INTRODUÇÃO
Em todo o mundo existem 2.9 biliões de trabalhadores expostos a fatores de risco nos seus locais de trabalho. Esta população é constituída por pessoas economicamente ativas (15 anos ou mais) que trabalham para terceiros, por conta própria ou que produzem bens para a sua subsistência. Tanto o trabalho formal como o trabalho informal estão incluídos nesta população (1).
O trabalho é benéfico para o Homem enquanto ser social, podendo, no entanto, ser também prejudicial à sua saúde quando envolve exposição a fatores de risco de diferentes naturezas (1) (2).
A noção de fator de risco está associada ao perigo e constitui a componente intrínseca inerente ao contexto laboral capaz de provocar dano à saúde do trabalhador. O conceito de risco relaciona-se com a probabilidade de concretização desse dano e com a gravidade do mesmo, tendo em conta as condições de utilização, a exposição ou a interação com o componente material ou imaterial do trabalho perigoso (3).
Os Acidentes de Trabalho (AT) resultam da concretização desse risco, ocorrem pela combinação de um conjunto de falhas latentes e ativas acumuladas ao longo do tempo, que resultam numa cadeia de acontecimentos, culminando em acidente. São fenómenos frequentes e têm uma elevada probabilidade de causar dano aos trabalhadores, com impacto importante na qualidade de vida e capacidade de trabalho (2) (3). A redução da capacidade de trabalho pode culminar em absentismo laboral, diminuição da produtividade da empresa e encargos na substituição de mão-de-obra e na reintegração/reconversão futura do profissional (3).
Os Hospitais são ambientes ricos em fatores de risco, com tecnologia cada vez mais diversificada e avançada para responder às necessidades de saúde dos doentes, no entanto esta evolução não é centrada na saúde e segurança do trabalho dos profissionais de saúde (PS) (3). Estes estão expostos aos mais variados fatores de risco contribuindo para a ocorrência de AT e de doenças profissionais, dependendo da suscetibilidade individual de cada profissional (3) (4).
Entre os profissionais de saúde destaca-se a constante exposição a fatores de risco biológicos (3). Os agentes envolvidos incluem vírus, bactérias, parasitas ou fungos, mas nem todo o material biológico tem potencial para transmitir doenças. São várias as vias de transmissão dos agentes biológicos: dérmica (pele íntegra/não íntegra), percutânea (picada/corte), ocular, respiratória (inalação) e oral (ingestão) (4) (5).
Considerando os agentes biológicos transmissíveis por via percutânea, contacto com mucosas ou com pele não íntegra, o sangue é o produto mais infecioso. Existem outros produtos biológicos também infeciosos, tais como fluidos biológicos contendo sangue, sémen, secreções vaginais, líquido sinovial, líquido cefalorraquidiano e líquidos serosos (6). Outros produtos orgânicos, como suor, leite, lágrimas, fezes, urina ou saliva, não são considerados infeciosos, exceto se contaminados com sangue. Nestas vias de transmissão estão incluídos microrganismos do grupo 3 como o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), o Vírus da Hepatite B (VHB) e o Vírus da Hepatite C (VHC) (5).
As lesões músculo-esqueléticas (LME) relacionadas com o trabalho são as mais prevalentes em meio laboral, tendo um impacto significativo ao nível do absentismo e quebras de produtividade sendo que, os profissionais de saúde são frequentemente afetados por este tipo de lesões. Os fatores de risco mais relatados entre os PS são a aplicação da força no levantamento, manipulação e transporte de cargas, a repetibilidade de gestos e/ou movimentos ou as posturas estáticas ou extremas. As partes do corpo mais predominantemente afetadas nestes profissionais são a região lombar, cervical e membros superiores (7) (8) (9) (10).
Outros fatores de risco existentes em contexto hospitalar são a radiação ionizante e não ionizante e a exposição a agentes químicos como os detergentes, os citostáticos e o formaldeído, citando alguns dos mais frequentes (7) (11).
A avaliação destes riscos no local de trabalho deve ser contínua, sendo importante para caracterizar os diferentes níveis de risco de cada posto de trabalho (12).
Em Portugal, entre os anos de 2009 e 2010, foram contabilizados, de acordo com a Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS), 11.906 acidentes de trabalho em PS, dos quais 92.3% foram em contexto hospitalar. A principal causa de notificação de AT foi a picada por agulha (27.3%), seguida pelas quedas (23,2%) e secundária a esforços excessivos/movimentos inadequados (17.6%) (11).
O presente trabalho pretendeu analisar de forma holística os AT em contexto hospitalar, incluindo as caraterísticas da população de PS que sofreram AT (género, idade, profissão, serviço, anos de experiência), a incidência e detalhes dos mesmos, atendendo ao contexto pandémico e relacionar eventuais fatores que possam ter influenciado o seu resultado (incapacidade temporária absoluta ou parcial). Ao perceber quais as tendências no que concerne à ocorrência e gravidade dos AT é possível analisar criticamente os mesmos e realizar no futuro uma adequada avaliação do risco a nível hospitalar, cujo objetivo final será a implementação de medidas preventivas que visem a eliminação ou a redução dos fatores de risco ao mínimo e consequentemente a ocorrência de AT.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo observacional, transversal, descritivo e analítico. Como instrumento de recolha de dados foi utilizada uma base de dados existente no Serviço de Saúde Ocupacional de um Hospital Central, que incluía todos os AT mecânicos, ou com exposição a fluidos biológicos, notificados entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2022.
A população-alvo desta investigação foram todos os profissionais de saúde do Hospital em questão, independentemente da categoria profissional ou do vínculo laboral, que sofreram um AT durante o período em análise e cujo AT tenha sido notificado ao Serviço de Saúde Ocupacional tanto pelo sinistrado, como pelo Serviço de Recursos Humanos ou Companhia de Seguros.
A análise de dados foi realizada com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences®, versão 26.0. Nas análises descritivas foram utilizadas frequências absolutas (n) e relativas (%) para as variáveis categóricas, médias e desvios-padrão nas variáveis contínuas com distribuição normal, medianas e quartis nas variáveis contínuas sem distribuição normal. A normalidade das distribuições foi avaliada com o teste Kolmogorov-Smirnov para n>50 e Shapiro-Wilk para n<50. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-Quadrado, após verificação do cumprimento das regras de Cochran, ou em alternativa Teste Exato de Fisher de acordo com as recomendações de Kroonenberg e Verbeek (2018). Para comparar as variáveis contínuas foi utilizado o teste não paramétrico Mann-Whitney. O nível de significância considerado para rejeição da hipótese nula foi de 5% (13) (14).
Durante toda a investigação foi assegurada a confidencialidade de toda a informação clínica e não clínica, sendo que a investigação não apresentou custos para a instituição.
RESULTADOS
Análise global dos AT
A tabela 1 apresenta as caraterísticas da população em estudo. Foram analisados um total de 265 acidentes de trabalho, 97 (36.6%) mecânicos e 168 (63.4%) com exposição a fluidos biológicos, ocorridos maioritariamente a mulheres (n= 217, 81.9%) com idades compreendidas entre os 21-30 (n=96, 36.2%) e 31-40 (n=73, 27.5%), com média de idades de 36.8 anos. A categoria profissional que sofreu maior número de AT foi a de Enfermeiro, com quase metade das ocorrências (n=131, 49.4%). Os serviços onde ocorreram mais acidentes foram os Serviços Médicos (n=150, 56.6%). A mediana da antiguidade dos PS no Hospital até à ocorrência do AT foi de 5.0 anos, com mínimo de menos de um mês e máximo de 30 anos.
Variável | Total (n=265) |
---|---|
Tipo de acidente | |
Mecânico | 97 (36.6%%) |
Biológico | 168 (63.4%) |
Género | |
Feminino | 217 (81.9%) |
Masculino | 48 (18.1%) |
Idade | 36.8 (11.5) [19-62] |
19-20 | 2 (0.8%) |
21-30 | 96 (36.2%) |
31-40 | 73 (27.5%) |
41-50 | 44 (16.6%) |
51-60 | 42 (15.8%) |
> 60 | 4 (1.5%) |
Sem informação | 4 (1.5%) |
Profissão | |
Assistente Operacional | 62 (23.4%) |
Assistente Técnico | 2 (0.8%) |
Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica | 10 (3.8%) |
Técnico Superior | 5 (1.9%) |
Enfermeiro | 131 (49.4%) |
Médico | 53 (20.0%) |
Serviço | |
Cirúrgico | 65 (24.5%) |
Urgência | 41 (15.5%) |
Médico | 150 (56.6%) |
Não clínico | 7 (2.6%) |
Tempo de trabalho até ao Acidente de Trabalho | 5.0 (1.0 - 15.0) [0.1 - 30.0] |
Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas
No gráfico 1 apresentam-se os dados da evolução do número de acidentes ao longo do tempo, por trimestre. De janeiro a março de 2021 registou-se um pico no número de acidentes (n=51), seguindo-se o período abril a junho de 2021 (n=43). O número de acidentes diminuiu significativamente partir de janeiro de 2022, com apenas 10 acidentes até março desse ano. Até final de 2022 esta tendência manteve-se, não se registando o pico do ano anterior.
AT mecânicos
A tabela 2 descreve os AT mecânicos que geralmente causam LME. Foram identificados 97 (36.6%) acidentes mecânicos, principalmente em profissionais do sexo feminino (n=79, 81.4%), com média de 43.5 anos. A categoria profissional a quem ocorreram mais AT mecânicos foi a de Assistente Operacional (n=39, 40.2%), seguido pela de Enfermeiro (n=32, 33.0%). Os serviços onde mais acidentes ocorreram foram o Serviço de Urgência Geral (n=17, 17.5%), o Serviço de Obstetrícia (n=9, 9.3%) e as Unidades de Cuidados Intensivos Polivalentes (n=8, 8.3%). Mais de dois terços dos acidentes ocorreram no turno da manhã (n=62,71.1%) e 35.1% (n=34) ocorreram in itinere. Quanto aos mecanismos de lesão, o mais frequente foi a queda (n=36, 37.1%), seguido de esforços excessivos/movimentos inadequados (n=20, 20.6%) e o traumatismo de uma ou várias partes do corpo (n=18, 18.6%). A maioria dos AT mecânicos foi notificada para a seguradora (90.7%).
Variável | Total (n=97) |
---|---|
Sexo | |
Feminino | 79 (81.4%) |
Masculino | 18 (18.6%) |
Turno no dia do acidente | |
Manhã | 69 (71.1%) |
Tarde | 15 (15.5%) |
Noite | 4 (4.1%) |
24h | 2 (1.1%) |
Sem informação | 7 (7.2%) |
In itinere | |
Não | 62 (63.9%) |
Sim | 34 (35.1%) |
Sem informação | 1 (1.0%) |
Mecanismo | |
Esforço excessivo/ movimentos inadequados | 20 (20.6%) |
Mobilização de cargas/doentes | 7 (7.2%) |
Traumatismo | 18 (18.6%) |
Queda | 36 (37.1%) |
Outros | 15 (15.5%) |
Sem informação | 1 (1.0%) |
Incapacidade Temporária Absoluta | |
Não | 12 (12.4%) |
Sim | 82 (84.5%) |
Sem informação | 3 (3.1%) |
Incapacidade Temporária Parcial | |
Não | 65 (67.0%) |
Sim | 30 (30.9%) |
Sem informação | 2 (2.1%) |
Tempo de trabalho até AT | 13.0 (3.5-25.0) [0.5-30.0] |
Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas
Nos AT mecânicos a mediana da antiguidade dos profissionais no Hospital até à ocorrência do AT foi de 13.0 anos. Considerando os períodos de Incapacidade Temporária, foi atribuída Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) à maioria dos profissionais (84.5%), na sequência do AT. A 30.9% dos profissionais foi atribuída Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com grau de incapacidade mediano de 10%, entre 5% e 40%. Na consulta de avaliação após alta do AT, 45.4% dos trabalhadores ficaram aptos para o trabalho, ao passo que 52.6% ficaram aptos condicionalmente e apenas 2.1% ficaram inaptos temporariamente, por não consolidação das lesões.
Relativamente às limitações resultantes dos AT mecânicos, verifica-se que a limitação para o trabalho mais frequentemente aplicada foi a não mobilização de cargas (n=34, 35.1%), seguida pela não permanência em ortostatismo prolongado (n=14, 14.4%), existindo outras menos frequentemente aplicadas, como a não realização de movimentos repetitivos/finos ou a evição de ritmo elevado de trabalho.
Como referido anteriormente, a incidência de ITA foi muito elevada (84.5%), sendo que, não foi possível identificar associações de variáveis independentes com a existência de ITA. De forma idêntica a Tabela 3 apresenta as associações de várias variáveis independentes com a existência de ITP, não se verificando associações estatisticamente significativas com o género (p=0.700), mecanismo de lesão (p=0.110), AT in itinere (p=0.464) ou idade (p=0.811).
ITP não | ITP sim | p-valor | |
---|---|---|---|
Género | p=0.700 (a) | ||
Feminino | 52 (80.0%) | 25 (83.3%) | |
Masculino | 13 (20.0%) | 5 (16.7%) | |
Mecanismo | p=0.110 (b) | ||
Esforço excessivos/movimentos inadequados | 13 (20.0%) | 7 (23.3%) | |
Mobilização de cargas/doentes | 7 (10.8%) | 0 (0.0%) | |
Traumatismo | 11 (16.9%) | 6 (20.0%) | |
Queda | 21 (32.3%) | 15 (50.0%) | |
Outros | 13 (20.0%) | 2 (6.7%) | |
In itinere | p=0.464 (a) | ||
Não | 44 (67.7%) | 18 (60.0%) | |
Sim | 21 (32.3%) | 12 (40.0%) | |
Idade | 44.0 (33.0-52.5) | 46.0 (37.0-51.0) | p=0.811 (c) |
(a) teste qui-quadrado, (b) teste Fisher, (c) teste Mann-Whitney; Resultados não incluem valores omissos
AT com exposição a fluidos biológicos
A tabela 4 apresenta a descrição dos AT com exposição a fluidos biológicos. Foram identificados 168 (63.4%) acidentes, a maior parte ocorridos em profissionais do género feminino (n=138, 82.1%), com idades entre os 21 e os 30 anos (n=85, 50.6%) e média de idade de 33.0 anos, sendo na sua maioria Enfermeiros (n=94, 56.0%).
Variável | Total (n=168) |
---|---|
Sexo | |
Feminino | 138 (82.1%) |
Masculino | 30 (17.9%) |
Turno no dia do acidente | |
Manhã | 88 (52.4%) |
Tarde | 45 (26.9%) |
Noite | 23 (13.7%) |
24h | 6 (3.6%) |
Sem informação | 7 (7.2%) |
Tipo de acidente | |
Contacto com pele não integra | 1 (0.6%) |
Corte/ picada ou outro corto-perfurante | 19 (11.3%) |
Picada com agulha maciça | 8 (4.8%) |
Picada com agulha oca | 112 (66.7%) |
Projeção para as mucosas | 16 (9.5%) |
Outro | 10 (6.0%) |
Sem informação | 2 (1.2%) |
Fluido | |
Sangue | 155 (92.3%) |
Outro | 9 (5.4%) |
Sem informação | 4 (2.4%) |
Lesão | |
Sem lesão | 18 (10.7%) |
Ferida incisiva | 18 (10.7%) |
Punctiforme | 121 (72.0%) |
Outro | 7 (4.2%) |
Sem informação | 4 (2.4%) |
Vacinação HBV | |
2 doses | 3 (1.8%) |
3 doses | 131 (78.0%) |
+ 3 doses | 26 (15.5%) |
Sem informação | 8 (4.8%) |
AcHBs | |
< 10 UI/L | 17 (10.1%) |
≥ 10UI/L | 144 (85.7%) |
Sem informação | 7 (4.2%) |
Tempo de trabalho até AT | 3.5 (1.3-7.7) [0.5-12] |
Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas
Os três serviços onde mais AT com risco biológico ocorreram foram as enfermarias de Medicina Interna (n=34, 20.2%), Serviço de Urgência Geral (n=25, 14.9%) e as enfermarias de Cirurgia Geral (n=17, 10.1%). O turno onde ocorreram mais acidentes deste tipo foi o da manhã (n=88, 52.4%). Em 93.5% (n=165) dos AT o sinistrado tinha concluído o esquema vacinal para Hepatite B e existia imunidade para a doença (Anticorpo contra o Antigénio de Superfície do Vírus da Hepatite B (AcHBs) ≥ 10UI/L) em 85.7% (n=144) dos casos. A fonte foi positiva em 8.9% (n=15) dos acidentes para o Antigénio de Superfície da Hepatite B (AgHBs), em 3.6% (n=6) dos acidentes para o VHC e em 10.1% (n=17) dos acidentes para o VIH. A prevalência da realização de profilaxia pós-exposição (PPE) para o VIH foi de 14.9% (n=25) e do acompanhamento dos PS foi de 25.0% (n=42).
DISCUSSÃO
A maior incidência de AT recaiu no género feminino, nas faixas etárias dos 21-40 anos, achados semelhantes a outros hospitais em Portugal e expetáveis, atribuindo-se também à idade mais produtiva o maior número de AT (15) (16) (17) (18).
As categorias profissionais mais afetadas pelos AT também são idênticas às de outros estudos sendo que os Enfermeiros e os Assistentes Operacionais foram os trabalhadores mais afetados (16) (19). Este facto pode ser explicável pelas tarefas atribuídas a estas categorias profissionais, que envolvem a mobilização de cargas, a realização de movimentos repetitivos, a manutenção de posturas não neutras/extremas/de desconforto ou a exposição a fluidos biológicos (17) (19). À semelhança de outros estudos, os Serviços Médicos são os que têm maior número de AT, resultados justificáveis pelo tipo de tarefas realizadas e pela maior carga de trabalho (20) (21). Verifica-se, ainda, que estes ocorreram sobretudo no turno da manhã, de forma idêntica a outros estudos, facto que pode ser atribuído ao maior número de profissionais que trabalham no turno da manhã e, uma vez mais, à maior carga de trabalho (16) (20).
Quando analisado o tempo de serviço até à ocorrência do AT, verificou-se que a antiguidade mediana na globalidade dos acidentes foi de 5 anos, sendo que, no caso dos acidentes com exposição a fluidos biológicos foi de apenas 3,5 anos e no caso dos acidentes mecânicos foi de 13 anos. Os AT com exposição a fluidos biológicos ocorreram em trabalhadores com menos experiência profissional, indicando que estes AT podem ter uma relação inversa com a experiência adquirida, uma vez que a destreza para manusear os materiais corto-perfurantes, assim como o domínio de algumas técnicas preventivas, requerem maior tempo de aprendizagem (5) (16) (18).
A incidência dos AT não é superior a outros estudos em hospitais centrais, exceção feita ao ano de 2021, ano em que existiram maior número de AT (15). Foi em 2021 que aconteceu um maior número de internamentos por Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) a nível nacional. Analisando o gráfico 2 verifica-se um padrão idêntico na incidência dos acidentes à mesma época, podendo existir relação entre a variação dos internamentos COVID-19 a nível nacional e a incidência de AT no Hospital Central em análise. O aumento do ritmo de trabalho, a realização de turnos extra e a realização de horas extra são fatores de risco conhecidos para a ocorrência de AT (23) (24). Este contexto reduz o período de descanso dos profissionais o que afeta o estado de alerta, a execução de tarefas e as funções cognitivas, resultando em aumento do risco de AT (10) (22) (23) (24).
Analisando a causa dos AT mecânicos, verifica-se que, as quedas, a realização de movimentos inadequados ou os esforços excessivos são as causas mais frequentes, como descrito na literatura (15) (16) (17). Destaca-se também que uma elevada percentagem dos trabalhadores teve ITA, valores superiores aos encontrados em outros estudos (16) (19). Uma explicação possível para este resultado poderá ser o facto de os acidentes menos graves muitas vezes não serem comunicados ao Serviço de Saúde Ocupacional/Higiene e Segurança. Destaca-se ainda que uma elevada percentagem dos trabalhadores ficou com aptidão condicionada para o trabalho (muitas vezes devido à existência de ITP ou Incapacidade Permanente Parcial) tendo-se procedido à adaptação do posto de trabalho, permitindo o retorno gradual do trabalhador às suas funções habituais. Considerando os mecanismos de lesão mais frequentes verifica-se a necessidade de tomar medidas preventivas de acidentes como o aconselhamento para utilização de calçado adequado, promoção de ações de formação e sensibilização, aquisição de material para mobilização de cargas, nomeadamente para doentes acamados, ou medidas estruturais como a melhoria de infraestruturas no Hospital (19) (25).
Não foram identificadas associações entre as variáveis independentes (género, mecanismo de lesão, idade, ou ocorrência in itinere) e a atribuição de ITA ou ITP, no entanto, a literatura descreve que fatores como a idade, a existência de comorbilidades, ou o status socioeconómico estão associados a maior gravidade dos AT (26).
Analisando a incidência dos AT com exposição a fluidos biológicos verifica-se que nos trabalhadores sinistrados existia imunidade para o VHB em 85.7% (n=144) dos casos, um valor não muito diferente ao encontrado na literatura (6) (27). Este valor é expetável tendo em conta a elevada prevalência de esquema de vacinação completo (≥ 3 doses de vacina) dos sinistrados (n=157, 93.5%). A discrepância entre os vacinados com pelo menos um esquema completo e os indivíduos imunes com AcHBs≥10 também já foi descrita na literatura e é justificada pelo facto de existirem indivíduos não respondedores à vacina, mesmo após esquema de reforço (6). O género masculino ou a existência de comorbilidades são fatores de risco para o não desenvolvimento de imunidade para a hepatite B após imunização. No entanto, estes fatores de risco referidos são pouco prevalentes na amostra em estudo (6).
A prevalência de acompanhamento e de realização de PPE para o VIH foi idêntica à de outros estudos, sendo que, naturalmente, nem todos os profissionais que realizaram acompanhamento fizeram PPE, pela ausência de profilaxia pós-exposição a VHC, ou pela perda do timing para o início da mesma (6) (21). Uma vez mais, será importante a realização de ações de formação e sensibilização para a importância da notificação atempada dos AT, de forma a ser possível realizar a PPE, pela sua importância na prevenção da transmissão de agentes biológicos. Quando considerado o mecanismo de lesão, verifica-se que, de forma idêntica a outros estudos, o mecanismo mais frequente foi a picada, com risco de exposição a sangue e resultando em lesão puntiforme (17) (21). Os AT com exposição biológica raramente resultaram em ITA, tal como se verificou em outros estudos (16).
CONCLUSÃO
Os trabalhadores que sofreram AT no Hospital Central em análise têm caraterísticas descritivas idênticas a outros estudos com características similares em Portugal, sendo que, aparentemente o pico de internamentos durante a pandemia pode ter tido impacto na incidência dos acidentes notificados. O presente estudo revela que se deverá reforçar junto dos PS do Hospital a importância da notificação dos AT menos graves ao Serviço de Saúde Ocupacional, para que sejam tomadas medidas de forma a minimizar estes eventos. Concomitantemente, atendendo às caraterísticas dos sinistros existentes no Hospital, dever-se-ão tomar medidas na sua prevenção. Algumas medidas preventivas para os acidentes mecânicos poderão ser a utilização de calçado adequado, a melhoria das infraestruturas do Hospital e a aquisição de material e equipamento para a mobilização de cargas. Considerando os acidentes com exposição a fluidos biológicos, as medidas a implementar deverão ser dirigidas principalmente aos profissionais que iniciaram funções, devendo incluir a promoção de ações formativas com componente prática para melhoria da destreza técnica, a aprendizagem de técnicas preventivas e a sensibilização para os riscos biológicos, incluindo a importância e limitações temporais para a realização da PPE. Não foram identificadas associações entre vários fatores de risco e a existência de ITA ou ITP, apesar de vários fatores estarem descritos na literatura como predisponentes a maior gravidade dos AT. Recomendam-se mais estudos (com uma população-alvo maior, maior espaço temporal e, eventualmente, estudos longitudinais) para demonstrar se existem fatores predisponentes à existência de incapacidade para o trabalho após um AT.