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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.16  Gondomar dez. 2023

https://doi.org/10.31252/rpso.21.10.2023 

Artigo Original

ACIDENTES DE TRABALHO EM HOSPITAL CENTRAL: UMA VISÃO HOLÍSTICA

WORK ACCIDENTS IN A CENTRAL HOSPITAL: A HOLISTIC VIEW

S Miguel, Colheita, informatização e análise de dados, redação do artigo, análise crítica do conteúdo científico do artigo atendendo à sua pertinência e importância1 
http://orcid.org/0009-0006-3368-3276

M Garcia, Colheita, informatização e análise de dados, redação do artigo, análise crítica do conteúdo científico do artigo atendendo à sua pertinência e importância2 
http://orcid.org/0000-0001-6005-6848

A Cunha, Colheita, informatização e análise de dados, redação do artigo, análise crítica do conteúdo científico do artigo atendendo à sua pertinência e importância3 

1Interno de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Hospital Garcia de Orta. MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Rua Adolfo Manuel Gambóias,1, 2D, 2840-596, Seixal

2Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Hospital Garcia de Orta. 2805-267 Almada

3Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Hospital Garcia de Orta. 2955-029 Pinhal Novo


RESUMO

Introdução

Em todo mundo os trabalhadores estão expostos a riscos no local de trabalho, podendo resultar em acidentes. Os hospitais são ambientes ricos em perigos e, por isso, com maior probabilidade de ocorrerem Acidentes de Trabalho com consequentes lesões músculo-esqueléticas ou com risco de transmissão de agentes biológicos.

Objetivos

Conhecer as caraterísticas dos acidentes em contexto laboral que ocorrem num Hospital Central. Ao descrever e analisar os mesmos, é possível fazer uma adequada avaliação de risco, permitindo no futuro adotar medidas preventivas que reduzam ou eliminem os perigos existentes em meio hospitalar.

Materiais e métodos

Estudo observacional, transversal, descritivo e analítico. Como instrumento de recolha foi utilizada uma base de dados existente no Serviço de Saúde Ocupacional de um Hospital Central, com informação relativa aos Profissionais de Saúde acidentados. Foram selecionados apenas os acidentes mecânicos ou com exposição a agentes biológicos. Foi testada a normalidade das distribuições e aplicados os testes do Qui Quadrado, Fisher ou Mann-Whitney, sendo considerado o nível de significância para rejeição da hipótese nula de 5%.

Resultados

Foram analisados um total de 265 Acidentes de Trabalho: 36.2% classificaram-se como mecânicos e os restantes como biológicos. Os grupos com maior número de sinistrados foram os Enfermeiros (49.4%) e com idades entre os 21 e os 30 anos (36.2%). De janeiro a março de 2021 registou-se o maior pico de acidentes (n=51) e o tempo mediano desde a admissão até a ocorrência de acidentes foi inferior nos que tiveram exposição a fluidos biológicos, comparativamente com os mecânicos. A atribuição de Incapacidade Temporária Absoluta aos sinistrados foi de 84.5%, destacando-se ainda que não existiram associações entre variáveis independentes e a atribuição de incapacidade temporária (absoluta ou parcial).

Discussão e conclusões

As características da população que sofreu Acidentes de Trabalho no Hospital Central em análise é idêntica à de outros estudos. Durante o pico de internamentos na pandemia COVID-19, o número de acidentes no Hospital aumentou, sugerindo que a pandemia e a elevada carga de trabalho associada podem ser uma possível causa. A elevada incidência de acidentes com exposição a fluidos biológicos, em profissionais com menos experiência, pode estar relacionada com a pouca destreza no manuseio de materiais e equipamentos e a elevada atribuição de Incapacidade Temporária Absoluta pode-se atribuir à baixa notificação de acidentes menos graves. Assim, o Serviço de Saúde Ocupacional deverá interceder junto dos Profissionais de Saúde para promover a notificação de acidentes, particularmente os menos graves que são frequentemente desvalorizados, permitindo tomar medidas para minimizar esses eventos. Será importante reforçar medidas preventivas que, considerando as características dos acidentes, poderão ser a utilização de equipamentos ou materiais para mobilização de cargas, utilização de calçado adequado, melhoria das infraestruturas do Hospital, sensibilização para os riscos existentes e, especialmente em acidentes com exposição a fluidos biológicos, formação para melhoria das capacidades técnicas dos profissionais no manuseio de materiais e equipamentos. Não foram identificados preditores para a existência de incapacidade temporária após Acidente de Trabalho, recomendam-se estudos com uma população-alvo maior, maior espaço temporal e, eventualmente, estudos longitudinais para identificar eventuais associações.

PALAVRAS-CHAVE: Lesões músculo-esqueléticas; Agentes biológicos; Acidentes de Trabalho; Avaliação de risco; COVID-19.

ABSTRACT

Introduction

All over the world, workers are exposed to hazards in the workplace, which can result in accidents. Hospitals are environments rich in dangers and, therefore, Work accidents are more likely to occur with subsequent musculoskeletal injuries, or risk of transmission of biological agents.

Objectives

To know the characteristics of accidents in the work context that occur in a Central Hospital. By describing and analyzing them, it is possible to make an adequate risk assessment, allowing in the future to adopt preventive measures that reduce or eliminate the existing dangers in the hospital environment.

Materials and methods

Observational, cross-sectional, descriptive and analytical study. As a data collection instrument, a database belonging to the Occupational Health Service of a Central Hospital, with information on injured Health Professionals, was used. Only mechanical accidents or those with exposure to biological fluids were selected. The normality of the distributions was tested and the Chi-Square, Fisher or Mann-Whitney tests were applied, considering the significance level for rejection of the null hypothesis of 5%.

Results

A total of 265 Work Accidents were analyzed, 36.2% mechanical and the remaining with exposure to biological fluids. The groups with the highest number of victims were the nurses (49.4%) and aged between 21 and 30 years (36.2%). Between January and March 2021 there was a peak in the number of accidents (n=51) and the median time from admission to the occurrence of the accident was lower in those who had exposure to biological fluids compared to mechanical ones. The attribution of Absolute Temporary Disability to the victims was 84.5%, highlighting that there were no associations between independent variables and the attribution of temporary disability (absolute or partial).

Discussion and conclusions

The characteristics of the population that suffered Work Accidents at the Central Hospital under analysis is identical to those of other studies. During the peak of hospitalizations in the COVID-19 pandemic, the number of accidents in the Hospital increased, suggesting that the pandemic and the associated high workload may be a possible cause. The high incidence of accidents with exposure to biological fluids, in professionals with less experience, may be related to the lack of dexterity in the handling of materials and equipment and the high attribution of Absolute Temporary Incapacity can be attributed to the low notification of less serious accidents. In this way, the Occupational Health Service should intercede with the Health Professionals to promote the notification of accidents, particularly the less serious ones that are often devalued, allowing to take measures to minimize these events. It will be important to strengthen preventive measures, which, considering the characteristics of accidents, may be the use of equipment or materials for the mobilization of loads, use of appropriate footwear, improvement of the Hospital's infrastructures, awareness of existing risks and, especially in accidents with exposure to biological fluids, training to improve the technical skills of professionals in the handling of materials and equipment. No predictors were identified for the existence of temporary disability after a Work Accident, studies with a larger target population, an increase in time span and, eventually, longitudinal studies to identify possible associations are recommended.

KEY WORDS: Musculoskeletal Injuries; Biological Agents; Work Accidents; Risk Assessment; COVID-19.

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo existem 2.9 biliões de trabalhadores expostos a fatores de risco nos seus locais de trabalho. Esta população é constituída por pessoas economicamente ativas (15 anos ou mais) que trabalham para terceiros, por conta própria ou que produzem bens para a sua subsistência. Tanto o trabalho formal como o trabalho informal estão incluídos nesta população (1).

O trabalho é benéfico para o Homem enquanto ser social, podendo, no entanto, ser também prejudicial à sua saúde quando envolve exposição a fatores de risco de diferentes naturezas (1) (2).

A noção de fator de risco está associada ao perigo e constitui a componente intrínseca inerente ao contexto laboral capaz de provocar dano à saúde do trabalhador. O conceito de risco relaciona-se com a probabilidade de concretização desse dano e com a gravidade do mesmo, tendo em conta as condições de utilização, a exposição ou a interação com o componente material ou imaterial do trabalho perigoso (3).

Os Acidentes de Trabalho (AT) resultam da concretização desse risco, ocorrem pela combinação de um conjunto de falhas latentes e ativas acumuladas ao longo do tempo, que resultam numa cadeia de acontecimentos, culminando em acidente. São fenómenos frequentes e têm uma elevada probabilidade de causar dano aos trabalhadores, com impacto importante na qualidade de vida e capacidade de trabalho (2) (3). A redução da capacidade de trabalho pode culminar em absentismo laboral, diminuição da produtividade da empresa e encargos na substituição de mão-de-obra e na reintegração/reconversão futura do profissional (3).

Os Hospitais são ambientes ricos em fatores de risco, com tecnologia cada vez mais diversificada e avançada para responder às necessidades de saúde dos doentes, no entanto esta evolução não é centrada na saúde e segurança do trabalho dos profissionais de saúde (PS) (3). Estes estão expostos aos mais variados fatores de risco contribuindo para a ocorrência de AT e de doenças profissionais, dependendo da suscetibilidade individual de cada profissional (3) (4).

Entre os profissionais de saúde destaca-se a constante exposição a fatores de risco biológicos (3). Os agentes envolvidos incluem vírus, bactérias, parasitas ou fungos, mas nem todo o material biológico tem potencial para transmitir doenças. São várias as vias de transmissão dos agentes biológicos: dérmica (pele íntegra/não íntegra), percutânea (picada/corte), ocular, respiratória (inalação) e oral (ingestão) (4) (5).

Considerando os agentes biológicos transmissíveis por via percutânea, contacto com mucosas ou com pele não íntegra, o sangue é o produto mais infecioso. Existem outros produtos biológicos também infeciosos, tais como fluidos biológicos contendo sangue, sémen, secreções vaginais, líquido sinovial, líquido cefalorraquidiano e líquidos serosos (6). Outros produtos orgânicos, como suor, leite, lágrimas, fezes, urina ou saliva, não são considerados infeciosos, exceto se contaminados com sangue. Nestas vias de transmissão estão incluídos microrganismos do grupo 3 como o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), o Vírus da Hepatite B (VHB) e o Vírus da Hepatite C (VHC) (5).

As lesões músculo-esqueléticas (LME) relacionadas com o trabalho são as mais prevalentes em meio laboral, tendo um impacto significativo ao nível do absentismo e quebras de produtividade sendo que, os profissionais de saúde são frequentemente afetados por este tipo de lesões. Os fatores de risco mais relatados entre os PS são a aplicação da força no levantamento, manipulação e transporte de cargas, a repetibilidade de gestos e/ou movimentos ou as posturas estáticas ou extremas. As partes do corpo mais predominantemente afetadas nestes profissionais são a região lombar, cervical e membros superiores (7) (8) (9) (10).

Outros fatores de risco existentes em contexto hospitalar são a radiação ionizante e não ionizante e a exposição a agentes químicos como os detergentes, os citostáticos e o formaldeído, citando alguns dos mais frequentes (7) (11).

A avaliação destes riscos no local de trabalho deve ser contínua, sendo importante para caracterizar os diferentes níveis de risco de cada posto de trabalho (12).

Em Portugal, entre os anos de 2009 e 2010, foram contabilizados, de acordo com a Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS), 11.906 acidentes de trabalho em PS, dos quais 92.3% foram em contexto hospitalar. A principal causa de notificação de AT foi a picada por agulha (27.3%), seguida pelas quedas (23,2%) e secundária a esforços excessivos/movimentos inadequados (17.6%) (11).

O presente trabalho pretendeu analisar de forma holística os AT em contexto hospitalar, incluindo as caraterísticas da população de PS que sofreram AT (género, idade, profissão, serviço, anos de experiência), a incidência e detalhes dos mesmos, atendendo ao contexto pandémico e relacionar eventuais fatores que possam ter influenciado o seu resultado (incapacidade temporária absoluta ou parcial). Ao perceber quais as tendências no que concerne à ocorrência e gravidade dos AT é possível analisar criticamente os mesmos e realizar no futuro uma adequada avaliação do risco a nível hospitalar, cujo objetivo final será a implementação de medidas preventivas que visem a eliminação ou a redução dos fatores de risco ao mínimo e consequentemente a ocorrência de AT.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, transversal, descritivo e analítico. Como instrumento de recolha de dados foi utilizada uma base de dados existente no Serviço de Saúde Ocupacional de um Hospital Central, que incluía todos os AT mecânicos, ou com exposição a fluidos biológicos, notificados entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2022.

A população-alvo desta investigação foram todos os profissionais de saúde do Hospital em questão, independentemente da categoria profissional ou do vínculo laboral, que sofreram um AT durante o período em análise e cujo AT tenha sido notificado ao Serviço de Saúde Ocupacional tanto pelo sinistrado, como pelo Serviço de Recursos Humanos ou Companhia de Seguros.

A análise de dados foi realizada com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences®, versão 26.0. Nas análises descritivas foram utilizadas frequências absolutas (n) e relativas (%) para as variáveis categóricas, médias e desvios-padrão nas variáveis contínuas com distribuição normal, medianas e quartis nas variáveis contínuas sem distribuição normal. A normalidade das distribuições foi avaliada com o teste Kolmogorov-Smirnov para n>50 e Shapiro-Wilk para n<50. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-Quadrado, após verificação do cumprimento das regras de Cochran, ou em alternativa Teste Exato de Fisher de acordo com as recomendações de Kroonenberg e Verbeek (2018). Para comparar as variáveis contínuas foi utilizado o teste não paramétrico Mann-Whitney. O nível de significância considerado para rejeição da hipótese nula foi de 5% (13) (14).

Durante toda a investigação foi assegurada a confidencialidade de toda a informação clínica e não clínica, sendo que a investigação não apresentou custos para a instituição.

RESULTADOS

Análise global dos AT

A tabela 1 apresenta as caraterísticas da população em estudo. Foram analisados um total de 265 acidentes de trabalho, 97 (36.6%) mecânicos e 168 (63.4%) com exposição a fluidos biológicos, ocorridos maioritariamente a mulheres (n= 217, 81.9%) com idades compreendidas entre os 21-30 (n=96, 36.2%) e 31-40 (n=73, 27.5%), com média de idades de 36.8 anos. A categoria profissional que sofreu maior número de AT foi a de Enfermeiro, com quase metade das ocorrências (n=131, 49.4%). Os serviços onde ocorreram mais acidentes foram os Serviços Médicos (n=150, 56.6%). A mediana da antiguidade dos PS no Hospital até à ocorrência do AT foi de 5.0 anos, com mínimo de menos de um mês e máximo de 30 anos.

Tabela 1 Caracterização da amostra global da investigação. 

Variável Total (n=265)
Tipo de acidente
Mecânico 97 (36.6%%)
Biológico 168 (63.4%)
Género
Feminino 217 (81.9%)
Masculino 48 (18.1%)
Idade 36.8 (11.5) [19-62]
19-20 2 (0.8%)
21-30 96 (36.2%)
31-40 73 (27.5%)
41-50 44 (16.6%)
51-60 42 (15.8%)
> 60 4 (1.5%)
Sem informação 4 (1.5%)
Profissão
Assistente Operacional 62 (23.4%)
Assistente Técnico 2 (0.8%)
Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica 10 (3.8%)
Técnico Superior 5 (1.9%)
Enfermeiro 131 (49.4%)
Médico 53 (20.0%)
Serviço
Cirúrgico 65 (24.5%)
Urgência 41 (15.5%)
Médico 150 (56.6%)
Não clínico 7 (2.6%)
Tempo de trabalho até ao Acidente de Trabalho 5.0 (1.0 - 15.0) [0.1 - 30.0]

Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas

No gráfico 1 apresentam-se os dados da evolução do número de acidentes ao longo do tempo, por trimestre. De janeiro a março de 2021 registou-se um pico no número de acidentes (n=51), seguindo-se o período abril a junho de 2021 (n=43). O número de acidentes diminuiu significativamente partir de janeiro de 2022, com apenas 10 acidentes até março desse ano. Até final de 2022 esta tendência manteve-se, não se registando o pico do ano anterior.

Gráfico 1 Evolução do número de acidentes ao longo do período em estudo. 

AT mecânicos

A tabela 2 descreve os AT mecânicos que geralmente causam LME. Foram identificados 97 (36.6%) acidentes mecânicos, principalmente em profissionais do sexo feminino (n=79, 81.4%), com média de 43.5 anos. A categoria profissional a quem ocorreram mais AT mecânicos foi a de Assistente Operacional (n=39, 40.2%), seguido pela de Enfermeiro (n=32, 33.0%). Os serviços onde mais acidentes ocorreram foram o Serviço de Urgência Geral (n=17, 17.5%), o Serviço de Obstetrícia (n=9, 9.3%) e as Unidades de Cuidados Intensivos Polivalentes (n=8, 8.3%). Mais de dois terços dos acidentes ocorreram no turno da manhã (n=62,71.1%) e 35.1% (n=34) ocorreram in itinere. Quanto aos mecanismos de lesão, o mais frequente foi a queda (n=36, 37.1%), seguido de esforços excessivos/movimentos inadequados (n=20, 20.6%) e o traumatismo de uma ou várias partes do corpo (n=18, 18.6%). A maioria dos AT mecânicos foi notificada para a seguradora (90.7%).

Tabela 2 Caracterização da amostra de AT mecânicos. 

Variável Total (n=97)
Sexo
Feminino 79 (81.4%)
Masculino 18 (18.6%)
Turno no dia do acidente
Manhã 69 (71.1%)
Tarde 15 (15.5%)
Noite 4 (4.1%)
24h 2 (1.1%)
Sem informação 7 (7.2%)
In itinere
Não 62 (63.9%)
Sim 34 (35.1%)
Sem informação 1 (1.0%)
Mecanismo
Esforço excessivo/ movimentos inadequados 20 (20.6%)
Mobilização de cargas/doentes 7 (7.2%)
Traumatismo 18 (18.6%)
Queda 36 (37.1%)
Outros 15 (15.5%)
Sem informação 1 (1.0%)
Incapacidade Temporária Absoluta
Não 12 (12.4%)
Sim 82 (84.5%)
Sem informação 3 (3.1%)
Incapacidade Temporária Parcial
Não 65 (67.0%)
Sim 30 (30.9%)
Sem informação 2 (2.1%)
Tempo de trabalho até AT 13.0 (3.5-25.0) [0.5-30.0]

Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas

Nos AT mecânicos a mediana da antiguidade dos profissionais no Hospital até à ocorrência do AT foi de 13.0 anos. Considerando os períodos de Incapacidade Temporária, foi atribuída Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) à maioria dos profissionais (84.5%), na sequência do AT. A 30.9% dos profissionais foi atribuída Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com grau de incapacidade mediano de 10%, entre 5% e 40%. Na consulta de avaliação após alta do AT, 45.4% dos trabalhadores ficaram aptos para o trabalho, ao passo que 52.6% ficaram aptos condicionalmente e apenas 2.1% ficaram inaptos temporariamente, por não consolidação das lesões.

Relativamente às limitações resultantes dos AT mecânicos, verifica-se que a limitação para o trabalho mais frequentemente aplicada foi a não mobilização de cargas (n=34, 35.1%), seguida pela não permanência em ortostatismo prolongado (n=14, 14.4%), existindo outras menos frequentemente aplicadas, como a não realização de movimentos repetitivos/finos ou a evição de ritmo elevado de trabalho.

Como referido anteriormente, a incidência de ITA foi muito elevada (84.5%), sendo que, não foi possível identificar associações de variáveis independentes com a existência de ITA. De forma idêntica a Tabela 3 apresenta as associações de várias variáveis independentes com a existência de ITP, não se verificando associações estatisticamente significativas com o género (p=0.700), mecanismo de lesão (p=0.110), AT in itinere (p=0.464) ou idade (p=0.811).

Tabela 3 Associações com a ITP. 

ITP não ITP sim p-valor
Género p=0.700 (a)
Feminino 52 (80.0%) 25 (83.3%)
Masculino 13 (20.0%) 5 (16.7%)
Mecanismo p=0.110 (b)
Esforço excessivos/movimentos inadequados 13 (20.0%) 7 (23.3%)
Mobilização de cargas/doentes 7 (10.8%) 0 (0.0%)
Traumatismo 11 (16.9%) 6 (20.0%)
Queda 21 (32.3%) 15 (50.0%)
Outros 13 (20.0%) 2 (6.7%)
In itinere p=0.464 (a)
Não 44 (67.7%) 18 (60.0%)
Sim 21 (32.3%) 12 (40.0%)
Idade 44.0 (33.0-52.5) 46.0 (37.0-51.0) p=0.811 (c)

(a) teste qui-quadrado, (b) teste Fisher, (c) teste Mann-Whitney; Resultados não incluem valores omissos

AT com exposição a fluidos biológicos

A tabela 4 apresenta a descrição dos AT com exposição a fluidos biológicos. Foram identificados 168 (63.4%) acidentes, a maior parte ocorridos em profissionais do género feminino (n=138, 82.1%), com idades entre os 21 e os 30 anos (n=85, 50.6%) e média de idade de 33.0 anos, sendo na sua maioria Enfermeiros (n=94, 56.0%).

Tabela 4 Caracterização da amostra de acidentes de trabalho relacionados com risco biológico. 

Variável Total (n=168)
Sexo
Feminino 138 (82.1%)
Masculino 30 (17.9%)
Turno no dia do acidente
Manhã 88 (52.4%)
Tarde 45 (26.9%)
Noite 23 (13.7%)
24h 6 (3.6%)
Sem informação 7 (7.2%)
Tipo de acidente
Contacto com pele não integra 1 (0.6%)
Corte/ picada ou outro corto-perfurante 19 (11.3%)
Picada com agulha maciça 8 (4.8%)
Picada com agulha oca 112 (66.7%)
Projeção para as mucosas 16 (9.5%)
Outro 10 (6.0%)
Sem informação 2 (1.2%)
Fluido
Sangue 155 (92.3%)
Outro 9 (5.4%)
Sem informação 4 (2.4%)
Lesão
Sem lesão 18 (10.7%)
Ferida incisiva 18 (10.7%)
Punctiforme 121 (72.0%)
Outro 7 (4.2%)
Sem informação 4 (2.4%)
Vacinação HBV
2 doses 3 (1.8%)
3 doses 131 (78.0%)
+ 3 doses 26 (15.5%)
Sem informação 8 (4.8%)
AcHBs
< 10 UI/L 17 (10.1%)
≥ 10UI/L 144 (85.7%)
Sem informação 7 (4.2%)
Tempo de trabalho até AT 3.5 (1.3-7.7) [0.5-12]

Resultados apresentados no formato n(%) para variáveis categóricas e Med (Q1-Q3) [min-max] para variáveis contínuas

Os três serviços onde mais AT com risco biológico ocorreram foram as enfermarias de Medicina Interna (n=34, 20.2%), Serviço de Urgência Geral (n=25, 14.9%) e as enfermarias de Cirurgia Geral (n=17, 10.1%). O turno onde ocorreram mais acidentes deste tipo foi o da manhã (n=88, 52.4%). Em 93.5% (n=165) dos AT o sinistrado tinha concluído o esquema vacinal para Hepatite B e existia imunidade para a doença (Anticorpo contra o Antigénio de Superfície do Vírus da Hepatite B (AcHBs) ≥ 10UI/L) em 85.7% (n=144) dos casos. A fonte foi positiva em 8.9% (n=15) dos acidentes para o Antigénio de Superfície da Hepatite B (AgHBs), em 3.6% (n=6) dos acidentes para o VHC e em 10.1% (n=17) dos acidentes para o VIH. A prevalência da realização de profilaxia pós-exposição (PPE) para o VIH foi de 14.9% (n=25) e do acompanhamento dos PS foi de 25.0% (n=42).

DISCUSSÃO

A maior incidência de AT recaiu no género feminino, nas faixas etárias dos 21-40 anos, achados semelhantes a outros hospitais em Portugal e expetáveis, atribuindo-se também à idade mais produtiva o maior número de AT (15) (16) (17) (18).

As categorias profissionais mais afetadas pelos AT também são idênticas às de outros estudos sendo que os Enfermeiros e os Assistentes Operacionais foram os trabalhadores mais afetados (16) (19). Este facto pode ser explicável pelas tarefas atribuídas a estas categorias profissionais, que envolvem a mobilização de cargas, a realização de movimentos repetitivos, a manutenção de posturas não neutras/extremas/de desconforto ou a exposição a fluidos biológicos (17) (19). À semelhança de outros estudos, os Serviços Médicos são os que têm maior número de AT, resultados justificáveis pelo tipo de tarefas realizadas e pela maior carga de trabalho (20) (21). Verifica-se, ainda, que estes ocorreram sobretudo no turno da manhã, de forma idêntica a outros estudos, facto que pode ser atribuído ao maior número de profissionais que trabalham no turno da manhã e, uma vez mais, à maior carga de trabalho (16) (20).

Quando analisado o tempo de serviço até à ocorrência do AT, verificou-se que a antiguidade mediana na globalidade dos acidentes foi de 5 anos, sendo que, no caso dos acidentes com exposição a fluidos biológicos foi de apenas 3,5 anos e no caso dos acidentes mecânicos foi de 13 anos. Os AT com exposição a fluidos biológicos ocorreram em trabalhadores com menos experiência profissional, indicando que estes AT podem ter uma relação inversa com a experiência adquirida, uma vez que a destreza para manusear os materiais corto-perfurantes, assim como o domínio de algumas técnicas preventivas, requerem maior tempo de aprendizagem (5) (16) (18).

A incidência dos AT não é superior a outros estudos em hospitais centrais, exceção feita ao ano de 2021, ano em que existiram maior número de AT (15). Foi em 2021 que aconteceu um maior número de internamentos por Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) a nível nacional. Analisando o gráfico 2 verifica-se um padrão idêntico na incidência dos acidentes à mesma época, podendo existir relação entre a variação dos internamentos COVID-19 a nível nacional e a incidência de AT no Hospital Central em análise. O aumento do ritmo de trabalho, a realização de turnos extra e a realização de horas extra são fatores de risco conhecidos para a ocorrência de AT (23) (24). Este contexto reduz o período de descanso dos profissionais o que afeta o estado de alerta, a execução de tarefas e as funções cognitivas, resultando em aumento do risco de AT (10) (22) (23) (24).

Gráfico 2 Evolução de internamentos COVID-19 desde abril de 2020 até outubro de 2022. 

Analisando a causa dos AT mecânicos, verifica-se que, as quedas, a realização de movimentos inadequados ou os esforços excessivos são as causas mais frequentes, como descrito na literatura (15) (16) (17). Destaca-se também que uma elevada percentagem dos trabalhadores teve ITA, valores superiores aos encontrados em outros estudos (16) (19). Uma explicação possível para este resultado poderá ser o facto de os acidentes menos graves muitas vezes não serem comunicados ao Serviço de Saúde Ocupacional/Higiene e Segurança. Destaca-se ainda que uma elevada percentagem dos trabalhadores ficou com aptidão condicionada para o trabalho (muitas vezes devido à existência de ITP ou Incapacidade Permanente Parcial) tendo-se procedido à adaptação do posto de trabalho, permitindo o retorno gradual do trabalhador às suas funções habituais. Considerando os mecanismos de lesão mais frequentes verifica-se a necessidade de tomar medidas preventivas de acidentes como o aconselhamento para utilização de calçado adequado, promoção de ações de formação e sensibilização, aquisição de material para mobilização de cargas, nomeadamente para doentes acamados, ou medidas estruturais como a melhoria de infraestruturas no Hospital (19) (25).

Não foram identificadas associações entre as variáveis independentes (género, mecanismo de lesão, idade, ou ocorrência in itinere) e a atribuição de ITA ou ITP, no entanto, a literatura descreve que fatores como a idade, a existência de comorbilidades, ou o status socioeconómico estão associados a maior gravidade dos AT (26).

Analisando a incidência dos AT com exposição a fluidos biológicos verifica-se que nos trabalhadores sinistrados existia imunidade para o VHB em 85.7% (n=144) dos casos, um valor não muito diferente ao encontrado na literatura (6) (27). Este valor é expetável tendo em conta a elevada prevalência de esquema de vacinação completo (≥ 3 doses de vacina) dos sinistrados (n=157, 93.5%). A discrepância entre os vacinados com pelo menos um esquema completo e os indivíduos imunes com AcHBs≥10 também já foi descrita na literatura e é justificada pelo facto de existirem indivíduos não respondedores à vacina, mesmo após esquema de reforço (6). O género masculino ou a existência de comorbilidades são fatores de risco para o não desenvolvimento de imunidade para a hepatite B após imunização. No entanto, estes fatores de risco referidos são pouco prevalentes na amostra em estudo (6).

A prevalência de acompanhamento e de realização de PPE para o VIH foi idêntica à de outros estudos, sendo que, naturalmente, nem todos os profissionais que realizaram acompanhamento fizeram PPE, pela ausência de profilaxia pós-exposição a VHC, ou pela perda do timing para o início da mesma (6) (21). Uma vez mais, será importante a realização de ações de formação e sensibilização para a importância da notificação atempada dos AT, de forma a ser possível realizar a PPE, pela sua importância na prevenção da transmissão de agentes biológicos. Quando considerado o mecanismo de lesão, verifica-se que, de forma idêntica a outros estudos, o mecanismo mais frequente foi a picada, com risco de exposição a sangue e resultando em lesão puntiforme (17) (21). Os AT com exposição biológica raramente resultaram em ITA, tal como se verificou em outros estudos (16).

CONCLUSÃO

Os trabalhadores que sofreram AT no Hospital Central em análise têm caraterísticas descritivas idênticas a outros estudos com características similares em Portugal, sendo que, aparentemente o pico de internamentos durante a pandemia pode ter tido impacto na incidência dos acidentes notificados. O presente estudo revela que se deverá reforçar junto dos PS do Hospital a importância da notificação dos AT menos graves ao Serviço de Saúde Ocupacional, para que sejam tomadas medidas de forma a minimizar estes eventos. Concomitantemente, atendendo às caraterísticas dos sinistros existentes no Hospital, dever-se-ão tomar medidas na sua prevenção. Algumas medidas preventivas para os acidentes mecânicos poderão ser a utilização de calçado adequado, a melhoria das infraestruturas do Hospital e a aquisição de material e equipamento para a mobilização de cargas. Considerando os acidentes com exposição a fluidos biológicos, as medidas a implementar deverão ser dirigidas principalmente aos profissionais que iniciaram funções, devendo incluir a promoção de ações formativas com componente prática para melhoria da destreza técnica, a aprendizagem de técnicas preventivas e a sensibilização para os riscos biológicos, incluindo a importância e limitações temporais para a realização da PPE. Não foram identificadas associações entre vários fatores de risco e a existência de ITA ou ITP, apesar de vários fatores estarem descritos na literatura como predisponentes a maior gravidade dos AT. Recomendam-se mais estudos (com uma população-alvo maior, maior espaço temporal e, eventualmente, estudos longitudinais) para demonstrar se existem fatores predisponentes à existência de incapacidade para o trabalho após um AT.

QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

Nada a declarar.

AGRADECIMENTOS

Agradece-se a todo corpo clínico do Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital.

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Recebido: 30 de Agosto de 2023; Aceito: 17 de Setembro de 2023; Publicado: 21 de Outubro de 2023

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não existir conflito de interesses.

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