INTRODUÇÃO
Apesar da crescente evidência sobre a atividade física como grande determinante da saúde física e mental da população, globalmente, continuam a existir limitações na sua promoção e consequentemente na sua adesão. De acordo com o Global Action Plan for Physical Activity 2018-2030, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é necessário um plano intersetorial para ultrapassar a barreira da inatividade física (1). Além do papel preventivo, a prática de atividade física representa também um papel como coadjuvante terapêutico, sendo fundamental no atraso da progressão de diversas doenças crónicas não transmissíveis, nomeadamente de sete grupos importantes de patologias: cardiovasculares, oncológicas, pulmonares, metabólicas, psiquiátricas, neurológicas e músculo-esqueléticas (2) (3). A atividade física corresponde a todo o movimento realizado pelo corpo humano resultante de um gasto energético, resultante de formas menos estruturadas como atividades do dia-a-dia (por exemplo, subir escadas, jardinar, caminhar até à paragem do autocarro, etc.), até outras mais estruturadas, eventualmente com objetivos competitivos (por exemplo, sessão de exercícios de força, corrida, prática de uma modalidade desportiva, entre outros) (4). Entende-se por comportamento sedentário, qualquer comportamento em estado de vigília caracterizado por um gasto energético de 1,5 METS (metabolic equivalents) ou inferior, enquanto se está sentado, reclinado ou deitado. São exemplos de comportamentos sedentários a maioria dos trabalhos informatizados, conduzir um carro ou ver televisão (4).
De acordo com a Declaração do Luxemburgo (1997), a Promoção da Saúde no Local de Trabalho (PSLT) consiste no esforço conjunto de empregadores, trabalhadores e sociedade em geral para melhorar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores nos locais de trabalho. Esta Declaração estabelece ainda que a PSLT inclua medidas de natureza diversificada, orientadas para as pessoas (por exemplo, capacitar os trabalhadores para o controlo da sua própria saúde e bem-estar) e para o ambiente de trabalho (aspetos organizacionais e estruturais do local de trabalho na sua dimensão física e psicossocial e como estes influenciam o trabalhador), combinando estratégias de redução de riscos com estratégias de proteção e determinantes de saúde (5). A Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, na sua atual redação, determina que os Serviços de Segurança e Saúde devem desenvolver atividades de promoção da saúde.
Os locais de trabalho são considerados pela Organização Mundial de Saúde como um dos locais prioritários para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, designadamente no âmbito das práticas de trabalho e de estilos de vida saudáveis (como a atividade física, prevenção da obesidade, do stress profissional, das lesões músculo-esqueléticas, entre outras) (1). A “falta de tempo” ou as “exigências do trabalho” são frequentemente mencionadas como barreiras a uma vida mais ativa (7) (8). O trabalho ocupa em média, cerca de metade das horas em que passamos acordados, no entanto, as iniciativas e orientações na promoção da atividade tendem a ser vocacionadas para os tempos de lazer sendo que o local de trabalho (e o tempo que passamos a trabalhar) tem sido pouco valorizado neste contexto (1) (6) (7). Acrescenta-se que o local de trabalho representa uma oportunidade para promover a saúde e bem-estar dos trabalhadores, aumentando a sua qualidade de vida, a sua capacidade no trabalho e produtividade, contribuindo para a diminuição do absentismo e de fatores de risco associados a doenças profissionais com consequente redução dos custos relacionados (7) (8) (9) (10).
Neste artigo é feita uma revisão atual sobre a atividade física com intuito de contribuir para a implementação e aperfeiçoamento de políticas voltadas para a promoção da saúde no local de trabalho, aumentando assim os seus potenciais benefícios.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se uma revisão de literatura científica atual através de orientações e artigos científicos relativos à promoção da saúde, nomeadamente sobre atividade física em contexto ocupacional. Utilizaram-se como principais bases de dados a Pubmed, UpToDate e Clinical Key, World Health Organization e a Direção-Geral da Saúde. A pesquisa foi realizada utilizando os termos MeSH: “physical activity”, “health promotion”, “occupational health”. Incluíram-se publicações entre o ano 2000 e 2022 escritas em inglês, português ou espanhol. Selecionaram-se 43 artigos para leitura integral e após análise dos mesmos, 19 artigos foram citados e descritos na bibliografia.
DISCUSSÃO
No sentido de se identificar os investimentos com retorno no âmbito da promoção da atividade física (ações de promoção da atividade física) a International Society for Physical Activity and Health (ISPAH) publicou em 2021 um documento atualizado, identificando as oito principais áreas de investimento com retorno, a ter em conta no contexto das políticas nacionais e locais para a promoção da atividade física (1) (11) (12). Nestas principais áreas, incluem-se os serviços de saúde e os locais de trabalho.
A OMS publicou no final de 2020, as novas recomendações globais para a atividade física e comportamento sedentário (13). De acordo com a revisão sistematizada do conhecimento científico produzido ao longo da última década, uma das principais mensagens a salientar é que “cada movimento conta”. Em 2010, no caso da atividade física aeróbica, apenas uma duração de prática de pelo menos 10 minutos consecutivos era considerada como tendo impacto benéfico na saúde (13) (14). À luz da nova evidência científica, toda a atividade física, independentemente da duração consecutiva de cada período de prática, tem impactos positivos na saúde. Isto implica uma adaptação na forma de comunicar sobre atividade física e na forma como esta é percecionada, traduzindo naturalmente uma maior flexibilização dos comportamentos e o potencial para a integração destes, em diferentes momentos e contextos ao longo do dia como deslocar-se a pé ou subir escadas (1) (13). Nesse sentido, o uso da marcha e/ou bicicleta e dos transportes públicos, para as deslocações de e/ou para o local de trabalho, em substituição do uso do carro, devem ser fortemente encorajadas (1) (11). Além disso, num período em que a saúde das populações nunca esteve tão ligada à saúde do planeta e às alterações climáticas, importa salientar o contributo central que a prática de atividade física ativa representa, não só para a saúde do próprio, mas também para a saúde do planeta, decorrente do maior uso de formas de mobilidade ativa para as deslocações do dia-a-dia (16). Esta constitui uma forma prática, económica e sustentável de atividade física para muitas pessoas e deve ser recomendada (8) (15) (16) (17).
Os próprios locais de trabalho constituem sítios muito convenientes para a promoção da saúde. Os nossos comportamentos conscientes e subconscientes são influenciados pela forma como os ambientes são projetados e nesse sentido é desejável adaptar e incluir o desenho de espaços de trabalho que promovam a atividade física incidental (1) (5) (12). Também a nível organizacional, medidas como a implementação de reuniões ambulantes ou a disponibilização de mobiliário/secretárias que permitam trabalho em pé devem também ser adotadas (1) (8). Numa perspetiva mais estruturada da atividade física, podem ser criados incentivos através de protocolos com instituições ligadas à atividade ou através de horários remunerados ou flexíveis para este efeito (1). Inclusive, em Copenhaga, foi adotado um regime de obrigatoriedade na realização de uma hora de exercício físico por semana como parte integrante do contrato de trabalho (8).
Relativamente à área da saúde, os profissionais de saúde têm um papel fundamental no aconselhamento da atividade física, quer pela confiança que a população lhes deposita, quer pelo contacto que têm com grandes segmentos da população (11). Não só as ações de formação desenvolvidas para o efeito mas também os exames de vigilância médica no âmbito da medicina do trabalho, constituem uma oportunidade para a sensibilização, reforço e literacia de diversos temas de saúde, sobretudo relacionados com estilos de vida saudáveis. Por este motivo, a capacitação dos profissionais de saúde para a promoção da atividade física, é uma ação fortemente recomendada a nível internacional (3) (11) (12) (13).
Numa visão digital, os avanços digitais e tecnológicos estão a transformar não só a sociedade como também a saúde, trazendo a possibilidade de novas abordagens na promoção da saúde. Combinar a inteligência artificial e a realidade aumentada em integração com programas interativos podem, por exemplo, estimular comportamentos ativos e diminuir comportamentos sedentários. O uso de tecnologias portáteis como relógios digitais (smartwatches), pulseiras digitais com sensores (como podómetros) ou o desenvolvimento de aplicações específicas para smartphones começam a ser amplamente utilizadas tanto para o aconselhamento personalizado (tendo em conta as características individuais) como para a monitorização individualizada da atividade física. Também a nível digital, podem ser integrados alertas/lembretes de forma a combater o comportamento sedentário (18). Estas vias têm mostrado uma importante eficácia na adesão e na mudança de comportamentos por parte dos utilizadores. Neste sentido, estes tipos de dispositivos/recursos tecnológicos poderiam ser disponibilizados nos locais de trabalho como recurso à perceção do próprio trabalhador sobre a atividade física/sedentarismo ao longo do dia de trabalho e com isso criar um incentivo às alterações do estilo de vida dos profissionais (1) (18) (19). A aplicação de dispositivos direcionados para este tema, podem representar uma medida de fácil utilização e baixo custo com elevados ganhos para o próprio e consequentemente para as empresas (17) (19).
Numa outra perspetiva digital, o Plano de Ação Global para a Atividade Física 2018-2030 da OMS recomenda a utilização de modelos de aconselhamento breve para a atividade física a par da implementação de modelos de avaliação sistemática da atividade física (1). No Sistema Nacional de Saúde (SNS) desde o final de 2017, é possível avaliar os níveis de atividade física e comportamento sedentário, bem como realizar aconselhamento breve a este nível com o apoio de ferramentas digitais desenvolvidas especificamente para o efeito com base em princípios e técnicas validadas de modificação comportamental, disponíveis no SClínico - Cuidados de Saúde Primários e na Prescrição Eletrónica Médica (4). Este é um exemplo de um modelo que poderá ser adaptado ao contexto da medicina do trabalho, garantido o aconselhamento personalizado e a monitorização periódica da atividade física através da utilização deste tipo de ferramentas.
Por fim, fora do local de trabalho, mas também ligada a este, a organização de eventos como corridas, jogos, atividades ao ar livre ou outros, é uma prática desejada, já que incentiva a participação desportiva e de recreação a par de favorecer a relação interpessoal entre profissionais (18) (19).
CONCLUSÃO
A atividade física é um determinante de saúde que deve ser promovido em múltiplos contextos. No caso da medicina do trabalho, acresce o dever de intervir sobre os determinantes para a saúde, nomeadamente os relacionados com hábitos e estilos de vida. Reconhece-se que o local de trabalho é um contexto privilegiado para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde e que estas ações contribuem para a melhoria da saúde e bem-estar dos trabalhadores “dentro e fora” do contexto laboral. Conclui-se que a recente caracterização da atividade física como algo de fácil integração no dia-a-dia, independentemente da sua duração, vem trazer uma nova visão na abordagem à promoção da atividade física impondo a adaptação de estratégias e políticas promotoras desta área, sobretudo na área da saúde ocupacional. É, portanto, fundamental uma atualização de conceitos, capacitando os envolventes para o aperfeiçoamento de estratégias relacionadas com estes temas.