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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.17  Gondomar jun. 2024

https://doi.org/10.31252/rpso.10.02.2024 

Artigo Original

AVALIAÇÃO DOS FATORES DE RISCO PSICOSSOCIAIS EM PROFISSIONAIS DE SAÚDE NUM CENTRO HOSPITALAR CENTRAL

EVALUATION OF PSYCHOSOCIAL RISK FACTORS IN HEALTHCARE PROFESSIONALS IN A CENTRAL HOSPITAL CENTER

M Claudino, Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, desenho e elaboração do artigo, pesquisa e revisão bibliográfica, revisão do manuscrito1 

S Pinote, Psicóloga do Serviço de Saúde Ocupacional, desenho e elaboração do artigo, revisão do manuscrito2 

M Manzano, Assistente Graduada Sénior de Medicina do Trabalho, Diretora do Serviço de Saúde Ocupacional do CHULC, EPE, Lisboa, Consultora da DGS para a Saúde Ocupacional, doutorada, desenho e elaboração do artigo, revisão do manuscrito3 

1Médica interna do 4º ano de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Serviço de Saúde Ocupacional - Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. R. José António Serrano, 1150-199 Lisboa

2Psicóloga do Serviço de Saúde Ocupacional do Centro Hospitalar de Lisboa Central. 1169-050 Lisboa

3Assistente Graduada Sénior de Medicina do Trabalho; Diretora do Serviço de Saúde Ocupacional do CHULC, EPE, Lisboa; Consultora da DGS para a Saúde Ocupacional; doutorada pela Faculdade de Medicina de Budapeste sobre o papel dos fotorrecetores não visuais na regulação dos ritmos circadianos e circanuais1169-050 Lisboa


RESUMO

Introdução

O trabalho pode ser um fator protetor ou de risco para a saúde mental, dependendo de estratégias individuais e organizacionais. Para além dos estudos apontarem os profissionais de saúde como um grupo de maior risco neste âmbito, nos exames de Medicina do Trabalho destes profissionais verifica-se maior frequência de patologia psiquiátrica.

Objetivos

O principal objetivo do artigo é identificar os fatores de risco psicossociais ocupacionais presentes no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central e relacioná-los com dimensões laborais, polo hospitalar, experiência profissional, categoria profissional e serviços hospitalares.

Metodologia

Existindo uma psicóloga exclusiva no Serviço de Saúde Ocupacional do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, desenvolveu-se em parceria com a Ordem dos Psicólogos o “Projeto Avaliar, Refletir e Agir” ao longo de quatro fases, distribuindo o questionário Copenhagen Psychosocial Questionnaire aos seus profissionais. A metodologia escolhida passou por sensibilizar os trabalhadores e respetivas chefias para a temática dos FRPS, avaliar e recomendar estratégias preventivas e corretivas neste âmbito.

Resultados

Os resultados demonstram como mais relevantes as dimensões da severidade face aos ritmos de trabalho e as exigências cognitivas e emocionais, apresentando-se como fatores protetores a autoeficácia, o significado do trabalho e a transparência do papel.

Discussão/Conclusão

Com este trabalho pretende-se alertar para a necessidade de avaliação e intervenção multidisciplinar numa vertente biopsicossocial, tendo em conta o aumento de consequências na saúde mental dos profissionais de saúde; bem como fomentar a implementação de estratégias individuais e organizacionais de modo a promover ambientes de trabalho mais saudáveis.

PALAVRAS CHAVE: Fatores de Risco Psicossociais; Profissionais de Saúde; Saúde Ocupacional; Saúde Mental; Ambientes de Trabalho Saudáveis; Medicina do Trabalho.

ABSTRACT

Introduction

Work can be a protective or risk factor for mental health, depending on individual and organizational strategies. In addition to studies pointing to health professionals as a group at greater risk in this area, in Occupational Medicine medical examinations we found a higher frequency of psychiatric pathology.

Objectives

The main objective of the article is to identify occupational psychosocial risk factors in Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central and relate them to work dimensions, hospital hub, professional experience, professional category and hospital services.

Methodology

With an exclusive psychologist in the Occupational Health Service of Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, the “Evaluate, Reflect and Act Project” was developed in partnership with the Order of Psychologists over four phases, distributing the Copenhagen Psychosocial Questionnaire questionnaire to its professionals. The chosen methodology involved raising awareness among workers and their managers about the topic of FRPS, evaluating and recommending preventive and corrective strategies in this area.

Results

The results demonstrate that the dimensions of severity are more relevant in relation to work rhythms and cognitive and emotional demands, presenting self-efficacy, the meaning of work and role transparency as protective factors.

Discussion/Conclusion

This work aims to raise awareness of the need for multidisciplinary assessment and intervention from a biopsychosocial perspective, considering the increase in consequences for the mental health of health professionals and encourage to implement individual and organizational strategies to promote healthier work environments.

KEY WORDS Psychosocial Risk Factors; Health professionals; Occupational Health; Mental Health; Occupational Medicine.

INTRODUÇÃO

Atualmente as doenças mentais são uma das principais causas de morbilidade na sociedade (1). A Saúde Mental tem merecido cada vez mais destaque, pelo impacto que a sua (des)regulação demonstra a nível pessoal, social e laboral. Apenas um quarto das pessoas com perturbações mentais se encontra sob tratamento, apesar destas originarem cerca de metade dos casos de incapacidade laboral (2).

Sintomatologia do foro psíquico e quadros como síndrome depressivo, ansiedade ou burnout são cada vez mais frequentes nos trabalhadores (2). A ambiguidade do papel do trabalho permite o seu reconhecimento enquanto fonte de riscos psicossociais, bem como ferramenta para implementação de estratégias interventivas que fomentem a evicção e/ou correção desses riscos (3). É nesse contexto que surge o conceito de fatores de risco psicossociais (FRPS) ocupacionais: caraterísticas inerentes às condições e organização do trabalho que afetam a saúde dos indivíduos, através de processos psicológicos e fisiológicos. Daí advêm os riscos psicossociais no trabalho, que resultam da interação entre o indivíduo, as suas condições de vida e as suas condições de trabalho (4).

O atual mundo do trabalho pauta por elevadas exigências profissionais, com ambientes competitivos onde é frequente o recurso a horas extra e consequente sacrifício da vida pessoal e familiar. Como tal, torna-se fulcral uma correta avaliação e gestão dos riscos profissionais, assegurando ambientes de trabalho saudáveis e em que a proteção e promoção da saúde dos trabalhadores resguardem e valorizem a capacidade de trabalho a longo prazo (5).

Existe uma relação diretamente proporcional entre a magnitude dos riscos psicossociais no trabalho e o aumento do absentismo laboral, diminuição da produtividade, presentismo, baixos níveis de desempenho, reduzida motivação dos trabalhadores e elevada rotatividade (6). Cabe aos Serviços de Saúde Ocupacional (SSO) estar alerta, avaliar e desenvolver planos de vigilância da saúde dos seus trabalhadores (5).

Os profissionais de saúde (PS) representam um grupo profissional exposto a múltiplos fatores de risco, incluindo FRPS. O stress ocupacional está cada vez mais presente na maioria dos locais de trabalho, mas estudos apontam que as profissões relacionadas com o cuidado do outro - como é o caso dos PS - estão mais suscetíveis aos seus efeitos negativos (6).

Os FRPS categorizam-se, primordialmente, em elevada carga e ritmos de trabalho, trabalho por turnos e/ou noturno e o contacto frequente com situações urgentes onde a vida de outrem depende da sua célere e eficaz ação (5). O desafiante ambiente de trabalho, onde vários FRPS interagem entre si, pode induzir elevados níveis de stress, com consequente desenvolvimento de perturbações mentais, como ansiedade e depressão, por vezes culminando em burnout. A pandemia COVID-19 agravou este cenário e realçou a importância de conhecermos os FRPS emergentes a que estão expostos os PS. Para tal, é fulcral ouvir adequadamente os trabalhadores; a figura do papel do psicólogo torna-se essencial e emergente neste contexto. Só assim se obtém uma visão adequada para planificar medidas preventivas, com o intuito da sua proteção e promoção da saúde mental.

O recente Despacho n.º 4765/2023, de 20 de abril, do Conselho de Ministros, aborda a avaliação dos fatores de risco psicossociais na proteção e promoção de uma Saúde Ocupacional biopsicossocial. Este documento sugere uma nova política que requer uma avaliação dos FRPS nas organizações, de forma a promover nos SSO uma abordagem mais holística do trabalhador. Neste âmbito, deverá priorizar-se a implementação de medidas de prevenção e controlo que garantam adequadas condições de trabalho aos profissionais de saúde, nomeadamente através de medidas de conforto térmico, organizacionais e de bem-estar no local de trabalho, salvaguardando uma adequada vigilância da saúde destes trabalhadores pelos SSO.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) é um centro hospitalar de referência nacional, localizado em Lisboa e composto por seis hospitais. Apresenta uma distribuição geográfica ímpar e o maior número de trabalhadores hospitalares, em Portugal. O Serviço de Saúde Ocupacional tem uma equipa multidisciplinar constituída pela diretora, administrador hospitalar, médicos especialistas e internos de Medicina do Trabalho, enfermeiros, uma psicóloga, técnicos superiores de higiene e segurança, assistentes técnicos e uma higienista oral; tem como missões a proteção e promoção da saúde e segurança dos trabalhadores e a manutenção de um ambiente de trabalho saudável e seguro.

A necessidade de gestão dos FRPS e a responsabilidade pela sua prevenção e controlo a nível laboral, bem como a reparação de danos provocados pelos mesmos, é da responsabilidade das instituições.

Nesse sentido, o SSO tem uma psicóloga exclusiva, que propôs na equipa desenvolver o “Projeto Avaliar, Refletir e Agir” (P.A.R.A.) numa parceria com a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).

Os objetivos deste projeto, para além de sensibilizar os profissionais do CHULC para a temática dos FRPS, informa a temática no sentido de transmitir conhecimentos quanto às suas consequências e respetivos métodos de gestão; pretende numa fase inicial avaliar os dados recolhidos junto dos profissionais do CHULC, através do preenchimento de um questionário e através de feedback durante as ações de sensibilização e formação; analisar estatisticamente os dados recolhidos; refletir sobre os resultados obtidos, divulgando-os internamente e agir através da dinamização de estratégias, que melhorem o atual paradigma neste âmbito.

Definiram-se quatro fases do projeto: a primeira consistiu no compromisso do Conselho de Administração, assumido na forma de assinatura do protocolo com a OPP a 23 de fevereiro de 2020. Seguiram-se o reconhecimento do(s) problema(s), através de uma campanha de sensibilização no CHULC; e a valorização do(s) problema(s) previamente identificados, por polos hospitalares e/ou áreas. Por fim, alcança-se a etapa da tomada de decisões, com a elaboração de um relatório para avaliação das necessidades e definição de intervenções.

O artigo visa identificar os FRPS presentes no CHULC e avaliá-los de forma quantitativa e qualitativa, enquadrando-os num contexto global de risco. Adicionalmente, pretende-se relacionar os resultados com as dimensões laborais dos trabalhadores do CHULC, com o polo hospitalar, com a experiência profissional, com a categoria profissional e, por fim, com os serviços hospitalares/áreas de ação do CHULC.

METODOLOGIA

Neste estudo observacional analítico transversal, a amostra da pesquisa teve como critério de inclusão ser trabalhador do CHULC. Aqui, incluem-se profissionais de saúde de diversas categorias (médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, assistentes operacionais e assistentes técnicos).

Os dados foram recolhidos através da distribuição de um inquérito. Optou-se pela versão média do inquérito Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ II), visando-se identificar de forma multidimensional os FRPS, avaliar os consequentes riscos psicossociais no CHULC e desenvolver propostas de intervenção nos trabalhadores que promovam locais de trabalho saudáveis. Para tal, foi necessária a colaboração de todos os profissionais do CHULC, independentemente da sua posição hierárquica ou serviço.

Aplicou-se a versão média do COPSOQ-II, direcionada aos profissionais de saúde, que avalia 28 dimensões ao longo de 87 questões. Este questionário é um instrumento multidimensional, medindo indicadores de exposição (riscos psicossociais) e indicadores do seu efeito (saúde, satisfação e stress). Todos os itens são avaliados numa escala tipo Likert de 5 pontos (1 - Nunca/quase nunca 2 - Raramente; 3 - Às vezes; 4 - Frequentemente e 5 - Sempre; ou 1 - Nada/quase nada, 2 - Um pouco, 3 - Moderadamente, 4 - Muito e 5 - Extremamente) (4).

As dimensões avaliadas incluem: “Exigências laborais”; “Organização do Trabalho e Conteúdos”, “Relações Sociais e Liderança”; “Interface Trabalho-Indivíduo”, “Valores no Local de Trabalho”, “Personalidade”, “Saúde e Bem Estar” e “Comportamentos Ofensivos” (8). O número de itens na versão média do COPSOQ-II em cada dimensão pode ser consultado na Tabela 1.

O questionário encontrou-se acessível através de um link inserido num QR Code para preenchimento online. A distribuição e a divulgação do questionário decorreram entre 20 de setembro a 15 de dezembro de 2022. Foi garantido o anonimato das respostas.

A divulgação do projeto incluiu seis sessões presenciais dirigidas pela psicóloga do Serviço de Saúde Ocupacional em cada hospital, onde se enquadrou o tema, apelou à participação e envolvimento dos profissionais. Por outro lado, durante o período de uma semana, distribuíram-se panfletos nos seis refeitórios do CHULC e aquando da entrega do fardamento aos trabalhadores. Simultaneamente, em colaboração com a Informática, desenvolveu-se um aviso pop up nos computadores do CHULC. Por fim, mereceu destaque na newsletter semanal do CHULC.

RESULTADOS

O questionário COPSOQ-II teve uma adesão da população-alvo de 11.4% (n=957 respostas). Para que os resultados fossem representativos das classes profissionais, apenas foram considerados aqueles que tivessem reunido pelo menos 15 respostas de cada grupo profissional.

O perfil de apresentação de resultados (perfil de risco) segue uma metodologia tripartida, a qual assume uma interpretação “semáforo” mediante o impacto para a saúde que a exposição a determinada dimensão representa: vermelho (risco para a saúde), amarelo (situação intermédia) e verde (situação favorável para a saúde).

A análise dos resultados pressupõe a interpretação fator a fator. Ou seja, o COPSOQ-II não mede um único construto, mas sim diversos riscos psicossociais e variáveis de saúde, stress e satisfação (4).

Perfil de Risco Geral do CHULC

Distinguem-se três categorias principais de risco:

  1. Risco severo: “Ritmo de trabalho”, “Exigências cognitivas” e “Exigências emocionais”;

  2. Risco moderado: “Exigências quantitativas”, “Influência no trabalho”, “Previsibilidade”, “Recompensas”, “Conflitos laborais”, “Apoio social de colegas”, “Apoio social de superiores”, “Comunidade social no trabalho”, “Qualidade da liderança”, “Confiança horizontal”, “Confiança vertical”, “Justiça e respeito”, “Compromisso face ao local de trabalho”, “Satisfação no trabalho”, “Saúde geral”, “Conflito trabalho/família”, “Problemas em dormir”, “Burnout”, “Stress” e “Sintomas depressivos”;

  3. Risco Favorável: “Possibilidades de desenvolvimento”, “Transparência do papel laboral desempenhado”, “Autoeficácia” e “Significado do trabalho”. “Insegurança laboral” e “Comportamentos ofensivos” surgem nesta categoria pela sua baixa pontuação quantitativa.

A avaliação de risco também pode ser analisada numa perspetiva de dimensões/áreas:

  1. Exigências Laborais: inclui os fatores “Ritmo de trabalho”, “Exigências cognitivas” e “Exigências emocionais”, todos incluídos na categoria de riscos severos. O fator “Exigências quantitativas” foi considerado um fator moderado;

  2. Organização do Trabalho e Conteúdo: os indicadores “Influência no trabalho” e “Compromisso face ao local de trabalho” são fatores moderados, enquanto “Possibilidade de desenvolvimento” e “Significado do trabalho” surgem como fatores protetores;

  3. Relações Sociais e Liderança: a “Transparência do papel laboral” é fator protetor, contrastando com os fatores de risco moderado “Previsibilidade”, “Recompensas a qualidade da liderança”, “Conflitos laborais”, “Apoio social de colegas” e “Apoio social de superiores”;

  4. Interface Trabalho-Indivíduo: a “Insegurança laboral” surge como fator protetor, uma vez que obteve uma pontuação quantitativa reduzida. A “Satisfação no trabalho” é um risco moderado, enquanto o tema “Conflito Trabalho-Família” é encarado como risco moderado na escala geral e severo em contextos específicos;

  5. Valores no Local de Trabalho: quantitativamente, as respostas obtidas determinaram como fatores de risco moderado a “Confiança vertical”, a “Confiança horizontal”, a “Justiça e respeito” e a “Comunidade social do trabalho”;

  6. Personalidade: a “Auto-eficácia” é percecionada como fator protetor;

  7. Saúde e Bem-Estar: o indicador “Saúde geral” (onde se inquere a perceção de saúde do próprio) surge como fator de risco moderado;

  8. Comportamentos Ofensivos: os avaliados não identificam comportamentos ofensivos na sua organização, pelo que este indicador surge como fator protetor.

A pontuação global das respostas face à identificação dos FRPS, quantitativa e qualitativa, pode ser consultada na Tabela 2.

Analisando as pontuações quantitativas dos 29 FRPS considerados, no Gráfico 1, temos uma média de 3.18 nas respostas. A pontuação mínima foi de 1.37 (Comportamentos Ofensivos), enquanto a máxima foi de 4.13 (Exigências Emocionais).

Relativamente às pontuações qualitativas (Gráfico 2), verificou-se um predomínio das situações de risco moderado (n=20, 69.0%), seguindo-se as situações favoráveis (n=6, 20.7%) e as situações de risco severo (n=3, 10.3%).

Totalizaram-se seis (20.7%) situações favoráveis: “Auto-Eficácia” (3.82), “Possibilidade de Desenvolvimento” (3.86), “Significado do Trabalho” (3.90) e “Transparência do Papel Laboral Desempenhado” (3.93). Contrariamente aos demais critérios, “Comportamentos Ofensivos” (1.37) e “Insegurança Laboral” (1.99) apresentam pontuações quantitativas reduzidas e, por esse motivo, são fatores protetores.

As vinte (69.0%) situações de risco moderado incluíram: “Influência no Trabalho” (2.59), “Apoio Social de Superiores” (2.71), “Confiança Horizontal” (2.72), “Sintomas Depressivos” (2.83), “Previsibilidade” (2.85), “Satisfação no Trabalho” (2.88), “Problemas em dormir” (2.93), “Justiça e Respeito” (2.97), “Qualidade da Liderança” (3.01), “Recompensas” (3.05), “Exigências Quantitativas” (3.06), “Conflito trabalho/família” (3.17), “Conflitos Laborais” (3.19), “Compromisso Face ao Local de Trabalho” (3.21), “Saúde Geral” (3.21), “Stress” (3.25), “Burnout” (3.34), “Apoio Social de Colegas” (3.36), “Confiança Vertical” (3.51) e “Comunidade Social no Trabalho” (3.65).

Por fim, as três (10.3%) situações de risco severo constituíram “Ritmo de Trabalho” (3.73), “Exigências Cognitivas” (3.89), e “Exigências Emocionais” (4.13).

Perfil de Risco por categorias

A análise dos dados recolhidos permitiu a sua divisão por polo hospitalar, experiência profissional, categoria profissional e Serviço/Área. Destacam-se os resultados obtidos que se diferenciam do perfil de risco geral:

1. Pólo hospitalar

Os resultados foram analisados conforme os seis polos existentes: Hospital de São José (n=313, 32.7%) 957 respostas), Hospital de Santo António dos Capuchos (n=167, 17.5%), Hospital de Santa Marta (n=78, 8.2%), Hospital de Dona Estefânia (n=157, 16.4%), Hospital Curry Cabral (n=167, 17.5%) e Maternidade Alfredo da Costa (n=75, 7.7%).

O perfil de risco por polo hospitalar coincide com o perfil de risco geral do CHULC, com destaque para o polo da Maternidade Alfredo da Costa, em que o fator “Ritmo de trabalho” é percecionado como moderado (e não como severo).

2. Experiência profissional

Esta categoria foi dividida em cinco grandes áreas, tendo em conta o critério do tempo de serviço: “<1 ano” (n=48, 5.0%), “1-2 anos” (n=77, 8.0%), “3-5 anos” (n=117, 12.2%), “6-10 anos” (n=116, 12.1%) e “11-15 anos” (n=105, 11.0%), “16-20 anos” (n=142. 14.8%), “21-25 anos” (n=113, 11.8%), “26-30 anos” (n=100, 10.4%) e “>30 anos” (n=139, 14.5%).

Na análise deste perfil de risco, comparativamente ao perfil geral, confirma-se a semelhança com os fatores identificados de grau severo. A exceção prende-se com a subcategoria “16-20 anos”, onde se identificaram os fatores “Saúde em geral” e “Burnout” como severos (contrariamente ao ocorrido no perfil geral de risco).

Destaca-se, ainda, que os perfis por idades apresentam mais fatores favoráveis face ao global: “Apoio social de colegas”, “Comunidade social no trabalho” e “Confiança vertical”. A exceção ocorre no escalão “>30 anos“, onde o fator “Apoio social entre colegas” representa risco moderado.

3. Categoria profissional

Subdividiram-se nas categorias “Assistente operacional” (n=182, 19.0%), “Assistente técnico” (n=111, 11.6%) “Enfermeiro” (n=353, 36.9%), “Farmacêutico” (n=17, 1.8%) “Médico Interno” (n=37, 3.9%) “Médico” (n=91, 9.5%), “Técnico superior” (n=27, 2.8%) e “Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica” (n=111, 11.6%).

Realçam-se as seguintes diferenças, face ao perfil geral de risco: os “Médicos” identificam, adicionalmente, como risco severo os fatores “Exigências quantitativas” e “Conflito trabalho/família”; enquanto que nos “Médicos Internos” se juntam ainda nesse grau de risco os fatores “Influência no trabalho”, “Conflitos laborais” e “Burnout”. Por fim, no grupo dos “Farmacêuticos” acrescem ainda nos riscos severos a “Satisfação no trabalho”, o “Stress“ e a “Previsibilidade”. Relativamente aos riscos moderados, os “Assistentes técnicos” incluíram aí ainda o fator “Possibilidade de desenvolvimento”.

4. Serviço/Área

4.1. Áreas de Apoio

Incluem-se aqui a “Área de Gestão de Compras e de Logística e Distribuição” (n=17, 1.8%), a “Área de Gestão de Doentes“ (n=5, 0.5%), a “Área de Gestão dos Recursos Humanos”(n=9, 0.9%) e a “Área de Gestão Hoteleira” (n=9, 0.9%).

Nas três primeiras áreas, acrescentam-se aos riscos severos os fatores de risco “Ritmos de trabalho”, “Influência no trabalho”, “Conflitos laborais”, “Saúde geral”, “Burnout” e “Stress”; enquanto na última se inclui, também, a “Qualidade de liderança”.

4.2. Áreas Clínicas

Os serviços de “Consulta Externa” (n=65, 6.8%) e “Ortopedia” (n=21, 2.2%) apresentam resultados similares ao perfil geral de risco, sem diferenças de realce.

Nos serviços “Medicina Interna” (n=65, 6.8%), “Urgência Geral Polivalente” (n=61, 6.4%), e “Pediatria” (n=27, 2.8%), acresce como fator de risco severo o tema “Conflito trabalho/família”; neste último, identifica-se ainda como severo o fator “Burnout”.

“Anestesiologia” (n=16, 1.7%), “Apoio Social (n=10, 1.0%), “Dermatologia” (n=14, 1.5%) e “Farmácia” (n=46, 4.8%) adicionam ao risco severo os fatores “Burnout” e “Stress”. Na “Dermatologia”, foi também identificado o fator “Confiança horizontal”; e, na “Farmácia”, para além dos previamente mencionados, surgiram igualmente em destaque como severos os “Conflitos laborais” e as “Exigências quantitativas”.

O serviço de “Cirurgia” (n=46, 4.8%) conta, adicionalmente ao perfil geral, como fatores de risco no grau severo o “Burnout” e o “Apoio social de superiores”.

No serviço de “Cirurgia Cardiotorácica” (n=14, 1.5%), identificou-se como risco severo o fator de risco “Saúde em geral”.

Os serviços de “Infeciologia” (n=33, 3.4%), “Medicina Física e de Reabilitação” (n=36, 3.8%) e “Hemato-Oncologia” (n=43, 4.5%) destacam-se pelo enquadramento positivo do fator de risco “Qualidade de liderança” como protetor; no último serviço mencionado, acresce ainda como protetor o fator de risco “Recompensas”.

DISCUSSÃO

Este estudo permite obter uma perspetiva abrangente do CHULC, um universo de quase nove mil trabalhadores. Estes resultados refletem a perceção dos profissionais relativamente à avaliação dos fatores de risco psicossociais a que estão expostos.

O questionário COPSOQ-II, enquanto instrumento de avaliação das diversas dimensões psicossociais inerentes ao contexto laboral, permitiu identificar potenciais áreas de risco a melhorar e funcionou enquanto estratégia eficaz de sinalização para posterior implementação de medidas preventivas adequadas e efetivas. Em suma, revela-se uma ferramenta com o propósito de alertar e planear intervenções dirigidas. Na interpretação dos resultados, tem-se em consideração que o significado de cada um dos fatores de risco depende do seu contexto organizacional.

Analisando os resultados, conclui-se que as dimensões mais relevantes para os profissionais de saúde do CHULC são a severidade face aos ritmos de trabalho e as exigências cognitivas e emocionais - em provável relação com o período pós-pandémico. Relativamente ao fator “Ritmo de trabalho”, é de realçar que a atividade profissional é percecionada pelos profissionais como tarefa(s) com necessidade de execução a um ritmo acelerado e exigente, por vezes sem pausas, numa perspetiva do seu término dentro de um prazo pré-definido. As “Exigências cognitivas” dizem respeito a um esforço mental elevado, requerido para processamento de informação, a par de concentração elevada e/ou o excesso de solicitações sensoriais, cognitivas e intelectuais; culminando, no fim, a fadiga mental. Por fim, nas “Exigências emocionais” tidas como excessivas pelos profissionais do CHULC incluem-se: dissonância emocional e lidar com sofrimento, doença, dor ou morte.

Quanto aos FRPS considerados como favoráveis, admite-se que possam, em determinadas situações, ser utilizados como fatores de equilíbrio: por exemplo, os profissionais sentirem a possibilidade de desenvolvimento (pessoal e laboral), bem como a existência de transparência do papel laboral desempenhado. Por outro lado, o aspeto da “Autoeficácia” indica boa capacidade de resolução de problemas por parte dos profissionais. Dentro destes FRPS, destaca-se, ainda a identificação de “Comportamentos ofensivos”; em provável relação com o sistema interno e seguro de denúncia, bem como com a existência de medidas interventivas na área (apoio psicológico e mediação de conflitos).

Todos os fatores de risco percecionados como tendo um risco moderado, a par dos severos, justificam uma intervenção planeada e profissional que mitigue a curto e médio prazo as lacunas identificadas.

Neste estudo verificam-se áreas críticas, como as de apoio e logística e farmácia assim como algumas categorias profissionais, em particular os farmacêuticos e os médicos internos.

Distinguem-se três níveis de intervenção: intervenção primária, que se foca no coletivo e cuja mudança se veicula através de campanhas; intervenção secundária, com implementação de programas de gestão de stress dos trabalhadores e intervenção terciária, através do apoio e acompanhamento dos trabalhadores com exames de saúde individuais, como ocorre no SSO.

CONCLUSÃO

Estas avaliações cumpriram o objetivo inicialmente proposto, ou seja, a deteção dos fatores de risco psicossociais presentes no CHULC e a sua relação com múltiplas vertentes: dimensões laborais, polo hospitalar, experiência profissional, categoria profissional e serviços hospitalares. Face à heterogeneidade de serviços e variáveis, requerer-se-á a posteriori uma recondução de estudos mais aprofundados e de análise no terreno.

O Serviço de Saúde Ocupacional existente apresenta os recursos humanos disponíveis para desenvolver uma vertente biopsicossocial. Com estes projetos e avaliações conseguimos, numa ótica multidisciplinar, trabalhar planos de ação de forma holística.

Com este estudo, o médico do trabalho adequa os exames de saúde individuais às necessidades do trabalhador e promove projetos multidisciplinares na equipa da Saúde Ocupacional, para além das tradicionais atuações da Medicina.

Para além da atuação direta da Saúde Ocupacional, tendo por base os resultados, recomenda-se o alargamento das equipas face aos recursos humanos para lidar com a problemática da saúde mental; um programa de capacitação dirigido às lideranças; bem como a criação de um grupo dedicado a programas de bem-estar ajustados à realidade institucional e a grupos específicos. São igualmente alargadas recomendações no âmbito do Departamento de Recursos Humanos no sentido de aprimorar a área de gestão estratégica de pessoas e inovação, para dar resposta a fatores como a conciliação da vida pessoal e profissional.

O SSO privilegia a prevenção primária de fatores de risco profissional e o desenvolvimento de ambientes de trabalho saudáveis e seguros, facilitando a existência de adequadas condições de segurança e saúde nos locais de trabalho. Isto porque quando estas premissas estão presentes são facilitadoras do bem-estar laboral e desenvolvimento pessoal e profissional, permitindo aos trabalhadores sentirem-se mais motivados para o trabalho, mais realizados nas suas tarefas e funções, contribuindo para a produção de bens e serviços de melhor qualidade e alcançando os objetivos traçados pela Instituição para a qual trabalham.

Estas abordagens realçam necessidades emergentes do Serviço de Saúde Ocupacional, onde se inserem a inclusão de profissionais de saúde mental; o desenvolvimento de projetos de avaliação, monitorização e planeamento na área dos fatores de risco psicossociais; bem como o desenvolvimento de programas adequados de proteção e promoção dos trabalhadores.

QUESTÕES ÉTICAS

A aplicação do questionário foi aprovada pelo Conselho de Administração do CHULC.

APÊNDICES/ANEXOS

Tabela 1 Número de itens na versão média do COPSOQ-II 

Dimensão Avaliada Fatores de Risco Psicossociais Número de itens

Exigências laborais
Exigências Quantitativas 3
Ritmo de Trabalho 1
Exigências Cognitivas 3
Exigências Emocionais 1
Organização do Trabalho e Conteúdos Influência no Trabalho 4
Possibilidade de Desenvolvimento 3



Relações Sociais e Liderança
Previsibilidade 2
Transparência do Papel Laboral Desempenhado 3
Recompensas 3
Conflitos Laborais 3
Apoio Social de Colegas 3
Apoio Social de Superiores 3
Qualidade da Liderança 4
Interface Trabalho-Indivíduo Satisfação no Trabalho 4
Insegurança Laboral 1
Conflito trabalho/família 3

Valores no Local de Trabalho
Comunidade Social no Trabalho 3
Confiança Horizontal 3
Confiança Vertical 3
Justiça e Respeito 3
Personalidade Auto-Eficácia 2

Saúde e Bem Estar
Saúde Geral 1
Problemas em dormir 2
Burnout 2
Stress 2
Sintomas Depressivos 2
Comportamentos Ofensivos Comportamentos Ofensivos 4

Tabela 2 Resultados quantitativos e qualitativos do Questionário COPSOQ-II, do Projeto P.A.R.A. 

Fatores de Risco Psicossociais Pontuação Quantitativa
(0-5)
Pontuação Qualitativa (Risco Favorável/Moderado/Severo)
Exigências Quantitativas 3.06 Risco Moderado
Ritmo de Trabalho 3.73 Risco Severo
Exigências Cognitivas 3.89 Risco Severo
Exigências Emocionais 4.13 Risco Severo
Influência no Trabalho 2.59 Risco Moderado
Possibilidade de Desenvolvimento 3.86 Situação Favorável
Previsibilidade 2.85 Risco Moderado
Transparência do Papel Laboral Desempenhado 3.93 Situação Favorável
Recompensas 3.05 Risco Moderado
Conflitos Laborais 3.19 Risco Moderado
Apoio Social de Colegas 3.36 Risco Moderado
Apoio Social de Superiores 2.71 Risco Moderado
Comunidade Social no Trabalho 3.65 Risco Moderado
Qualidade da Liderança 3.01 Risco Moderado
Confiança Horizontal 2.72 Risco Moderado
Confiança Vertical 3.51 Risco Moderado
Justiça e Respeito 2.97 Risco Moderado
Autoeficácia 3.82 Situação Favorável
Significado do Trabalho 3.90 Situação Favorável
Compromisso Face ao Local de Trabalho 3.21 Risco Moderado
Satisfação no Trabalho 2.88 Risco Moderado
Insegurança Laboral 1.99 Situação Favorável
Saúde Geral 3.21 Risco Moderado
Conflito trabalho/família 3.17 Risco Moderado
Problemas em dormir 2.93 Risco Moderado
Burnout 3.34 Risco Moderado
Stress 3.25 Risco Moderado
Sintomas Depressivos 2.83 Risco Moderado
Comportamentos Ofensivos 1.37 Situação Favorável

BIBLIOGRAFIA

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Recebido: 15 de Dezembro de 2023; Aceito: 24 de Dezembro de 2023; Publicado: 10 de Fevereiro de 2024

MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Serviço de Saúde Ocupacional, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. R. José António Serrano

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

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