INTRODUÇÃO
O termo está razoavelmente difundido no vocabulário de senso comum, mas a definição do mesmo já não. Pretende-se com esta revisão entender o conceito e tentar perceber de que forma este poderá alterar algumas variáveis relevantes em contexto ocupacional, como satisfação profissional, qualidade de vida laboral, desempenho, trabalho de equipa, produtividade, saúde global e segurança no trabalho.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): funcionários com ritmo intenso de trabalho e/ou com muitas horas de trabalho, por sua iniciativa
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre o conceito de Workaholism (W) e perceber de que forma este pode modular algumas variáveis relevantes na saúde ocupacional
-C (context): saúde e segurança ocupacionais.
Assim, a pergunta protocolar será: Em que consiste o Workaholism e de que forma este poderá influenciar algumas variáveis importantes na Saúde Ocupacional?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | workaholic | -título e/ ou assunto | 0 | 1 | não | - | - | - | |
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
-2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
41 | 2 | sim | 1 2 3 5 6 7 8 10 12 13 15 22 25 26 28 29 31 32 |
W1 W2 W3 W4 W5 W6 W7 W8 W9 W10 W11 W12 W13 W14 W15 W16 W17 W18 |
6 14 3 7 10 18 18 5 8 16 4 17 9 1 11 12 13 2 |
CONTEÚDO
Definição e caraterísticas associadas
O termo W foi primeiramente usado por Oates em 1971, para descrever a necessidade incontrolável de trabalhar (1) (2), perturbando a saúde, felicidade e relacionamentos. Outros acrescentam o grande dispêndio de energia e esforço nesse sentido, em detrimento das relações, saúde e tempo para si. Ainda que não exista uma definição consensualmente aceite, existem vários critérios a considerar, nomeadamente preocupação com o trabalho, trabalhar para evitar alterações de humor, trabalhar cada vez mais para obter o mesmo efeito, disforia se estiver impedido de trabalhar e conflito com as suas próprias necessidades e/ou de terceiros (1).
O conceito de W varia muito, por vezes, paradoxalmente valorizando só dimensões positivas ou negativas (3) (4). Para além disso, não há grande conhecimento acerca do fenómeno na população e este não tem critérios de definição rigorosos e consensuais (3). Geralmente tem uma conotação negativa, até por o termo lembrar alcoolismo; contudo, outros não dão um caráter tão depreciativo ao fenómeno (5).
Aqui pode existir um envolvimento laboral intenso (6). Pode-se evidenciar um desejo impulsivo/compulsivo de trabalhar (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9), uma obsessão (2) (5) (8) (10) (11) (12) (13), sem que seja obrigatório que o indivíduo tire prazer dessa situação (6) (8); ou seja, necessidade irresistível e/ou incontrolável de trabalhar sem parar (5) (8) (14) (15).
O W pode ser definido como a dependência psicológica perante o trabalho, negligenciando o repouso, vida pessoal (4) (7) (9) (12) e/ou familiar (4); alterando a obtenção de prazer/realização ocupacional e perceção de qualidade de vida (7). Pode implicar estar sempre a pensar em trabalho, mesmo fora da instituição e do horário laboral (2) (5) (8) (11).
A situação poderá se enquadrar nos critérios de dependência (2) (3) (13). Contudo, a adição ao trabalho pode ser confundida com responsabilidade, dedicação e sacrifício pessoal. Aliás, o conceito de adição ao trabalho não está considerado nos manuais de diagnóstico (DSM-IV) (3), ainda que possa ser definida como a existência de uma compulsão/necessidade incontrolável para trabalhar sem parar (4) (8) (16). É considerado por alguns como uma das adições mais frequentes nos países ocidentais, dada a cultura/sociedade valorizarem tanto o trabalho (1).
É difícil distinguir o W de trabalho intenso, até porque o indivíduo rejeita geralmente a conotação negativa e a perceção de tal como um problema, porque a sociedade valoriza quem trabalha muito e a devoção intensa ao trabalho é considerada uma qualidade (3) (8), sobretudo nas sociedades ocidentais (8).
Por vezes, a carga de trabalho pode ser elevada justamente pela forma como o indivíduo gere o assunto, uma vez que apenas se sente bem se existirem muitas tarefas para executar (8) (10). São indivíduos que gostam de trabalhar em si, mais do que o trabalho específico que fazem (8). Os turnos prolongados justificam-se, em parte, por estes acharem que ainda não fizeram o suficiente e/ou se sentirem culpados se estiverem a fazer outra coisa (1). Indivíduos que trabalhem aos fins-de-semana e serões de dias da semana, com maior probabilidade serão Workaholics (11). Estes apenas sentem que têm valor se estiverem a trabalhar arduamente (13). Outros defendem que a relação que se tem com o trabalho é mais relevante para se inserir neste conceito do que o número de horas trabalhadas (2).
As novas tecnologias podem permitir a acentuação desta questão (1) (12) (15) (sobretudo o trabalho no domicilio) (5) (14) e, por sua vez, diminuir ainda mais as horas disponíveis para dormir (15), como os computadores portáteis e dispositivos equivalentes (12).
Em função da insegurança laboral e a intensidade do trabalho, parte dos funcionários experiencia carga laboral mais intensa, por vezes também à noite e fins-de-semana, de forma a cumprir os prazos impostos. Noutras circunstâncias terá a função de potenciar o rendimento e não por sentirem essa necessidade (1), sem que haja W.
Algumas estatísticas
Num estudo entre enfermeiros portugueses, por exemplo, com uma amostra superior a 800 indivíduos, quantificou-se a adição ao trabalho em 27% (17). Uma investigação norueguesa, por sua vez, quantificou que existiam 8% de indivíduos Workaholics; nos EUA, estimaram-se cerca de 10%, ainda que possa atingir valores na ordem dos 25% (1), segundo outros. Em meio académico o W foi quantificado entre 8 a 13%; num estudo mais atual o valor obtido foi de 50%. Pensa-se que a prevalência global oscile entre 5 a 25% (11).
Engagement
O W difere do “Engagement”, uma vez que este, apesar de também ser uma forma de trabalho intenso, mas ainda num patamar considerado saudável, obtendo prazer/satisfação: ou seja, sem compulsão ou obsessividade (14) e sem que surjam consequências negativas (3) (10), (física e emocionalmente) (10). Ele carateriza-se por uma energia positiva, sensação de realização, vigor, concentração e persistência perante as adversidades; bem como dedicação e entusiasmo. São necessárias competências no trabalhador, para que se consiga distinguir o trabalho saudável de insalubre (Craving versus Engagement). Os Workaholics trabalham dessa forma para se sentirem relevantes, enquanto que os trabalhadores com Engagement o fazem porque sentem prazer nisso. Contudo, alguns investigadores também consideram que este pode ser um dos tipos de W (13).
Funcionários com maior Engagement têm mais socialização, passatempos e até trabalho voluntariado; o trabalhador recupera totalmente de períodos mais extenuantes e tem menos Burnout (14). Procurar mais recursos associa-se assim a maior Engement e a menor Burnout (9). Alguns investigadores, por sua vez, consideram que o W não potencia o desempenho; apenas o Engagement parece conseguir fazer isso (10).
Fatores que potenciam e/ou estão associados ao Workaholism
Dentro da bibliografia consultada destacam-se os seguintes parâmetros:
-sexo masculino (2) (ainda que tal seja controverso (12) (14))
-personalidade tipo A (2) (6) (10)
-agressividade (1)
-ansiedade (6) (11) (12) (14) (16)
-burnout (1) (2) (5) (6) (7) (10) (11) (16)
-depressão (2) (11) (12) (14) (16)
-obsessividade (10) (12) (13) (17) e neuroticismo (2) (13)
-rigidez emocional (10)
-dificuldades em relaxar (13)
-consumo de substâncias psicoativas (2)
-ambiente laboral exigente emocionalmente (2)
-outras questões associadas ao trabalho, como alterações/mudanças rápidas, competitividade, instabilidade, maior carga de trabalho e exigências a nível de flexibilidade e aquisição de competências (14)
-dificuldade em delegar apesar de já ter muitas tarefas em mãos (10)
-mais sintomas físicos e emocionais (8), como astenia (3) e exaustão (8)
-situações médicas (16) como hipertensão arterial (3), alterações do sono (14) (16) (sobretudo insónia), dislipidemia, gastrite/doença ulcerosa péptica, enfarte agudo do miocárdio, embolias, alopécia, contraturas musculares e maior suscetibilidade a infeções (3)
-pior autoperceção de pior qualidade de vida (7)
-necessidade de exibir sucesso mantido ou superior (7)
-insatisfação laboral (2) (11) (13)
-pior desempenho (11)
-setor privado, incluindo o trabalho por conta própria (12) e
-maior conflito trabalho-família (13).
Implicações eventualmente positivas
Algumas culturas podem valorizar o trabalho árduo e, eventualmente, o W (9). Os supervisores também (sobretudo o maior número de horas trabalhadas); ainda que isso não implique necessariamente melhor desempenho (10).
Estes funcionários, no geral, geralmente apresentam um sentido elevado de ética (8) e não costumam precisar da aprovação dos colegas (8), o que poderá ser positivo em determinados contextos. Para além disso, por vezes, trabalhar muito, poderá permitir esquecer problemas familiares e de outros relacionamentos: em princípio, quanto mais tempo se dedica ao trabalho, menos se dá aos restantes departamentos (1).
Implicações eventualmente negativas
Por vezes, os funcionários dedicam menos tempo à alimentação e trabalham até mais tarde e/ou iniciam o turno mais cedo; se a situação se cronificar, poderá ter impacto na qualidade de vida/bem-estar (1) (4) (6) (11), consoante a forma como o indivíduo encarar a situação. O indivíduo passa cada vez mais tempo a trabalhar e usa cada vez mais recursos para tal (1) (16); porventura às custas do tempo de repouso/recuperação que poderia usufruir; o que, por sua vez, poderá fazer com que tenham ainda menos recursos para lidar com as exigências do trabalho. Indivíduos com W continuam a trabalhar muito, independentemente dos problemas médicos e/ou sociais associados; aliás, até podem de alguma forma sentir uma abstinência se diminuírem a carga de trabalho (1), como já se mencionou.
O W geralmente cursa com alterações do sono (4) (5) (14) (15) nomeadamente insónia (5) (14), cansaço matinal (14), sonolência (5) (14) a conduzir e menos horas de sono em dias de semana e fins de semana (4); dado estarem a pensar no trabalho e respetiva ativação simpática (14) e de realçar que dormir bem implica maior capacidade para atingir os objetivos de trabalho (5) (15). Pior qualidade de sono pode implicar então menor qualidade de vida e mais sintomas físicos e emocionais, maior risco de acidentes, mais absentismo, menor produtividade e maior insatisfação laboral. Contudo, curiosamente, parte dos trabalhadores com W não considera ter pior qualidade de sono (5). O W pode assim levar a burnout (4) (8) e outros problemas emocionais, bem como físicos (8) em alguns indivíduos. Para além disso, poderá haver maior consumo de álcool e cafeína; logo, o risco cardiovascular poderá ficar potenciado (4).
Seria de supor que, dedicando-se mais tempo às tarefas laborais, o desempenho seja superior, mas tal nem sempre acontece (4) (10) (11); aliás, a diminuição da saúde física e emocional pode comprometer tal e ocorrer justamente o oposto (10). Os Ws têm dificuldade em delegar tarefas (1) (8), trabalhar em equipa ou até comunicar adequadamente (1). Ou seja, poderá ser relevante aprender a trabalhar melhor do que propriamente passar mais tempo a trabalhar (11).
Em acréscimo, os relacionamentos podem ficar pior no trabalho e a nível familiar (4).
Postura das chefias e colegas
As instituições deverão entender o problema, a sua origem e implicações, sobretudo da parte das chefias, que estarão em posição privilegiada para detetar a situação e ajudar a obter uma maior funcionalidade de cada trabalhador; por exemplo, encorajando que estes deleguem parte do trabalho e monitorizando o planeamento das tarefas e as prioridades, não esquecendo a existência de pausas e folgas (1). O W, no seu sentido negativo, poderá ser atenuado através da promoção da satisfação laboral, treino e formação de chefias e intervenções que potenciem equilíbrio com a vida pessoal (11).
Instrumentos para quantificar o Workaholism
O instrumento WI-10 apresenta capacidade para avaliar este fenómeno; nele se consideram os sintomas associados à adição, detalhes associados a fenómenos obsessivo-compulsivos, bem como o Engement. Este instrumento permite classificar o indivíduo em W com e sem Engagement (18).
A Bergen Workaholic Scale (BWAS) (12) (16) mede sete elementos associados ao tema e é utilizada na Noruega, Hungria, Brasil, Itália, EUA e Polónia, por exemplo. O método é considerado fiável (16).
Alguns investigadores, contudo, consideram que os três instrumentos mais utilizados são:
-Workaholism Battery (WorkBat) (16)
-Work Addiction Risk Test (WART) (16)
-Dutch Workaholism Scale (DUWAS) (16).
Outros também mencionam o teste Spence and Robbins Workaholism Battery (11).
Contudo, em qualquer instrumento, não existem estudos realizados com grandes amostras (12).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
O conteúdo dos artigos é totalmente díspar, não só pela grande diferença entre as diversas definições possíveis, como pelos pré-conceitos dos investigadores ou dos autores por eles consultados. Ou seja, tanto se considera que W é trabalhar a ritmo intenso, com grande desempenho, gerador de uma grande satisfação laboral e admiração pelo empregador/chefias/colegas/familiares e amigos; como também pode ser visto como forma patológica e/ou desorganizada de encarar o trabalho, geradora de ansiedade e mal-estar, por vezes até nem se refletindo em aumento da produtividade.
Saber reconhecer o mais precocemente possível as vertentes mais negativas deste conceito, aumentará a possibilidade de a equipa de Saúde Ocupacional intervir de forma mais eficaz, potenciando a satisfação laboral, qualidade de vida, desempenho, produtividade e lucro.