INTRODUÇÃO
A formação na Saúde e Segurança Ocupacionais, ainda que os empregadores tenham de proporcionar 40 horas anuais a cada trabalhador, não é valorizada, nem cumprida, na maioria dos casos, mesmo utilizando as técnicas mais clássicas. Nos últimos anos a Realidade Virtual tem evoluído bastante e tem desenvolvido conteúdos que poderão ser utilizados neste contexto. Tentou-se com esta revisão reunir dados do que mais recente se publicou sobre o tema, ainda que a bibliografia seja razoavelmente escassa.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores e profissionais da saúde e segurança ocupacionais que usufrem ou poderão vir a utilizar a Realidade Virtual (RV)
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre de que forma a RV pode ser utilizada em benefício da Saúde e Segurança Laborais
-C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas à RV.
Assim, a pergunta protocolar será: De que forma a RV poderá contribuir para a Saúde e Segurança do Trabalho?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Realidade Virtual | -título e/ ou assunto | 878 | 1 | Não | - | - | - | |
+ trabalho | 3 | 2 | Sim | - | - | - | |||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | Virtual Reality | -2013 a 2023 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
6065 | 3 | Não | - | - | - | |
+ occupational health | 15 | 4 | Sim | 1 2 3 4 5 7 8 11 |
RV1 RV2 RV3 RV4 RV5 RV6 RV7 RV8 |
- 2 3 - 5 6 7 8 |
NOTA: dada a escassez de artigos, procuraram-se documentos relativos ao tema no motor de busca generalista Google, através da expressão “virtual reality occupational health security”, da qual surgiram as referências qualificadas como G1(1) e G2 (4).
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
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1 | Artigo Original | Bósnia/Sérvia | Os autores relatam que a formação obrigatória aos trabalhadores poderá ser realizada utilizando técnicas de RV e/ou RA, incluindo pormenores técnicos, exames, vantagens e desvantagens. |
2 | Artigo de Revisão | EUA | Estes investigadores consideraram que os métodos de formação clássicos não obtêm geralmente os resultados desejados, divulgando a possibilidade de prevenir a sinistralidade laboral no setor da construção civil através da RV/RA, com maior eficiência. |
3 | Artigo Original | Chile | Neste projeto pretendeu-se avaliar a eficácia da RA na prevenção de problemas médicos e acidentes laborais, tendo-se concluído que tal se demonstrou eficaz. |
4 | China | Nesta investigação objetivou-se avaliar a eficácia da RV na prevenção de problemas médicos (numa perspetiva mais a longo prazo) e sinistros (curto prazo), com enfase na diminuição da qualidade de vida, verificando-se que houve potenciação na identificação e perceção de risco. | |
5 | EUA | Este documento resume a investigação associada à aplicação de técnicas virtuais no alívio da dor, baseadas na terapia comportamental cognitiva, tendo sido verificadas melhorias na intensidade álgica e produtividade laboral. | |
6 | Os investigadores pretenderam avaliar a eficácia na gestão de stress de profissionais de saúde, mediante a utilização de um programa baseado na RV. Concluiu-se que este potenciou a Resiliência e Satisfação dos Profissionais e dos Pacientes. | ||
7 | Artigo de Revisão/ Protocolo de Investigação | Itália | Perante várias patologias associadas à ansiedade (como o Stress Pós-Traumático), idealizou-se um estudo que pretendia comparar a eficácia na abordagem da Terapia Comportamental Cognitiva e técnicas baseadas na RV. |
8 | Colômbia e Canadá | O artigo descreve um programa lúdico baseado na RV, com o objetivo de atenuar as lesões músculo-esqueléticas a nível das mãos, incluindo alguns detalhes técnicos da sua elaboração. |
CONTEÚDO
Alguns autores distinguem RV de Realidade Aumentada (RA), na medida em que esta última parte do que realmente está ao alcance visual e acrescenta informação adicional, no momento; já é utilizada a nível de Construção Civil, Saúde, bem como Emergência/Socorro/Bombeiros (1). Na primeira será possível entrar num contexto não real, com a ilusão de estar a ver, ouvir e/ou sentir de formas diversas, a três dimensões. Ambas podem ser utilizadas em contexto laboral, ainda que a nível de Saúde e Segurança Ocupacionais tal ainda esteja pouco explorado (1).
Alguns investigadores consideram que a metodologia clássica (e, de certa forma, passiva) de realizar educação e promoção, em contexto de Saúde e Segurança Ocupacionais estão cada vez menos adequadas. A tecnologia da Realidade Virtual (RV) consegue tornar a experiência mais apelativa, didática (2) e interativa (1), mesmo em setores complexos e perigosos, como a construção civil (3) e várias indústrias e sem que os participantes corram riscos reais (1) (4). Potencia-se a atenção, memória e concentração; bem como motivação, satisfação e confiança, e geralmente de forma mais célere. Na prática os funcionários passam a executar as tarefas de forma mais rápida, com menos erros e com menos tempo de aprendizagem (3).
Existem sites, por exemplo, que simulam alguns postos de trabalho, mas cuja eficiência ainda não foi testada com rigor, ainda que contenham muitos detalhes das condições de trabalho, a nível de materiais, dimensões e timings; por vezes, dando mesmo a sensação de estar presente/inserido no contexto criado, através de imagens a 360º (versão mais sofisticada da RV), de forma rápida, prática e a baixo custo; anteriormente, processos semelhantes eram muito morosos e trabalhosos, ainda que menos detalhados. Contudo, por outro lado, o ambiente laboral nunca será totalmente reproduzido num programa de RV (2).
Este tipo de tecnologia pode ser visualizada em computador, tablet e/ou smartphone e é geralmente muito simples de usar (2) e interagir (3). Os indivíduos que a utilizaram consideraram que aprenderam dados relevantes acerca do seu ambiente de trabalho (2).
Noutro contexto, mas também englobada na Saúde Ocupacional, esta tecnologia consegue, utilizando imagens da natureza, ter a capacidade de relaxar os trabalhadores (menores tensão arterial, frequência cardíaca e variabilidade do ritmo cardíaco), aumentando a criatividade, produtividade, bem-estar geral e atenção; diminuindo o stress (5) (6); eventualmente até atenuando/evitando o burnout. E quanto maior for a satisfação do funcionário, melhor será o seu desempenho e resiliência. Com os profissionais de saúde, por exemplo, foi inicialmente usada como distração de momentos mais ansiogénicos, demonstrado eficácia também com a depressão e síndroma de stress pós-traumático (6). Aliás, pode auxiliar no treino cognitivo-comportamental na atenuação do stress global e/ou outros sintomas/patologias psiquiátricas, eventualmente em contexto laboral. De forma generalista, pode ajudar a superar obstáculos (7).
Alguns autores defendem que se for dada ênfase à perda de qualidade de vida com problemas de saúde e/ou acidentes associados ao trabalho, a eficiência do processo global será superior, nomeadamente na identificação e perceção de risco (4).
No caso específico de uso frequente de computadores e equipamentos equivalentes a nível pessoal e profissional, tal levou ao aumento de lesões músculo-esqueléticas nas mãos/membros superiores. A RV pode orientar a execução de exercícios que atenuarão os sintomas e/ou a evolução da lesão, através de um formato equivalente a um jogo com apoio de avatares ou através da execução de uma tarefa virtual, como ser um pato a deslocar-se num lago, por exemplo; ainda que a tecnologia possa ser ainda mais aperfeiçoada (8).
Os locais onde se experimentarão a RV deverão ter temperatura e ventilação adequadas (6).
As principais desvantagens apontadas são o custo do hardware e do software, bem como dos conhecimentos técnicos para elaborar este tipo de produtos (1). Como principais desvantagens assinaladas em sites sobre o tema destacam-se o facto de o indivíduo conseguir movimentar todo o corpo (em vez de apenas mãos e dedos), de os cursos serem mais breves, poderem decorrer de forma remota e o facto deste tipo de tecnologia conseguir potenciar o cumprimento das regras de Segurança, nomeadamente o uso de Equipamentos de Proteção Individual.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Não parecem existir dúvidas que a generalidade dos indivíduos considera mais interessante realizar aprendizagem através de técnicas inseridas na RV e/ou RA, versus as metodologias clássicas, pelo que se supõe que será essa a evolução a ocorrer, sobretudo quando esta tecnologia se tornar mais acessível e económica; pelo menos enquanto existirem postos de trabalho em parte razoável da população, caso as previsões mais catastróficas associadas à Inteligência Artificial não se concretizem.
Seria interessante quantificar quantas empresas no país já utilizam a RV, bem como com que objetivos e resultados específicos, publicando tais sínteses em revista especializada.