INTRODUÇÃO
O coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) é um microrganismo altamente transmissível e patogénico que surgiu no final de 2019, na cidade de Wuhan-China, causando uma pandemia que ameaçou a segurança global e a saúde pública (1). Desde então, mais de 772 milhões de pessoas em todo o mundo foram infetadas, mais de um terço dos casos reportados na Europa e mais de 6,9 milhões de mortes foram associadas (2), afetando negativamente os serviços de saúde e causando um elevado impacto económico e social (3).
Desde o sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2, e à medida que o vírus se disseminou globalmente, sofreu mutações, criando-se várias variantes (Alpha, Beta, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta, Eta, Iota, Kappa, Mu, Ómicron e Éris) e as suas linhagens/sub-linhagens surgiram e foram sequenciadas (4), permitindo o desenvolvimento de testes de diagnóstico e vacinas, assim como estratégias subsequentes para produção e comunicação de resultados úteis e oportunos para benefício da saúde pública (5).
A infeção aguda pelo SARS-CoV-2 pode ser assintomática ou causar a Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19) com gravidade leve, moderada, severa ou crítica (6). Os sintomas da fase aguda frequentemente relatados são: fadiga, dispneia, cefaleia, mialgias, artralgias, tosse, dor torácica, anosmia e/ou ageusia e diarreia (7), que começam cinco a seis dias após a exposição e duram entre um a 14 dias (8).
Embora a maioria dos indivíduos recupere alguns dias ou semanas após a infeção aguda pelo SARS-CoV-2, outros podem sofrer sintomas persistentes com potenciais consequências a médio e longo prazo ou até mesmo novos sintomas (9) (10), geralmente com impacto na sua funcionalidade diária e qualidade de vida (11). Se estes sintomas persistirem pelo menos dois meses, sem poderem ser explicados por um diagnóstico alternativo, considera-se como condição pós-COVID-19 ou Long COVID, contudo, esta condição só é diagnosticada por um profissional de saúde, pelo menos três meses após a fase aguda da infeção (11). Estima-se que pelo menos 65 milhões de indivíduos após infeção por SARS-COV-2 em todo o mundo sofrem desta condição, com uma incidência estimada de 10-30% em casos de indivíduos não hospitalizados, 50-70% casos com necessidade de internamento e 10-12% dos casos de indivíduos vacinados (10).
Apesar do sistema respiratório ser o mais afetado pela infeção por SARS-CoV-2, como consequência do seu principal modo de transmissão (gotículas respiratórias expelidas por indivíduos infetados ou inalação de aerossóis) (12), outros sistemas (como o gastrointestinal, hepatobiliar, cardiovascular, renal, endócrino (pâncreas), imunológico, reprodutor e sistema nervoso central podem ser igualmente afetados), existindo vários mecanismos hipotéticos para a patogénese da condição pós-COVID-19, como a desregulação imunológica, disbiose intestinal, autoimunidade e preparação imunológica com mimetismo molecular, coagulação sanguínea microvascular com disfunção endotelial e sinalização neurológica disfuncional (10).
Mais de duzentos sintomas foram identificados com diferentes intensidade, frequência e duração nos vários sistemas (10) (13) (14), mais frequentes do que os habitualmente observados entre indivíduos com outras infeções virais, como a gripe (14).
Vários fatores de risco (como idade avançada, sexo feminino, doenças crónicas pré-existentes e COVID-19 severa) estão associados à persistência de sintomas após infeção por SARS-CoV-2 (15) (16).
Por outro lado, a vacinação está associada à prevenção e redução da transmissão do SARS-CoV-2, redução da severidade da COVID-19 e prevenção de hospitalização e morte, assim como parece reduzir o risco de desenvolver sintomas persistentes (16) (17) (18).
Várias revisões (10) (14) (19) (20) revelaram que os sintomas persistentes relatados mais prevalentes são fadiga/astenia, dispneia, distúrbios de sono, ansiedade/depressão, tosse, anosmia/ageusia, mialgias, dor torácica, cefaleia, artralgias, perda de memória, dificuldade na concentração, palpitações e diminuição da capacidade funcional. Outro estudo (21) refere que um quarto dos indivíduos mostra pelo menos um sintoma doze meses após a infeção sintomática por SARS-CoV-2, a maioria dos quais tinha uma doença leve na fase aguda, que pode indicar que um número importante de indivíduos infetados padece de sintomas continuados.
Embora a sintomatologia persistente da infeção SARS-CoV-2 seja amplamente estudada, pouco se sabe sobre o impacto desta infeção no desempenho de atividade e participação em trabalhadores infetados.
A funcionalidade humana, baseada pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), "é entendida como um continuum de estados de saúde, e todos exibem algum grau de funcionalidade em cada domínio, no nível do corpo, da pessoa e da sociedade" (22). É também entendida como a capacidade da pessoa para realizar atividades de vida diária e participar em várias situações da vida e da sociedade, incluindo as dimensões física, emocional e cognitiva (22). A avaliação da funcionalidade é relevante para detetar situações de risco, monitorizar o declínio funcional e identificar as necessidades de intervenção, planear os cuidados e a mobilizar recursos (23).
OBJETIVOS
Analisar a persistência de sintomas aos doze meses após infeção por SARS-CoV-2 e perceção do nível de desempenho em atividades e participação em situações de vida de trabalhadores do setor industrial numa empresa da Região de Aveiro.
QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO
Qual a persistência de sintomas aos doze meses após infeção por SARS-CoV-2 e qual a perceção do nível de desempenho em atividades e participação em situações de vida de trabalhadores do setor industrial numa empresa da Região de Aveiro?
METODOLOGIA
Estudo observacional, longitudinal desenvolvido no Serviço de Saúde Ocupacional de uma unidade industrial da região de Aveiro, incluindo trabalhadores com teste nasofaríngeo para deteção SARS-COV-2 RT-PCR/TRAg positivo entre outubro de 2020 a janeiro de 2022. Após a sinalização da infeção, a Equipa de Saúde Ocupacional, através da aplicação de um questionário de autopreenchimento, recolheu informação relativa às variáveis sociodemográficas (idade, sexo, estado civil, escolaridade e tipo horário de trabalho); presença de sintomas durante a infeção por SARS-COV-2, selecionados com base na literatura sobre o tema (6) (7); existência de doença crónica e à funcionalidade percebida avaliada pela versão portuguesa da World Health Organization Disability Assessment Scale 2.0 (WHODAS 2.0 PT12) (24). A WHODAS 2.0 foi desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde como um instrumento genérico para medir o estado de saúde e a incapacidade (22). A versão curta compreende os seis domínios (cognição, mobilidade, autocuidado, convivência, atividades de vida e participação), como a versão original, mas foi reduzida a doze itens (dois por domínio) e os resultados variam de 12 pontos (maior funcionalidade) a 60 pontos.
Aos doze meses, os trabalhadores voltaram a preencher uma nova parte do questionário que incluía a lista de sintomas comuns persistentes após a infeção por SARS-CoV-2 e novamente a WHODAS 2.0 PT12.
A análise descritiva foi realizada apresentando frequências absolutas e relativas para variáveis nominais ou média e desvio padrão para variáveis quantitativas. Para a regressão logística a WHODAS 2.0 PT12 foi dicotomizada (sem limitação ou sem restrição versus com limitação ou com restrição). A análise univariada foi realizada para cada um dos preditores: idade, sexo, escolaridade, tipo de horário de trabalho, doença crónica prévia, cada sintoma persistente, sendo introduzidos no modelo multivariado aqueles que se revelaram ser estatisticamente significativos. O nível de significância foi fixado em 5% e a condução da análise foi feita com o software JASP 0,16.3 (25).
RESULTADOS
Oitenta e cinco trabalhadores contraíram infeção pelo SARS-CoV-2 no período analisado, com uma média de 36,1±9,8 anos, dos quais 57,7% (n= 49) eram casados ou em união de facto, 37,7% (n= 32) possuíam ensino superior, 61,2% (n= 52) trabalhavam em horário por turnos, 77,7% (n= 66) eram do sexo masculino e 17,7% (n=15) relataram ter uma doença crónica (Tabela 1).
Categoria | Sub-categoria | n (%) | Média ± dp |
---|---|---|---|
Idade | 36,1±9,8 anos | ||
Sexo | Masculino | 66 (77,7) | |
Feminino | 19 (22,3) | ||
Estado Civil | Solteiro/a | 32 (37,6) | |
Casado/a ou União de Facto | 49 (57,7) | ||
Divorciado/a | 4 (4,7) | ||
Escolaridade | Ensino Básico | 3 (3,5) | |
Ensino Secundário | 39 (45,9) | ||
Curso Profissional | 11 (12,9) | ||
Ensino Superior | 32 (37,7) | ||
Tipo de horário | Horário Fixo | 33 (38,8) | |
Horário por Turnos | 52 (61,2) | ||
Doença Crónica | Sim | 70 (82,3) | |
Não | 15 (17,7) |
Na avaliação inicial, a maioria dos trabalhadores (85,9%; n= 73) relataram pelo menos um sintoma durante o período de infeção. A proporção de sintomas reportados foram: fadiga (51,8%, n= 44), mialgias (49,4%, n= 42), tosse (47,1%, n= 40), cefaleia (47,1%, n= 40) e febre (41,2%, n= 35), seguidos da ageusia (34,1%, n= 29), anosmia (29,4%, n= 25), artralgia (29,4%, n= 25), dor de garganta (29,4%, n= 25), dispneia (16,5%, n= 14) e dor torácica (12,9%, n= 11) (Tabela 2).
Sintomas | Avaliação inicial, n (%) | Persistência aos 12 meses, n (%) |
---|---|---|
Ageusia | 29 (34,1) | 7 (8,2) |
Anosmia | 25 (29,4) | 6 (7,1) |
Artralgias | 25 (29,4) | 10 (11,8) |
Cefaleia | 40 (47,1) | 7 (8,2) |
Dispneia | 14 (16,5) | 3 (3,5) |
Dor de garganta | 25 (29,4) | - |
Dor torácica | 11 (12,9) | 1 (1,2) |
Fadiga | 44 (51,8) | 18 (21,2) |
Febre | 35 (41,2) | - |
Mialgias | 42 (49,4) | 6 (7,1) |
Tosse | 40 (47,1) | 5 (5,9) |
Aos doze meses após a infeção, vinte sete (31,8%) trabalhadores apresentaram pelo menos a persistência de um sintoma (Tabela 3). Dos onze sintomas relatados inicialmente nove sintomas foram persistentes aos doze meses, sendo os mais reportados a fadiga (21,2%, n= 18), artralgia (11,8%, n=10), ageusia (8,2%, n=7), cefaleia (8,2%, n=7), mialgias (7,1%, n=6) e anosmia (7,1%, n=6) (Tabela 2).
Persistência de Sintomas | n (%) |
---|---|
Sem sintomas avaliação inicial | 12 (14,1) |
0 sintomas | 46 (54,1) |
1 sintoma | 6 (7,1) |
2 sintomas | 11 (12,9) |
3 sintomas | 6 (7,1) |
4 sintomas | 4 (4,7) |
Foram também relatados outros sintomas aos doze meses, nomeadamente: dificuldade na concentração (15,3%, n=13), ansiedade (11,8%, n=10), dificuldade em organizar o pensamento (7,1%, n=6), perda de memória (8,2%, n=7), mudança de humor (7,1%, n=6), distúrbio do sono (5,9%, n=5) e palpitações (3,5%, n=3).
No período em análise, 4,7% (n=4) trabalhadores foram reinfectados pelo menos uma vez nos primeiros dozes meses após infeção por SARS-COV-2.
Relativamente ao desempenho de atividades e participação, ou seja, à funcionalidade, na avaliação inicial a média da WHODAS 2.0 foi de 19,2±8,0 (min-máx, 12,0-45,0) enquanto aos doze meses a média situou-se em 15,7±5,0 (min-máx, 12,0-33,0). Houve perceção de melhoria da funcionalidade em mais de metade dos trabalhadores (61,2%, n= 52) aos doze meses, porém 10,6% (n=9) trabalhadores mencionaram pior funcionalidade (Tabela 4).
Associações significativas para todos os itens da WHODAS 2.0 PT12 e os sintomas persistentes são descritos na Tabela 5. Os maiores valores do r2 de Nagelkerke foram obtidos para os itens ‘Concentrar‐se a fazer algo durante dez minutos?’ e ‘Tratar das suas responsabilidades domésticas?’. O sintoma persistente que surge associado a um maior número de itens do WHODAS 2.0 PT12 é a Fadiga (n=6), seguido da Cefaleia (n=5).
Item da WHODAS 2.0 PT-12 | Sintoma persistente | OR (IC95%) | valor de p | nagelkerke r2 |
---|---|---|---|---|
Ficar de pé por longos períodos, como 30 minutos? | Fadiga | 5,25 (1,58;17,44) | 0,007 | 0,257 |
Artralgia | 5,17 (1,06;25,13) | 0,042 | ||
Tratar das suas responsabilidades domésticas? | Fadiga | 4,97 (1,47;16,87) | 0,010 | 0,280 |
Cefaleia | 11,92 (1,21;118,00) | 0,034 | ||
Aprender uma nova tarefa, por exemplo, aprender o caminho para um novo lugar? | Cefaleia | 8,89 (1,61;49,16) | 0,012 | 0,210 |
Tosse | 9,17 (1,23;68,23) | 0,030 | ||
Participar em atividades na comunidade da mesma forma que qualquer outra pessoa? | Cefaleia | 15,23 (2,62;88,46) | 0,002 | 0,185 |
Emocionalmente afetado pela sua condição de saúde? | Cefaleia | 6,36 (1,15;35,27) | 0,034 | 0,081 |
Concentrar‐se a fazer algo durante dez minutos? | Fadiga | 17,33 (4,42;68,00) | <0,001 | 0,325 |
Andar uma distância longa como um quilómetro (ou equivalente)? | Fadiga | 11,16 (3,21;38,75) | <0,001 | 0,258 |
Lavar todo o corpo | Mialgias | 9,38 (1,30;67,43) | 0,026 | 0,117 |
Vestir‐se | Doença crónica | 2,52 (1,68;64,52) | 0,012 | 0,198 |
Tosse | 2,27 (1,45;152,85) | 0,023 | ||
Lidar com pessoas que não conhece | Fadiga | 6,86 (2,03;23,12) | 0,002 | 0,177 |
Manter uma amizade | Cefaleia | 11,00 (1,90;63,00) | 0,007 | 0,155 |
Trabalho/escola do dia‐a‐dia | Fadiga | 10,10 (2,54;39,88) | 0,001 | 0,283 |
Doença crónica | 3,05 (1,08;8,56) | 0,035 |
A presença de doença crónica foi associada aos itens: ‘Vestir‐se’ (β= 2,52, IC95%: 1,68; 64,52, p = 0,012) e ao ‘Trabalho/escola do dia‐a‐dia’ (β= 3,05, IC95%: 1,08; 8,56, p = 0,035) (Tabela 5).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo indica que a maioria dos trabalhadores ficaram sintomáticos após contraírem infeção por SARS-CoV-2, reportando a fadiga, mialgia, tosse, cefaleia e febre como sintomas mais frequentes, o que vai de encontro às revisões de Hu et al (1) e de Talukder et al (7).
Aos doze meses, mais de um terço relatam a persistência de pelo menos um sintoma da fase aguda da infeção, resultado aproximado da revisão de Davis et al (10), que menciona uma incidência estimada de 10-30% dos casos, bem como dos resultados relatados na revisão sistemática de Han et al. (26) quando considerado o período de análise aos doze meses.
Similar ao referenciado na literatura (10) (14) (26) (20), neste estudo a fadiga foi o sintoma persistente mais relatado e a cefaleia, mialgia, artralgia e anosmia/ageusia comumente mencionados. A fadiga é particularmente prevalente após infeções por coronavírus (27), podendo evoluir para síndrome de fadiga crónica, estando associada a polimorfismos em genes que codificam IFN-γ, IL-10, IL-6 e fator de necrose tumoral-α (27). A reativação de vírus latentes após infeção por SARS-CoV-2, particularmente o Vírus Epstein-Barr, citomegalovírus humano e herpesvírus humano 6A e B podem potencialmente causar sintomas que têm sido associados à condição pós-COVID-19, como mialgias, fadiga e disfunção neurocognitiva (10) (27).
Salienta-se que, apesar da dispneia ser outro sintoma persistente frequentemente relatado na literatura (10) (20) (26), não se verificou neste estudo (n = 3; 3,5%).
Assim como mencionado na revisão de Ma et al. (28), os adultos com infeção assintomática por SARS-CoV-2 podem vir a desenvolver sintomas a longo prazo, porém com um menor risco e frequência do que aqueles que foram sintomáticos na fase aguda da infeção.
As reinfeções por SARS-CoV-2 são comuns (10), evidenciando que certas respostas imunológicas em indivíduos com condição pós-COVID-19, incluindo baixos níveis de anticorpos protetores (29) e níveis elevados de autoanticorpos, podem sugerir um aumento da suscetibilidade à reinfeção (10).
Foram relatados outros sintomas aos doze meses que não foram mencionados na fase aguda, à semelhança de um estudo prévio (30) e revisões da literatura (10) (19) (20). De acordo com Rass et al (30), Davis et al (10) e Nalbandian et al (19) estes sintomas designados como neurocognitivos e neuropsiquiátricos podem surgir devido à infeção sistémica, neuroinflamação, lesão dos vasos sanguíneos por coagulopatia e disfunção endotelial e lesão dos neurónios, favorecendo o declínio cognitivo ou mesmo a neurodegeneração após infeção por SARS-CoV-2, surgindo semanas após a infeção aguda (27). Da mesma forma, as palpitações podem surgir pela inflamação miocárdica (10).
Não havendo conhecimento dos valores normativos para o WHODAS 2.0 - PT12 na população portuguesa, o valor médio obtido na autoperceção da funcionalidade revela a existência de algumas limitações nas áreas de atividade atividades de vida diária e participação em várias situações da vida e da sociedade após infeção por SARS-CoV-2, mas com melhoria da funcionalidade percebida doze meses após.
Sendo a fadiga um estado de constante cansaço que reduz a energia, a motivação e a concentração do indivíduo, a causa provável da sua persistência após a infeção por SARS-CoV-2 deve-se a uma falha de comunicação nas vias de resposta inflamatória. Também uma série de fatores centrais, periféricos e psicológicos influenciam a persistência deste sintoma (31), podendo influenciar o ‘Ficar de pé por longos períodos’ e ‘Andar uma distância longa, o ‘Concentrar‐se a fazer algo’ e ‘Lidar com pessoas que não conhece’, assim como o ‘Tratar das suas responsabilidades domésticas’ e ‘Trabalho/escola do dia‐a‐dia’, como associado neste estudo.
As infeções por coronavírus são geralmente associados ao sintoma artralgia, em que a infeção por SARS-CoV-2 pode causar uma inflamação das articulações ou uma recorrência da uma doença reumática prévia, especialmente em alguns subconjuntos, como artrite inflamatória e vasculite associada ao citoplasma de antineutrófilos (ANCA) (32) e as citocinas inflamatórias levam ao aumento da reabsorção óssea por interação com o fator nuclear kappa B-RANK-RANKL e podem causar osteoporose (32), podendo limitar ‘Ficar de pé por longos períodos’.
Na mesma linha, a mialgia surge também devido à inflamação, mediada pela interleucina-6 (32), proteólise das fibras musculares com diminuição da síntese proteica leva a danos musculares devido ao aumento das citocinas inflamatórias (32) e parcialmente explicada pela infeção direta pelo SARS-CoV-2 do músculo esquelético através do recetor da enzima de conversão de angiotensina 2, resultando em inflamação das fibras musculares e junções neuromusculares (33), o que pode limitar os movimentos como ao ‘Lavar todo o corpo’ como constatado neste estudo.
A Cefaleia pode provir da desregulação talâmica (27), ou da infeção sistémica relacionado à “tempestade de citocinas”, que além de ativar as células gliais representa um risco substancial para o cérebro e aumenta a probabilidade de manifestações neurológica (31). A invasão do tecido pulmonar pelo SARS-CoV-2 pode produzir, através de distúrbios de troca gasosa alveolar, hipóxia cerebral e cefaleia devido à isquemia, edema e congestão cerebral. Também a invasão direta do Sistema Nervoso Central pelo SARS-CoV-2 pode dar origem à cefaleia (32). Sendo assim, a persistência deste sintoma como verificado neste estudo, pode condicionar a maneira como o indivíduo consegue ‘Tratar das suas responsabilidades domésticas’, assim como ‘Aprender uma nova tarefa’ ou ‘Participar em atividades na comunidade’, ficar ‘Emocionalmente afetado pela sua condição de saúde’ e ‘Manter uma amizade’.
Após esta infeção viral a tosse persistente deve-se à inflamação residual das vias aéreas, levando à sua hiperreatividade (34). O aumento do reflexo da tosse induz neurotropismo, neuroinflamação e neuroimunomodulação, através dos nervos sensoriais vagais (34), podendo estes fenómenos influenciar a capacidade cognitiva e funcional do indivíduo, dado que neste estudo o sintoma tosse foi associado a ‘Aprender uma nova tarefa’ e Vestir‐se’.
Também a presença de doença crónica prévia está associada na literatura (9) (27) a um processo de recuperação longo, assim como à persistência de diferentes sintomas, o que pode explicar a dificuldade sentida por estes trabalhadores em manter a sua rotina diária como ‘Vestir‐se’ e ir ao ‘Trabalho/escola do dia‐a‐dia’. Torna-se importante tentar entender como os trabalhadores que relataram ter dificuldades em desempenhar estas atividades e participação em situações de vida fizeram os ajustes necessários para cumprir com as suas obrigações sociais e profissionais. Nesse caso, a articulação entre o serviço de saúde ocupacional e a gestão de recursos humanos pode ajudar a prevenir possíveis situações de perda de eficiência na produção e diminuição do bem-estar destes trabalhadores.
Existem algumas limitações neste estudo, como o risco de viés na seleção dos trabalhadores, porque nem todos os casos de infeção por SARS-CoV-2 são sintomáticos, podendo não ter sido diagnosticados os trabalhadores assintomáticos não testados. O viés da informação clínica, pois não foi incluído o registo da gravidade da infeção na fase aguda, o tratamento farmacológico prescrito, a necessidade de hospitalização e adesão à vacinação.
Em futuras investigações, no âmbito da funcionalidade, sugere-se comparar a funcionalidade dos trabalhadores sintomáticos com assintomáticos, assim como a persistência de sintomas consoante a gravidade da infeção na fase aguda e a repercussão das reinfeções.
CONCLUSÕES
Constatou-se que a maioria dos trabalhadores foram sintomáticos após contraírem infeção por SARS-CoV-2, e mais de um terço experienciou persistência de sintomatologia aos doze meses após recuperação da fase aguda, com repercussão na autoperceção do desempenho de algumas atividades e participação em situações de vida.
A persistência de alguns sintomas após infeção por SARS-CoV-2, nomeadamente fadiga, artralgia, mialgias e cefaleia podem modular a capacidade laboral do trabalhador, pela redução da sua energia e resistência ao esforço físico, assim como limitações na mobilidade e concentração pela dor frequente, podendo causar uma redução da sua eficiência e diminuição da produtividade na execução das suas atividades laborais.
Por conseguinte, a Equipa de Saúde Ocupacional deve realizar a vigilância da saúde do trabalhador após infeção pelo SARS-CoV-2, promovendo a monitorização ativa e contínua da persistência dos sintomas, assim como a sua aptidão para o trabalho. Poderá também implementar um programa de reabilitação individualizado, adaptado às necessidades de saúde e recuperação de cada trabalhador, que minimize o impacto da persistência dos sintomas desta infeção no seu desempenho laboral, assim como, nas atividades e participação em situações de vida.
Salienta-se a importância da articulação entre a equipa de saúde ocupacional e o departamento de gestão dos recursos humanos da empresa, dada a necessidade de possíveis adaptações das atividades laborais e/ou ergonómicas no posto de trabalho, pausas regulares e flexibilidade de horário para estes trabalhadores, que otimize o seu desempenho laboral e que previna ou reduza o absentismo.