INTRODUÇÃO
O Cancro do Pulmão (CP) é razoavelmente frequente e, geralmente, muito letal. Parte dos casos parece ter uma etiologia ocupacional, pelo que será relevante que os profissionais da área tenham algumas noções sobre o tema. Pretendeu-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou sobre este assunto.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): Trabalhadores eventualmente expostos a fatores laborais potenciadores de CP.
-I (interest): reunir conhecimentos sobre exposição laboral a riscos com capacidade para aumentar a probabilidade de surgir patologia oncológica pulmonar
-C (context): saúde e segurança ocupacionais.
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as caraterísticas do posto de trabalho que poderão aumentar a incidência de casos de CP?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
CONTEÚDO
Incidência/prevalência/alguns dados estatísticos
O CP é o mais mortal mundialmente (1). É o mais frequente no sexo masculino e o terceiro mais prevalente no feminino, com mais de 26.000 mortes em 2018, por exemplo (2). Na Dinamarca atinge 13,3% do sexo masculino, versus 12,3% no sexo feminino e tem vindo a aumentar nelas, apesar da morbilidade e mortalidade estarem a descer desde 1980 (3). Como a sobrevida do CP é geralmente baixa, é ainda mais relevante controlar/atenuar os fatores que o tornam mais provável de ocorrer (4).
Alguns investigadores consideram que é possível que algumas questões hormonais consigam potenciar o CP no sexo feminino. Neste género o mais frequente é o adenocarcinoma, menos associado ao tabaco. O risco diminui com o aumento da paridade (não consensual)- assim, nulíparas poderão ter risco acrescido, tal como idade mais avançada no primeiro parto/gravidez; poderá acontecer o oposto com a ooforectomia bilateral (controverso). A Terapia de Reposição Hormonal e os Anticoncecionais orais apresentam ainda menor consenso. A laqueação tubar parece diminuir o risco. O tecido pulmonar normal e o tecido cancerígeno pulmonar apresentam recetores para os estrogénios e progesterona; assim, os primeiros conseguem estimular a proliferação de células cancerígenas pulmonares e os antagonistas dos recetores de estrogénios conseguem inibir esse crescimento. Contudo, na realidade, estas interligações são complexas e variam com o subtipo histológico de tumor e tempo de exposição (5).
Acredita-se que o CP com origem ocupacional justifica quase um terço dos casos totais. Neste contexto, os asbestos/amianto são o fator mais relevante (responsáveis por 55 a 85% dos casos laborais) (2).
Caraterísticas laborais com capacidade para aumentar o risco de Cancro do Pulmão
-Geral
Na bibliografia são mencionadas várias situações em contexto de trabalho com capacidade para potenciar o risco de CP. São referidos com mais frequência a Sílica, Asbestos, Radão, Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAPs), Fibra de Vidro, Diesel, Alumínio e o Dióxido de nitrogénio (NO2). Também está descrito como estando associado ao Arsénio, Berílio e Cádmio (1).
Por sua vez, a IARC considerou que 19 substâncias existentes em diversos locais de trabalho sejam cancerígenas a nível pulmonar, nomeadamente: Arsénio e derivados, Asbestos (todos os subtipos), Berílio e derivados, Éter-bis(clorometil) e Etermetilclorometil, Cádmio e derivados, Crómio e derivados, Alcatrão, emissões dos motores a Diesel, Níquel e derivados, poluição do ar exterior, Plutónio, Matéria particulada no ar exterior, Radão 222 e derivados, Sílica cristalina, Tabagismo passivo, fumos de Soldadura, bem como Raios X e Gama.
O tabagismo poderá ter um efeito aditivo (6).
-Sílica
O CP parece ser 1,31 vezes mais prevalente com a exposição à Sílica (7) cristalina, parecendo que o risco é dose-dependente. Ainda que parte significativa dos estudos refira esta potenciação, tal não é totalmente consensual; sobretudo para concentrações mais elevadas e/ou com silicose já instituída e pela eventual presença de contaminantes tóxicos (8). Outros, por sua vez, defendem que a Sílica se associa ao CP, mesmo sem silicose ou tabagismo. Por isso, o ponto de corte dos valores admissíveis para a sílica baixou em alguns países para 0,1mg/m3 ou 0,25 mg/m3 para a construção civil, segundo a OSHA (2014) (9).
A IARC classificou a sílica como sendo do grupo 1 (cancerígena humana), sobretudo a cristalina (9).
-Asbestos/Amianto
Os asbestos englobam seis fibras minerais diferentes, que se podem agrupar nas seguintes categorias: crisolitebranca, anfibolite/amiosite-castanha, crocidolite-azul, tremolite, actinolite e antofilite; a estruturação baseia-se nas propriedades físicas e químicas. As fibras crisolite são eliminadas mais facilmente pela defesa mucociliar; as anfibólicas permanecem mais tempo. Todos os tipos de asbestos se associam ao CP (3).
O CP parece ser mais prevalente (2) (3) (7) (10) (1,76 vezes) com exposição aos Asbestos, de forma dose dependente. Outros investigadores publicaram que esse risco fica duplicado (2,04); contudo, se a exposição for mais intensa/prolongada poderá passar para 3,08. Por sua vez, o tabagismo e os asbestos apresentam sinergismo (risco quase oito vezes superior) (2); outros autores publicaram que esta interação está entre aditiva e multiplicativa (3). Não esquecer, no entanto, que os asbestos podem conter Sílica cristalina (2). Ainda assim, o risco parece diminuir algumas décadas após o término da exposição aos asbestos, eventualmente devido à clearance das fibras (10). O risco aumenta 1 a 4% por fibra/ano/ml, ou seja, há o dobro do risco com 25 a 100 fibras/ano/ml (ainda que um estudo tenha concluído que o risco fica no dobro logo com 4 fibras/ano/ml) (3).
-Radão
Ainda que o radão não se veja, ouça ou cheire (4) (11), ele está presente no interior de alguns edifícios e sobretudo minas (até dez vezes mais). Poderá justificar (2) (11) (12) até 15% do CP da população, em geral (11); ou seja, é a segunda etiologia mais frequente (4) (11). Estimam-se cerca de 22.000 mortes por CP associado ao radão (4). Com alguma frequência alguns trabalhadores estão expostos a baixas doses de radão. Geralmente ao ar livre a concentração costuma ser baixa mas, em espaços interiores específicos, pode tornar-se clinicamente relevante; os níveis aumentam no interior dos edifícios no Outono e Inverno devido às alterações na ventilação natural (12). A suscetibilidade pode ser alterada com alguns parâmetros genéticos (11).
A IARC classificou o radão como estando inserido no grupo 1 (cancerígeno para humanos), justamente devido aos estudos com o CP (12). O tabagismo e o radão podem ter efeito sinérgico (4) (12).
Níquel-crómio
O CP parece ser 1,18 vezes mais prevalente quando o trabalhador está exposto ao níquel-crómio, inferindo-se, globalmente, que o risco aumenta com a intensidade da exposição. Contudo, estudos de coorte com mais de 56.000 trabalhadores expostos ao níquel, produziu evidência contrária, uma vez que o CP não teve expressividade estatística (13), ainda que estudos anteriores tenham chegado a conclusão oposta. A IARC considera que o níquel é cancerígeno a nível pulmonar, com etiopatogenia no estado inflamatório produzido (13).
Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos
Considerando exposições de intensidade elevada, também se destacam os HAPs (risco 1,64 vezes superior) (1).
Fibra de vidro
A Fibra de Vidro, por sua vez, está associada a várias alterações pulmonares, incluindo o cancro, devido à Sílica (14).
Diesel
Este também parece aumentar o risco de CP (2). A IARC classificou os fumos dos motores a diesel como cancerígenos para humanos, secundários à combustão incompleta. Trata-se de uma mistura complexa de CO, dióxido de nitrogénio, dióxido de enxofre e HAPs; a fisiopatologia poderá incidir nas alterações condicionadas ao sistema imune (15).
NO2 e Matéria Particulada
Parece existir uma relação entre o NO2 da circulação rodoviária e o CP. A IARC classifica esta poluição atmosférica como cancerígena, bem como a matéria particulada (16).
Setores profissionais específicos
As tarefas de manutenção e construção em navios conseguem expor os funcionários a asbestos; nestes encontrou-se um aumento discreto de CP e mesotelioma (17). Outros publicaram que a exposição a asbestos neste setor geralmente é intensa e potencia o risco (18). Por sua vez, outros afirmam que o CP nos trabalhadores da construção civil geral é apenas discretamente superior ao de outros trabalhadores dos setores primário e secundário. O mais relevante neste contexto deverão ser a Sílica e os Asbestos; bem como outros tipos de Poeiras, Solventes e outros agentes químicos (como o óxido e o sulfato de cálcio) (19). Por fim, também se encontrou que se considera que trabalhar no setor da demolição e/ou construção civil ou produção de produtos com asbestos; bem como o facto de cinco a dez anos com tarefas com exposição moderada (como construção naval), aumenta o risco para o dobro (3).
Os trabalhadores de fundição apresentam risco aumentado de CP (1,5 a 2,5 vezes mais), sendo que a IARC reconhece neste setor a existência de vários produtos que podem ser carcinogénicos, nomeadamente metais (Crómio, Manganésio, Chumbo e Cádmio), HAPs, Sílica cristalina (os níveis desta na generalidade das fundições excedem os limites considerados aceitáveis), Asbestos, Benzeno e Formaldeído; sendo que as temperaturas altas e a elevada cargas física podem potenciar a absorção (20). Por sua vez, também se encontraram dados relativos a trabalhadores expostos ao alumínio em contexto de fundição/metalurgia, que não parecem ter risco acrescido, ainda que as conclusões não sejam consensuais entre os diversos estudos. Para além disso, neste setor há exposição a diversos agentes químicos em simultâneo e a situação varia de subposto para subposto ou até entre empregadores (21).
Nas Minas de Urânio, por sua vez, costuma ocorrer uma exposição significativa ao radão (11).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Na bibliografia sobre o tema encontra-se evidência razoável do CP ser mais provável de ocorrer em situações em que haja exposição a Radão, Asbestos/Sílica, HAPs, Fibra de vidro, Diesel, Alumínio, Dióxido de Enxofre e/ou Matéria Particulada. Assim, alguns dos setores profissionais salientados neste contexto serão o da Construção (Civil generalista e Naval), Fundições e Minas.
Seria relevante que algumas equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais dedicassem algum tempo a investigar estas questões, potenciando o conhecimento científico global sobre este tema e, em particular, caraterizando o panorama nacional (incidência, setores/profissões/tarefas mais relevantes, bem como medidas de proteção coletiva e individuais mais usadas e eficazes).
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Lung Cancer | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
33.501 | 3 | não | - | |||
+ occupational | 805 | 4 | não | ||||||
+ health | 156 | 5 | sim | 1 2 3 7 11 14 16 21 27 42 43 46 51 52 54 57 60 63 82 90 93 95 102 109 113 131 140 145 149 |
CP1 CP2 CP3 CP4 CP5 CP6 CP7 CP8 CP9 CP10 CP11 CP12 CP13 CP14 CP15 CP16 CP17 CP18 CP19 CP20 CP21 CP22 CP23 CP24 CP25 CP26 CP27 CP28 CP29 |
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