INTRODUÇÃO
A Dermatite de Contato pode ser considerada irritativa ou alérgica, sendo que frequentemente os doentes sofrem de uma combinação de ambas (1). A Dermatite de Contacto Alérgica (DCA) é uma reação de hipersensibilidade retardada (tipo IV) mediada por linfócitos T específicos do alergénio. Necessita de sensibilização prévia, sendo fatores de risco o potencial sensibilizante da substância, a forma e a dose de exposição, assim como são fatores favorecedores o uso de agentes irritantes (detergentes, solventes ou pós), alterações da barreira cutânea, características individuais e genéticas do indivíduo (2).
As Dermatites de Contato são as dermatoses ocupacionais mais frequentes (3). DCA ocupacional afeta principalmente as mãos, punhos e antebraços, mas também pode acometer outras áreas expostas, como a face e o pescoço. Para o diagnóstico de DCA ocupacional a história clínica e ocupacional é fundamental, bem como a relação dos sintomas com o trabalho e a identificação das substâncias. Os testes epicutâneos são o exame auxiliar mais importantes para o diagnóstico (4). A etapa inicial do tratamento consiste na evicção do agente, o que pode incluir o afastamento do trabalhador do seu local de trabalho. Além disso, também é importante restaurar a barreira cutânea e reduzir a inflamação da pele por meio de tratamentos múltiplos, como emolientes, corticoides tópicos ou sistémicos, anti-histamínicos, além do tratamento com agentes imunossupressores. O tratamento precoce e apropriado é importante para evitar maior deterioração e persistência das lesões na pele (3).
Este caso clínico expõe uma DCA ocupacional a várias substâncias amplamente utilizadas no setor da canalização, no qual as borrachas, colas e selantes são os materiais mais utilizados. Sabe-se que a Dermatite de Contato Irritativa por si só é fator de risco para o desenvolvimento de DCA, por perda da função de barreira da pele (5).
DESCRIÇÃO DO CASO
Homem caucasiano de 47 anos de idade, a desempenhar funções como canalizador desde há cerca de trinta anos. Trabalhador por conta própria, desempenhando parte das suas funções em França e outra parte em Portugal. Sem antecedentes pessoais de relevo. Há cerca de 17 anos iniciou um quadro de lesões eritematosas, descamativas e fissuradas no dorso de ambas as mãos e nos espaços interdigitais. Posteriormente relata aparecimento de lesões pruriginosas semelhantes na região palpebral, bilateralmente, e também na região maleolar. Segundo o trabalhador, as lesões melhoravam no período de ausência ao trabalho e agravavam com a sua atividade profissional. Refere também que inicialmente não usaria luvas durante o trabalho, lidando com tubagem de plástico, colas, vedantes e outros materiais de borracha e aço. Com o desenvolvimento das lesões começou a utilizar luvas de borracha, mas sem qualquer melhoria (o doente associou o agravamento das lesões ao aumento da transpiração das mãos). Relata também melhoria ligeira dos sintomas com a aplicação de corticoides tópicos, mas nunca resolução completa do quadro.
Inicialmente foi observado na consulta de Dermatologia onde realizou os primeiros testes epicutâneos que mostraram positividade para a Isopropil-N-Fenil 4 Fenilenodiamina (IPPD) presente no seu local de trabalho, essencialmente em borrachas escuras de uso industrial, assumindo-se assim a causalidade entre as lesões e o agente. Dada a sua situação profissional, não houve afastamento do seu posto de trabalho nem descontinuação do contato com os materiais, pelo que passado vários anos o trabalhador recorre novamente à consulta de Dermatologia por agravamento das lesões (Anexo 1).
Realizou novos testes epicutâneos, com a série padrão do Grupo Português de Estudos das Dermatites de Contato, que revelaram forte positividade às 72 horas aos seguintes alergénios: Isopropil-N-Fenil 4 Fenilenodiamina IPPD (+++), Parafenilenodiamina base PPD (++), Mistura de Tiurans (++), Colofónia (++) e Mistura de Corantes Têxteis (++) (Anexo 2). Após análise com o trabalhador, foi possível confirmar a presença destes agentes em vários materiais e ferramentas que utiliza no seu trabalho. Assim, assumiu-se o diagnóstico de DCA em contexto ocupacional, declarando-se posteriormente como doença profissional. Como o trabalhador continuou a exercer funções, optou-se por uma estratégia mais preventiva, no sentido de proteger ao máximo o trabalhador à exposição, nomeadamente com o uso de luvas interiores de algodão e luvas exteriores de vinil, além do tratamento farmacológico.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
A Dermatite de Contato Ocupacional é uma patologia associada a significativo sofrimento pessoal e profissional, associando-se a perda da capacidade de ganho e diminuição da produtividade. Uma história ocupacional detalhada, assim como o exame físico e os testes epicutâneos podem ajudar a fazer o diagnóstico, sendo que o tratamento inclui a identificação da substância e a evicção da mesma, o que muitas vezes é bastante desafiador (1). É igualmente importante estabelecer uma relação de causalidade entre a patologia e a exposição ocupacional do trabalhador, dada a possibilidade de ser caracterizada como Doença Profissional.
O Isopropil-N-Fenil 4 Fenilenodiamina foi o primeiro agente ao qual o trabalhador sensibilizou e ao qual teve a reação cutânea mais forte, é principalmente encontrado em borrachas, essencialmente de cor preta e de uso industrial. No entanto também pode ser encontrado em luvas e calçado de borracha negra (solas) e botas (galochas), máscaras faciais, fatos de mergulho e de banho, toucas, pneus, câmaras de ar, para-choques, tubos, mangueiras, ferramentas, cabos ou manípulos de borracha (6). Muitos destes materiais são de uso frequente para o trabalhador em questão.
A Parafenilenodiamina base é encontrada frequentemente nas tintas capilares, independentemente da cor, nos corantes e tintas de maquilhagem, tatuagens, graxas e tintas para calçado, têxteis e couro. Pode também ser usada como agente antioxidante para anticongelantes, combustíveis, óleos, plásticos e borracha, sendo provavelmente nestas duas últimas onde o trabalhador teve maior contato (7).
O trabalhador também reagiu à Mistura de Tiurans, usadas como aditivos no fabrico de artigos e produtos em borracha, também muito presente no seu local de trabalho, assim como nas luvas industriais de borracha, também por ele utilizadas. São também encontrados em materiais de proteção individual como calçado de borracha, vestuário impermeável, mas também em mangueiras ou ferramentas (cabos ou manípulos de borracha) (8). Neste caso em particular, o doente já apresentava sensibilização ao Isopropil-N-Fenil 4 Fenilenodiamina e por consequência eczema das mãos, como começou a utilizar luvas de proteção individual de borracha para se proteger, agravou a sensibilização anterior e acabou por adquirir nova sensibilização aos Tiurans, também presentes nas luvas. Isto evidencia que uma pele lesada é um fator de risco para o trabalhador sensibilizar-se a outros agentes, essencialmente por perda da função de barreira da pele.
Outro dos agentes sensibilizadores foi a colofónia, que é obtida a partir da resina de diferentes espécies de coníferas (em especial pinheiros, mas também abetos e outros). Na indústria pode ser encontrada nas tintas de impressão, selantes, vernizes, lacas, ceras, polimentos, colas, fitas adesivas, materiais de plastificação, materiais de impressão de fotografias, pastilhas elásticas, plasticina, tinta de cerâmicas, sabonetes, selos, linóleo ou graxas para sapatos. Também pode ser encontrada em material de uso médico, dentário e cosméticos, pelo que a importância de uma sensibilização no local de trabalho poder trazer implicações futuras quanto ao uso destes materiais em outros contextos (9).
Por último, o trabalhador também sensibilizou à mistura de corantes têxteis (mistura de oito corantes dispersos), normalmente presentes em tecidos e/ou vestuário (10). Esta sensibilização pode resultar da alergia ao IPPD e ao PDA, por reatividade cruzada. Os corantes dispersos do tipo azoico, bem como o IPPD e a PPD, têm características estruturais similares porque todos pertencem ao grupo dos derivados benzeno (presença de um grupo amino no anel benzeno na posição para) (11).
Na perspetiva da Saúde Ocupacional este caso revela-se um desafio. Trata-se de um trabalhador que desenvolveu sensibilização a múltiplas substâncias amplamente encontradas nos materiais do seu trabalho, em especial atenção para as borrachas, e que desenvolveu também alergia ao material de proteção individual que utilizava, nomeadamente as luvas de borracha, que contém IPPD, PDA e Tiurans.
A Saúde Ocupacional deve debruçar a sua atenção sobre o uso de material de proteção individual que seja mais seguro, como por exemplo a utilização de luvas de algodão interiores e luvas de vinil exteriores, dar preferência a outros tipos materiais do seu dia-a-dia que não contenham estes agentes, reduzir o tempo e a intensidade do contato, assim como o tratamento farmacológico concomitante. A participação como Doença Profissional é igualmente importante no sentido de garantir proteção social do Trabalhador, caso se determine incapacidades decorrentes da sua exposição aos agentes. Neste caso, encontramos também positividade a outros agentes por reatividade cruzada, assim como a multiplicidade de reações positivas a vários agentes, propiciada em parte por lesão continuada da pele, com perda da sua função de barreira protetora e maior risco potencial para o desenvolvimento de novas sensibilizações no futuro.