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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.17  Gondomar jun. 2024

https://doi.org/10.31252/rpso.06.01.2024 

Artigo de Revisão

RELAÇÃO ENTRE A EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A RADIAÇÃO IONIZANTE EM TRABALHADORES DA SAÚDE E O DESENVOLVIMENTO DE CANCRO DE MAMA

RELATIONSHIP BETWEEN OCCUPATIONAL EXPOSURE TO IONIZING RADIATION IN HEALTHCARE WORKERS AND THE DEVELOPMENT OF BREAST CANCER

A Pereira1  , Autor principal do artigo, pesquisa bibliográfica, redação do artigo

A Ribeiro2  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

G Miranda3  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

P Silva4  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

A Silva5  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

J Soares6  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

L Cruz7  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

1Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Rua Conceição Fernandes S/N, 4434-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: andre.pereira@chvng.min-saude.pt

2Médica Interna de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School - Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4050-038 Porto. E-mail: ana.silva.ribeiro@chvng.min-saude.pt

3Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4400-704 Vila Nova de Gaia. E-mail: goncalo.rei.miranda@chvng.min-saude.pt

4Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4435-011 Porto. E-mail: paulo.silva@chvng.min-saude.pt

5Médica Interna de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School-Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4475-620 Maia. E-mail: catarina.vieira.silva@chvng.min-saude.pt

6Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. 4150-800 Porto. E-mail: joao.soares@chvng.min-saude.pt

7Responsável de Serviço e Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho e Imunoalergologia no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4445-490 Ermesinde. E-mail: linda.cruz@chvng.min-saude.pt


RESUMO

Introdução:

Todos os anos são registados mais de 2,3 milhões de casos de cancro da mama, o que o torna o tipo cancro mais comum entre os adultos. A associação entre o cancro da mama e fatores ocupacionais é uma questão que tem vindo a ser estudada na literatura desde o início do século XVIII. Os desenvolvimentos tecnológicos permitiram um estudo mais aprofundado sobre a relação entre o cancro da mama e os fatores profissionais como a exposição a produtos químicos, pesticidas, metais e também fontes de exposição a radiação ionizante e não ionizante. O objetivo da presente revisão de literatura é incidir na relação entre a exposição ocupacional a radiação ionizante em trabalhadores da saúde e o desenvolvimento de cancro da mama.

Metodologia:

Foi efetuada uma pesquisa na Medline, com o motor de busca PubMed e na Elsevier, com o motor de busca Science Direct. As palavras de pesquisa usadas foram uma combinação dos termos breast cancer, occupational exposure, ionizing radiation e healthcare workers. Foi também realizada pesquisa na Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional utilizando os termos “Cancro de mama” e “Radiação Ionizante”.

Discussão/Conclusão:

A literatura atual não é unânime quanto às características clínicas e patológicas específicas do cancro da mama possivelmente ligadas a contextos profissionais. Os profissionais de saúde, tais como técnicos de radiologia, enfermeiros, cirurgiões ortopédicos e cardiologistas de intervenção são especialmente vulneráveis a este tipo de exposição, nomeadamente à radiação ionizante. No entanto, alguns estudos apontaram para uma dificuldade em estabelecer uma relação causal entre estes fatores e o desenvolvimento de doença devido ao número de variáveis envolvidas, tais como a duração e intensidade da exposição e à influência de outros fatores de risco. As mudanças no equipamento, procedimentos e medidas de proteção resultaram em doses mais baixas nos anos mais recentes, o que significa que o risco de cancro da mama é baixo nos níveis atuais de exposição profissional à radiação ionizante.

Palavras-chave: cancro de mama; exposição ocupacional; radiação ionizante; profissionais de saúde; medicina do trabalho; saúde ocupacional; segurança no trabalho

ABSTRACT

Introduction:

Every year more than 2.3 million cases of breast cancer are registered, making it the most common type of cancer among adults. The association between breast cancer and occupational factors is an issue that has been studied in the literature since the beginning of the 18th century. Technological developments have allowed a more in-depth study of the relationship between breast cancer and occupational factors such as exposure to chemicals, pesticides, metals and also sources of exposure to ionising and non-ionising radiation.The aim of the present literature review is to complete an update on the scientific knowledge about the relationship between occupational exposure to ionising radiation in healthcare workers and the development of breast cancer.

Methodology:

A research was carried using Medline with the PubMed search engine and Elsevier with the Science Direct search engine. The search words used were a combination of breast cancer, occupational exposure, ionizing radiation and healthcare workers. A research was also carried out in Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional, using the terms “Breast Cancer” and “Ionizing Radiation”.

Discussion/Conclusions:

Current literature is not unanimous about the specific clinical and pathological features of breast cancer possibly linked to occupational settings. Healthcare professionals such as radiology technicians, nurses, orthopaedic surgeons and interventional cardiologists are especially vulnerable to this type of exposure, particularly to ionising radiation. However, some studies have pointed to a difficulty in establishing a causal relationship between these factors due to the number of variables involved, such as the duration and intensity of exposure and the influence of other risk factors. Changes in equipment, procedures and protective measures have resulted in lower doses in recent years, which means that the risk of breast cancer is low at current levels of occupational exposure to ionizing radiation.

Keywords: breast cancer; occupational exposure; ionizing radiation; healthcare workers; occupational medicine and occupational safety

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) são registados, todos os anos, mais de 2,3 milhões de casos de cancro da mama, o que o torna o tipo cancro mais comum entre os adultos.

Em 95% dos países, o cancro da mama é a primeira ou segunda causa de morte por cancro no sexo feminino. No entanto, a sobrevivência a esta doença é amplamente desigual entre e dentro dos países, sendo que quase 80% das mortes por cancro da mama ocorrem em países de baixo e médio rendimento (1).

A etiologia do cancro da mama não é totalmente compreendida, conhecendo-se muitos fatores causais possíveis, embora ambíguos e mal definidos. No entanto, sabe-se que a sua patogénese é multifatorial, com fatores de risco que incluem predisposição genética, hereditariedade, fatores reprodutivos, ingestão de álcool, tabagismo, excesso de peso e terapêutica hormonal. A sua incidência também aumenta com a idade, estando também a idade mais avançada ao primeiro nascimento associado a uma maior incidência desta patologia (2) (3).

O aumento significativo nas taxas globais de cancro, especialmente em países mais industrializados, demonstra que o estilo de vida e os fatores ambientais ou ocupacionais também podem levar a um aumento dos casos desta doença. Assim, a associação entre esta patologia e fatores de risco ocupacionais é uma questão que tem vindo a ser estudada (3) (4).

Nos últimos anos, os desenvolvimentos tecnológicos permitiram um estudo mais aprofundado desta relação, estimando-se que 8 a 16% dos cancros estejam relacionados com exposições profissionais. Este fenómeno é causado pela presença de carcinogéneos no ambiente de trabalho, tais como fibras orgânicas e partículas de pó (amianto, sílica e pó de madeira), metais (chumbo, cádmio, cobalto, níquel), solventes (benzeno e tricloroetileno), óleos minerais (por exemplo, produtos petroquímicos e de combustão), produtos químicos reativos (etileno, formaldeído, cloreto de vinilo, inseticidas) e também fontes de exposição a radiação ionizante (RI) e não ionizante e supressão de melatonina em trabalhadores noturnos (3) (4).

A exposição à RI tem origem em várias fontes: radiação cósmica, radioatividade natural presente na crosta terrestre, nas máquinas de raios X, nos radioisótopos produzidos artificialmente ou na radiação atómica de armas e acidentes nucleares. Esta pode causar danos no DNA, tanto diretamente através de quebras nas cadeias de DNA, como indiretamente, interagindo com moléculas de água e gerando espécies reativas de oxigénio. Estes danos provocam perda de pontos de controlo na apoptose celular que fazem com que a célula se desenvolva indefinidamente, passando por mais etapas oncogénicas, o que pode resultar em neoplasias (5). Esta exposição pode ser em grandes doses, em explosões ou acidentes nucleares, ou quando se é submetido a tratamentos de radioterapia; ou em pequenas doses, como em exames de imagem tais como radiografias, mamografias ou tomografias computorizadas. Assim os profissionais de saúde, que trabalham diretamente na realização deste tipo de exames, estão também potencialmente expostos à RI, o que poderá ter implicações na sua saúde (2), sendo que hoje em dia esta exposição é mais e melhor controlada como resultado de uma regulamentação mais rigorosa e evolução tecnológica (5) (6).

Pretende-se, assim, a elaboração de uma revisão da literatura sobre o tema descrito, de forma a fazer uma atualização no conhecimento científico sobre a relação entre a exposição ocupacional à RI em trabalhadores da saúde e o desenvolvimento de cancro da mama.

METODOLOGIA

Em função da metodologia PICo, foram considerados:

  • - P (population): Trabalhadores da saúde com exposição a RI

  • - I (interest): Perceber a relação entre a exposição ocupacional a RI em trabalhadores da saúde e o desenvolvimento de cancro da mama

  • - C (context): Saúde e segurança ocupacionais.

Deste modo, a pergunta orientadora para a realização do presente artigo de revisão foi: “Qual a relação entre a exposição ocupacional a RI em trabalhadores da saúde e o desenvolvimento de cancro da mama?”.

A pesquisa foi realizada nos motores de busca PubMed e Science Direct. Para a concretizar foram definidas as palavras-chave e foi formulada a seguinte frase booleana utilizada na pesquisa das bases de dados: (((breast cancer) AND (healthcare workers)) AND (occupational exposure)) AND (ionizing radiation)).

Foram definidos os critérios de elegibilidade e exclusão, de forma a direcionar a pesquisa para dar resposta à pergunta estabelecida, nos quais foram admitidos artigos sem limitação temporal, dada a pouca pesquisa encontrada, apenas nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola e com leitura integra disponível. Como critérios de exclusão, excluíram-se artigos que não se foquem em fatores de risco ocupacionais.

As seguintes etapas passaram pela análise do título e do resumo, tendo sido feita desta forma, uma seleção dos estudos encontrados e, de seguida, procedeu-se à análise do texto na íntegra.

Feita a pesquisa com a utilização da frase booleana já mencionada, foi possível aceder a um total de 264 trabalhos, dos quais 20 na Medline e 244 na Elsevier, sendo que só 30 preencheram os critérios de inclusão e de exclusão. Destes 30, foram excluídos, consoante o título e o resumo, todos aqueles que não abordavam o tema em estudo, o que perfez um total de oito artigos.

Dada a relevância na área, foi ainda realizada uma pesquisa na Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional, utilizando os termos de pesquisa “Cancro de mama” e “Radiação ionizante”, tendo sido selecionados dois artigos de revisão e um artigo resumo de trabalhos publicados noutro contexto, que visavam a temática da presente revisão bibliográfica.

Os artigos analisados podem ser consultados de forma mais sucinta na Tabela 1.

Tabela 1 Análise sucinta dos artigos revistos 

Autor Ano Caraterização Metodológica Conclusões População
Weiderpass et. al (10) 1999 Artigo Original A exposição ocupacional à radiação ionizante pode estar associada a um risco acrescido de cancro da mama no sexo feminino. Mais estudos sobre a etiologia ambiental e ocupacional do cancro de mama são necessários para uma melhor compreensão desta relação. 23.638 caso de cancro de mama em mulheres finlandesas entre 1971-1995 com exposição ocupacional a radiação ionizante.
Lie et. al (13) 2008 Artigo Original Não foi encontrada uma associação clara entre exposição a radiação ionizante e os cancros de mama, tiroide, ovário, ou leucemia, melanoma maligno ou outro cancro da pele.
Foi encontrado um risco acrescido de cancro do pulmão nos subgrupos de enfermeiros expostos pela primeira vez após 1950.
43 316 enfermeiros formados entre 1914 e 1984
Rajaraman et. al (11) 2008 Artigo Original Em análises lineares de dose-resposta, descobriram que o risco de cancro da mama aumentou significativamente com o aumento da dose cumulativa de radiação ionizante ocupacional. Sugerem que variantes comuns nos genes de reparação da excisão de nucleótidos podem modificar a associação entre a exposição à radiação ocupacional e o risco de cancro da mama 858 casos de cancro da mama em técnicos de radiologia americanos expostos a baixos níveis de radiação ionizante de etiologia ocupacional (1.083 controlos).
Buitenhuis W et al (5) 2013 Artigo Original Houve uma associação fraca, não estatisticamente significativa, entre o cancro da mama e a exposição ocupacional à radiação ionizante. O risco de desenvolver cancro de mama parece ser baixo com os níveis atuais de exposição ocupacional à radiação ionizante. 1205 casos de cancro da mama diagnosticados entre os anos 2009 e 2011 (1789 controlos).
Fenga C (8) 2015 Artigo de Revisão Os estudos epidemiológicos e experimentais demonstraram que a exposição à radiação ionizante e não ionizante, o trabalho noturno, pesticidas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e metais são fatores de risco para o desenvolvimento de cancro da mama.
No entanto, os mecanismos pelos quais os fatores ocupacionais podem promover a iniciação e progressão do cancro da mama ainda não foram totalmente elucidados.
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Santos M et al (6) 2016 Resumo de trabalhos divulgados noutro contexto Existem profissões com maior risco no contexto das radiações ionizantes (pela intensidade e/ou frequência do contato), cujos danos para a saúde, graves e por vezes banalizados, podem ser atenuados através de medidas adequadas de apoio médico, organização do trabalho/procedimentos administrativos e/ou EPI adequados. ------------------------
Santos M et al (7) 2016 Artigo de Revisão Os profissionais de saúde estão expostos a inúmeros riscos/fatores de risco e, frequentemente, têm tendência a ignorá-los ou, pelo menos, menosprezá-los.
A intensidade da radiação recebida pelo profissional varia com o tipo de equipamento médico utilizado, complexidade do procedimento, distância da fonte, tamanho do paciente, equipamento de proteção individual (EPI) utilizado ou barreiras móveis.
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Preston et. al (12) 2016 Artigo Original A exposição ocupacional a radiação ionizante está associada ao aumento do risco de desenvolvimento cancro de mama, sendo que doses mais elevadas foram associadas ao aumento da incidência da patologia. 1922 casos de cancro de mama notificados entre 1983 e 2005 entre 66 915 técnicas de radiologia.
Engel et. al (9) 2018 Artigo de Revisão Dos trabalhos analisados alguns concluíram que uma duração mais longa num emprego em ambiente hospitalar exposto a radiação pode conferir um risco ligeiramente mais elevado, assim como verificaram que enfermeiros, cirurgiões ortopédicos e outros profissionais de saúde que começaram a trabalhar antes de 1940 tinham um risco duas a três vezes superior de desenvolver de cancro da mama. ------------------------
Brito-Marcelino et. al (3) 2020 Artigo de Revisão Conclui-se que há evidência significativa quanto à exposição a alguns produtos químicos, radiação ionizante e o regime de trabalho noturno, no entanto, a maior parte dos estudos identifica a dificuldade no estabelecimento da relação de causa/efeito, sendo necessários mais estudos sobre esse tema ------------------------
Santos M et al (4) 2023 Artigo de Revisão A maioria da bibliografia sobre o tema realça como etiologia laboral os turnos noturnos e/ou a exposição a luz durante os mesmos, ainda que não exista consenso total entre nexo de causalidade e/ou fisiopatologia. Também são mencionados de forma mais sumária os pesticidas, solventes e os produtos inseridos nos fumos das cozinhas (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, aldeídos e aminas aromáticas policíclicas). ------------------------

RESULTADOS

A exposição a fatores de risco ocupacionais tem sido consistentemente associada ao aumento do risco de cancro da mama, nomeadamente o trabalho noturno (4), a exposição a RI (6) (7) e não ionizante, o trabalho com alguns agentes químicos como pesticidas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e metais, e ainda o stress laboral e o trabalho sedentário (3) (8) (9). A literatura atual não é, contudo, unânime quanto às caraterísticas clínicas e patológicas específicas do cancro de mama possivelmente ligado a contextos profissionais, como na exposição a RI, sendo que os mecanismos pelos quais os fatores ocupacionais podem promover a iniciação e progressão da doença ainda não foram completamente elucidados (8). Além disso, não existem biomarcadores moleculares que relacionem especificamente esta exposição com o cancro de mama (5). Importa ainda ressalvar que o desenvolvimento da patologia em questão pode ser influenciado por exposição a fatores ambientais, tais como o estilo de vida, nomeadamente a dieta, consumo de álcool e hábitos tabágicos, (2) uso de contracetivos orais, terapêutica de substituição hormonal e a idade de surgimento da menopausa, (10) estando a atividade física no local de trabalho associada à redução do seu risco (9).

Segundo alguns investigadores, a exposição ocupacional à RI é provavelmente mais relevante para o cancro de mama em idade pós-menopausa, uma vez que os cancros de mama em idades mais jovens, têm um maior componente genético, apresentando também menor duração de exposição e, consequentemente, menor dose cumulativa de RI. No entanto os autores ressalvam que são necessários mais estudos para melhor esclarecer esta relação (10).

Outros autores defendem que o subtipo de cancro de mama parece ter associação com a idade à data exposição, sendo que as mulheres com exposição a RI em idade pré-menopausa, parecem desenvolver mais frequentemente tumores mamários que apresentam recetores do tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2+), carecendo igualmente de estudos mais robustos para clarificação desta associação (5) (9).

Embora a maioria dos danos de DNA causados pela RI seja corrigida pela via de reparação da excisão de bases, certos tipos de danos de base múltipla só podem ser reparados através da via de reparação da excisão de nucleótidos, tendo sido demostrado por investigadores norte-americanos que variantes comuns nos genes de reparação da excisão de nucleótidos podem modificar a associação entre a exposição ocupacional à radiação e o risco de cancro da mama, mais concretamente que a variante alélica C do gene ERCC5 (XPG) rs17655 estava associada a um risco acrescido de cancro da mama em geral, podendo aumentar a suscetibilidade à doença em profissionais expostos a baixos níveis de RI (11).

Parece claro para a maioria dos autores a associação entre exposição a altas doses de RI e o desenvolvimento de cancro de mama, (3) (8) (9) (11) (12) e que o risco deste tipo de cancro aumenta significativamente com o aumento da dose cumulativa de radiação a que os trabalhadores são expostos no local de trabalho (11). Outros investigadores defendem também que uma exposição longa a doses mais baixas de RI pode conferir risco acrescido de doença (3) (9) (12), apresentando o trabalho em meio hospitalar como exemplo desse tipo de exposição. Verificaram que técnicos de radiologia e enfermeiros que começaram a trabalhar antes de 1950, altura em que as doses de exposição a RI eram bastante mais altas que as atuais, tinham um risco duas vezes superior de desenvolver a doença (3) (9) (10) (12). Está também relatado na literatura um risco quase três vezes superior para cirurgiões ortopédicos devido à exposição a elevados níveis de radiação durante os procedimentos (9). A Cardiologia de intervenção é outra área onde este fator de risco tem especial importância (7). Outros estudos encontraram um risco duas vezes superior entre médicos em geral e 40% de aumento do risco em profissionais de saúde globalmente (9).

Importa ressalvar que a intensidade da radiação recebida pelo profissional varia com o tipo de equipamento médico utilizado, complexidade do procedimento, distância da fonte, tamanho do paciente, equipamento de proteção individual (EPI) utilizado ou barreiras móveis, altamente eficazes (6) (7).

O aumento da regulação em Segurança e Saúde Ocupacionais e a evolução tecnológica originaram, nos últimos anos, mudanças nos equipamentos, nos procedimentos e nas medidas de proteção, reduzindo bastante os atuais níveis de exposição profissional à RI e, consequentemente, o risco de desenvolver cancro de mama por esta exposição (5) (6) (7) (9) (13).

DISCUSSÃO/CONCLUSÕES

Apesar de não existir consenso quanto às características clínicas e patológicas específicas do cancro de mama possivelmente ligado a contextos profissionais, a maioria da literatura revista defende que a exposição ocupacional à radiação RI é um importante fator de risco para o desenvolvimento desta patologia, principalmente em determinadas profissões do setor da saúde, como os técnicos de radiologia, enfermeiros, cirurgiões ortopédicos e cardiologistas de intervenção, sendo, contudo, esta relação influenciada por outras variáveis, como a duração e intensidade da exposição e a presença de outros fatores de risco ambientais, tais como o estilo de vida (dieta, consumo de álcool e hábitos tabágicos), características relacionadas com o trabalho (incluindo trabalho por turnos), e outras condições individuais (fatores genéticos, uso de contracetivos orais, terapêutica de substituição hormonal e a idade de surgimento da menopausa).

Importa contudo ressalvar que, nos últimos anos, o desenvolvimento de legislação na área da Segurança e Saúde no Trabalho e a evolução tecnológica originou mudanças nos equipamentos, nos procedimentos e nas medidas de proteção, reduzindo bastante os atuais níveis de exposição profissional à RI e, consequentemente, o risco de desenvolver a doença. No entanto, é ainda importante a realização de mais estudos sobre a temática, de forma a melhor esclarecer esta associação e a sua interação com os outros fatores já mencionados, assim como o desenvolvimento de biomarcadores moleculares que relacionem especificamente esta exposição com o cancro de mama.

AGRADECIMENTOS

Agradece-se a todo o corpo clínico do Serviço de Saúde Ocupacional do hospital.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS Nada a declarar.

Recebido: 13 de Novembro de 2023; Aceito: 27 de Novembro de 2023; Publicado: 06 de Janeiro de 2024

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam não existir conflito de interesses.

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