1 INTRODUÇÃO
Retrocedendo no tempo, é necessário contextualizar o cenário do Brasil na esteira da Reforma do Estado dos anos 90 do século XX, cujo o mote era reduzir o aparelho administrativo e o desenvolvimento paulatino da terceirização da Administração Pública. O processo de reforma estatal com a estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real também incluiu a aceleração da privatização das empresas estatais com o correspondente marco regulatório e o incremento das agências reguladoras autônomas.
A inviabilidade da proposta de Estado menos interventor na economia revelou a condição necessária da reconstrução do Estado diante do fenômeno da globalização mundial. Era preciso conjugar fatores econômico, político e administrativo precisando (i) delimitar o tamanho do Estado; (ii) redefinir o papel regulador do Estado; (iii) recuperar gestão de governança, capacidade financeira e administrativa; (iv) aumentar a governabilidade e garantir a legitimidade do governo. “Na delimitação do tamanho do Estado estão envolvidas as ideias de privatização, publicização e terceirização”, como expõe Luiz Carlos Bresser Pereira4.
A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde, NOB-SUS 01/93, instrumento de regulação do SUS determinou formas de gestão municipal e estadual, impulsando a descentralização de serviços com transferências dos recursos financeiros do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os Fundos Municipais de Saúde como forma de melhoria no atendimento e na gestão do SUS.
Esse fomento à descentralização dos serviços públicos ocorrido no governo Fernando Henrique Cardoso e a possibilidade de o gestor municipal contratar prestadores estatais, filantrópicos ou do setor privado, encontrou a situação propícia para o fenômeno da terceirização, visto que esta última pressupõe uma estrutura para gerir e supervisionar contratos, o que a legislação permitia. “A reforma do Estado tornou-se o lema dos anos 90, substituindo a divisa dos anos 80: o ajuste estrutural”, discorre Luiz Carlos Bresser Pereira5, combinando ainda “privatização, redução da dívida do setor público e ajuste fiscal durante o Plano Real”, complementa Diogo R. Coutinho6.
Neste artigo, discutiremos a relação entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o complexo jurídico de mutações do Direito Administrativo a partir dos seus reflexos no âmbito da Administração Pública O artigo identifica que existem mecanismos legais de descentralizações, terceirizações e parcerias na prestação de serviços públicos pelo SUS advindas não só com a profusão de leis nesse sentido, mas também pelo pensamento exarado dos atores sociais envolvidos, tais como os políticos, a comunidade acadêmica, os agentes do poder público, as entidades estatais e institucionais, o Poder Judiciário e a sociedade. Para tal, foi adotado o método historiográfico aplicado à leitura documental, aqui entendida como revisão de literatura e a análise de conteúdo de decisões judiciais e jurisprudenciais contextualizadas ao momento socio-histórico e econômico da década de 1990 em diante.
2 O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO FUNDADO NO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
As questões econômicas internas foram propulsoras de medidas impostas pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) para adoção do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). Na esteira de reduzir o aparelho estatal, o processo de terceirização se funda no princípio da subsidiariedade a exigir a execução de atividades administrativas pela iniciativa privada, restando ao Estado o desempenho de funções essenciais indelegáveis, cuja previsão consta expressa na Carta Magna.
O contexto global da economia e o sistema jurídico democrático no Brasil conduziram a formação de um modelo regulatório brasileiro inspirado “no desenho institucional norte-americano pós-New Deal”7, estruturado com acentuado grau de autonomia “em relação à Chefia do Poder Executivo e fundado na ideia do insulamento político de administradores pretensamente neutros, dotados de elevada qualificação técnica”, conforme Gustavo Binenbojm8. Isso fez com que a importação do instituto de agências reguladoras em solo nacional teve a conotação política completamente diversa da norte-americana.
O panorama de regulação no Brasil foi robustecido durante uma ampla reforma administrativa, especialmente com a Emenda Constitucional 19/19989, a partir da mobilização intensa de privatizações e terceirizações que se constituía em requisito necessário. Isso porque atrair a atenção do setor privado especialmente o capital internacional para “investimento nas atividades econômicas de interesse coletivo e serviços públicos objeto do programa de privatizações e desestatizações estava condicionada à garantia de estabilidade e previsibilidade das regras do jogo nas relações dos investidores com o Poder Público”, conforme Gustavo Binenbojm10.
Vale enfatizar que esse era o ponto crítico do processo de privatização e terceirização contido na EC 19/1998: a peculiar diferença entre o instrumento jurídico da regulação norte-americana e o adotado no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos, a regulação de mercado teve por finalidade privilegiar a dignidade humana, bem-estar da coletividade dando a ricos e pobres amplo acesso de prestação de serviços públicos com qualidade e tarifas módicas, aqui a privatização e terceirização teria, antes de mais nada, que convencer a comunidade internacional no sentido de que havia democracia e, em decorrência desta, haveria segurança jurídica para o capital estrangeiro, respeito a contratos e reformas institucionais associadas ao arcabouço jurídico nacional.
Afinal, o direito estabelece regras de conduta que modelam as relações interpessoais, levando em consideração os impactos econômicos que delas surgirão, os efeitos sobre distribuição e alocação dos recursos financeiros e os incentivos que fomentam o comportamento da iniciativa privada. Com isso, percebe-se o quanto a Economia exerce papel primordial nas relações com instituições públicas e organizações privadas que influenciam a transformação do sistema jurídico e a consecução de resultados econômicos satisfatórios. Em suma, o Direito e Economia se entrecruzam.
O papel do ordenamento privado em contraste com o sistema legal público possui um ponto de conexão, qual seja, ambos são elaborados de modo a alcançar eficiência. A interação das regras sociais emanadas pelo direito com as normas econômicas é essencial para delinear os custos e gerar incentivos para manter uma governança eficaz, sem descontinuidades e falhas de qualidade visando relações sociais continuadas.
A estabilidade na relação contratual entre poder público e setor privado pode evitar (i) contratos inexecutados ou parcialmente efetuados, (ii) incerteza na relação jurídica entre as partes, (iii) inexistência de barganhas oportunistas para mantença contratual, (iv) dúvidas e conflitos entre os atores sociais responsáveis pela relação jurídica contratual, tornando-os precavidos e capacitados para criar mecanismos de credibilidade e durabilidade dos contratos sem incorrer na queda de incentivos e custos administrativos adicionais.
Com esse panorama, a década de 90 do século XX passa ter cruciais aspectos contratuais e pós-contratuais relevantes no país, tais como (i) avaliação abalizada numa economia estável para efetivação do contrato, (ii) a real necessidade do bem ou serviço público a ser prestado, (iii) as cláusulas de liquidez predefinidas, (iv) as disposições de financiamento via empréstimo, (v) as especificidades do ativo para fins de mensurar o valor da garantia, (vi) um fundo de segurança para pagamento do principal no prazo acordado, (vii) a certeza da vigência/continuidade do contrato, (viii) a definição de salários e benefícios dos gestores, (ix) o poder de gestores em exarar instruções legais para o mercado de consumo (x) a prerrogativa dos gestores conduzidos para exercício de mandatos por prazo certo e determinado, como espécie de blindagem à intervenção governamental, (xi) os requisitos de prioridade dos credores sobre os ativos, em caso de inadimplência, (xii) a condição e a qualidade de independência do poder do Judiciário para solução de controvérsias, (xiii) a divisão de poder entre os poderes Executivo e Legislativo, (xiv) a competência nitidamente delineada do órgão regulador como condicionantes do processo legal, político e regulatório.
No campo jurídico, as prioridades assumem dimensões como marco regulatório de um sistema legal adaptado às necessidades de contratação do setor privado com as vicissitudes da vida econômica. Desta feita, cria-se o mecanismo de regulação no ordenamento brasileiro com o intuito de robustecer esse ideal político incorporando inovações jurídicas oriundas da dinâmica do próprio sistema econômico existente.
As agências reguladoras tomam vulto a partir de 1990 no Brasil com “ a qualificação de um órgão como ‘agência’, até por sua origem etimológica (do latim, agentia, direção, condução, incitação) denota a especialidade de suas funções e/ou a sua independência funcional ”, ressalta Alexandre Santos de Aragão11/12.
São exemplos de agências reguladoras surgidas a partir de período: (i) Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, Lei 9.427/1996); (ii) Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, Lei 9.472/1997); (iii) Agência Nacional do Petróleo (ANP, Lei 9.478/1997); (iv) Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, Lei 9.782/1999); (v) Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS, Lei 9.961/2000); (vi) Agência Nacional de Águas (ANA, Lei 9.984/2000); (vii) Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ, Lei 10.233/2001); (viii) Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT, Lei 10.233/2001); (ix) Agência Nacional do Cinema (ANCINE, Lei 10.454/2002); (x) Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC, Lei 11.182/2005); (xi) Agência Nacional de Mineração (ANM, Lei 13.575/2017).
A história recente demonstra esse panorama de Administração Pública descentralizada. O princípio fundamental do pacta sunt servanda13 dos contratos é relativizado por conceitos constitucionais como a boa-fé objetiva e a função social da propriedade privada, “em especial no recente período caraterizado pelo processo de retirada do Estado da produção, seja com a pura privatização, seja com a criação de mecanismos mistos de contratos de concessão de serviços públicos”, aduzem Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn14. Nesta última, caracterizada a figura da terceirização nas relações entre o Estado e o setor privado, observa-se a importância de fortalecer o aparato institucional para monitorar o seu cumprimento.
Em um sentido amplo, poderíamos equiparar qualquer forma de parceria à terceirização abrangendo “toda e qualquer forma institucionalizada de transferência de atividades finalísticas e instrumentais do Poder Público para desempenho pelo setor privado (com ou sem finalidade lucrativa)”, ensina José Roberto Pimenta Oliveira15. Em rol exemplificativo, desde a década de 1990 do século passado aos dias atuais, podem ser incluídos: (i) os convênios com entes privados sem fins lucrativos (Lei 8.666/1993); (ii) a concessão comum de serviços públicos e a permissão de serviços públicos (Lei 8.987/1995); (iii) o contrato de gestão celebrado com organizações sociais (Lei 9.637/1998); (iv) o termo de parceria firmado com organizações da sociedade civil de interesse público (Lei 9.790/1999), (v) a parceria público-privada (Lei 11.079/2004); (vi) a franquia postal (Lei 11.668/2008); (vii) serviços determinados e específicos (Lei 13.429/2017).
Com a edição da Lei 9.637/1998 estabeleceu-se a criação do modelo das organizações sociais como forma de parceria entre o Estado e a sociedade civil na prestação de diversos direitos, inclusive de saúde. Buscou-se o entrelaçamento da sociedade civil, setores público e privado, mais precisamente as organizações sociais não-governamentais.
Tal tendência foi prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) quando da criação do SUS ao estipular instrumentos de colaboração participativa no campo da saúde (arts. 197 e 198, III), para o exercício da função administrativa identificada de fomento público, cujas Lei 8.142/1990 (regulação da atuação dos Conselhos e Conferências de Saúde) e Lei 9.637/1998 são exemplos típicos16.
3 O INCREMENTO DE COGESTÃO DO SUS E A ÓTICA DO STF DIANTE DO INCREMENTO DESTA REALIDADE
A disposição constitucional de cogestão da atividade do SUS foi motivo de análise por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923 MC/DF17, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o preceito de cogestão da atividade do SUS e assegurou as parcerias entre Poder Público e sociedade civil como soluções de colaboração. Segundo o STF, isto atenuaria a Administração Pública de encargos secundários e reservou a ela apenas a supervisão e o controle de atividades administrativas devolvidas à sociedade, deixando a execução para o terceirizado.
Para o STF, as “Organizações Sociais, portanto, traduzem um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade para a consecução de interesses públicos comuns, com ampla participação da comunidade”18. O Estado em vez “de produtor direto de bens e serviços públicos passa a constituir o fomentador das atividades publicizadas, exercendo, ainda, um controle estratégico de resultados dessas atividades”19, continua a discorrer o STF. O STF vai ainda mais longe ao definir a natureza jurídica do contrato de gestão como “instrumento de fixação e controle de metas de desempenho que assegurem a qualidade e a efetividade dos serviços prestados à sociedade”20 e ressalta que as Organizações Sociais podem assimilar características de gestão cada vez mais “próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento”21.
Assim, o STF confirmou a participação de forma complementar das instituições privadas de assistência à saúde no âmbito do SUS, já regulamentada por intermédio da Portaria MS/GM 1.034/201022, posição assentada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) através do Acórdão 3.239/2013-TCU/Plenário23, como também em seu Relatório Sistêmico de Fiscalização de 2014 ao dizer que “há necessidade de mudar a forma de atuação da administração pública, que deixa o papel de principal executora para se concentrar nas funções de planejamento, desenho da política, regulação, controle e avaliação”24.
Vale mencionar a existência do a publicação “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável: Brasil 2012”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)25. No item Dimensão Institucional, a publicação examina as Organizações da Sociedade Civil, sob a natureza jurídica de fundações privadas e associações sem fins lucrativos (FASFIL), cujas as variáveis utilizadas têm por parâmetro (i) o número de FASFIL, total e por classes, e (ii) a população total residente, aponta essa tendência, qual seja, para um forte crescimento do número de FASFIL no território brasileiro26.
“Em 1996, existiam 66,5 organizações para cada 100 mil habitantes, enquanto, em 2005, esse número alcançou 184,4”, relata IBGE, onde se constata que, num período de menos de uma década, houve um incremento de 277,3% para cada 100 mil habitantes das FASFIL nas regiões brasileiras, a saber: (i) Com relação as grandes regiões e unidades da federação, nota-se que as regiões Sul e Sudeste concentravam, no ano de 2005, o maior número de FASFIL por 100 mil habitantes (287,3 e 184,5, respectivamente), “destacando-se na primeira, os Estados de Santa Catarina (373,3), Rio Grande do Sul (278,1) e Paraná (248,0), e na segunda, os Estados de Minas Gerais (214,5) e Espírito Santo (205,8)”, confirma o IBGE27. E acresce que o destaque fica por conta do Estado do “Piauí possuía 218,6 FASFIL/100 mil habitantes, valor muito superior à média nordestina e ao de diversos outros estados do País. Em números absolutos destacam-se os Estados de São Paulo e Minas Gerais, com o maior número de organizações da sociedade civil”28.
Se se classificar por atividades as FASFIL, discorre o IBGE, tendo por base o Gráfico 1, o Gráfico 2 e a Figura 2, é possível constatar que: (i) as de cunho religioso se concentram nos Estados de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Goiás e no Distrito Federal; (ii) as de cultura e recreação são predominantes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, possivelmente em razão de seu histórico de ocupação por colônias europeias; (iii) as de associações patronais e profissionais, destacam-se em Rondônia, Acre e Roraima; (iv) e na Região Nordeste existe um modelo onde se concentram as fundações e/ou associações patronais e profissionais, e as de desenvolvimento e defesa de direitos na maioria dos estados, excetuando-se os Estados de Sergipe e Alagoas29.
O processo de publicização de entidades privadas sem fins lucrativos atuando em nome do Poder Público é um fenômeno também confirmado pelo TCU (TC 017.783/2014-3)30, quando procedeu auditoria em órgãos públicos e estados e municípios situados na Bahia, Maranhão, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul no que concerne as ações e serviços públicos de saúde.
4 OS DESAFIOS DE GOVERNANÇA DO SUS VIS-À-VIS A TERCEIRIZAÇÃO
A implementação de um sistema de saúde universal como o SUS baseado nos conceitos de (i) integração dos serviços interfederativos; (ii) regionalização da saúde; (iii) e hierarquização (níveis de complexidade dos serviços) num país de proporções continentais é uma tarefa complexa e os problemas enfrentados são inúmeros. “Segundo as estimativas do IBGE para julho de 2014, dos 5.570 municípios brasileiros, 22% possuem população inferior a 5.000 habitantes e 69% possuem menos de 20.000 habitantes”31, afirma TCU. Tais entes federativos possuem estruturas de governança precárias, “sem capacidade para elaborar os estudos e diagnósticos necessários, construir planos e estratégias, formar carreiras, realizar investimentos, sem capacidade arrecadatória, dependentes na maioria dos casos das transferências de recursos da União”32, ainda relata o TCU.
Além desses obstáculos, o SUS enfrenta dificuldades para contratar médicos e outros profissionais de saúde nos municípios mais distantes dos grandes centros e com estrutura muitas vezes precária, (i) os salários dos servidores públicos municipais estão limitados pelo subsídio do prefeito, por força constitucional, o que causa desestímulo àqueles profissionais de nível superior, principalmente os de maior especialização; um outro fator também agrava essa situação, pois (ii) a LRF (Lei Complementar 101/2000) também impõe limites para gastos com pessoal, o que dificulta a ampliação dos quadros das secretarias de saúde.
Diante dessa realidade, os gestores públicos têm adotado medidas alternativas empregando o mecanismo da terceirização para a contratação de profissionais de saúde, “em muitos casos sem suporte legal que as autorizem”, conforme expõe o TCU33. São exemplos desses: (i) termos de parcerias celebrado com OSCIPs; (ii) contratos de gestão com OSs; (iii) convênios com entidade sem fins lucrativos; (iv) contratos administrativos com empresas de serviços médicos; (v) contrato administrativo com cooperativa; (vi) credenciamento de pessoas físicas e jurídicas.
No que diz respeito a ausência ou precariedade do emprego do instrumento legal da terceirização, o TCU elenca as irregularidades encontradas, a saber: (i) independentemente da “espécie de terceirização promovida - Organização Social (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), cooperativa, empresa privada, observa-se em quase todos os casos analisados a ausência de um planejamento adequado”; (ii) não há análises que indiquem que a “terceirização é a melhor opção ao caso analisado, que aponte as vantagens da contratação de uma entidade privada para disponibilização de profissionais de saúde” e que defina “qual seria a melhor alternativa de terceirização, efetuando a comparação, em termos de custos e produtividade”; (iii) não há indicação em nenhum dos processos administrativos de terceirização, em exame, que tenha apresentado “estudo capaz de demonstrar eventuais vantagens na contratação de profissionais via entidades privadas”; (iv) falta de orçamento prévio contendo estimativa orçamentária que deve integrar os autos de qualquer processo do qual resultará a aplicação de recursos públicos, bem como ausência de “uma análise capaz de revelar eventuais vantagens da terceirização nos processos de seleção e contratação das entidades para a gestão terceirizada”; (v) desempenho de funções administrativas de natureza não eventual e de caráter tipicamente operacional e contínuo, sem a realização de concurso público; (vi) serviços prestados com valor acima dos preços praticados no mercado, o que evidencia superfaturamento; (vii) utilização de instrumento jurídico diverso ao exigido em lei para que se celebre o vínculo entre a Administração Pública e a sociedade civil34.
Para concretizar as parcerias para fins de terceirização, é necessária a aplicação do princípio da legalidade, pois não é possível realizá-la havendo vedação legal que autorize tais colaborações. Portanto, a celebração de ajustes entre o poder público e entidades privadas deve obedecer aos critérios estabelecidos em lei e incluem: (i) contrato administrativo, (ii) convênio, (iii) contrato de repasse, (iv) contrato de gestão, (v) termo de parceria, (vi) contrato de concessão de serviço público, (vii) contrato de adesão de permissão de serviço público, (vii) contrato de parceria público-privada. “Para a transferência do gerenciamento de um serviço público, juntamente com a utilização de infraestrutura pública, a legislação federal prevê a celebração de contrato de gestão com entidade sem fins lucrativos qualificada como OS ou a formalização de Parceria Público-Privada (PPP)”, complementa o TCU35.
A terceirização reforçada no PDRAE36 permitiu a transferência da responsabilidade pela prestação dos serviços não-exclusivos do Estado, pressupondo que “esses serviços serão prestados por entidades sem fins lucrativos, para evitar que a busca pelo lucro resultasse em prejuízos à qualidade e equidade dos serviços prestados à população”, diz o TCU37.
Ademais, o vínculo estabelecido com as entidades do terceiro setor é de parceria, de fomento público. Semelhante ao convênio, uma vez que presente está a convergência de interesses entre o Poder Público e a entidade na prestação dos serviços, embora cada uma tenha suas peculiaridades do controle por resultados, com lei própria regulamentando os respectivos instrumentos de contrato de gestão (OSs) e termo de parceria (OSCIP), respectivamente. “A relação entre o Estado e as empresas privadas com fins lucrativos não apresenta este aspecto essencial da colaboração, que é a existência de interesses recíprocos”38, mas nada impede de o aparelho estatal contratá-las através de licitação e consequente celebração de contrato administrativo.
Com relação à Assistência Hospitalar no SUS foram analisados pelo TCU, sob a ótica de diferentes modelos de avaliação existentes no mundo, “os quais são adotados por instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Banco Mundial, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o próprio Ministério da Saúde (MS)”, segundo o TCU em seu Relatório Sistêmico de Fiscalização da Saúde de 2013 (TC 026.797/2013-5), onde foram visitados 116 hospitais federais, estaduais e municipais em todo o Brasil nos 26 estados e no Distrito Federal, cujas as principais falhas apontadas são: (i) serviços hospitalares (emergência e internação); (ii) falta de profissionais de saúde, sejam médicos, enfermeiros, entre outros; (iii) ausência de medicamentos e insumos, equipamentos; (iv) precária estrutura física e apoio e sistemas informatizados; (v) não constituição de comissão de controle de infecção hospitalar; (vi) não implantação efetiva do Cartão Nacional de Saúde; (vii) o fato de a Atenção Básica ainda não ter logrado cumprir plenamente sua função de ordenadora do SUS; (viii) deficiência do ressarcimento ao SUS pelas operadoras de planos de saúde; (ix) debilidade na regulação dos preços de medicamentos e nos correspondentes procedimentos de aquisição39.
A tendência de parcerias do Estado com o setor privado em ações de saúde é cada vez mais incrementar essa relação jurídica. O STF ao tratar da cogestão da atividade do SUS, através da ADI 1923 MC/DF, consolidou essa interpretação desencadeando a adoção de uma postura administrativa em consonância à jurisprudência da Egrégia Corte. Em recente consulta pelo Congresso Nacional, o TCU (TC 023.410/2016-7)40 acerca da possibilidade de celebração de contratos de gestão com organizações sociais, por entes públicos na área de saúde, e, especialmente, a forma de contabilização dos pagamentos a título de fomento nos limites de gastos de pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (Lei Complementar 101/2000), moldou sua resposta consoante o ordenamento fiscal vigente, ao passo que discorro acerca dos pontos mais relevantes desta. Vejamos: (i) Uma das justificativas dos entes federativos para ampliação de ações governamentais em saúde se ampara no limite imposto com despesas de pessoal expresso o art. 19 do referido normativo41/42. A própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei 13.473/2017, impõe que os serviços de pessoal por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público quando caracterizarem substituição de servidores e empregados públicos devem ser incluídos no cálculo do limite da LRF; (ii) Diante da indagação e a despeito da patente necessidade de se proverem ações e serviços de saúde mediante novas contratações de pessoal elevando o risco de desequilíbrio fiscal, a atuação do TCU assume a postura de coibir o uso inapropriado ou ilegal do modelo43, embora o STF tenha deixado evidente (ADI 1923 MC/DF) que os contratos de gestão com OSs “têm natureza de convênio, dada a harmonia de objetivos do Estado e da entidade conveniada. Nesse sentido, não há que se falar em terceirização de serviços nessas parcerias”44, afirma o TCU. E vai além ao explicar que a figura da terceirização se faz presente quando o Estado contrata serviços do setor privado, que os presta em nome próprio, sob sua responsabilidade, mediante quantia prevista em contrato, realizado através licitação ou sua dispensa/inexigibilidade, permitido o fim lucrativo, conforme preceitua a legislação e permite a CRFB; (iii) ademais, um outro ponto deve ser considerado. Esclarece o TCU que nos contratos de gestão a unidade continua pública, com todo seu patrimônio afeto ao serviço público ao qual é destinada, e os recursos ali aplicados vêm do orçamento do ente estatal. Somente o gerenciamento é feito em parceria com uma entidade privada sem fins lucrativos, o que, embora permita a aplicação de normas de direito privado em sua atuação, não desloca a natureza da unidade para a iniciativa privada nem retira a competência dos órgãos de controle; (iv) a (a) vinculação à lei orçamentária como limite com despesa de pessoal (Arts. 165/169 da CRFB); (b) o conceito e a abrangência da LRF sobre as empresas estatais dependentes (Art. 2º, inc. III), em plena harmonia com o exarado no art. 37, § 9º da CRFB; (c) os instrumentos estabelecidos na CRFB para recondução da despesa ao limite de pessoal, caso haja extrapolação de limite; (d) a fixação de padrões no sistema remuneratório de acordo com a natureza do trabalho, o grau de responsabilidade e a complexidade, os requisitos de investidura nos cargos públicos; (e) transparência na gestão de pessoal; (f) implantação de mecanismos de avaliação de desempenho; são exigências que as Organizações do Terceiro Setor não são abrangidas por essas regras constitucionais, que se restringem aos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta; (v) “Essa abrangência impede a exigência da aplicação, pelas organizações sociais, dos controles constitucionais voltados para geração e execução da despesa com pessoal”, justifica o TCU45 que assenta sua convicção no julgamento da ADI 1923 MC/DF pelo STF que “interpretou o art. 169, § 1º da Constituição, deixando claro que tal comando apenas condiciona os pagamentos feitos aos servidores públicos por entidades da Administração Pública Direta e Indireta”46, ficando, inclusive, imune de vícios de constitucionalidade os §§ 1º e 2º do art. 14 da Lei 9.637/199847; (vi) No mais, destaca o TCU que se a leitura da natureza jurídica das organizações do Terceiro Setor atribuída pela Lei 9.637/1998 fosse diferente “consubstanciaria, na realidade, uma verdadeira autarquização das organizações sociais, afrontando a própria lógica de eficiência e de flexibilidade que inspiraram a criação do modelo”48; (vii) Ressalta, ainda, que não há entre os empregados contratados pela OS e a Administração Pública nenhum vínculo empregatício que permita ao ente federativo intervir sobre a geração das despesas com pessoal ou adotar alguma das “medidas corretivas previstas nos arts. 21 a 23 da LRF. As organizações sociais também não são alcançadas pela abrangência constitucional definida para os orçamentos fiscal e/ou da seguridade social (art. 165, § 5º)”49; (viii) Não se nega a existência de lacuna no texto da LRF sobre o cômputo das “despesas com pessoal dos empregados contratados diretamente pelas OSs conveniadas e mantidas com recursos dos orçamentos públicos dos entes da Federação” indica o TCU. “Muito menos se ignora a decisão do STF que distingue terceirização de mão de obra de celebração de convênio com organizações sociais. Entretanto, forçoso é reconhecer que o art. 18, § 1º, da LRF”50/51, diz o TCU, já que “disciplina, na prática, uma espécie de redutor do limite de pessoal, ao considerar os valores dos contratos de terceirização de mão de obra apenas para fins de cálculo do limite”52, complementa.
Para Letícia Bona Travagin53 há um quadro de desmonte do SUS devido um (i) subfinanciamento crônico causado pela instabilidade do Orçamento da Seguridade Social e da captura dos seus recursos por outras áreas; e (ii) a contratação de Organizações Sociais, haja vista a CRFB prever um “setor complementar a ser contratado pelo SUS, visando prover ações de saúde e aumentar a cobertura quando as suas instalações forem insuficientes”. Acontece que a OS, diz a Autora “não é complementar, é substitutiva: sai a gestão pública e entra a gestão privada”54.
A publicação do IBGE no documento “Conta-Satélite de Saúde 2010-2015”55 onde sistematiza informações sobre consumo e comércio exterior de bens e serviços de saúde e sobre valor adicionado e postos de trabalho em atividades de saúde constatou que a “participação das atividades de saúde na renda gerada no país (valor adicionado) aumentou em todos os anos da série, passando de 6,1% (R$ 202,3 bilhões) em 2010 para 7,3% (R$ 375,1 bilhões) em 2015”. Ainda nesse mesmo período confirma que “a atividade de maior peso ao longo da série foi a saúde privada, e sua participação foi a que mais cresceu, passando de 2,1% do valor adicionado, em 2010, para 2,8% (ou R$ 144,4 bilhões), em 2015”56.
Produtos | Consumo final, em percentual do PIB, por setor institucional (%) | |||||
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2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | |
Famílias | ||||||
Total | 4,3 | 4,2 | 4,4 | 4,5 | 4,8 | 5,1 |
Medicamentos para uso humano | 1,6 | 1,5 | 1,5 | 1,5 | 1,5 | 1,5 |
Preparações farmacêuticas | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Aparelhos e instrumentos para uso médico e odontológico | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Outros materiais para uso médico, odontológico e óptico, inclusive prótese | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,2 |
Saúde privada | 2,5 | 2,6 | 2,7 | 2,9 | 3,1 | 3,4 |
Governo | ||||||
Total | 3,6 | 3,5 | 3,4 | 3,5 | 3,7 | 3,9 |
Medicamentos para uso humano | 0,2 | 0,2 | 0,2 | 0,2 | 0,2 | 0,2 |
Saúde pública | 2,7 | 2,7 | 2,6 | 2,8 | 2,9 | 3,1 |
Saúde privada | 0,7 | 0,6 | 0,6 | 0,6 | 0,6 | 0,6 |
Instituições sem fins de lucro a serviço das famílias | ||||||
Total | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 |
Saúde privada | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 |
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais. |
Com efeito, a escalada dos desafios sociais atinentes ao SUS57 perpassa também por outra forma de colaboração do setor público e privado. São elas as parcerias público-privadas, dotadas de um sistema de contratação pelo Poder Público para suprir a ausência de disponibilidade de recursos públicos e, em contrapartida, para aproveitar a eficiência de gestão do setor privado. Trata-se de modelo administrativo inspirado em diversos países, como a Inglaterra, Irlanda, Portugal, Espanha e África do Sul. “As parcerias público-privadas permitem um amplo leque de investimentos, suprindo demandas desde as áreas de segurança pública, habitação, saneamento básico até as de infraestrutura viária ou elétrica”, preconiza a Mensagem 623/2003-11-2758, mediante o compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos.
Existem regras importantes para a implantação da parceria público-privada. A primeira é a que determina que o poder Executivo institua órgão gestor específico, como medida a qualificar a seleção dos projetos de parceria e permitir um adequado acompanhamento de sua execução. A segunda medida é a que estende para parceria público-privada mecanismos específicos de controle de despesas públicas, métodos esses que se amparam no princípio da responsabilidade fiscal, norteador da atividade estatal.
O art. 28 da Lei 11.079/200459 estipula para 5% o limite de comprometimento da receita corrente líquida (RCL), dos entes federados para fins de contratação de parcerias público-privadas (PPPs). Tal diretriz é determinada ante a observância das regras de responsabilidade fiscal, com base no art. 4º, inc. IV, da aludida Lei60.
A intenção do legislador foi impor um redutor orçamentário para controlar os gastos públicos, “de modo a evitar o comprometimento desmedido do orçamento da União, por meio de transferências voluntárias ou concessão de garantia aos Estados, Distrito Federal e Municípios que destinem, de modo reputado excessivo, recursos próprios a projetos de PPP”, informa Marçal Justen Filho61. No entanto, alerta: essa limitação essa que pode implicar em abuso de spending power62/63, embora não haja questionamentos acerca do tema nos nossos Tribunais.
Isto posto, as garantias públicas, embora sejam uma faculdade, elas se tornaram vitais para a realização de PPPs, a ponto de seu desempenho ser proporcional à “percepção de risco político e de crédito dos governos por parte do setor privado, de forma que, quanto maior a avaliação desses riscos, maior o requerimento dessas garantias, e vice-versa”, como explica Frederico Dieterich Bopp64. Segundo o Autor, a maioria dos Estados brasileiros cuidaram tão só de “replicar o conteúdo da lei federal de PPP - Lei 11.079, de 30.12.2004 -, as garantias resumiram-se, na maioria das vezes, à mera previsão de um fundo garantidor, o qual, frequentemente, sequer foi tornado operacional”65.
Questão deveras interessante foi objeto do Processo 1965 /2016-PGE/AM a respeito das implicações da recuperação judicial em contrato de concessão administrativa para a construção, fornecimento de equipamentos, manutenção, aparelhamento e gestão dos serviços não assistenciais do Hospital Delphina Rinandi Abdel Aziz, realizado entre o Estado do Amazonas, por intermédio da Secretaria de Estado de Saúde, e Zona Norte Engenharia, Manutenção e Gestão de Serviços S.A - Sociedade de Propósito Específico (SPE).
O tema em comento cuida recuperação judicial da empresa Abengoa Concessões Brasil Holding S.A, apenas uma das acionistas da Zona Norte Engenharia, Manutenção e Gestão de Serviços S.A - SPE, que afirmava não haver consequências para o contrato em virtude de a natureza jurídica da SPE e que o remédio jurídico (recuperação extrajudicial) buscava resguardar eventuais problemas financeiros de seus acionistas. Em sede de parecer, a Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE/AM) manifestou-se favoravelmente pela possibilidade de continuidade do contrato de concessão administrativa, em virtude de não apresentar risco de inexecução do contrato, amparada não só em doutrina majoritária, assim como na Cláusula 33.1 do instrumento contratual 063/201366, podendo ser extinto a relação jurídica, se houver prejuízo à execução do contrato.
Vimos, então, que as justificativas econômicas modelam o aparelho estatal com novos instrumentos jurídicos inspiradas no Direito Privado sem afastar a incidência de normas de direito público, o que nem sempre é uma relação pacífica à luz dos princípios da supremacia do interesse público, da dignidade da pessoa humana e o direito à vida.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios detectados na governança da saúde em sua interface com a terceirização são inúmeros, mas recebem destaque: (i) a falha de gestão de governança; (ii) a ausência de um planejamento adequado; (iii) a falta de análises que indiquem que a terceirização é a melhor opção ao caso analisado; (iii) omissão de estudo capaz de demonstrar eventuais vantagens na contratação de profissionais via entidades privadas, configurando descontrole administrativo da máquina estatal, sob o ângulo do controle externo e de gestão.
Isso porque o Poder Público, além de contar com a colaboração dessas instituições nas atividades complementares, precisa reforçar seus caixas com recursos públicos e, dependendo da natureza jurídica da entidade, incrementar ainda com bens e agentes públicos, o que triplica sua obrigação prévia, concomitante e posterior de controlar e fiscalizar cada instituição terceirizada.
Outro agravante exaspera a situação do aparelho estatal na área da saúde, o que implica na situação caótica administrativa e que repercute nas atuações terceirizadas: o subfinanciamento crônico do SUS causado pela instabilidade do Orçamento da Seguridade Social e da captura dos seus recursos por outras áreas, configurando um quadro de desmonte do SUS.
Como se vê, o arcabouço jurídico da Administração Pública voltado à figura de prestação de serviços públicos de saúde pelo SUS, seja na forma direta ou indireta, compreende a peculiar dimensão moderna do direito administrativo, principalmente nos processos de descentralização e desconcentração, privatizações, terceirizações e atividades de regulação.
Mesmo com as dificuldades de controle e supervisão dos contratos e convênios administrativos, o crescimento da terceirização é fato notório. Problemas de toda ordem se vislumbram: (i) terceirizados mal remunerados; (ii) capacitação precária dos terceirizados; (iii) alta rotatividade empregatícia nas pessoas jurídicas terceirizadas; (iv) o descontrole administrativo e suas repercussões na prestação de serviços da saúde. Ou seja, não se detecta arrefecimento do instrumento da terceirização no âmbito da Administração Pública brasileira. Ainda mais quando se trata da área da saúde, cujas demandas são vastas e dependem da articulação interfederativa de planejamento e recursos.
Como se vê, a máxima consagrada pelo aparelho estatal de que o instrumento da terceirização na Administração Pública e, em especial na área da saúde por deter demanda vigorosa e recursos públicos escassos, não vinga com relação as justificativas destas por sua utilização em larga escala. Isso porque a delegação de serviços públicos requer capacitação de pessoal, o que não se constata nos dados acima, uma vez que a iniciativa privada se apoia num conceito genérico de “complementariedade nos serviços públicos”, ditado pela CRFB, desvirtuando o sentido social do instrumento da terceirização. Primeiro porque o setor privado tende a contratar o particular menos qualificado, pagando-lhe menor salário. Segundo porque essa postura traz rotatividade em demasia ao quadro de pessoal da empresa que presta serviço terceirizado, assim como insegurança ao contratado. Terceiro porque esse ciclo torna-se vicioso: (i) serviços maus prestados ao Poder Público, (ii) remunerações inadequadas contrárias aos interesses do pessoal terceirizado, o que indica patente injustiça e (iii) preço cobrado pelo setor privado que não demonstra economia de recursos financeiros à máquina administrativa, nem prestação de serviço terceirizado prestado com eficiência.