INTRODUÇÃO
Após alguns anos de exposição às diversas estirpes de COVID-19, existe uma grande percentagem de indivíduos infetados mundialmente, grande parte dos quais em idade ativa. Tendo em conta que numa fração substancial destes existiram sintomas prolongados e com alguma influência para alterar a capacidade de trabalho, iniciou-se uma revisão bibliográfica, no sentido de resumir o que mais pertinente se publicou sobre este assunto.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores infetados por COVID-19
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre eventuais consequências para a Saúde Ocupacional associadas a esta infeção
-C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas ao COVID longo.
Assim, a pergunta protocolar será: Existem consequências para a Saúde Laboral secundárias à infeção por COVID-19?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Síndroma pós-covid | -título e/ ou assunto | 2 | 1 | sim | 1 | R1 | 33 | |
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Pos-covid syndrome | -2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
73 | 2 | sim | 2 3 4 5 6 8 9 10 11 13 14 16 17 19 20 21 23 24 25 29 33 34 37 39 40 45 46 47 48 49 50 51 52 54 63 69 |
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18 S19 S20 S21 S22 S23 S24 S25 S26 S27 S28 S29 S30 S31 S32 S33 S34 S35 S36 |
15 1 17 13 2 5 18 16 14 30 6 4 10 25 19 - 24 23 26 - 29 7 3 11 12 31 20 8 21 22 32 27 28 - - 9 |
CONTEÚDO
Definição da Síndroma Pós-COVID (SPC)
SPC é o conjunto de sintomas (1)/sequelas (2) multiorgânicos que atinge indivíduos previamente infetados, após um período de quatro (1) (3) (ou no mínimo oito (4)) a doze semanas após a infeção aguda (1) (5) (6) (7) (8) (9) ou justamente mais que três meses (4) (10) (11) consoante os autores; ou até, às vezes, mais que seis meses (8). Trata-se de uma complicação crónica, devido a um estado hiperinflamatório persistente (ainda que a patofisiologia não seja conhecida com clareza) (11) (12) e mesmo após o teste de COVID negativar (13) (14). Ou seja, a definição não está estandardizada (4).
A SPC foi documentada pela primeira vez em 2020, ou seja, descrevia que alguns indivíduos mantinham sintomas (5) (12) (13) (14) (15) e alterações laboratoriais pós infeção, não recuperando totalmente, por vezes por meses (11) (15) (16), como já se mencionou; sobretudo a nível neuropsicológico (15). Alguns sintomas podem ser contínuos (desde a infeção) ou surgirem posteriormente (13) (14).
Esta situação pode implicar morbilidade, sobrecarga do sistema de saúde e de recursos financeiros (14).
Outras designações para o fenómeno
A SPC também se designa por Síndroma do COVID longo (5) (16) (17) (18) (19) (20) (21) (22) (22); termo que, na realidade, surgiu nas redes sociais (4). De forma mais esporádica, também se pode encontrar a sigla PASC (“Post-acute Sequelae of COVID-19”) (23).
Incidência/prevalência
Consultando diversos estudos, encontram-se várias quantificações de prevalência, nomeadamente:
-10 a 20% (1), 10 a 30% (24), 10 e 35% (7),16 e os 87% (11), 50 a 80% (20) ou 51 a 76% (8)
-22% (20), 39% (14), 40% (20), 43% (5), 46% (9), 48% (10) ou cerca de 50% (2)
-oscilável entre os 20 a 90% ou mais, sobretudo nos casos mais graves; sendo que a variabilidade pode justifica-se pela ausência de definições consensuais (16), segundo alguns autores ou consoante os sintomas considerados (5)
-12% até 12 semanas e 10% por mais de 12 semanas (20) ou cerca de 10% após três meses (3) ou quase metade dos adultos hospitalizados até seis a oito meses após a alta, mais frequente no sexo feminino (5) (21)
Ainda em relação à prevalência, também se encontrou informação que registava que este fenómeno era mais usual em indivíduos em idade ativa (5); bem como nos que tiveram infeção mais grave, sobretudo a necessitar de hospitalização (14).
Patofisiologia
A COVID-19 é uma doença infeciosa e inflamatória complexa, causada pelo SARS-COV2 (11). O diagnóstico é clínico (4) e ela pode originar um vasto leque de manifestações semiológicas (sinais e sintomas) (11). A SPC tanto aparece em indivíduos que foram hospitalizados, como não (21), ou seja, independentemente da gravidade da infeção (7).
A fisiopatologia do SPC pode implicar uma resposta inflamatória mantida, alteração imune (incluindo doença autoimune), disfunção endotelial, permanência vírica e ativação da coagulação (7). Algumas alterações imunológicas/inflamatórias podem permanecer após a infeção (11) (17), designadas por síndroma multisistémico inflamatório pós-Covid (11); provavelmente devido a alterações macrofágicas, linfocíticas e a nível de citoquinas (18) (11), tal como ocorre em algumas doenças autoimunes (11). A síndrome da resposta inflamatória sistémica poderá contribuir para o desenvolvimento da disfunção orgânica, devido à resposta imune exagerada (18). A SPC poderá ser então justificada através de alterações inflamatórias, hipóxicas, microvasculares e neurodegenerativas (15) (20) (22) (25); pelos danos diretos causados pelo vírus em si (20) (22) e/ou até pelos efeitos secundários da terapêutica e morbilidades coexistentes. A parte emocional poderá também ser justificada pelo medo de infetar familiares, pelos problemas económicos associados aos custos dos cuidados médicos (em países com sistemas de saúde mais privatizados) e/ou pelo estigma da infeção em si (20).
A histiocitose linfocítica hemofagocítica é rara, mas poderá ser fatal e justifica-se pela hiperativação macrofágica e linfocítica, com libertação excessiva de moléculas proinflamatórias.
A apresentação clínica carateriza-se por febre, hepatoesplenomegalia, insuficiência hepática, aumento da Proteína C Reativa, hiperferritemia, citopenia, hipertrigliceridemia e aumento das enzimas hepáticas. O diagnóstico surge pelo menos com cinco critérios dos anteriores (11).
Outros vírus, em determinadas condições ambientais, podem originar alterações autoimunes, através da produção aumentada de autoanticorpos; é o caso do vírus Epstein Barr, Citomegalovírus e do HIV (11). Acredita-se que poderá haver uma reação cruzada entre proteínas víricas e autoantigénios (11) (18).
A patogénese global não está totalmente entendida, ainda que possa estar associada ao tropismo do vírus por diversos tipos de células, devido aos recetores ACE2 (enzima conversora da angiotensina), que existem no pulmão, rim, intestino delgado, neuroepitélio olfativo, coração, testículo, músculo e cérebro (substância nigra) e endotélio vascular (4).
A replicação viral pode persistir até seis meses, mesmo não detetada, o que poderá manter o estado inflamatório. Os autoanticorpos podem ser detetados na doença aguda e na SPC. Acredita-se que a vacinação poderá diminuir o risco de SPC (4).
A fibrose pulmonar, por exemplo, pode justificar a dispneia e astenia, devido às alterações nas trocas gasosas. Aliás, 5 a 8% dos indivíduos infetados desenvolvem ARDS (Adult Respiratory Distress Syndrome) (17). Os mastócitos existentes no pulmão, quando ativados, causam hiperresponsavidade; para além disso, ainda têm capacidade para fazer reações cruzadas e estimular ainda mais toda a cascata inflamatória. Esta situação pode ser aliviada com anti-histamínicos (18). A fibrose pulmonar surge devido à proliferação de fibroblastos e deposição excessiva de colagénio, alterando a normal arquitetura celular, também com ajuda de diversas citoquinas (26). As alterações mais prevalentes são a nível pulmonar, nomeadamente a fibrose pulmonar (11). A fibrose, contudo, também pode atingir o fígado e o rim (26).
Alguns indivíduos também apresentam alterações na coagulação (trombocitopenia e diminuição do fibrinogénio); poderão surgir assim embolismos pulmonares e acidentes vasculares cerebrais (17). Alguns investigadores defendem que a SPC pode justificar-se parcialmente pela microangiopatia trombótica e tromboembolismo venoso (25). Aliás, as alterações endoteliais podem justificar alguns problemas na retina e até a disfunção erétil (4).
A astenia poderá ocorrer devido aos autoanticorpos para os recetores muscarínicos e adrenérgicos; alguns associam tal ao que poderá também ocorrer na Síndrome da Fadiga Crónica (18). O cansaço existe de igual forma após outros quadros infeciosos (como influenza (11) (25), herpes, brucelose, ébola, febre do Rio Ross e Febre Q S14 e doença de Lyme (23). A astenia pode ser explicada devido à ação direta dos vírus, alterações imunes, disfunção endotelial, alterações no sistema nervoso autónomo, alterações neuroendócrinas e do funcionamento cerebral (22).
Alguns autores descrevem que podem também ficar mais prevalentes algumas questões neuropsiquiátricas, como depressão, ansiedade ou até psicose (17).
Semiologia
Estão descritos mais de duas centenas de sintomas, distribuídos por dez sistemas orgânicos (6). Mais de metade dos indivíduos apresenta pelo menos três sintomas (10). Surgiu uma classificação, com cinco categorias, numeradas em romano, consoante a persistência e mortalidade associada (18). A gravidade pode ser classificada em suave, moderada e severa (6). Estes podem ser persistentes, relapsantes ou flutuantes (4) (7) (8). Os sintomas demonstram-se mais persistentes em indivíduos com infeção mais severa (eventualmente até hospitalização) (10). Eles serão agudos (se mais que três semanas), (11) subagudos (se de três a seis meses da infeção) ou crónicos (se mais do que isso) (19) (24). Um estudo chinês quantificou que 76% dos indivíduos afetados apresentavam sintomas até seis meses depois (21), enquanto outros autores publicaram que até 53% dos indivíduos podem manter sintomatologia após o quadro de infeção inicial (15).
O COVID pode causar sintomas a longo prazo em diversos sistemas, como o respiratório (10) (24), cardiovascular, gastrointestinal (10) (24) (27), hepatobiliar (24), neurológico (10) (24) (27), ocular (27), psiquiátrico, dermatológico (10) (24), renal (24) (27) e endócrino; para além do síndroma inflamatório multissistémico (24).
Os sintomas no geral podem ser justificados pela inflamação crónica (28). Devido à capacidade do vírus se ligar a alguns recetores (ACE2), as manifestações podem incluir astenia, tosse, alopécia, dispneia, acidente vascular cerebral, insuficiência renal e alterações cardíacas; bem como artralgia, anosmia e disgeusia (14). Os sintomas crónicos podem atingir o cérebro, pulmão, sistema músculo-esquelético, trato gastrointestinal e rins; o que irá sobrecarregar ainda mais os sistemas de saúde (22).
A semiologia poderá incluir:
-alterações cognitivas em geral (3) (7) (11) (18) (19) (22) (23) (29) e na concentração (16) e memória (16) (21), em particular
-alterações gastrointestinais (28)
-alterações obsessivo-compulsivas (18)
-alterações visuais, nomeadamente em cerca de 10% (21)
-anosmia (11) (12) (16) (18) (22) (28), nomeadamente em 4 (11), 20 (12) ou 22% (15). Acredita-se que tal ocorre também pela afinidade do vírus aos recetores ACE2, a nível do epitélio olfativo (14)
-ansiedade (7) (11) (12) (16) (18) (22) (30); quantificada entre 1 (20) e 38% (12)
-artralgia (3) (11) (16) (28) (29); cerca de 24% (12)
-astenia (3) (7) (11) (12) (15) (16) (18) (19) (20) (23) (26) (28) (29) nomeadamente em 13 (18), 27 (22), 32 (15), 37 (20) ou 63% (11)
-ataxia (18)
-bradicardia (31)
-cefaleia (16) (15) (18) (23) (29) (12) (22) (28), avaliada em 13% (18) (23), 21 (12) ou 38% (11)
-cardiomegalia (31)
-confusão (28)
-convulsão (18)
-delírio (28)
-depressão (11) (12) (16) (18) (22) (28) (30); com incidência entre 1 (20) e 38% (12)
-dermatografismo (16)
-diarreia (11) (16) (18), nomeadamente até 10% (16)
-disgeusia (11) (22) (28), quantificada em 22% (15)
-disgeusia (18)
-dispneia (3) (7) (11) (12) (15) (16) (19) (23) (26) (28) (29) (30); em 6 (20), 40 (12) ou até 71%; mais com idade avançada e internamentos nos cuidados intensivos e com infeção mais grave (11)
-disritmia (18)
-febre (11)
-fibrose pulmonar (16)
-hipertensão arterial (18) (30)
-hipotiroidismo (16)
-insónia (7) (11) (12) (16) (19) (21) (23); entre 10 (21) a 47% (12)
-insuficiência renal (16)
-labilidade emocional (euforia, irritabilidade) (16)
-mialgia (3) (11) (16) (19) (22) (29); avaliada entre 11% a 62% (20)
-náusea (11) (16) (18), nomeadamente em até 10% (16)
-taquicardia (16) (31), sobretudo ao passar de deitado para de pé (16)
-tontura (16) (18), nomeadamente 17% (18)
-toracalgia (3) (11) (12) (16) (26) (28), nomeadamente 40% (16)
-tosse (1) (12) (28) (29) (30), com valores de 2 (20) a 10-20% (1) e
-vómito (11) (16) (18), estipulado em até 10% (16).
Contudo, alguns autores realçaram como sintomas mais prevalentes os seguintes:
-alterações cognitivas (11) (13)
-alterações da concentração (2)
-anosmia (2)
-astenia (2) (6) (8) (9) (13) (16) (20) (21) (30) (31)
-artralgia (31)
-confusão (6)
-disgeusia (2)
-dispneia (6) (10) (11) (13) (16) (20) (21) (27) (31)
-dor (6)
-emagrecimento (10)
-eritema (6)
-palpitações (6)
-toracalgia (16) e
Parte dos sintomas pode se justificar parcialmente pelo descondicionamento físico (16).
A anosmia e a disgeusia, ocorrem na fase aguda (às vezes constituem o primeiro sintoma) e podem persistir até três meses em quase metade dos infetados (16).
Tosse crónica é um dos sintomas possíveis pós-COVID, que poderá condicionar alguma estigmatização (devido ao receio de contágio), eventualmente justificada através da neuropatia do nervo vago, ainda que o mecanismo exato não seja conhecido (1).
As alterações cognitivas poderão estar eventualmente associadas à libertação de citoquinas que induzirão alterações na barreira hematoencefálica, com consequente neuroinflamação e lesões neuronais e/ou por alterações diretas produzidas pelo COVID-19 (18).
A nível cardíaco, podem surgir fibrose, disfunção endotelial e outras alterações cardiovasculares, eventualmente sendo possível culminar em insuficiência cardíaca; também devido às citocinas libertadas e/ou aos dados diretos do vírus. A longo prazo podem existir palpitações, toracalgia e insuficiência cardíaca (18).
Alterações renais podem surgir em cerca de 5% dos indivíduos hospitalizados por COVID-19 e, nos com doença mais grave, a prevalência sobe para cerca de 31%; seis meses depois, 13% ainda apresenta diminuição da Taxa de Filtração Glomerular. Estas alterações podem ser justificadas devido à resposta imune e às alterações trombóticas (23). Na SPC os indivíduos têm alterações tromboembólicas genéricas em menos de 52% dos casos, devido à inflamação intensificada (18).
A inflamação do trato gastrointestinal pode justificar dor abdominal, náusea, vómito, diarreia e anorexia, parte dos quais poderão se manter a médio e longo prazos (18).
A nível endócrino podem surgir cetoacidose, mesmo após meses e em não diabéticos. Também estão descritos casos de alterações tiroideias (doença de Graves, tiroidite), alterações hipofisárias e suprarrenais (18); estas poderão potenciar os danos cardíacos e as alterações psiquiátricas (20).
As alterações de humor também ficaram mais prevalentes, devido ao isolamento, restrições na mobilidade, medo de se infetar, diminuição dos rendimentos e eventual discriminação. O humor pode influenciar a forma de lidar e reagir à sintomatologia. Em alguns países com sistemas de saúde mais privatizados, os custos económicos também poderão ter contribuído para diminuir a qualidade de vida e/ou potenciar a ansiedade/depressão (20).
O parênquima pulmonar em alguns indivíduos desenvolveu cicatrizes permanentes/fibrose; não só pela ação direta vírica, como devido às citoquinas; o que poderá justificar a dispneia (20). Doença pulmonar crónica pré-existente associa-se a maior probabilidade de haver dispneia. Ter asma poderá potenciar a existência de alguns sintomas da SPC, eventualmente devido à ativação mastocítica (21).
A astenia e mialgias poderão ser justificadas pela diminuição dos níveis de neurotransmissores circulantes, diminuição da excitabilidade neuronal e inflamação (20). A astenia já foi reportada após infeção por influenza, vírus Epstein-BarrS30, S33, parvovírus, vírus do Nilo Ocidental, enterovírus, coxiella burnnetti, herpes vírus humano, vírus do Rio Ross, vírus do Dengue, vírus Ébola, Mycoplasma Pneumoniae, Borrelia Burgdorferi e Giardia Lamblia. Contudo, no COVID, a prevalência é superior (22).
Fatores que aumentam a probabilidade de existir Síndroma Pós-COVID
É mais prevalente nas infeções mais graves (11) (16) (18) (por exemplo, com necessidade de ventilação (18) e/ou hospitalização (20), mais alterações respiratórias e maior duração do período de doença (9)), quando coexistem comorbilidades e idade mais avançada. Aliás, biomarcadores associados a doença por COVID mais grave, também aumentam a probabilidade, nomeadamente os D- dímeros e a IL-6 (porque estão associados a disfunção pulmonar) (18).
A SPC parece ser mais frequente globalmente no sexo feminino (7) (9) e em adultos (4). Contudo, nem todos os investigadores concordam em relação à questão de género (18).
Não está estudado com rigor o eventual efeito que a vacina poderá ter no SPC (7).
Terapêutica
Não existem protocolos robustos de como orientar a SPC (29). Ainda assim, considera-se que indivíduos em idade ativa deverão ter acesso a reabilitação multidisciplinar organizada (11) (22) (32).
A administração de corticoides ajuda mas, se crónica, poderá originar o Síndroma de Cushing, osteoporose e imunossupressão (11). Fármacos como corticoides, antibióticos (26) e anti-histamínicos (18) (26) conseguem estabilizar os mastócitos e atenuar o processo (26).
A fluvoxamina (inibidor seletivo dos recetores da serotonina), também pelas suas propriedades anti-inflamatórias, atenua a astenia, de forma estatisticamente significativa, numa amostra de quase 500 indivíduos; até porque esta consegue inibir o metabolismo vírico e respetiva replicação (15). A ritalina pode também atenuar a fadiga (22).
Alguns investigadores consideram que é possível que existam suplementos alimentares com capacidade para atenuar a SPC. Resultados preliminares demonstram que a vitamina B e C, carnitina e hidroxitirosol, por exemplo, poderão atenuar a astenia, devido à diminuição da inflamação e/ou propriedades antioxidantes (25).
Como a atividade física pode melhorar a qualidade do sono, humor e dor, poder-se-á supor que consiga atenuar a SPC. Contudo, num estudo, 71% dos participantes referiram ficar com mais sintomas; no entanto, sem registar o tipo e/ou intensidade do exercício. Provavelmente a interação entre ambos é complexa e mal estudada (3).
Prognóstico
Independentemente da gravidade da infeção inicial, uma proporção elevada de indivíduos mantém sintomas após a recuperação, respiratórios e sistémicos, situação essa designada justamente por SPC. Para tal podem contribuir a fibrose pulmonar, bem como a ativação dos linfócitos T, macrófagos e mastócitos, interleucinas e fibroblastos (26). Poderão assim existir sequelas a longo prazo a nível cutâneo, respiratório, cardiovascular (31) (33), músculo-esquelético, psiquiátrico (31), neurológico e renal (31) (33). Antes do COVID, já outras infeções podiam implicar sintomas a longo prazo, por vezes durante muitos anos (12), como já se mencionou.
O prognóstico é mais reservado nos indivíduos com Proteína C reativa muito aumentada, D- dímeros e hiperferritinemia (11).
Alguns trabalhadores não conseguiram regressar ao trabalho até duas semanas depois (82%), tendo sentido a necessidade de prolongar o Certificado de Incapacidade Temporário, em alguns casos, por vários meses. Num estudo consultado, 32% diminuiu o horário de trabalho e 23% precisou de adaptações; o que implicou alterações negativas no estado emocional e qualidade de vida. Contudo, 50% não regressou antes do primeiro ano (5). Ainda assim, a maioria dos infetados recupera e a taxa de mortalidade é baixa (3 a 5%) (18). É possível que a maioria não consiga recuperar totalmente; aliás, estima-se que um terço possa ficar restrito à cama ou, pelo menos, a permanecer no domicílio (22), com sintomas prolongados e, por vezes, até mantém alguma incapacidade (7) (19). A SPC pode dar assim limitações nas atividades da vida diária e no trabalho (3) (7). Aliás, estima-se que cerca de 40% dos pacientes nos EUA ficaram desempregados após terem sido infetados (7). Num estudo inglês, 45% referia menos capacidade laboral e 22% não estava sequer a trabalhar (3). A SPC também pode contribuir para o presenteismo (8).
Limitando a capacidade de trabalhar, em países com sistemas de saúde mais privatizados, pode diminuir ou eliminar o acesso aos cuidados de saúde (28).
Alguns consideram que a capacidade de trabalho após esta fase não está adequadamente estudada, ainda que se ache que esta fica diminuída, sobretudo devido à astenia e às alterações cognitivas; poderá ser necessário adaptar o posto ou classificar o trabalhador como apto condicionado para algumas tarefas (5).
Ainda em relação à qualidade de vida, dois terços dos indivíduos apresentam a este nível uma pior quantificação (5) (12) (14), certamente influenciada pela ansiedade e incapacidade (6).
Cerca de 15% dos infetados desenvolveu pneumonia e eventual lesão pulmonar aguda (23)- aliás, a maioria dos infetados experiencia complicações pulmonares, pelo menos suaves a moderadas; 5% precisou de assistência ventilatória devido a ARDS (10) (33) (nomeadamente em 5%). Por analogia com a ARDS, pensa-se que a COVID possa manter a sintomatologia por anos (18). A ventilação mecânica, juntamente com a sedação e os bloqueadores musculares, pode originar consequências negativas cardiorrespiratórias e neuromusculares (33). As alterações radiológicas podem persistir até 50% aos seis meses (18). A nível pulmonar também pode surgir fibrose, tosse e bronquiectasias (10).
A utilização dos serviços de saúde aumenta, tal como a incapacidade global (7).
A prática prévia de atividade física não pareceu alterar o número de dias de hospitalização, bem como a duração da SPC e esta poderá ficar diminuída nesta fase (3), devido à diminuição da capacidade de fazer exercício (31). A redução da tolerância ao exercício também pode estar associada a diminuição das atividades diárias; situação que pode interagir com a astenia e dispneia (32).
Também se descreveram casos de dislipidemia e alterações na glicose, devido à ligação do vírus às células pancreáticas; bem como alterações renais e gastrointestinais (como hepatite) (31).
A nível de alterações hematológicas destacam-se a linfopenia, leucopenia, trombocitopenia e alterações na coagulação (31).
Em contexto psiquiátrico/psicológico destacam-se a astenia, ansiedade e alterações do sono; por vezes até dois anos depois (31). O isolamento social, a diminuição da liberdade e a sensação de desespero, ansiedade e depressão, poderão ter potenciado o número de suicídios (22). Em alguns indivíduos, mesmo após um ano, encontrou-se evidência de ansiedade, depressão e síndroma de stress pós-traumático (32). Os sintomas a longo prazo podem justamente contribuir para esta última entidade (12).
A nível neurológico destacam-se a paralisia, acidente vascular isquémico, síndroma Guillain- Barré e neuropatia (31).
Pacientes com mais idade poderão estar em risco acrescido de algumas complicações, nomeadamente anorexia, desnutrição, sarcopenia, depressão e delírio (28).
Um dos estudos consultados quantificou que 36% referia problemas a nível de mobilidade, 28% alterações nas atividades da vida diária e 8% refere problemas de autocuidado (12), por exemplo.
Parte dos indivíduos poderá necessitar de Fisioterapia para recuperação respiratória, motora e funcional global (33).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Dada a temporalidade, os artigos publicados sobre o tema são razoavelmente recentes, não existindo bibliografia anterior sobre este assunto, para discutir os dados obtidos; ainda que alguns sintomas também possam ser consequentes a outras infeções, mais prevalentes e/ou antigas, eventualmente por um mecanismo fisiopatológico parecido.
Todas as evoluções são possíveis, desde indivíduos assintomáticos durante e após a infeção, como outros com sintomas muito debilitantes e limitadores da sua capacidade laboral. É necessário que a equipa de saúde ocupacional avalie cada caso, usando a classificação de aptidão para ajudar na adequação das tarefas e obtenção de maior desempenho, satisfação laboral e lucro.