INTRODUÇÃO
O uso deste equipamento é cada vez mais frequente em diversos setores profissionais e por períodos mais prolongados, quer dentro de um turno de trabalho, quer ao longo da vida. Assim, a interação destes com a saúde dos trabalhadores fica cada vez mais relevante, surgindo a necessidade de pesquisar o que se tem descrito sobre este tema. Esta revisão pretende resumir o que de mais pertinente se publicou, de forma que os profissionais das equipas de Saúde e Segurança tenham mais ferramentas para orientar o assunto e para que os próprios trabalhadores percebam melhor o que poderá estar em causa e estejam mais recetivos a medidas de proteção eventualmente propostas.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores que utilizam HeadSets (HS)
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre a interação que este tipo de equipamento possa ter a nível de sintomas, patologias, bem como satisfação e produtividade
-C (context): Saúde e Segurança ocupacionais aplicadas a postos de trabalho que utilizam aparelhos auriculares.
Assim, a pergunta protocolar será: Existe bibliografia que descreva quais as eventuais implicações que pode acarretar o uso frequente de HeadSets, a nível de sintomas, patologias, satisfação laboral e produtividade?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP | Headsets | -título e/ ou assunto |
0 | 1 | não | ||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
-2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
314 | 2 | não | |||||
noise | 32 | 3 | sim | 1 2 4 5 10 14 |
H1 H2 H3 H4 H5 H6 |
1 3 2 4 6 5 |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
---|---|---|---|
1-H1 | Estudo Original | Brasil | Neste artigo os autores pretenderam quantificar a exposição laboral ao ruido em CC e a eventual associação a sintomas auditivos e não auditivos. Concluíram que estes profissionais, mesmo com audição normal, apresentavam sintomas de ambas as categorias. Para além disso, os equipamentos biauriculares demonstraram-se preferíveis a nível de qualidade da chamada e pressão sonora. |
2-H3 | Polónia | Nesta investigação objetivou-se analisar a capacidade auditiva e a exposição ao ruido, em profissionais que utilizam HS. Os autores destacaram nas conclusões que a audiometria se demonstrou adequada para detetar perdas auditivas nesse contexto, mesmo que numa fase precoce. | |
3-H2 | Canadá | Os investigadores em causa exploraram as técnicas de quantificação de ruido para profissionais que usam HS, com destaque para o ouvido artificial e o manequim. Percebeu-se que o modelo específico de ouvido artificial altera a capacidade de atingir esses objetivos, existindo alguns destes que apresentam resultados equivalentes ao manequim. | |
4-H4 | Polónia | Uma vez que os HS começaram a ser usados em contexto de trabalho remoto e teleconferências, foi objetivo deste projeto descrever os parâmetros acústicos destes equipamentos e variáveis que os podem modular. | |
5-H6 | Este artigo descreve um trabalho que avaliou a exposição ao ruido em trabalhadores de CC, em somatório com as atividades da vida pessoal. A maioria da amostra apresentava audição normal em ambos os ouvidos; quantificou-se perda auditiva para altas frequências em 8,3%; alguns apresentavam sintomas associados. | ||
6-H5 | França | Os autores debruçaram-se sobre operadores de CC, que usavam HS, no sentido de perceber se estes apresentavam fadiga auditiva no final do turno. Concluíram que o uso específico deste equipamento não pareceu alterar de forma significativa o parâmetro avaliado. |
CONTEÚDO
Tipos de Headsets
Os HS bilaterais são preferíveis, porque apresentam menor nível de pressão sonora e proporcionam uma chamada de mais qualidade. Contudo, parte dos empregadores fornece modelos unilaterais, para que o funcionário consiga ir alternando de ouvido; no entanto, os primeiros são menos ruidosos e possibilitam uma melhor compreensão das palavras, sobretudo nos locais com algum barulho de fundo. Assim, a maioria dos trabalhadores prefere os HS bilaterais devido a estes atenuarem com mais potência o ruido ambiente, melhorarem a capacidade de ouvir o cliente, bem como a atenção e concentração (1).
Algumas estatísticas
Segundo a Occupational Safety and Health Administration (OSHA), mais de três milhões de norte-americanos estão expostos a altos níveis de ruido, através do uso de HS (1).
Mais de metade de uma amostra de um estudo brasileiro referiu ter pelo menos um sintoma após o uso de HS (nomeadamente diminuição da audição- 24%, acufeno- 6% e desconforto local) (1).
89% reportou pelo menos um sintoma não auditivo, após o uso de HS; ainda que tal também possa ter influência da carga de trabalho, stressores variados, astenia e duração do turno (1).
Cerca de 68% destes trabalhadores não costuma ajustar o volume de som dos HS, estando este geralmente posicionado para um nível médio a elevado. Os sintomas auditivos são mais frequentes quando o volume de som é superior e os não-auditivos são oito vezes mais frequentes (1).
O choque acústico ocorre apenas numa parte dos casos dos indivíduos expostos a ruídos intensos e súbitos (que ocorrem diariamente para 53% destes funcionários, segundo um estudo consultado). Os trabalhadores que vivam estes episódios três ou mais vezes por dia, apresentavam 14 vezes mais risco de ter zumbido, versus trabalhadores com um ou dois eventos diários (1).
Sete por cento apresenta perda auditiva para altas frequências, mais intensa com mais anos de trabalho (2).
Quantificação do ruído
Por norma, não se quantifica o ruido produzido diretamente no ouvido; aliás, alguns métodos tradicionalmente utilizados nem podem aqui ser usados nestas circunstâncias (1) (3). A quantificação do ruído produzido pelos HS constitui um desafio metodológico, dada a oclusão que o equipamento apresenta no ouvido (3). A ISO (International Standards Organization) estipulou o uso de microfone no ouvido para este efeito (1)- MIRE; esta instituição também recomenda o uso de um manequim acústico. Os diferentes tipos de modelos de ambas as situações não têm a mesma eficácia (2) (3) (4) (5); mais pesquisa é necessária.
Para a quantificação ser válida, o trabalhador deverá conseguir comportar-se normalmente (3). Para além disso, a quantificação por microfone poderá ser enviesada pela fricção do instrumento na roupa, outros impactos e/ou movimentos bruscos (1) (4).
A maioria está exposta a menos que 80 decibéis (5). Outros estudos quantificaram esta situação na ordem dos 55 a 96 (2), 65 a 88 decibéis, 66-90, 68-91 ou 78-83, com níveis máximos de 88-102 decibéis. Segundo a NIOSH, o limite de exposição máxima global recomendada é de 85 decibéis, para turnos com cerca de oito horas diárias. No entanto, mesmo para níveis inferiores, alguns trabalhadores reportam cefaleia, astenia, irritabilidade, aumento da tensão arterial e zumbido. Contudo, a maioria dos países não apresenta valores limite de decibéis específicos para postos de trabalho que utilizem este equipamento (1).
A existência de almofadas de espuma em alguns modelos melhora a ventilação e atenua a oclusão (1). O trabalhador deverá ajustar os HS para o valor mais inferior em que a comunicação seja possível; o ruído ambiente deverá também ser atenuado (4).
Profissões mais relevantes neste contexto
Os trabalhadores de Call Center (CC) reportam sintomas auditivos e não auditivos. Outros profissionais que também podem precisar deste equipamento são os operadores de chamadas de emergência, serviços de aeroporto e algumas indústrias (1) (2) (3); bem como comércio, empresas de fast-food e atividades militares; estes estão a ser progressivamente mais utilizados na última década (2) (3) e também em contexto de videoconferência, secundárias sobretudo inicialmente à pandemia por COVID-19 (4) e agora, por comodidade.
Independentemente do SARCOV-2, o uso de HS tem vindo a aumentar progressivamente em diversos trabalhos, nomeadamente em contexto de CC (2) (3) (4) (5). De realçar que, neste tipo de atividade, o ruido é proveniente não só dos HS, mas também dos colegas na proximidade, enquanto falam (1).
Consequências Médicas
O choque acústico pode ser secundário a um ruido intenso e inesperado e a sua prevalência pode variar entre 13 a 22%; contudo, trata-se de um conceito complexo e controverso. Carateriza-se eventualmente por otalgia, zumbido, vertigem, sensação de queimadura próxima ao ouvido e ansiedade (1). Os choques acústicos (5) podem causar trauma coclear (6).
O uso de HS não parece causar mais fadiga que ruido com outras origens, desde que com a mesma intensidade. A maioria dos operadores de CC trabalha em espaço aberto, com colegas, o que potencia a exposição ao ruído, como já se mencionou. Quanto mais elevado este for, mais alto é colocado o HS. A fadiga global neste tipo de trabalho poderá se associar também à carga emocional, para além do ruido em si (6).
A suscetibilidade à perda de audição apresenta variabilidade individual e interação com algumas comorbilidades (como tabagismo, hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia); bem como sexo e idade. A maioria dos operadores de CC ouve bem; ainda que refiram dificuldade em perceber as palavras com o ruído ambiente (28%) e zumbido (6%) (5).
Medidas de Proteção
Na bibliografia selecionada quase não se encontraram sugestões relativas a Medidas de Proteção Coletiva. Podemos imaginar que talvez fosse pertinente disponibilizar vários modelos de Headsets, para que cada funcionário escolhesse um ou mais; para além disso, poderia ser relevante existir alguma rotatividade de tarefas, ou seja, colocar o profissional a fazer outras tarefas intercaladas para além das que precisa de usar este equipamento, se possível; disponibilizar pausas adequadas em ambiente silencioso; uso de materiais absorventes a nível auditivo, bem como barreiras/cápsulas de isolamento/atenuação acústica e incentivo a atividade de lazer menos ruidosas e/ou uso de proteção auricular nas mesmas, se pertinente, por exemplo.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que seja bastante frequente os trabalhadores de CC referirem, durante as consultas de Medicina do Trabalho, queixas que associam ao ruido global (com destaque pelo produzido pelos HS); na realidade, a bibliografia sobre o tema é escassa e pouco robusta. Não se encontraram muitos dados concretos para tentar minorar os danos e potenciar o bem-estar, satisfação e produtividade dos profissionais que usam este tipo de equipamento e/ou de que forma este tipo de equipamento pode modular essas variáveis.
Seria interessante investigar um pouco melhor o assunto, perceber melhor o panorama nacional e divulgar tal em publicações científicas.