INTRODUÇÃO
O vírus da Gripe/Influenza pertence à família Ortomixovírus, sendo classificado como um vírus de ácido ribonucleico (ARN), que inclui três tipos: A, com capacidade para infetar várias espécies e B e C, que infetam quase exclusivamente humanos (1) (2). A doença tem um curto período de contágio, iniciando-se um dia antes do início dos sintomas e até cinco a sete dias depois, transmitida por gotículas e é caraterizada por sintomas como febre, calafrios e associada a sintomas respiratórios e/ou sistémicos como dor muscular, astenia e cefaleias (2) (3). É um problema de saúde pública mundial, com elevado potencial epidémico. Apresenta uma elevada variabilidade antigénica e possibilidade de troca genética entre vírus de origem humana e animal e estima-se que afete anualmente entre 5 a 15% da população mundial (4) (5).
Em 2009 e posteriormente em 2020, duas novas doenças emergentes atingiram uma disseminação global, sendo que lhes conferiu a classificação de pandemia, a "Gripe suína" H1N1 e a COVID-19, respetivamente (6). No que diz respeito à segurança individual e à saúde pública, numa era pós pandemia COVID-19, a adesão às vacinas contra o vírus Influenza é um tema de interesse significativo. A Direção Geral da Saúde (DGS), lança anualmente a campanha de vacinação sazonal contra a Gripe do outono-inverno, com o objetivo de maximizar a proteção das populações mais vulneráveis, com risco acrescido para doença grave e das suas complicações, bem como de mitigar o seu impacto no sistema de saúde (7).
Nas estruturas hospitalares, os riscos biológicos ocupacionais devem ser geridos num sistema de gestão de riscos, onde a vacina é um elemento-chave da proteção individual específica. É da responsabilidade do empregador promover a formação em prevenção e a sensibilização para a adesão à vacinação pelo trabalhador (4) (6). A vacinação é a medida preventiva mais eficaz em termos de custo-benefício para evitar doenças infeciosas preveníveis pela imunização, a nível individual e comunitário (4) (7).
A vacinação contra a Gripe continua a ser uma medida crítica de saúde pública, particularmente para os Profissionais de Saúde que estão na linha da frente na prestação de cuidados diretos aos doentes (7). Apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centers for Disease Control (CDC), comuns a outras organizações/instituições a nível mundial, o que se constata é uma forte resistência dos Profissionais de Saúde à vacinação. Pelo rápido desenvolvimento das vacinas ARN no combate à pandemia pelo vírus COVID-19, e pelos seus resultados positivos na proteção da população, considerou-se a possibilidade desta situação se alterar. No entanto, a nível prático, na instituição que este trabalho estudou, não se verificou um aumento significativo mantido da taxa de Profissionais de Saúde vacinados. Neste trabalho é apresentado o resumo da cobertura vacinal dos profissionais de um hospital periférico, nas épocas correspondentes entre 2019 e 2023 (dados referentes apenas à vacinação contra a Gripe sazonal). Este artigo pretende apresentar a realidade da adesão à vacinação contra a Gripe num hospital periférico.
METODOLOGIA
Para estudar a taxa de cobertura vacinal contra a Gripe sazonal em Profissionais de Saúde de um Hospital periférico a Lisboa, no período compreendido entre 2019 e 2023 (épocas 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023), foram utilizados os registos das vacinas administradas no Serviço de Saúde Ocupacional durante este período. O tratamento e análise dos dados obtidos foi realizado com recurso ao programa estatístico Microsoft Excel®. Na identificação e seleção dos estudos a aplicar na revisão da importância da vacinação contra a Gripe e os determinantes comportamentais de adesão e hesitação, os autores recorreram às bases de dados PubMed/Medline, Science Direct, Google Scholar, com as palavras-chave “Influenza vaccine”, “health professional” e “behaviour”. Foram selecionados artigos de revisão, incluindo revisões sistemáticas e meta-análises, publicados entre 2010 e 2024. Esta pesquisa resultou num total de 1277 trabalhos (PubMed/Medine = 66; Science Direct = 992; Google Scholar = 219). Foram eliminados artigos duplicados nas fontes utilizadas (n=10). Determinou-se como critérios de exclusão trabalhos com uma população-alvo diferente (que não fossem Profissionais de Saúde), estudos de outras vacinas que não a aplicável à Influenza/Gripe, ou vacinação na gravidez. Foram excluídos pela leitura do título 932 artigos. Por leitura do resumo eliminaram-se 373 artigos. Da leitura total dos artigos restantes, foram selecionados 22 como fonte para este estudo. Como complemento teórico, incluiu-se um estudo sobre os efeitos na saúde da vacinação; um trabalho relativo às consequências da infeção por Influenza nos trabalhadores; uma revisão sistemática da Cochrane e consultou-se o Boletim Epidemiológico da Gripe do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e a Norma de Orientação Clínica da DGS para a Campanha de Vacinação Sazonal contra a Gripe: Outono-Inverno 2023-2024. Para espelhar a realidade nacional foram incluídos os artigos sobre o tema publicados pela Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional Online (n=4), assim como estudos complementares e documentos de referência (n=5). No anexo na Figura 1 encontra-se o fluxograma que sistematiza a metodologia utilizada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentam-se os resultados da cobertura vacinal contra a Gripe sazonal em profissionais de um Hospital periférico a Lisboa, no período compreendido entre 2019 e 2023 (épocas 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023). Os dados referentes a cada uma das campanhas vacinais contra a Gripe encontram-se resumidos na Tabela 1, em anexo. Pela sua análise, observa-se que a cobertura vacinal desta população hospitalar partiu de uma base de 19% para atingir um valor máximo de 37%, tendo interrompido a tendência de crescimento na campanha vacinal 2022/23, com um valor mais baixo de 33%. Dentro de cada categoria profissional esta tendência foi transversal a todos os grupos, sendo a perda de cobertura vacinal mais acentuada de 2021/2022 para 2022/2023 no grupo de “Outros Profissionais” (representado na sua maioria por pessoal administrativo), que passou de 42,5% (n=181) para 34,3% (n=142), e o grupo “Enfermagem”, com uma queda de 32,7% (n=371) para 26,6% (n=306). No conjunto dos anos, o grupo que se destacou como tendo menor variação foi o grupo dos “Médicos”, com uma descida ligeira de cobertura vacinal de 43,6% (n=420) para 43,1% (n=406). Em anexo apresenta-se a representação gráfica da evolução da taxa de adesão total e por grupo profissional, no período contemplado pelo estudo, na Figura 2 e 3, respetivamente. Durante a pandemia COVID-19, fatores como a necessidade de teste diagnóstico COVID-19 na presença de sintomatologia de síndrome gripal, imposição de isolamento de contactos, procura mais frequente dos Serviços de Saúde Ocupacional e efeitos relacionados com a adesão à vacina contra a COVID-19, aumentaram a taxa de cobertura vacinal contra a Influenza. O European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) recomenda atingir uma taxa de cobertura vacinal de 75% com a vacina contra a Gripe sazonal em grupos-alvo chave, tais como indivíduos mais velhos e pessoas em risco de doença mais grave; esta recomendação estende-se também aos Profissionais de Saúde (8). Sendo a vacinação uma forma de promover a segurança de Profissionais de Saúde e doentes, os números reportados encontram-se aquém do recomendado. Em resumo, nos anos considerados, no hospital periférico estudado, existiu uma variabilidade na adesão dos profissionais à vacinação que oscilou entre 19% e 37% (média de 30%).
2019/2020 | 2020/2021 | 2021/2022 | 2022/2023 | |||||||||
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Grupo profissional | Total (nº) | Vacinados (nº) | % | Total (nº) | Vacinados (nº) | % | Total (nº) | Vacinados (nº) | % | Total (nº) | Vacinados (nº) | % |
Médico | 887 | 225 | 25,4 | 921 | 345 | 37,5 | 921 | 420 | 43,6 | 942 | 406 | 43,1 |
Enfermagem | 1045 | 164 | 15,7 | 1117 | 312 | 27,9 | 1131 | 371 | 32,7 | 1151 | 306 | 26,6 |
Assistentes técnicos | 293 | 60 | 20,5 | 289 | 98 | 33,9 | 296 | 122 | 39,5 | 300 | 107 | 35,7 |
Assistentes operacionais | 738 | 122 | 16,5 | 803 | 191 | 23,8 | 832 | 259 | 30,5 | 823 | 238 | 28,9 |
Outros profissionais | 386 | 80 | 20,7 | 409 | 148 | 36,2 | 423 | 181 | 42,5 | 429 | 147 | 34,3 |
Total | 3349 | 651 | 19,4 | 3539 | 1094 | 30,9 | 3603 | 1353 | 36,7 | 3645 | 1204 | 33,0 |
A maioria dos países europeus reporta taxas de adesão à vacina inferiores a 40% (2) (9). Apesar de se aproximarem dos números reportados nos Estados Unidos da América, onde se estima uma adesão de 42% nos Profissionais de Saúde, estes valores estão muito longe dos reportados por Moreno (2020), um investigador do Chile, que demonstrou uma cobertura vacinal global contra o vírus da Gripe de 89% e de cerca de 98% nos Profissionais de Saúde em 2019 (4) (10). Este valor é semelhante ao relatado por Maltezou (2019) no seu estudo sobre as políticas de obrigatoriedade de vacinação, instituições de saúde nos Estados Unidos, nas quais a implementação de obrigatoriedade de vacinação contra a Gripe sazonal em Profissionais de Saúde permitiu atingir taxas de cobertura vacinal de cerca de 94% a 98%(1) (9). Especificamente para os anos de 2016/2017, reporta taxas de cobertura de 92,3% em instituições hospitalares, 76,1% em cuidados de ambulatório como cuidados de saúde primários e 68% em unidades de cuidados de longo prazo, como lares. Conclui-se que, mesmo no período imediatamente após uma pandemia causada pelo vírus COVID-19, não existiu um crescimento sustentado da cobertura vacinal contra a Gripe sazonal, apesar das informações, recomendações e programas difundidos pela DGS.
De acordo com o CDC, durante 2019-2020, que corresponde à última temporada de Gripe antes da pandemia de COVID-19, a vacinação contra a Gripe evitou cerca de 7 milhões de episódios de doença, 3 milhões de consultas médicas, 100.000 hospitalizações e 7.000 mortes associadas à Gripe. A estimativa sobre os custos associados à Gripe neste país são de cerca de 10,4 bilhões de dólares custos médicos diretos, e 16,3 bilhões de dólares de ganhos perdidos resultantes de doença (3).
A transmissão desta doença é independente da existência de sintomatologia clínica evidente, cerca de 25% dos Profissionais de Saúde são classificados como portadores, não apresentando qualquer sintoma, apesar de apresentarem serologia positiva (1). Isto implica que possam transmitir a doença a utentes de todos os estratos etários. Realizando a estratificação de risco por idades, os surtos anuais de Influenza ocorrem com maior frequência nos meses de clima mais frio, levando a epidemias sazonais. As crianças, especialmente aquelas com menos de cinco anos e aquelas com certas condições médicas subjacentes, podem experimentar morbidade substancial, incluindo complicações graves ou fatais, da infeção pelo vírus Influenza. Um maior risco de hospitalização por Influenza antes dos cinco anos de idade foi observado em crianças nascidas prematuras (<37 semanas de gestação) ou a curto prazo (37-38 semanas de gestação) (11). Em adultos é estimado um excesso de mortalidade de 0,1 a 6,4 por 100.000 pessoas em indivíduos com idade inferior a 65 anos, enquanto que para os grupos etários mais velhos, mais suscetíveis a complicações clínicas e mortalidade após a infeção, o excesso de mortalidade de 2,9-44,0 e 17,9-223,5 por 100.000 pessoas com idades entre 65-74 anos e ≥75 anos, respetivamente (5).
Em relação ao absentismo provocado pela doença, Zumofen (2023) realizou uma revisão sistemática resumindo os efeitos negativos na produtividade causados pelo Influenza em indivíduos pertencendo à população ativa. Neste estudo foi reportado que, em média, 20% a 75% dos adultos faltaram devido à Gripe. O tempo médio de absentismo reportado foi cerca de dois a três dias para adultos; o absenteísmo médio para Profissionais de Saúde variou de 0,5 dias a 3,2 dias. Cerca de 60% a 80% dos funcionários foram trabalhar apresentando sintomas (presenteísmo), mas funcionários vacinados tenderam a faltar menos ao trabalho em comparação com os não vacinados (5). De acordo com a revisão sistemática da Cochrane realizado por Demicheli (2018) sobre a vacinação para prevenir a Gripe em adultos saudáveis, as vacinas inativadas contra a Gripe provavelmente reduzem a Gripe em adultos saudáveis de 2,3% sem vacinação para 0,9% e provavelmente reduzem a probabilidade de sintomas de Gripe de 21,5% para 18,1%; 71 adultos saudáveis precisam ser vacinados para evitar que um deles sofra de Gripe e 29 adultos saudáveis precisam ser vacinados para evitar que um deles tenha sintomas (25).
Está largamente demonstrado que a prevenção da transmissão do vírus da Gripe é possível através da vacinação, a qual nos adultos saudáveis reduz a morbilidade em 70 a 90%, ou seja, a vacinação é o meio mais eficaz para prevenir a doença e reduzir o impacto da mesma na população (12) (13) (14) (15) (25).
Num ensaio randomizado Wilde (1999), estudou a eficácia da vacina contra a Gripe em Profissionais de Saúde através de vigilância serológica semanal da doença em cada período de epidemia de Gripe, a incidência global de infeção por Gripe foi de 1,7% entre os recetores da vacina contra 13,9% entre os controlos que não receberam a vacina (25). A vacinação dos Profissionais de Saúde protege também os grupos de risco como os idosos e os portadores de doenças crónicas, dado importante numa população cada vez mais envelhecida, como a população portuguesa. Compreender o modo como os Profissionais de Saúde compreendem as diferenças entre vacinas pode ajudar a melhorar a aceitação da vacina contra a Gripe (16). A relutância dos Profissionais de Saúde em relação a esta vacinação contra parece uma incongruência, já que estes deveriam ter (in)formação suficiente para entender a sua importância. Por este motivo, importa perceber se os motivos para a não adesão são diferentes da população em geral e explorar de que forma podem ser modificados, para aumentar a cobertura vacinal pelos Serviços de Saúde Ocupacional dos Hospitais.
Existe uma literatura crescente sobre fatores ligados à hesitação e aceitação da vacinação dos Profissionais de Saúde, este sendo um fenómeno global, e que tem sido alvo de preocupação e inúmeros estudos multicêntricos (6) (13) (17) (18) (19) (20) (21) (22) (23) (24). As causas para recusa e hesitação vacinal são múltiplas e complexas, podendo incluir preocupações relativas à segurança do medicamento, muitas vezes promovidas por desinformação, crenças filosóficas e/ou religiosas, desconfiança em relação às práticas de saúde e uma perceção errada que os riscos de adquirir certas doenças são baixos na comunidade (21).
Numa revisão de Crawshaw (2022), estudaram-se as principais barreiras e facilitadores da aceitação da vacina usando o Theoretical Domains Framework (TDF). Este quadro teórico compreende 14 domínios comportamentais que representam as teorias de mudança comportamental que constituem fatores modificáveis que influenciam o comportamento. Destes 14 domínios (Conhecimento; Competências; Papel e identidade social/profissional; Crenças sobre capacidades; Otimismo; Crenças sobre consequências; Reforço; Intenções; Metas; Memória, Atenção e Processos de Decisão; Contexto e recursos ambientais; Influências sociais; Emoção e Regulação comportamental), destacou oito que são transversais a todas as vacinas, incluindo a da Gripe, como potencialmente importantes enquanto determinantes da adesão à vacinação entre Profissionais de Saúde (18).
Conhecimento - A promoção dos níveis de conhecimento e literacia sobre a importância da vacinação pode contribuir para a sensibilização dos Profissionais de Saúde, não só na proteção do próprio, mas também da dos seus doentes. A maioria dos Profissionais de Saúde procura informação complementar sobre a vacina com recurso a fontes oficiais fidedignas, como a OMS, o CDC e a DGS (13) (18) (20) (22). Na sociedade moderna, a massificação de acesso à internet, com descentralização e desregulação das fontes de informação, particularmente, através das redes sociais, promoveu na última década uma crescente popularidade de uma medicina “alternativa”, com consequente descredibilização da saúde publica e dos sistemas de saúde (9). A disponibilização de acesso a fontes credíveis é um fator importante no desenho de campanhas de promoção da vacinação sazonal. Segundo Tejada-Pérez et.al, o Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) deve fornecer informação fidedigna aos profissionais sobre a importância da vacinação para fazer frente e combater a desinformação proveniente da comunidade e da comunicação social, mostrando ao trabalhador que a melhor maneira de combater doenças é através da vacinação (11) (22).
Contexto Ambiental e recursos - Acesso a consultas médicas e de enfermagem dos SSO na promoção da vacinação e papel da recomendação e informação do Médico de Saúde Ocupacional na unidade de saúde, tem sido associado a uma tendência positiva no combate à Gripe sazonal através da vacinação (9). A facilidade de acesso à administração da vacina, a sua gratuitidade, a vacinação no próprio local de trabalho e o recurso a formulários de recusa, são outros fatores ambientais que constituem promotores para a vacinação. Sendo a gratuitidade da vacina importante para a adesão, ela é recomendada para os Profissionais de Saúde, de acordo com o artigo 13º do Decreto-Lei nº 84/97, de 16 de abril (26).
Influência social - Trabalhadores da área da saúde vacinados apresentam uma maior probabilidade de recomendar a vacinação contra a Gripe sazonal (16) (17) (27). Adicionalmente, receber um conselho de vacinação de outro profissional de saúde, de colegas de trabalho, companheiro(a) e/ou de familiares, aumenta a recetividade para a vacinação (13).
Crenças e conhecimento sobre consequências - Face às barreiras Dini (2018) destaca as crenças infundadas sobre a diminuição da suscetibilidade à Influenza por parte dos Profissionais de Saúde, a ilusão de que a doença apenas afeta gravemente doentes crónicos e a ideia de que a vacina provoca a doença, persistindo estes mitos de forma variável entre as diferentes categorias profissionais (2). Acreditar que a vacina é segura e que os efeitos adversos são pouco frequentes; que é eficaz para a proteção do próprio; que individualmente está suscetível a infeção sem vacina e que pode contrair doença grave, foram considerados fatores de adesão importante para aderir à campanha sazonal contra a Influenza (2) (13).
Crenças sobre a capacidade individual - A baixa perceção de risco individual, negação sobre os benefícios sociais da vacinação, ausência de pressão social real ou percebida e frequência diminuída de experiências negativas com a doença são associados a atitudes negativas para a vacinação (2). Profissionais que padecem de doenças crónicas são mais propensos a aderir à vacinação (2) (27) (28).
Identidade e papel social/profissional - Os Profissionais de Saúde têm uma responsabilidade profissional e ética de proteger os seus doentes (16). A nível individual, funcionam como exemplos para a restante sociedade na promoção da imunidade de grupo para esta doença. Devem ter um papel importante na difusão de informação correta e recomendações sobre vacinação aos seus pacientes. Trabalhadores do sexo feminino mais jovens, entre os 25 e 44 anos e do sexo masculino acima dos 45 anos, têm maior probabilidade de aderir à vacina contra a Influenza (13). Dini (2018) identifica o pessoal Médico como o grupo profissional com maior associação positiva à adesão à vacinação, no extremo oposto o pessoal de Enfermagem com uma correlação negativa relativamente a imunização (2), como já se referiu anteriormente.
Reforço - O histórico vacinal da vacina contra a Influenza é importante e a maioria dos estudos identifica como um fator promotor da vacinação, ter recebido a vacina da Gripe nos três anos anteriores (2) (9) (27) (28).
Emoção - Entre os fatores comportamentais associados ao aumento da adesão vacinal inclui-se a sensação de autoproteção e proteção de membros da família, tal como ser considerado pertencente a um grupo de risco (9). O medo associado a sofrer de doença crónica e o receio de contrair doença grave foram fatores com uma associação positiva à adesão (18). Por sua vez, o medo de agulhas e de efeitos adversos foi considerado uma barreia à administração (6) (18).
Domínios que não parecem ser determinantes da vacinação nos Profissionais de Saúde são as habilidades, regulação comportamental, memória, atenção, processos de decisão, objetivos e otimismo.
Dando importância ao contexto cultural, explora-se a realidade nacional através de três estudos publicados na Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional Online, para compreender se os domínios acima expostos se adequam à realidade portuguesa descrita nestes trabalhos. Relativamente às barreias e promotores comportamentais para a adesão à vacina, Pastrana (2022) num estudo descritivo, transversal, com recurso a uma metodologia quantitativa, estudou os conhecimentos sobre vacinação do Plano Nacional de Vacinação (PNV) dos Profissionais de Saúde em contexto dos Cuidados de Saúde Primários, identificando lacunas a sobre quais as vacinas recomendadas pelo PNV para Profissionais de Saúde e a consequente não adesão. Neste contexto, inquiridos sobre a fonte de informação utilizada para estudo da vacinação, a maioria respondeu usar os sites de organismos oficiais como a DGS e a OMS e 43,5% respondeu realizar pesquisa em bases de dados e revistas científicas (28). Refere ainda recurso a outras fontes de informação menos credíveis, como jornais (9,6%) e redes sociais (21,5%) (28). Neste estudo, apenas 25,7% referiram ter recebido (in)formação sobre a vacinação no serviço e foi identificado como uma barreira a ausência de profissionais do SSO em número suficiente; além disso, a maioria dos participantes já tinha por hábito vacinar-se contra a Gripe sazonal (28).
Noutro trabalho, realizado por Garcia (2021), a maioria dos profissionais considerou apresentar um risco muito baixo/baixo/médio de contrair Gripe e apenas 35,4% considerou o risco alto ou muito alto(1) Este estudo incidiu sobre a vacinação numa estrutura hospitalar contra a Gripe sazonal na época vacinal 2020-2021, durante a pandemia COVID-19, reportando taxas de adesão dos Profissionais de Saúde próxima dos 50%. Esta perceção de baixo risco foi transversal a todas as faixas etárias, sexo, categoria profissional, experiência profissional, história vacinal ou existência de doença crónica.
A relevância de compreender quais as barreiras e os fatores motivacionais para a adesão às campanhas de vacinação contra a Gripe por parte dos Profissionais de Saúde tornam-se importantes por ser um grupo de risco, fonte de transmissão da infeção quer a doentes e colegas, como também a familiares (1). A Gripe, enquanto doença endémica sazonal e as particularidades da eficácia da sua vacina, têm propriedades que diferem das outras doenças preveníveis por vacinação. As vacinas contra a Gripe são eficazes e seguras, mas a sua efetividade é variável de ano para ano, ao contrário das vacinas para as outras doenças, depende do grau de concordância antigénica entre os subtipos de vírus da Gripe em circulação e os incluídos na vacina, entre outros fatores, de que são exemplo a idade e o estado de saúde/imunocompetência do recetor (11). A vigilância das estirpes circulantes encontra-se a cargo de instituições públicas como o INSA (29) (30). A maioria das doenças preveníveis por vacinação possui uma baixa incidência, mas resultam em doença significativa ou morte (como exemplo da varicela, sarampo ou vírus da hepatite A). Em contraste, a Gripe sazonal possui uma incidência alta, mas uma perceção incorreta de menor gravidade da doença. Também não é bem reconhecido que a vacinação possa atenuar a gravidade da doença gripal e a necessidade de vacinação anual é percebida como um fardo para indivíduos com sobrecarga de trabalho como Profissionais de Saúde (16). A necessidade de interromper as atividades do trabalho para a administração da vacina, os efeitos secundários sua administração (como dor no local da inoculação, febre, calafrios, cansaço), mesmo que transitórios, interferem com o desempenho profissional e podem contribuir para ser um fator de hesitação para a adesão a esta vacina.
Apesar da crescente capacidade dos protocolos de controlo de infeção nas instituições de saúde, surtos de doenças preveníveis por vacinação continuam a ser um desafio (9). Dada a alta prevalência de hesitação vacinal em Profissionais de Saúde, estratégias de comunicação e educação, devem ser consideradas para aumentar a aceitação da vacinação, os Profissionais de Saúde têm um papel fundamental na modelação de comportamentos preventivos e também na ajuda à vacinação de outras pessoas, sendo um modelo para a população geral (10).
A perceção do risco de contrair Gripe sazonal entre os Profissionais de Saúde mantém-se baixa, o que provavelmente justifica a baixa taxa de adesão à vacinação e tendência de retorno aos valores pré pandemia (1). A pandemia COVID-19 influenciou positivamente a propensão das populações à adesão da vacinação contra a Gripe sazonal e outras doenças infeciosas preveníveis com vacinação (1). Estes números refletem uma maior perceção do risco de contrair a infeção, sendo que no contexto de pandemia COVID-19, as motivações podem ter mudado, influenciando a adesão (1). A supressão prolongada da circulação sazonal do vírus da Gripe, pelo uso de máscaras e medidas de isolamento, pode reduzir a imunidade da população e aumentar a gravidade de futuras epidemias do vírus da Gripe (5).
Correia (2021), num estudo observacional transversal descritivo de base hospitalar, caracterizou os principais motivos que influenciaram a vacinação contra a Gripe sazonal de trabalhadores da instituição de saúde. Entre os 33% de trabalhadores que responderam ao inquérito e não se vacinaram, identificou como principais barreiras à vacinação o receio de desenvolver efeitos adversos (63%), dúvidas de eficácia da vacina (52%) e receio de a vacina provocar Gripe (41%). A administração gratuita da vacina não foi considerada um elemento importante para aumentar a taxa de vacinação. Os grupos com menores conhecimentos médicos, como os Assistentes Técnicos e Operacionais apontou, como justificação para não se vacinar, a crença que a Gripe é uma doença benigna e autolimitada (26).
Dado que a hesitação vacinal entre Profissionais de Saúde pode ser uma causa de morbilidade e mortalidade para os doentes e para o próprio, é importante conhecer os determinantes comportamentais que constituem barreiras ou incentivos. Ser do sexo masculino, ter habilitações literárias a nível do ensino superior, ser médico, ter uma doença crónica, receber uma vacinação prévia contra a Gripe sazonal, acreditar que a vacina é segura e sem risco de efeitos secundários, acreditar na sua eficácia e benefícios para o próprio, doentes e familiares, bem como obter informações de fontes fidedignas, estão correlacionadas com maior probabilidade de adesão. As principais barreiras à vacinação nos Profissionais de Saúde foram o receio de contrair a doença devido à vacina, o medo de agulhas, receio de efeitos adversos, baixa perceção de risco de contrair a doença, confiança no sistema imunitário para combater a infeção, baixa confiança na eficácia da vacina e nunca ter sido vacinado no passado (1 ). É importante além de existir um número adequado de recursos humanos, que estes sejam saudáveis, de forma a garantir um serviço com qualidade e segurança, não só para os profissionais, mas também para a população atendida. A Saúde ocupacional é considerada pela DGS como uma área de intervenção que prioriza os locais de trabalho como lugares apropriados para promover a proteção e saúde dos trabalhadores, prevenindo os riscos profissionais e garantindo o acesso dos mesmos a serviços de saúde e segurança no trabalho (31)
CONCLUSÃO
Apesar dos esforços realizados anualmente, a cobertura vacinal para a Gripe sazonal continua com taxa de adesão sub-ótima entre os Profissionais de Saúde. Isto significa que uma percentagem significativa destes trabalhadores se mantém suscetível a esta doença ocupacional prevenível, ou com sintomas atenuáveis pela vacina. A abordagem para combater as barreias e promover a vacinação nos Profissionais de Saúde deve envolver múltiplas áreas e vários níveis, com uma comunicação dirigida a grupos específicos, para aumentar a sua eficácia. Deve adaptar-se a mensagem aos diferentes grupos populacionais e aos diferentes níveis de literacia em saúde. Conhecer estes determinantes comportamentais pode ajudar a desenvolver campanhas de promoção da vacinação a partir de novas perspetivas. Pelas características éticas das profissões envolvidas na prestação de cuidados diretos aos doentes, existe a necessidade de reforçar a ideia de que a vacinação entre Profissionais de Saúde não é apenas para seu benefício, mas acima de tudo para proteção dos seus doentes. Exemplos desta abordagem são a capacitação do SSO para implementar campanhas dirigidas às chefias e a trabalhadores que nunca se vacinaram, comunicar a segurança, a eficácia e os benefícios da vacina contra a Gripe para profissionais que sofrem de doenças crónicas, e combatendo mitos e desinformação através de formação e informação dos trabalhadores sobre este risco biológico laboral.
Futuros trabalhos nesta área deverão ser centrados com identificar os determinantes locais/institucionais de hesitação vacinal, avaliar a eficácia das mensagens de saúde pública de incentivo à vacinação e os prazos adequados para lançar estas campanhas, assegurando que os profissionais têm acesso a materiais e informações atualizadas sobre a doença e a segurança da vacina. Os Profissionais de Saúde são os elementos centrais de onde dependem os sistemas que mantêm a população saudável, elevar as taxas de cobertura vacinal contra a Gripe/Influenza através do reforço da mensagem de incentivo à vacinação ajudará a diminuir o absentismo dos Profissionais de Saúde e a pressão sobre o sistema de saúde nos períodos de maior incidência de doença.