1 O COMÉRCIO
No início da civilização, os agrupamentos sociais viviam sob uma economia de subsistência, na medida em que o modo de produção experimentado visava a produção para o consumo próprio. Estas comunidades primitivas não conheciam o comércio e as relações de troca dele decorrentes. Com o desenvolvimento, a economia de subsistência passou a ser insuficiente para o sustento dos indivíduos. Neste sentido, o primeiro e mais singelo instrumento destinado ao intercâmbio de coisas foi a troca. Por meio deste instrumento, os excedentes de um grupo eram trocados pelos de outro, em função da necessidade recíproca por tais excedentes. Claro que esta solução provocou problemas relativos à falta de equivalência entre os bens trocados. Assim, objetivando atenuar este problema, foram criados instrumentos de pagamento2. Em função da evolução do comércio, passou-se desde a utilização de animais, metais preciosos, até a utilização da moeda dotada de curso legal3. A respeito dessa necessidade de utilização de materiais de troca não perecíveis e de fácil transporte e manuseio, tal qual os metais, cite-se Adam Smith4. Atualmente, a evolução moderna das atividades mercantis, leva-nos à existência, inclusive, da moeda escritural, sem possibilidade de apreensão física5.
Desta sorte, o comércio passou de uma atividade primitiva de troca para um conceito de intermediação de bens e serviços para o mercado, encontrando, posteriormente, o intervencionismo estatal como norteador do exercício da atividade mercantil6.
É importante notar que ao longo do tempo surgiram normas disciplinadoras da atividade dos comerciantes. Cumpre ressaltar que este corpo de normas tinha por escopo abranger os usos e costumes comerciais, bem como ser aplicável a todos aqueles cujas atividades são conexas7 às dos comerciantes8. A tal direito denomina-se direito comercial9, mercantil ou empresarial10, sendo caracterizado pela simplicidade de suas fórmulas, pela internacionalidade de suas regras, pela rapidez de sua aplicação, pela elasticidade de seus princípios, pela onerosidade de suas operações e pela massificação das operações11.
O Código de Hamurabi, de 2083 a.C., já trazia regras concernentes ao empréstimo a juros, ao contrato de depósito, bem como consagrava uma forma primitiva de contrato de comissão. Todavia, não havia um conjunto de normas com princípios próprios, aplicáveis somente a determinada classe e dotados de autonomia funcional. Apesar das influências dos diversos povos, dentre os quais fenícios12, gregos13 e romanos14, o direito comercial surgiu na Idade Média, “como um fenômeno histórico, cuja origem é ligada à afirmação de uma civilização burguesa e urbana, na qual se desenvolve um novo espírito empreendedor e uma nova organização dos negócios. Essa nova civilização surge, justamente, nas comunas italianas.”15
No período compreendido entre o século XII e a segunda metade do século XVI pode-se vislumbrar o grande desenvolvimento do direito comercial, notadamente fundado na estrutura corporativa da época16. O ambiente social, político e econômico contribuía para o desenvolvimento do comércio. Este era desenvolvido à margem do modo de produção feudal então vigente. Assim, um grande contingente passou a migrar para as cidades (burgos). Nestas cidades, eram realizadas feiras com um crescente fluxo de bens, serviços e pessoas e uma realidade econômica que precisava ser normatizada. A autoridade em tais cidades arrecadava impostos e criava normas especiais para a disciplina comercial. Todavia, o comércio encontrava como barreira a vedação, por parte da Igreja Católica, da usura, que dificultava o incremento de negócios jurídicos com cobranças de remuneração sobre o capital17. Tal proibição, contudo, não logrou êxito, considerando-se o grande número de negócios jurídicos simulados existentes no período, como, por exemplo, o instituto da revenda.
O surgimento do capitalismo, como modo de produção, com o advento da formulação do Estado Nacional e Absolutista, trouxe consigo o mercantilismo e a exploração colonial. Neste período, podemos vislumbrar a existência de grandes empreendimentos que visavam ao desenvolvimento do comércio marítimo e colonial, o que muitos avaliam como o antecedente histórico da sociedade de capitais, notadamente, com o surgimento da Companhia Holandesa das Índias Orientais18, no século XVIII. O modelo de sociedade de capitais tinha por fulcro angariar capitais para o financiamento das expedições marítimas. Em seguida, com o advento da Revolução Industrial, com a ascensão de uma nova classe, o comércio floresceu em bases liberais, impulsionado pelo aumento da produção em escala e pela diminuição dos preços unitários, sendo necessária uma regulamentação sistematizada, que deu origem ao movimento de codificação. Esse boom da atividade econômica trouxe consequências muito desagradáveis, já que não havia regulamentação para conter o crescimento desordenado. Durante a Revolução Industrial, a atividade econômica, a princípio, desenvolveu-se aviltando o trabalhador, o consumidor e o meio ambiente, preocupações estas que, à época, ficaram relegadas a segundo plano, mas que posteriormente se mostraram centrais para a manutenção de nossa civilização. Nesse contexto, coube ao Direito19 intervir na atividade econômica.
O Código Napoleônico de 1807 foi o marco do Direito Comercial na sua época, inspirado nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa. Tal Código foi dividido em 4 (quatro) livros, quais sejam: I - do comércio em geral: comerciantes, livros de comércio, sociedades, separação de bens, bolsas comerciais, comissários, compra e venda, letras de câmbio e bilhetes à ordem; II - do comércio marítimo; III - das falências e bancarrotas; e IV - da jurisdição comercial. Verifica-se que o Código representa um marco, na medida em que consolida diversos preceitos de inspiração consuetudinária20, influenciando todas as codificações posteriores21.
A complexidade das relações provocou a estratificação do direito comercial, que continua sendo visto como ramo autônomo. Neste sentido, surgiram regras específicas ao direito falimentar, ao direito societário, ao direito concorrencial etc.
2 COMÉRCIO ELETRÔNICO
O desenvolvimento do comércio ao longo dos séculos, conforme estudado, foi de fundamental importância para o desenvolvimento do Direito Empresarial. Atualmente, no entanto, surgiu uma nova forma de comerciar à distância - por meio eletrônico. Sabe-se que o comércio eletrônico encontra-se em franca expansão. A Internet World Status que aponta o número de usuários da internet por país coloca o Brasil na 4ª Posição do mundo22.
Atualmente a internet possui cerca de 4 bilhões de usuários em todo o mundo, cada um deles um potencial comprador. No Brasil, conforme apontado pelo CIA World Factbook, o Brasil conta com 122 milhões de usuários da internet23, fato este que merece, sem dúvida, a atenção do legislador, do doutrinador e do julgador.
É fato que atualmente vivenciamos um momento revolucionário. A evolução trazida pela internet24 adentrando a vida do Homem comum equipara-se, sem dúvida alguma, a uma revolução, ainda que cultural. Por esse motivo é comum referir-se ao atual momento histórico como a era da Revolução Informática25. Essa Revolução Informática acabou por alterar o conceito do comércio, conceito esse que está sempre se adaptando às evoluções da Humanidade. Porém, a utilização cada vez maior da internet deu origem a uma nova forma de comércio, que é conhecida como Comércio Eletrônico.
Dessa forma, parece-nos evidente que o legislador não pode ficar indiferente a um universo tão vasto, uma vez que as situações de conflito devem aumentar cada vez mais com o desenvolvimento e socialização da internet.
Ocorre, no entanto, que a internet e o Comércio Eletrônico ainda não apresentam regulação satisfatória, de forma que não se tem certeza da forma de solução de conflitos, caso estes se apresentem.
Para dificultar ainda mais a situação, temos o posicionamento do Direito em matéria de Comércio Eletrônico atinge níveis de complexidade impensados, uma vez que o Comércio Eletrônico torna as fronteiras fluidas e aproxima as pessoas de uma forma totalmente nova26, criando, inclusive, novas formas de praticar delitos27. Assim sendo, estamos diante de uma criação tecnológica que permite o desenvolvimento de sistemas ainda mais sofisticados, havendo a necessidade imediata de os juristas, juízes e legisladores orientarem-se pelos pareceres e laudos de especialistas em informática, quando da elaboração de leis ou do julgamento de lides.
No Direito Brasileiro, bem como em quase todos os países de tradição civilista, temos que as leis encontram-se calcadas na territorialidade, o que se contrapõe diretamente ao caráter transnacional da internet. Por isso é que o comércio eletrônico possui grande aproximação com o Comércio Internacional, sendo certo que o principal problema enfrentado pelo Comércio Internacional diz respeito à lei que dirimirá os conflitos havidos entre os comerciantes, já que é normal que cada um se encontre em jurisdições diferentes28.
Para se bem regulamentar o Comércio Eletrônico, são necessárias negociações entre as nações, nos moldes de padrões interculturais adequados ao jus-racionalismo - o que é extremamente demorado - ou que entidades paraestatais se empenhem em traçar diretivas que devem ser observadas pelas nações. Na verdade, esta última parece-nos ser a tendência no que pertine ao Comércio Eletrônico. Afinal, comércio eletrônico não é um assunto de âmbito meramente local, mas, sim, global29 em face da diluição de fronteiras ocasionada pela internet.
Obviamente regrar o comércio eletrônico é uma tarefa difícil, frente à velocidade com que a utilização da internet e o próprio comércio eletrônico evoluem, gerando novas formas contratuais, modalidades comerciais30, vias de pagamento31 e dispositivos para dar segurança ao usuário, isso sem falar em novas tecnologias de encriptação e de decriptação. Dessa forma, entendemos que a aplicação da lex mercatoria32, ou melhor dizendo, de uma e. lex mercatoria seria uma solução viável para a solução de conflitos gerados pelo comércio eletrônico. Claro que, infelizmente, encontramo-nos irremediavelmente distantes dessa solução. Felizmente, os primeiros passos parecem estar sendo dados, através da uniformização de leis preconizada por instituições mundiais como a OMC33, UNCITRAL34 e a OECD35 e pela própria Comunidade Europeia. Estas tentativas internacionais acabam por se fazer sentir nacionalmente.
3 ASPECTOS JURÍDICOS DO DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Pela análise dos dados acima apresentados pode-se concluir que a dependência do mundo virtual é inevitável. Grande parte das tarefas do nosso dia a dia será ou já foi transportada para a Rede. A questão que surge está relacionada aos aspectos jurídicos da utilização da Rede, basicamente a sua interpretação jurídica.
Lembre-se que o mundo jurídico desenvolve-se de forma mais lenta do que o mundo tecnológico. Atualmente, a regulamentação jurídica não acompanha o ritmo frenético do desenvolvimento tecnológico. De outra forma, não poderia ser. Os trâmites legais para a validade de normas jurídicas são tão intrincados e dificultosos que não há como acompanhar o novo mundo digital ou os rumos da chamada Nova Economia.
Faz-se mister a adaptação à nova realidade e a adaptação das atuais normas jurídicas à Nova Economia, até que outras apareçam, pois que quando de sua promulgação essa nova realidade não existia. Porém, em vários casos, mesmo as normas mais recentes serão consideradas antiquadas quando surgirem36. A legislação brasileira pode e vem sendo aplicada à maioria dos problemas relacionados à Rede e o legislador está tentando sanar as lacunas existentes. Temos, atualmente, infindáveis projetos de lei em tramitação atual junto ao Congresso Nacional. Gostaríamos, no entanto, de destacar as seguintes normas:
3.1 Marco Civil da Internet
A Lei 12.965/2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff no dia 23.04.2014 e entrou em vigor a partir 23.06.2014. Referida legislação visa estabelecer os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
O Marco Civil da Internet funda-se em 3 princípios, quais sejam:
Proteção à privacidade dos usuários: A proteção dos dados pessoais e a privacidade dos usuários são garantias estabelecidas pelo Marco. Dados de usuários não poderão ser repassados a terceiros sem o seu consentimento expresso e livre, prática essa que era comum principalmente com fim de publicidade. Tal proteção só pode ser quebrada mediante ordem judicial. Esta proteção atinge também e-mails e outras formas eletrônicas de comunicação.
Liberdade de expressão e a retirada de conteúdo do ar: É assegurada a liberdade de expressão na forma preconizada pela Constituição de 1988, o que em tese garante que a internet continue sendo um ambiente democrático que deva preservar a intimidade e a vida privada. No que tange à retirada de conteúdos do ar, foi instituída uma regra clara. Os arts. 14 e 15 do Marco assim dispõem quanto à retirada de conteúdo: b.1) há a necessidade de ordem judicial específica, com parâmetros previstos no parágrafo único do art. 15; b.2) se após o recebimento da ordem judicial específica, o conteúdo não for retirado pelo provedor dentro do prazo assinalado, o provedor responderá. A exceção prevista diz respeito aos casos de “vingança sexual”. Assim, pessoas vítimas de violações da intimidade podem solicitar a retirada de conteúdo, de forma direta, aos sites ou serviços que estejam hospedando este conteúdo.
Garantia da neutralidade de rede: Um dos pontos mais controversos do Marco Civil da Internet diz respeito à neutralidade da rede. Esta significa que os provedores de acesso devem tratar todos os dados que circulam na internet da mesma forma, sem distinção por conteúdo, origem, destino ou serviço. Assim, um provedor não pode beneficiar o fluxo de tráfego de um site ou um serviço em detrimento do outro37. A neutralidade poderá ser excepcionada somente em caso de requisitos técnicos ou serviços de emergência.
3.2 Decreto 7.962/2013
O Decreto 7.962/2013 regulamentou, ainda que de forma muitas vezes desnecessária, o comércio eletrônico ao consumidor.
Trouxe, no entanto, algumas novidades, como uma base legal à chamada compra coletiva. Seus principais pontos são:
a) a regulação das relações de Comércio Eletrônico: O Decreto deve ser interpretado e aplicado em conjunto com as disposições do Código de Defesa do Consumidor sendo certo que alguns princípios formadores do CDC foram utilizados no Decreto como a boa-fé, princípio geral do Direito. Uma das mais importantes disposições do decreto consta de seu art. 2o, que estabelece que os sítios eletrônicos e demais meios eletrônicos devem conter em local de destaque ou de fácil visualização, as seguintes informações: a.1) nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; a.2) endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato.
b) os deveres do fornecedor eletrônico: Quanto a este ponto, pouca contribuição trouxe o Decreto 7.962/2013. Entre os deveres destacados, constam: b.1) apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos, assim como disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; b.2) fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação e confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta, o que - na prática - se traduz na tela de confirmação de dados; b.3) manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato com resposta no máximo em 5 dias. Deve haver a confirmação imediata do recebimento das demandas do consumidor, pelo mesmo meio empregado; b.4) utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor38.
c) o direito de arrependimento do consumidor eletrônico: Um assunto muito debatido no direito do consumidor eletrônico diz respeito à contratação de fornecimento de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial. Neste caso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 49, reza que o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias contados da assinatura ou do ato do recebimento do produto ou serviço39. Trata-se do chamado direito de arrependimento nas compras à distância. O Decreto fixa em 7 (sete) dias após o recebimento da mercadoria o prazo para o exercício do direito de arrependimento no comércio eletrônico.
d) as compras coletivas40: O art. 3o trata das transações comerciais na modalidade de compra coletiva, bem como de modalidades análogas. Segundo o art. 2º do supracitado Decreto, os sites de compras coletivas e análogas deverão conter, várias informações específicas.
3.3 Crowdfunding
O Banco Mundial assim definiu o crowdfunding como “an Internet-enabled way for business or other organizations to raise Money in the form of either donations or investments from multiple individuais41”.
Claro está que é um fenômeno recente que, por isso mesmo, somente agora desperta o interesse do legislador e do estudioso do Direito42. O crowdfunding global passou por um crescimento acelerado em 2014, crescendo 167% para alcançar a cifra de U$16,2 bilhões arrecadados. A fim de ilustrar o potencial de crescimento desse mercado, vale frisar que estudo realizado pelo Banco Mundial estimou que, observadas determinadas premissas e a existência de regulamentação que suporte corretamente essa modalidade de financiamento, o valor total estimado do mercado de crowdfunding para o ano de 2025 é de 96 bilhões de dólares, somente nos países em desenvolvimento43.
Atualmente, no Brasil, existem cerca de 24 plataformas de crowdfunding online. Dentre elas, três superaram a casa de um milhão de arrecadação: Benfeitoria, Catarse e Juntos.com.vc e estas especializam-se cada vez mais44. O termo crowdfunding indica uma série de atividades45: a) por doação46; b) por Retribuição47; c) crowdfunding financeiro (por empréstimo); d) por Participação (equity crowdfunding). As duas primeiras não possuem regulamentação e as duas últimas serão aqui estudadas.
3.3.1 Crowdfunding de Participação
O equity crowdunding ou crowdfunding de participação consiste na modalidade de financiamento em que são captados recursos financeiros por meio de uma plataforma online sediada na internet, destinados ao financiamento de empresas. Desta modo, os investidores aportam pequenas quantias à empresa em troca de participação societária. Este modelo de investimento foi adotado pela Comunidade Europeia como forma de auxiliar o empreendedorismo após a crise de 2008, por meio de inúmeras diretivas48 e revisões, com excelentes resultados. Segundo a exposição de motivos da Instrução CVM 588, “ o crowdfunding de investimento é uma alternativa inovadora para o financiamento de empreendedores. A CVM considera que a segurança jurídica trazida pela nova norma pode alavancar a criação de novos negócios de sucesso no país, permitindo a captação de recursos de modo ágil, simplificado e com amplo alcance a investidores por meio do uso da internet ”.
É importante ressaltar que, no Brasil, os meios tradicionais de captação de recursos no mercado de capitais estão adstritos a sociedades de grande porte, organizadas mormente sob a forma de companhias abertas ou que obtenham o registro da oferta perante a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, com todas as burocracias envolvidas. Logo, sociedades de pequeno porte e startups encontram-se fora da forma de captação de capitais, tendo que recorrer a financiamento próprio ou bancário, ou mesmo a fundos de private equity, venture capital ou seed capital, envolvendo a assunção de compromissos e outorga de garantias. Esta falta de opções para o pequeno empreendedor acaba por, muitas vezes, inviabilizar o próprio empreendimento. Desta forma, o equity crowdfunding apresenta-se como uma excelente opção para o pequeno empreendedor. Por meio do equity crowdfunding é possível fazer uso de plataformas constituídas em ambiente digital que permitem a captação de recursos do mercado em geral. Para o investidor também é interessante, pois ele pode aplicar seu capital em empreendimentos novos e - por vezes - mais lucrativos do que a taxa de retorno bancário. Trata-se, assim, de uma forma mais rentável de investimento.
Não é demais lembrar que o investimento em startups envolve consideráveis riscos. É muito mais seguro investir em uma companhia de capital aberto que há anos opera na bolsa do que em uma startup, que estatisticamente possui um grau de falha muito mais alto do que empresas tradicionais que já operam no mercado - seja por falta de business plan adequado, seja por lidar com inovações e conceitos ainda não testados pelo mercado49. Este é o motivo pelo qual as legislações em vigor em vários países optam por defender o investidor50.
Muito embora a atividade do equity crowdfunding encontrasse entraves regulatórios, pois o art. 3º da Instrução CVM 400, de 29.12.2003 (“Instrução CVM 400”)51 deixa claro que o financiamento participativo de investimento, deveria ser registrado perante a CVM, é importante ressaltar que já existiam em operação no Brasil algumas plataformas de equity crowdfunding mesmo antes da promulgação da Instrução CVM 588, de 13.07.2017. Referidas plataformas partilhavam do entendimento que a Instrução CVM 400/2013 não abrangia sua atividade por não prever - de forma expressa - a captação via internet.
Acredita-se que atualmente os investimentos em equity crowdfunding representam algo em torno de 0,3% a 0,03% da arrecadação de fundos. No entanto, estima-se que até 2016, mais de R$180 milhões já foram arrecadados utilizando as plataformas de crowdfunding. Os principais agentes deste mercado no Brasil são: Broota, EqSeed52, Kickante e StartMeUp. A Instrução CVM 588, de 13.07.2017 veio a corrigir essa falha regulatória ao disciplinar, dentro do mercado de capitais nacional, o equity crowdfunding. Referida instrução normatiza a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, com a dispensa de registro, por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, como deflui de seu art. 1º.
De modo geral, a Instrução CVM 588/2017 foi bem recebida pelo marcado, pois trouxe segurança jurídica para um modelo de negócios que vinha crescendo à margem da lei. Ademais, não alterou substancialmente o que vinha sendo praticado, muito embora tenha criado limites mínimos e máximos, prazos, bem como a necessidade de apresentação de inúmeros documentos para a concretização da oferta.
Por meio desta instrução, o limite mínimo para a captação foi fixado em R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que o limite máximo para captação será de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). No entanto, desde que respeitados estes limites, a captação pode ocorrer mais de uma vez por ano, desde que observado o prazo de intervalo de 120 (cento e vinte) dias.
O investidor terá, porém, 7 (sete) dias para desistir do investimento, prazo compatível com o direito de arrependimento por compra realizada fora do estabelecimento comercial. Importante esclarecer que os valores arrecadados não podem ser utilizados para: a) Fusão, incorporação, incorporação de ações e aquisição de participação em outras sociedades; b) Aquisição de títulos, conversíveis ou não, e valores mobiliários de emissão de outras sociedades; ou c) Concessão de crédito a outras sociedades.
Ademais, a plataforma deverá disponibilizar em seu site o montante já confirmado de cada projeto e quando for atingido o objetivo. Ou, em outras palavras, se a oferta obteve sucesso.
Também deverão ser divulgadas informações essenciais à oferta, seja em relação aos documentos da empresa captadora, como a rentabilidade esperada, quem serão os administradores da empresa, entre outras informações. No entanto, empresas que não prestem as informações necessárias terão seu nome divulgado, sendo listados os documentos que não foram apresentados.
Deve existir no site um fórum no qual os investidores possam entrar em contato com as empresas investidas.
O § 4º do art. 2º da Instrução 588/2017 dispõe também sobre hipóteses de sucessão da empresa investida, o que se dará quando da extinção de sociedade empresária que tenha realizado ofertas dispensadas de registro. Caso a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ainda que por meio de outra empresa, o sucessor será considerado como a mesma sociedade empresária de pequeno porte.
Importante ressalvar que o investimento poderá se dar sob a forma de empréstimo, sendo certo que esse crédito poderá ser convertido em participação no capital social da empresa investida nos casos de: a) transformação do modelo societário para sociedade anônima antes do vencimento da dívida; b) novas rodadas de investimento; c) aquisição do controle por terceiros; d) na data de vencimento da dívida, devendo a empresa, neste caso, transformar-se em sociedade anônima para viabilizar essa operação.
Por fim, foram regulados os chamados sindicatos de investimentos, que são “mini fundos” liderados por pessoas experientes (“anjos”), responsáveis por organizar um grupo de investidores para aporte único de capital em uma startup. Os investidores-líder recebem, em troca do acesso, uma taxa de performance sobre o investimento realizado. Os termos do investimento estão ligados a este líder, que negociará o preço da rodada e cláusulas por todo seu sindicato, sendo que suas funções estão melhor elencadas no quadro abaixo. Neste modelo de negócios, os investidores não aportam capital diretamente na startup, mas através de uma sociedade em conta de participação que é criada especificamente para o investimento. A sociedade em conta de participação agrupa todos os investimentos e realiza um único investimento na empresa. No caso da Broota53, esta controla a sociedade de propósito específico que, por sua vez, ocupa a posição de sócio ostensivo da Sociedade em conta de participação e exerce o papel de representação dos demais investidores.
3.3.2 Crowdfunding Financeiro
Importante deixar claro que, segundo o Relatório de Inclusão Financeira (REF) do Banco Central, a quantidade de pessoas com conta corrente no Brasil saltou de 56% em 2010 para 68% em 2014. Em 2012 a FEBRABAN estimou o número de brasileiros “desbancarizados” como sendo de 55 milhões de pessoas, sendo os rincões do nordeste o local com maior número de pessoas sem acesso aos serviços bancários. Como se vê, a abrangência dos serviços bancários não é, ainda, universal. Ainda, se compararmos o nível de poupança dos brasileiros com outros povos de países dos BRICS, veremos que no Brasil este nível é insatisfatório54. Claro está que o grau anormal de concentração de serviços bancários em nosso país tem importante papel nesta situação.
Assim, o surgimento das fintechs55, com inúmeras e novas soluções e produtos bancários é extremamente bem-vindo, vindo elas a ocupar um importante espaço em nosso país. Na verdade, as fintechs estão, desde 2014, movimentando bastante os serviços bancários brasileiros, mesmo porque o custo das transações no setor bancário tende a diminuir na medida em que outros players surgem. A Resolução do Banco Central 4.480/2016 ajudou bastante a movimentar essa inovação.
As fintechs são startups especializadas em finanças, que estão protagonizando a maior transformação do mercado financeiro em décadas. Segundo a consultoria KPMG, estima-se que existam cerca de 12.000 fintechs no mundo. No Brasil existem, aproximadamente 244, número quatro vezes maior do que o de dois anos atrás, de acordo com dados do FintechLab.
Como se sabe, uma parcela importante das fintechs visa o mercado de pagamentos no varejo, enquanto outra visa serviços de apoio financeiro e de créditos para pequenos empreendedores. É justamente nesse segundo seguimento que encontramos as empresas que atuam na atividade de crowdfunding financeiro.
Para o desenvolvimento desta nova e pujante atividade, o Banco Central criou resoluções que deram origem à figura do correspondente bancário que tinha como principal objetivo “promover a inclusão financeira”.
Ademais, a promulgação da lei dos arranjos e instituições de pagamento (Lei 12.856/2013) deu mais segurança jurídica para criação de novos modelos de conta. Aliado a este fato, temos que a penetração dos smartphones56 no mercado brasileiro, que ocasionou a inclusão necessária aos serviços prestados pelas fintechs, bem como o crescimento astronômico da figura do correspondente bancário57, que promove o acesso da população brasileira aos serviços bancários, evitando o alto custo de instalação de agências em locais remotos com baixa densidade populacional.
O crowdfunding financeiro, permite que um correspondente bancário58 ofereça por meio da internet empréstimos aos usuários, desde que com a participação indireta de uma instituição financeira, possibilitando uma nova opção de financiamento aos usuários da internet. Seus serviços obedecem ao princípio da captação e repasse cumulativo de recursos, imprescindível para a caracterização da atividade financeira59.
Importante salientar que em 30.08.2017, o Banco Central editou uma consulta pública sobre o crowdfunding financeiro, encerrada em 17.11.2017. Seu escopo trata da constituição e funcionamento da Sociedade de Crédito Direto (SCD) e da Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), além de disciplinar empréstimo entre pessoas por plataformas eletrônicas.
A proposta do BACEN foi a criação de instituições especializadas em operações de empréstimo por plataformas eletrônicas, que também poderão prestar serviços como o de análise de crédito ou atuação como preposto de corretor de seguros na distribuição de seguro relacionado às operações de empréstimo.
Desta feita, altera vários artigos da Resolução 3.921/2010, para incluir as sociedades de empréstimo entre pessoas e as sociedades de crédito direto.
Seus principais propósitos são: a) aumentar a segurança jurídica no segmento; b) elevar a concorrência entre as instituições financeiras; e c) ampliar as oportunidades de acesso de agentes econômicos ao mercado de crédito.
3.4 Moedas Virtuais
Moedas digitais, moedas virtuais ou, ainda, cryptocurrencies são moedas aceitas em ambiente virtual por mero consenso de seus usuários. Note-se que elas não são emitidas ou garantidas por uma autoridade central.
A primeira dessas moedas, o Bitcoin, surgiu em 2009 e, apesar de estar completando 10 anos, pouca ou nenhuma regulamentação sobre essas moedas existe no mundo, apesar de existirem mais de 1.500 moedas virtuais em circulação. Nos Estados Unidos, o bitcoin é regulamentado tratado como uma mercadoria negociável. Na União Europeia o bitcoin é tido como meio de pagamento e não mercadoria, de forma que também não há incidência de imposto sobre ele. Na Rússia, o uso de bitcoins era proibido até 2016, sendo que a partir deste ano. Já a Autoridade Tributária de Israel entende que o bitcoin é um ativo tributável e não uma moeda ou sistema de pagamento, de forma que deve incidir imposto.
No Brasil, o Bitcoin é bastante popular, especialmente entre os jovens, sendo que temos perto de 1,2 milhões de pessoas cadastradas para adquirir e vender moedas virtuais, especialmente o Bitcoin. E, ainda assim, não possuímos regulamentação.
Listamos, porém, Comunicados e Notas emitidos pelo Banco Central e pela CVM a respeito do bitcoin e demais moedas virtuais:
Comunicado 25.306/2014 - BACEN - esclarece sobre os riscos decorrentes da aquisição das chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptografadas” e da realização de transações com elas.
Comunicado 31.379/2017 - BACEN - Alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais.
Nota da CVM (10/2017) - Presta esclarecimentos sobre os riscos decorrentes dos chamados ICOs e de sua relação com o regime no âmbito do mercado de valores mobiliários.
Saliente-se, no entanto, para a existência do Projeto de Lei 2.303/2015 - que veda a comercialização, intermediação e aceitação como meio de pagamento para liquidação de obrigações no País das moedas virtuais, digitais ou criptomoedas.
4 CONCLUSÃO
Assim, é de se indagar se o longo e exaustivo trabalho do legislador ao propor projetos de lei sobre várias matérias é realmente necessário. Parece-nos que em algumas áreas o Comércio Eletrônico encontra-se bem amparado, sendo que em outras merece o desenvolvimento de legislação especial. Note-se que novas normas promulgadas devem sempre evitar a cristalização do saber jurídico da época atual, uma vez que nesse caso deixarão de ser efetivas para as gerações que se seguirem.