INTRODUÇÃO
De acordo com a 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Burnout é uma síndrome que resulta de uma exposição crónica ao stress laboral e pode ser caracterizado atendendo a três dimensões: redução da eficácia a nível profissional; sentimentos de falta de energia ou exaustão e de negatividade ou cinismo relacionados com a atividade laboral. Assim, de acordo com a OMS, este fenómeno considera-se uma doença inteiramente de origem ocupacional (1).
Apesar de se tratar de um diagnóstico clínico, torna-se igualmente imperativo excluir causas que possam ser o motivo subjacente deste estado de exaustão, garantido um correto diagnóstico e possibilitando averiguar possíveis patologias associadas. Atualmente a evidência disponível também já permite estabelecer uma ligação entre a persistência de Burnout e insónia, doenças cardiovasculares, tendo também um papel em algumas doenças endócrino-metabólicas, como níveis aumentados de triglicerídeos, lipoproteínas de baixa densidade, colesterol total e glicemia em jejum (1) (2).
O Burnout tem maior incidência em profissões de elevado contacto com pessoas e em prestadores de cuidados, o que torna os médicos numa população particularmente vulnerável a esta patologia (3). Esta doença está associada a menor produtividade, aumento do absentismo e invalidez, acidentes de trabalho, erros de desempenho e consequentemente insatisfação dos doentes (4).
Tratando-se de uma entidade reconhecida recentemente, ainda é difícil determinar com precisão a sua prevalência e incidência, já que os critérios de diagnóstico (previamente mencionados) não são inequívocos, deixando espaço para interpretação. Por outro lado, existe uma sobreposição em termos de sintomas entre o Burnout e o síndrome depressivo, levando a que este último seja mais facilmente assumido como diagnóstico (1) (5).
Apesar de não existir um consenso sobre como o Burnout deve ser medido, o questionário validado para Portugal e traduzido em português denominado Maslach Burnout Inventory (MBI), que é um instrumento de 22 questões, é atualmente considerado o gold standard para medição desta patologia, abrangendo as suas três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal (Anexo 1) (6). Apesar de fornecer informações valiosas, esta escala tem como aspetos negativos a inexistência de um nível de Burnout que se correlacione com desfechos negativos e o facto dos resultados da avaliação das três esferas não se traduzirem em áreas alvo de intervenção (7).
Uma meta-análise de 170 estudos observacionais (n >230.000 médicos) concluiu que os médicos com Burnout tinham uma probabilidade três vezes maior de estarem insatisfeitos com sua carreira (OR 3,8; IC 95% 3,2-4,4), arrependerem-se da sua escolha profissional (OR 3,5; IC 95% 2,4-5,0) e ter pensamentos ou intenções de deixar o emprego (OR 3,1; IC 95% 2,3-4,2). Além disso, estes profissionais tinham duas vezes mais probabilidade de se envolverem em incidentes de segurança do paciente (OR 2,0; IC 95% 1,7-2,5), de terem baixo profissionalismo (OR 2,3; IC 95% 2,0-2,7) e de receberem baixas classificações de satisfação do paciente (OR 2,2; IC 95% 1,4-3,6) (8).
Uma peça-chave na atividade quotidiana do Médico de Família, além do tratamento da doença, prende-se com atividades preventivas. Existem cinco níveis “clássicos” de prevenção: primordial, primária, secundária, terciária e quaternária. Em 2014 foi descrito pela primeira vez em Portugal o conceito de prevenção quinquenária (9). Este nível de prevenção pretende evitar o dano para o paciente, atuando no médico através de estratégias que visem a diminuição do Burnout.
Assim, torna-se fulcral a implementação de estratégias que visem a prevenção quinquenária. Segundo Santos JA, as estratégias de prevenção quinquenária podem dividir-se em quatro níveis, nomeadamente: a nível do médico/profissional de saúde, do paciente, do local de trabalho; e da administração/tutela/governamental (10).
A nível do médico encaixam-se as intervenções que potenciem o bem-estar em todas as esferas da vida e promovam o autocuidado e autoconhecimento, nomeadamente estabelecer tempo para bons estilos de vida, como exercício físico, reflexão pessoal e outras atividades prazerosas para o próprio (10) (11). Aqui incluem-se também a frequência de grupos de Balint e o recurso a terapia cognitivo-comportamental (1) (11). No caso dos grupos de Balint, a maioria dos médicos reportou que, após frequência de uma sessão, aumentaram a satisfação no trabalho devido à redução do stress e suporte mútuo (10). Já no que toca à terapia cognitivo-comportamental, apesar de mais estudos serem necessários, esta tem demonstrado uma melhoria no comportamento em relação ao trabalho, melhoria geral no desempenho laboral e redução do stress mental (1).
A nível do paciente as estratégias passam por promover a autorresponsabilização nas decisões de saúde e em fomentar a consciência e valorização da relação médico-doente (10).
No local de trabalho é fundamental a existência de material e privacidade necessários para observação do paciente, equipamentos informáticos funcionais, programas informáticos com um suporte de registo intuitivo e instalações com locais onde os profissionais possam fazer as pausas. Importa ressalvar, também, a importância de estimular as boas relações interpares através de eventos direcionados para o team building e realização de reuniões onde os diferentes elementos tenham um ambiente confortável para partilha e exposição de preocupações (10).
A nível governamental passa pelo cumprimento de horas de pausa, evicção da sobrecarga laboral com limitação do número de horas extraordinárias e exequibilidade do número de consultas por hora, permitindo ao profissional tempo para o autocuidado e atender às suas necessidades básicas, assim como tempo para assegurar uma avaliação cuidada e responsável dos seus utentes, fomentando uma prestação de cuidados com maior qualidade (10).
O Médico do Trabalho desempenha um papel fundamental na prevenção e tratamento do Burnout entre profissionais médicos. Em termos preventivos, estes profissionais são capazes de identificar fatores de risco que contribuem para esta patologia, tais como a sobrecarga de trabalho, a falta de apoio organizacional e a existência de conflitos interpessoais, podendo propor intervenções para os minimizar. Neste nível, podem, também, incentivar a implementação de programas de promoção de bem-estar físico e mental, tais como a criação de períodos de relaxamento, estratégias de gestão de stress e melhoria da ergonomia do local de trabalho. Esta especialidade pode, ainda, ter um papel ativo na deteção precoce do Burnout, através da pesquisa sistemática de sintomas típicos em todos os contactos com profissionais médicos. Dentro das suas funções, o Médico do Trabalho tem um papel fundamental no acompanhamento clínico de casos de Burnout diagnosticados, colaborando no acompanhamento do tratamento prescrito, gestão de sintomas e adaptações da carga horária dos profissionais, tendo, da mesma forma, uma capacidade privilegiada de atuação no que concerne à colaboração com a gestão organizacional, sendo capaz de promover mudanças estruturais redutoras de stress no ambiente laboral, formular e implementar políticas que priorizem a saúde mental dos profissionais, tais como garantir o descanso adequado dos colaboradores, proporcionar a flexibilidade de horários e acompanhamento psicológico regular (12).
DESCRIÇÃO DO CASO
Mulher, 29 anos, com mestrado em medicina, atualmente no último ano da especialização em Medicina Geral e Familiar (MGF). Apresenta antecedentes pessoais de rinite alérgica, excesso de peso e perturbação de ansiedade. Medicada diariamente com lorazepam 1 mg e etinilestradiol/gestodeno (0,02mg/0,075mg). Antecedentes familiares: mãe e pai com hipertensão arterial e excesso de peso.
Vive com os pais, relações intrafamiliares harmoniosas, solteira. Tem uma irmã de 34 anos com quem mantém boa relação. Tem bom apoio familiar.
Sem hábitos tabágicos, consumo pontual de bebidas alcoólicas, pratica exercício físico três a quatro vezes por semana, de intensidade moderada. Alimentação variada com ingestão de legumes e fruta diariamente, tem preferência por alimentos com pouca gordura e sal (consome fritos menos de uma vez por mês), sem restrições alimentares; desde há três meses com ingestão excessiva de alimentos açucarados no período noturno. Bebe cerca de dois litros de água por dia.
Recorre a consulta aberta no Centro de Saúde por queixas com três meses de evolução de exaustão física e mental, sentimentos de desesperança, irritabilidade, insónia inicial e intermédia e hiperfagia com ganho ponderal de dez quilogramas em dois meses. Solicita certificado de incapacidade temporária para o trabalho (CIT) porque “já não aguento mais trabalhar. Preciso de dormir uma semana” - sic. Refere deitar-se pelas 23 horas, não tem televisão no quarto, mas usa telemóvel na cama. Já tentou realizar meditação, suplementos de melatonina e valeriana para dormir, sem sucesso. Estas queixas agravam-se após a jornada de trabalho, refere “não ter paciência para lidar com os doentes” (sic), já que a gestão das consultas agrava a exaustão emocional. É neste período noturno que concentra a ingestão excessiva de alimentos açucarados. Apresenta episódios de diarreia e vómitos durante picos de ansiedade no trabalho e em momentos em que é sujeita a avaliação. Faz muitas horas extraordinárias na unidade de colocação perfazendo uma média habitual de 50 horas de trabalho semanal.
Aponta como principal causador deste quadro o trabalho excessivo no Centro de Saúde decorrente da exigência do Internato de Formação Especializada. Os atrasos na hora das consultas causam-lhe grande frustração e ansiedade; adicionalmente os secretários clínicos solicitam-lhe muitos “favores” porque “sabem que não digo que não”- sic. Sente-se pouco apoiada pelos colegas de equipa e orientador de formação e considera-se pressionada a gerir a agenda médica de forma eficiente, sem ter preparação para tal.
Relata erros pontuais na prescrição médica, pelo que sente necessidade de rever várias vezes os registos efetuados e as atitudes tomadas. Assume que “não fiz mais erros porque ligava muitas vezes aos doentes no dia seguinte a alterar planos e a entregar receitas e exames que me esquecia no dia anterior” (sic), o que a preocupava muito e fazia descrer da sua capacidade em ser Médica. Nega sintomas do foro cardiorrespiratório, como palpitações, dor ou opressão torácica ou dispneia. Nega queda de cabelo, calor ou frio excessivo ou tremores, bem como alterações visuais e cutâneas.
Quando questionada, nega agendamento de consultas de Medicina do Trabalho durante todo o internato médico e desconhece qual a sua acessibilidade para os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários.
Ao exame objetivo apresenta-se normotensa e normocárdica. Pele e mucosa sem alterações. Tiroide não palpável e sem adenopatias cervicais palpáveis. Auscultação cardiopulmonar, tal como abdómen, membros inferiores e exame neurológico sumário normal. Aspeto cuidado, discurso coerente. Contacto ocular fugaz, cabisbaixa; humor deprimido, chorosa aquando da exploração dos motivos da consulta, em constante movimento dos membros inferiores; mas sem ideação suicida. Aplicando o questionário MBI obtiveram-se os seguintes resultados: Secção A - 34 pontos - nível elevado; Secção B - 28 pontos - nível elevado; Secção C - 25 pontos - nível elevado.
Foi emitido CIT por sete dias, pedido estudo analítico alargado para exclusão de causas orgânicas, nomeadamente défices vitamínicos ou patologia endócrina (tiroideia, suprarrenal, hipotálamo-hipófise-gonadal), feitas recomendações de higiene do sono e sugeridas estratégias para evitar hiperfagia, bem como de gestão de consulta. Foi proposto o início de fluoxetina 20 mg/dia e trazodona 50 mg/dia, enquanto efetuou desmame de lorazepam, que a utente aceitou. Foi ainda proposta psicoterapia em âmbito dos Cuidados de Saúde Primários que a utente recusa. Tem preferência por psicoterapia em âmbito particular pela maior brevidade de resposta. Nega ter sido convocada a qualquer consulta de Medicina do Trabalho desde que ingressou na especialidade de MGF e desconhece qual a acessibilidade para os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários. Foi agendada consulta de reavaliação em quatro semanas.
Na primeira reavaliação, um mês depois, referiu melhoria parcial dos sintomas de ansiedade laboral desde que iniciou estratégias para melhor estruturação e gestão das consultas e menos episódios de hiperfagia noturnos. Sem insónia com o tratamento instituído. Iniciou psicoterapia a título particular e encontrava-se satisfeita. O estudo analítico encontrava-se sem alterações e foi programada nova reavaliação em quatro semanas.
Na segunda reavaliação, referiu melhoria do humor e dizia-se mais esperançosa com a carreira de futura Médica de Família, apesar de manter elevada sobrecarga e pressão laboral. Alegou diminuição dos erros cometidos e maior satisfação com o trabalho, tendo reduzido significativamente o número de horas extraordinárias realizadas para cerca de uma a duas horas por semana, após conversa com a equipa de trabalho na Unidade de Saúde Familiar. Mantém psicoterapia, referindo grande satisfação e reconheceu a importância de manter seguimento. Recusou grupo Balint por não se sentir confortável na partilha das suas experiências. Aplicado novamente o questionário MBI, foram obtidas as quantificações aqui registadas: Secção A - 26 pontos - nível moderado; Secção B - 9 pontos - nível moderado; Secção C - 29 pontos - nível moderado. Foi programada nova reavaliação em três meses.
Na terceira reavaliação, cerca de seis meses após a primeira consulta, manteve melhoria do humor e das relações interpessoais na esfera pessoal e laboral. Manteve o número de horas extraordinárias semanais e uma sessão semanal de psicoterapia. Motivada pelo pouco tempo em falta para o término do Internato Médico e referiu encontrar-se confiante para enfrentar essa fase de desafio. Demonstra-se sorridente e com bom contacto ocular durante a consulta. Aplicado o questionário MBI, resultaram os resultados aqui inseridos: Secção A - 20 pontos - nível moderado; Secção B - 5 pontos - nível baixo; Secção C - 39 pontos - nível moderado. Foi programada nova reavaliação para seis meses.
DISCUSSÃO
Os profissionais de saúde, onde se incluem os médicos, são um grupo particularmente vulnerável a desenvolver Burnout (3). No caso dos Médicos de Família, além do trabalho excessivo provocado pelas listas de utentes no limite máximo, pelos blocos de consulta demasiado curtos (com o objetivo de aumentar a acessibilidade), acresce o excesso de trabalho burocrático, a inadequação, inoperabilidade e falha frequente de muitos sistemas informáticos. A somar a estes fatores ainda se pode incluir a execução de outras atividades que não estão incluídas na carteira básica de serviços e que “obrigam” o médico a trabalhar horas extraordinárias, feriados e fins-de-semana, deixando cada vez menos tempo para o bem-estar e autocuidado. Por outro lado, alguns destes profissionais podem ter traços de personalidade que propiciam o aparecimento desta patologia, como o perfecionismo (11).
Neste caso apresentado, a doente é médica interna de último ano da especialidade, o que o torna particularmente interessante. O internato em Medicina Geral e Familiar tem um elevado nível de exigência, não só pelo facto de existir um grande número de internos, o que inevitavelmente aumenta a competitividade interpares, mas também porque o que é esperado de um interno de MGF em fase final de Internato Médico é rigoroso: além de vários trabalhos e premiações dos mesmos, assume-se que o interno deva executar tarefas de gestão na unidade de colocação, faça várias atividades da carteira adicional de serviços, além de realizar grande parte das consultas presenciais e não presenciais. Estas últimas englobam a renovação de receituário, observação e interpretação de meios complementares de diagnóstico prescritos ao utente, realização de relatórios médicos, referenciações hospitalares solicitadas por colegas de outras especialidades a quem os utentes recorrem a nível particular, a receção e leitura de cartas de outros médicos, sejam notas de alta do internamento ou da consulta Hospitalar, com a consequente orientação e reavaliação posteriores, entre outros. De referir que todas estas tarefas descritas são, muitas vezes, realizadas fora do horário do médico dada a indisponibilidade de agendamento dentro do horário de trabalho, uma vez que, de forma a melhorar a acessibilidade aos utentes, a agenda encontra-se maioritariamente preenchida com consultas presenciais. Este fator conjugado com a inexperiência dos médicos internos na gestão de tempo de consulta, e o número crescente de doentes complexos (doentes com três ou mais problemas crónicos de saúde de diferente natureza, sendo pelo menos um deles de saúde mental e outro de natureza social, ou com mais do que um internamento hospitalar no último ano) que integram as listas de utentes levam a que os atrasos sejam frequentes e o tempo destinado a estas consultas não presenciais seja ainda mais escasso (13) (14). Deve ainda ser referido que se encontra preconizado para todos os internos desta especialidade a existência de oito horas semanais para atividades não clínicas, ou seja, o interno, em conjunto com o orientador de formação, devem planear o uso deste tempo para aquilo que for de maior utilidade ao interno, seja estudo, realização de trabalhos ou outras atividades. Porém, devido à exigência do último ano da especialidade e ao objetivo curricular de 1500 consultas que o interno tem de realizar num ano, estas horas acabam por ser utilizadas na realização de consultas médicas, pelo que a maior parte dos trabalhos, quer para a unidade de colocação quer para fins curriculares, e mesmo as horas de estudo, acabam por ser feitos no domicílio, em horário pós-laboral e, portanto, são horas de trabalho extraordinárias não remuneradas.
Neste caso, além da carga horária excessiva e da delegação de responsabilidades com as quais a interna não se sentia confortável, demonstra-se também um local de trabalho disfuncional, com a equipa a solicitar mais consultas (“favores”), somando ainda a falta de apoio dos colegas de profissão.
No que toca ao Internato Médico seria fulcral reduzir a competitividade interpares e fomentar uma relação segura com orientadores de formação, de forma a tornar racional a carga de trabalho, tendo como objetivo final a aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de competências dentro daquele que é o horário laboral vigente em Portugal. Associadamente, seria também importante uma formação sobre gestão de tempo para que toda a equipa de saúde faça uma gestão mais eficaz do mesmo, aumentando a satisfação no local de trabalho. A reformulação da grelha curricular de forma a torná-la mais liberal no que toca às preferências individuais também seria essencial; para que os internos pudessem expressar e investir nas áreas em que têm maior interesse e aptidão e não se sentissem compelidos a fazer várias tarefas e trabalhos em simultâneo apenas para cumprir os elementos avaliativos da grelha curricular. Desta forma, além de reduzir a comparação e competitividade entre internos, seria possível formar médicos especialistas que desenvolvem e investem em áreas de interesse, traduzindo-se numa maior satisfação individual, em cuidados mais diferenciados, personalizados e consequentemente num melhor desempenho.
Um acompanhamento mais próximo e sistemático da parte da Medicina do Trabalho deveria ter sido considerado; o qual poderia ter desempenhado um papel ativo na deteção precoce, implementação de medidas para gestão e minimização do Burnout e acompanhamento clínico da doente.
Uma ampla base de evidências na pesquisa de saúde ocupacional detalhou várias características adversas encontradas em ambientes de trabalho clínicos. Cargas de trabalho excessivas e, em particular, a intensidade de trabalho têm mostrado aumentar a fadiga dos médicos e diminuir tanto a motivação quanto o compromisso laboral. O Burnout torna-se assim o resultado provável de médicos que lidam com uma carga de trabalho excessivamente alta causada quer pela ausência de pessoal, quer pelo apoio inadequado e liderança deficiente, combinada com desequilíbrios entre esforço e recompensa, e questionamentos morais decorrentes da incapacidade de fornecer padrões adequados de atendimento, podendo comprometer os cuidados de saúde prestados (14).
CONCLUSÃO
Relatou-se um caso de uma médica interna em MGF com o diagnóstico de Burnout, que conseguiu melhorar substancialmente a sua qualidade de vida e satisfação no trabalho e vida pessoal, após a implementação de medidas farmacológicas e não farmacológicas e também após alterações a nível laboral e imposição de limites. Conseguiu diminuir a perceção de erro médico, melhorando assim os cuidados de saúde prestados aos utentes. O longo percurso de recuperação do Burnout torna fulcral o acompanhamento multidisciplinar destes doentes, devendo existir um papel ativo por parte do Médico do Trabalho e não só do Médico de Família e Psicólogo, visando melhorar a qualidade de vida e saúde dos profissionais, no âmbito da sua atividade laboral.
Com este relato de caso pretende-se abordar e sensibilizar os profissionais para a prevenção do Burnout na comunidade médica, em particular nos médicos internos, fomentando a prevenção quinquenária.
O bem-estar psíquico dos médicos é vital para a execução das suas funções e funcionamento seguro do sistema de saúde. Sendo os médicos internos uns dos pilares que sustentam o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde português, várias estratégias devem ser adotadas quer pelas instituições onde exercem funções, quer a nível governamental para prevenção do Burnout. Apenas profissionais realizados na sua esfera biopsicossocial conseguem proporcionar cuidados de qualidade e reduzir de forma importante o erro médico, seguindo assim o princípio bioético da não-maleficência, vertido na máxima “primum non nocere”.