentam 60% por cada dez minutos parados no trânsito e em 84% por cada duas viagens com passageiros tabagistas; por sua vez, registou-se uma diminuição de 30% por cada dez minutos de ar condicionado ou sistema equivalente que consiga promover a circulação de ar. Já a concentração do “carbono negro” não se altera significativamente com estas variáveis. Os veículos a gasóleo são justamente mais poluentes, sobretudo em contexto de PUFs e no “carbono negro”. O risco diminui com o evitamento das zonas/horas com mais trânsito, não fumar no interior do veículo e promovendo a ventilação do mesmo (10). As janelas fechadas e a utilização de filtros de alta eficiência nas cabines diminuem a concentração de MP e das PUFs, de forma estatisticamente significativa; os dois em simultâneo originam uma diminuição acrescida de 17%. Um filtro de alta eficiência (HEPA) consegue diminuir a MP(2,5) e as PUFs 70 e 92%, respetivamente. Num estudo comparou-se o interior dos Táxis com o de veículos privados e concluiu-se que a concentração de MP(2,5) e PUFs era equivalente; contudo, como os taxistas passam mais horas no trânsito e a conduzir, pode-se supor que a sua exposição seja mais significativa (média de doze horas por dia, em alguns contextos) (9). Dentro da MP as frações mais pequenas (2,5 e 10) são as que têm maior capacidade para atingir as áreas bronquiolares, causando mais alterações médicas (11).
As principais fontes do “carbono negro”, outro constituinte da MP, são a combustão incompleta de combustíveis fósseis e a queima de biomassa na superfície terrestre. A sua exposição pode implicar efeitos oncológicos, diminuição da função pulmonar, inflamação respiratória, sibilação, exacerbação da asma, bem como alterações cognitivas e da concentração (11).
Caso específico do Metropolitano, a MP incluiu as emissões de motores a diesel usados na manutenção, bem como os produtos resultantes da fricção secundária ao movimento das carruagens e da poluição externa que se conseguir infiltrar (11).
-Diesel Engine Exaust (DEE) e Diesel Particulate Mater (DPM)
Os motores que funcionam com combustíveis fósseis (nomeadamente o gasóleo) emitem vários poluentes, designados globalmente como DEE (Diesel Engine Exaust) (12), sendo compostos por vários gases [nomeadamente CO2, CO, NOx, vapor de água, compostos com enxofre (2) (4) (5) (9) (10) (12)] e MP (12), já atrás mencionada.
A DPM (Diesel Particulate Mater) é constituída por elementos mais pequenos (menores que 2,5 micrómetros), respiráveis (80 a 95%), com carbono isolado ou ligado aos sulfatos e nitratos, entre outras possibilidades (12).
A IARC classificou os DEE como inseridos no grupo 1 (carcinogénicos para humanos), sobretudo com base na evidência de cancro pulmonar (11) (12) e da bexiga (12).
Concluiu-se que a exposição a esta poluição foi, por exemplo, superior nos cantoneiros, quando comparada a oficinas de reparação mecânica, motoristas de camiões, funcionários de comboios e trabalhadores de minas (considerando postos com funções à superfície) (12).
Outras substâncias
Alguns artigos mencionam também a presença de metais pesados (4) (como o chumbo) (5), isocianatos, dioxinas e álcoois (como metanol) (4), monóxido de carbono (CO) (5) (10), ozono troposférico (03) (2) (5) (7) e os Compostos Orgânicos Voláteis (COVs) (2) (10). Alguns investigadores destacam estes últimos e consideram que são particularmente problemáticos, até nos terminais de camionagem e nas cabines dos camiões, mesmo durante a circulação (1).
Profissionais atingidos
Comparando os motoristas com os funcionários responsáveis pela manutenção das viaturas (incluindo mecânicos e soldadores), por exemplo, o posto de trabalho dos primeiros foi onde se doseou um nível mais elevado de poeiras. Na cabine de condução foram doseados também CO, NO2, SO2 e HCl (5).
Vários estudos concluíram que os Taxistas e profissionais a exercer em situações equivalentes estão expostos a diversos agentes químicos, mesmo considerando apenas o interior do veículo (10).
Em contexto de transporte por metro, constatou-se a exposição ao “carbono negro” e a outros componentes da MP; os profissionais mais expostos foram os trabalhadores envolvidos na manutenção, seguidos dos condutores e dos gestores de estação (11).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
O Risco Químico associado aos veículos de transporte de passageiros e/ou mercadorias é relevante e razoavelmente pouco estudado/ divulgado, quer entre os profissionais do setor, quer nos elementos das equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais, apesar de algumas consequências médicas serem muito importantes.
A nível de medidas de proteção coletiva mencionam-se, apenas, o uso de filtros HEPA em alguns contextos, bem como ter ou não a janela aberta e sistema de circulação de ar ligados; em contexto de medidas de proteção individuais, nenhum dos artigos consultados as desenvolveu.
Seria relevante que alguma equipa de Saúde e Segurança, com vários clientes nestes setores, avaliasse melhor a situação e divulgasses os seus dados e conclusões através da publicação de artigo(s), para que se tenha mais conhecimento para trabalhar nesta área e se consiga proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável e seguro.