Sumário: 1- Resumo; 2- Objectivos, metodologia e pré-introdução; 3- Introdução; 4- O Bem Jurídico do Ilícito Penal do Branqueamento e a Interpretação da e na Criminalização; as Definições da LB-Lei do Branqueamento; o Dever de Formação na LB-Lei do Branqueamento; 5 - O Regime Sancionatório na LB-Lei do Branqueamento-Ilícitos Criminais - Novidades; 6 - Eventual Responsabilidade Penal e Contraordenacional das Pessoas Colectivas pelo Crime de Branqueamento e na LB-Lei do Branqueamento; 7 - Eventual Responsabilidade Penal e Contraordenacional das Pessoas Colectivas pelo Crime de Branqueamento e na LB-Lei do Branqueamento; 8 - Pontos a Considerar a Nível Português-União Europeia e Internacional: Beneficiário Efectivo; Transformação Digital; Mitigação de Consequências não Intencionais dos Padrões do GAFI; Procedimento para Comunicar Operações Suspeitas em Portugal; Comunicação de Transacções Imobiliárias e a Declaração de Transporte de Dinheiro por Viajantes; 9 - Conclusões e Novas Problemáticas; 10 - Bibliografia.
1.OBJECTIVOS, METODOLOGIA E PRÉ-INTRODUÇÃO
Como já foi referido em publicações anteriores, os objectivos permanecem, de modo renovado, concentrados na protecção da confiança na “origem lícita i.e. justa de certos factos”, sempre numa perspectiva de Sociedade Democrática - CEDH, Convenção Europeia dos Direitos Humanos, bem como Declaração Universal dos Direitos Humanos - como indicação fundamental do próprio Estado de Direito, democrático, social, livre e verdadeiro. Neste ensejo, não afastando a protecção, quer da “paz pública”, quer da “realização da justiça”, tendo igualmente em perspectiva o princípio da legalidade que está plasmado no código penal português e na correspondente “secção” na qual se encontra a presente criminalização lusitana do crime de “branqueamento”, entretanto de novo alterado4. Criminalização, por conseguinte, como também já publicámos no passado, que protege um bem jurídico poliédrico. De modo renovado, a metodologia a ser adoptada aponta numa certa investigação comparativa maxime dogmática e doutrinal (com duas novas publicações que acrescem às anteriores: Revista Internacional Consinter de Direito e Revista de Direito Brasileira)5, legal (com novidade também na UE e Portugal)6, mas igualmente, ainda que brevitatis causa, jurisprudencial7, que podemos analisar sobre a matéria, como v.g., em países como Portugal e em toda a UE, a qual é constituída por 27 países.
2.INTRODUÇÃO
Conforme publicações anteriores, já é do nosso conhecimento que a Lei portuguesa 83/2017, de 18 de Agosto - LB-Lei do Branqueamento - trata das seguintes matérias:
“A presente lei estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais. 2. A presente lei estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efetiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006 [adiante designado “regulamento (UE) 2015/847”]”.
E já sabemos que se verificaram diversas alterações: D.L8. 144/2019, de 23 de Setembro; Lei 58/2020, de 31 de Agosto; D.L. 9/2021, de 29 de Janeiro; D.L. 56/2021, de 30 de Junho. Novidade depois do nosso último artigo jurídico-científico de 2021 é a Lei 99-A/2021, de 31 de Dezembro9.
3 O BEM JURÍDICO DO ILÍCITO PENAL DO BRANQUEAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DA E NA CRIMINALIZAÇÃO; AS DEFINIÇÕES DA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO; O DEVER DE FORMAÇÃO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO10
Como já mencionámos em diversas publicações pretéritas que foram evoluindo, no ordenamento jurídico português, o “bem jurídico” do crime de branqueamento - o qual é poliédrico - reside, no essencial, na tutela da “confiança na origem lícita de certos factos” (v.g art. s 1º, 2º e 3º da Constituição da República Portuguesa), bem como na protecção da realização da Justiça (v.g art. 20º CRP), mas também da paz pública (v.g art. s 1º, 2º e 3 CRP). E é, pois, na Constituição Portuguesa que vamos encontrar as referências da dignidade jurídico-penal dos bens jurídicos11. Já acerca das definições e do dever de formação na LB-Lei do Branqueamento, os quais têm que estar sempre presentes no contexto em que dissertamos, remetemos, mais uma vez, para outras publicações nossas12. O actual art. 55º da LB-Lei do Branqueamento, é claro no que diz respeito ao “Dever de formação”.
As universidades e instituições públicas do ensino superior público, privado e cooperativo incluem-se como “pessoas ou entidades com reconhecida competência e experiência no domínio da prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo”. Não esquecendo que as finalidades do direito e processo penal português estão no essencial consagradas no art. 40º do CP-Código Penal, não nos parece que a auto-regulação e/ou auto-fiscalização e/ou auto-auditoria sejam os melhores caminhos para o aprofundamento do Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro. Como aliás já o referimos noutras publicações13. Não duvidamos da boa-fé e boas intenções de muitos, mas os problemas relacionados com o branqueamento persistem. Veja-se, e passamos a citar, as recentes suspeitas de transacções financeiras de envergadura relevante relacionadas com a família do ditador sírio Bashar Assad14.
4 O REGIME SANCIONATÓRIO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO-ILÍCITOS CRIMINAIS - NOVIDADES15
A Lei 99-A/2021, de 31/12, prevê, como já se referiu, a “alteração ao Código dos Valores Mobiliários, ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, ao Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, ao Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, aos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a legislação conexa”. E quanto ao objecto refere no seu art. 1º, al. f): “Quinta alteração à Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, alterada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro, pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto”.
Entretanto o art. 7º da Lei 99-A/2021, de 31/12, prevê as seguintes alterações que aqui nos interessam - “Os arts. 2.º, 3.º, 4.º e 62.º-A da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, passam a ter a seguinte redação”: art. 2º (no qual constam várias “Definições”) em algumas das suas alíneas: “… w) Membros próximos da família”: … “ii) Os parentes e afins até ao 2.º grau, na linha reta ou na linha colateral, da pessoa politicamente exposta”; / … / “gg) “Titulares de outros cargos políticos ou públicos”, as pessoas singulares que, não sendo qualificadas como pessoas politicamente expostas, desempenhem ou tenham desempenhado, nos últimos 12 meses e em território nacional, os cargos enumerados nos arts. 2.º e 3.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”; …/ ll) “Ativo virtual”, “uma representação digital de valor que não esteja necessariamente ligada a uma moeda legalmente estabelecida e que não possua o estatuto jurídico de moeda fiduciária, valor mobiliário ou outro instrumento financeiro, mas que é aceite por pessoas singulares ou coletivas como meio de troca ou de investimento e que pode ser transferida, armazenada e comercializada por via eletrónica”.
Quanto ao art. 3º (que define as “Entidades financeiras”)/1 da Lei 83/2017, de 18/8: “e) Sociedades de investimento coletivo autogeridas e sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo”.
No que concerne ao art. 4º (do qual constam as “Entidades não financeiras”) da Lei 83/2017, de 18/8: “6 - Para efeitos da alínea o) do n.º 1, considera-se que exercem atividade em território nacional as seguintes pessoas ou entidades: / a) As pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas constituídas em Portugal para o exercício de atividades com ativos virtuais; / b) As pessoas singulares, as pessoas coletivas e outras entidades com domicílio em Portugal que exerçam atividades com ativos virtuais ou que disponham de estabelecimento situado em território português através do qual exerçam atividades com ativos virtuais; / c) As demais pessoas singulares ou entidades que, em razão do exercício de atividades com ativos virtuais, devam apresentar declaração de início de atividade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira”.
Já o art. 62º-A (define as “Sucursais e filiais em países terceiros”)/2, passa a referir o seguinte: “No cumprimento do disposto no n.º 8 do art. 22.º da presente lei, as entidades financeiras asseguram que as medidas adicionais a adotar e as comunicações a dirigir às autoridades setoriais observam o disposto nos arts. 3.º a 8.º do Regulamento Delegado (UE) 2019/758, da Comissão, de 31 de janeiro de 2019, sem prejuízo da adoção de outras providências suplementares adequadas aos riscos concretos identificados e do previsto em regulamentação setorial”. Recorde-se que este art. 62º-A surge logo a seguir ao art. 62º, “Deveres das entidades financeiras”, os quais abrem o Capítulo V: “Deveres específicos das entidades financeiras” e a Secção I, com as “Disposições gerais”.
5 EVENTUAL RESPONSABILIDADE PENAL E CONTRAORDENACIONAL DAS PESSOAS COLECTIVAS PELO CRIME DE BRANQUEAMENTO E NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO16
Quanto ao crime de branqueamento, p. e p. no art. 368º/A do CP17, o mesmo pode ser praticado por pessoas ou entes colectivos, se preenchidos os pressupostos do art. 11º do CP18. Como referido no nosso último artigo jurídico-científico na Revista Internacional de Direito Consinter19, foi introduzido um novo art. 159º/A de responsabilidade penal20, na LB, o qual trata da “Responsabilidade e punição das pessoas coletivas e entidades equiparadas”: “As pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos na presente secção, sem prejuízo dos limites específicos nos arts. 157.º e 158.º”. Já nas contraordenações no que diz respeito à responsabilidade das pessoas ou entes colectivos na LB, a história é outra. Atentemos, pois, nas seguintes características. Antes de mais, recordemos as normas jurídicas:
Art. 161º da LB, “Responsabilidade”: “1 - Pela prática das contraordenações previstas na presente secção podem ser responsabilizadas, conjuntamente ou não, pessoas singulares, pessoas coletivas, ainda que irregularmente constituídas, e associações sem personalidade jurídica. / 2 - É responsável como autor das contraordenações previstas na presente lei todo aquele que, por ação ou omissão, contribuir causalmente para a sua produção”; Art. 162º da LB: “Responsabilidade das pessoas coletivas e das entidades equiparadas”: “1 - As pessoas coletivas e as entidades equiparadas a pessoas coletivas são responsáveis pelas contraordenações cometidas pelas pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais, quando estas atuem no exercício das suas funções ou em nome e no interesse do ente coletivo. / 2 - A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. / 3 - A invalidade e a ineficácia jurídicas dos atos em que se funde a relação entre o agente individual e a pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva não obstam à responsabilidade de nenhum deles”; Art. 163º da LB, “Responsabilidade das pessoas singulares”: “1 - A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas a pessoas coletivas não exclui a responsabilidade individual das pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais. / 2 - Não obsta à responsabilidade dos agentes individuais que representem outrem a circunstância de a ilicitude ou o grau de ilicitude depender de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só se verificarem na pessoa do representado, ou de requerer que o agente pratique o ato no seu próprio interesse, tendo o representante atuado no interesse do representado. / 3 - As pessoas singulares que sejam membros de órgãos de administração, de direção ou de fiscalização da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente atenuada, quando, cumulativamente, não sejam diretamente responsáveis pelo pelouro ou pela área onde se verificou a prática da infração e a sua responsabilidade se funde unicamente no facto de, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não terem adotado imediatamente as medidas adequadas para lhe pôr termo, a não ser que sanção mais grave lhe caiba por força de outra disposição legal”.
Como já referimos noutros artigos jurídico-científicos, também existe aqui um absurdo de diferença nas respecticas redacções sobre a responsabilidade das pessoas colectivas ou organizações no contexto do ordenamento jurídico português. O que provoca dificuldades na interpretação e aplicação da legislação em vigor21. Se quisermos continuar a obedecer ao Princípio da Legalidade - sustentáculo radical do Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro -22, é disparatado positivar na lei nexos de imputação tão diversos como são aqueles que constam do art. 11º do Código Penal23, 7º do Regime Geral das Contraordenações24 e, por exemplo, os supramencionados art. s 161º, 162º e 163º da LB! Vejamos: o art. 11º do CP, quanto ao nexo de imputação, fala em “… órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade, incluindo os membros não executivos do órgão de administração e os membros do órgão de fiscalização…”; já o art. 7º do RGCO refere: “… seus órgãos no exercício das suas funções”; e o art. 162º da LB, refere: “… pelas pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais…”. Mas também poderíamos referir muitas outras normas jurídicas que, dentro de si, têm nexos de imputação da responsabilidade penal e contraordenacional que são diversos de todos estes aqui referidos25. Uma espécie de Torre de Babel jurídica que, mais tarde ou mais cedo, por rompimento da mais básica comunicação interna, se acabará por auto-destruir. Como aliás prova isso mesmo o facto de p. e. o art. 11º do CP ter sido alterado no seu nr.: “4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade, incluindo os membros não executivos do órgão de administração e os membros do órgão de fiscalização”. Ou seja, em vez de se caminhar em direcção à harmonia legislativa e interpretativa, inventam-se novas definições ao sabor dos ventos e dos processos (mediáticos). Recordando que cada senhor(a) jui(í)z(a) irá interpretar à sua maneira como diria Francis Albert Sinatra, sem prejuízo da obrigatória fundamentação.
6 A AUDITORIA DE PREVENÇÃO DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E O “USO INTENSIVO DE NUMERÁRIO” - A TESE DE MESTRADO DA CONTABILISTA E DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS MESTRA NATÁLIA GOMES RODRIGUES
Tive o privilégio de orientar a Docente e Contabilista Certificada, agora Mestra, Natália Gomes Rodrigues na tese de Mestrado em Auditoria pela Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave-RUN-Regional University Network-EU-European Union, com o título “A Auditoria de Prevenção de Branqueamento de Capitais e o “Uso Intensivo de Numerário”“26. Vale a pena recordar as conclusões desta mesma tese de Mestrado. De entre as quais destacamos as seguintes: “O caso em estudo, embora meramente académico e criado para este fim - qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência -, pretende abordar diversas questões como a emissão de faturas fictícias relativas a serviços que não ocorrem na realidade, a celebração de contratos fictícios, o recurso a paraísos fiscais e o aproveitamento dos benefícios fiscais, embora sem o cumprimento dos requisitos exigidos. Assim, o caso em estudo, referente a uma empresa na área das telecomunicações, aborda as temáticas referidas, com o intuito de salientar o papel do auditor e as possibilidades que existem deste não detetar erros e fraudes existentes, quer seja de forma intencional ou devido aos níveis de materialidade definidos, os quais permitem que situações de risco não sejam analisadas. O caso estudado permite verificar que a subjetividade do trabalho do auditor, embora segundo as regras da OROC, conduz a que situações de branqueamento de capitais não sejam analisadas por diversos motivos. Por outro lado, conclui-se que os auditores atribuem pouca relevância à questão da análise das ameaças perante a aceitação de um cliente, facto que posteriormente conduz à existência de erros no trabalho e da obtenção de uma menor prova de auditoria com o intuito de favorecer o cliente, quer seja por motivos de interesse pessoal ou devido à pressão exercida por este. A principal limitação do presente trabalho refere-se à componente prática, dado que a temática em estudo envolve transações de elevados montantes e a atividade criminosa, pelo que se torna difícil a abordagem de um caso concreto real, na medida em que tal facto poderia colocar em causa a segurança do próprio autor aqui signatário. Além disso, a temática apresenta uma componente jurídica e requer confidencialidade em qualquer dado obtido, o que conduz a que o caso prático seja meramente académico, criado com base em factos apresentados na comunicação social, para que tente representar realidades idênticas que possam ou não existir. Um trabalho futuro interessante diz respeito à análise das demonstrações financeiras com o intuito de perceber em que rubricas e componentes, o auditor deveria incidir, verificando se o fez ou não. Dito de outra forma, seria interessante criar um nível de materialidade e simular o trabalho de auditoria, realizando testes substantivos e de controlo. Este trabalho teria assim o objetivo de verificar a conformidade do trabalho do auditor com as regras exigidas pela OROC e analisar o diferencial existente com o trabalho já realizado em determinada empresa”. Ou seja, se um “testa-de-ferro” de uma determinada pessoa que, por sua vez, é um quadro superior com poder legal interno dentro de uma imaginária multinacional das comunicações, e da comunicação social, compra uma empresa, em nome dessa mesma multinacional, fazendo uma oferta de milhões de euros, pode ser - no campo das hipóteses académicas - que esse mesmo “testa-de-ferro”, ele próprio, vá receber umas “luvas” por essa venda-e-compra. Estas “luvas” serão divididas entre o “testa-de-ferro” e a pessoa que representa (e que tem um lugar de poder e decisão dentro da multinacional). E, de modo simultâneo, dê umas “luvas” extraordinárias ao próprio vendedor (uma parte é declarada no contrato e a outra não). Deste modo ultrapassam-se eventuais limites legais quanto a remunerações e prémios legais no âmbito do direito das sociedades comerciais e dos valores mobiliários, bem como do Direito em geral. Esta é apenas uma das muitas hipóteses de praticar o branqueamento de vantagens, entre as quais os capitais. Há outras hipóteses de “magia-financeira” e trapaceira, diríamos, que pretende ludibriar a designada Fazenda Pública, bem como os reguladores sectoriais. Já para não falar na opinião pública perante a qual muitos dos políticos e partidos políticos nada pretendem esclarecer. E qual é motivo deste último facto? Fácil. Há partidos políticos, eles próprios, que são financiados por estes esquemas ou muito similares. Aliás, interessa ter “homens-e-mulheres-de-mão” dentro das grandes empresas como núncios dos próprios partidos políticos e inclusive “empresas rivais ou amigas”, num jogo de interesses no qual todos os inocentes devem ser eliminados.
7 PONTOS A CONSIDERAR A NÍVEL PORTUGUÊS-UNIÃO EUROPEIA E INTERNACIONAL: BENEFICIÁRIO EFECTIVO; TRANSFORMAÇÃO DIGITAL; MITIGAÇÃO DE CONSEQUÊNCIAS NÃO INTENCIONAIS DOS PADRÕES DO GAFI; PROCEDIMENTO PARA COMUNICAR OPERAÇÕES SUSPEITAS EM PORTUGAL; COMUNICAÇÃO DE TRANSACÇÕES IMOBILIÁRIAS E A DECLARAÇÃO DE TRANSPORTE DE DINHEIRO POR VIAJANTES
Não devemos esquecer nunca que o Direito sofre da síndrome Tom&Jerry. I.e., do “jogo do gato e do rato”. A realidade vai sempre à frente do Direito. O Direito não conseguirá prever nunca toda a realidade. E o crime nunca pode ser totalmente prevenido, nem todos os criminosos serão punidos, infelizmente. As “cifras negras” são parte da Rua da Amargura prática das coisas da vida e da Justiça. O movimento é contínuo e, talvez em absoluto, circular. Ponto por ponto:
1º RCBE27-Registo Central do Beneficiário Efectivo28: o RCBE tem por objectivo identificar todas as pessoas que controlam uma empresa, fundo ou entidade jurídica doutra natureza. Assim, é preciso fazer o seguinte: preencher a declaração do RCBE por todas as entidades constituídas em Portugal ou que pretendam fazer negócios em Portugal. Assim, como alterações ou confirmações anuais. Neste contexto, todos os dados podem ser consultados pelas próprias organizações. Igualmente se pode solicitar o pedido especial de restrição de acesso aos dados pelos motivos invocados no RCBE29. Também se podem comunicar omissões, inexactidões ou desconformidades das informações que já constam do RCBE30. Recorde-se que em 4/3/2022, a Financial Action Task Force-GAFI-Gabinete de Acção Financeira Internacional adoptou alterações à sua Recomendação 24 com uma Nota Interpretativa que requer aos países uma melhor prevenção no uso fraudulento de pessoas ou entes colectivos, organizações, para branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo e que garantam que exista informação adequada, precisa e actualizada sobre quem beneficia da propriedade e controlo dessas mesmas pessoas ou entes colectivos, organizações;
2º Transformação Digital do Anti-Branqueamento v.g. de Capitais e Contra-Financiamento de Terrorismo. As medidas preventivas e punitivas do branqueamento/lavagem incluem competências inovativas, métodos e processos que são usados para alcançar objectivos relacionados com a implementação efectiva das exisgências anti-branqueamento e contra-financiamento do terrorismo. É importante salientar aqui três áreas como o GAFI já o fez em 2021: a) Oportunidades e desafios das novas tecnologias para ajudar o sector privado e os supervisores/reguladores e implementarem medidas anti-branqueamento e contra-financiamento do terrorismo que sejam mais eficazes; b) A colaboração e proteção de dados, fazendo um balanço das tecnologias que facilitam análises avançadas de anti-branqueamento e contra-financiamento do terrorismo dentro de entidades regulamentadas ou análises colaborativas entre instituições financeiras, respeitando as estruturas legais de proteção e privacidade de dados nacionais e internacionais; c) O papel dos dados em grande escala e a análise avançada na transformação das capacidades das agências operacionais na detecção e investigação de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo e na compressão de riscos a si associados;
3º Mitigação de Consequências não Intencionais dos Padrões do GAFI. Este problema resulta da implementação incorrecta das exigências do GAFI, incluindo redução do risco, exclusão financeira e direccionamento indevido de Organizações Não-Lucrativas;
4º Procedimento para Comunicar Operações Suspeitas em Portugal. Nesta temática estamos a abordar a “Comunicação de operações suspeitas”31. Aqui têm preponderância a UIF-Unidade de Informação Financeira e o DCIAP-Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Procuradoria-Geral da República. No caso dos Advogados e Solicitadores, duas profissões muito apetecíveis no âmbito dos agentes de ilícitos de branqueamento de vantagens, as informações devem ser dirigidas aos Bastonários respectivos da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Estes irão reenviar por sua vez para a UIF e o DCIAP de imediato e sem qualquer filtragem. Mutatis mutandis, o mesmo compete às designadas Autoridades Sectoriais32. Deve também existir uma comunicação sistemática de operações;33
5º Por fim, mas não por último, é preciso ter em consideração a Comunicação de Transacções Imobiliárias e a Declaração de Transporte de Dinheiro por Viajantes.
8 CONCLUSÕES E NOVAS PROBLEMÁTICAS
Portugal, país membro pleno da União Europeia - inclusive pertencente ao núcleo circunscrito da moeda única, o Euro, € - é alvo mais uma vez dos efeitos das correspondentes alterações legislativas nesta comunidade económica, a qual se vai tornando cada vez mais política. I.e., a questão do excesso de mudanças legislativas subsiste e reproduz-se. Não esquecendo as sempre importantes diferenças entre a teoria e a prática. Além de que Portugal, por ironia, tem um problema grave relacionado com a lentidão na Justiça, em especial na Justiça administrativa34. O centro da questão da prevenção do branqueamento, em termos criminais, continua a residir no art. 368º/A do Código Penal português. Mas temos que ter sempre em consideração a LB que, neste artigo jurídico-científico continua a ser aflorada. E dentro de toda esta problemática continuamos a fazer sobressair a importância fulcral do Princípio Constitucional da Legalidade Criminal, como alicerce essencial do Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro. Afinal, o que é um (i)lícito de branqueamento? Quais as suas fronteiras constitucionais? Como é que a legislação acompanha a realidade? Pode p. e. um ilícito conexionado com o terrorismo - que visa a destruição do Estado de Direito democrático e social, livre e verdadeiro - prescrever? Evoquemos, pois, mais uma constatação paradoxal de Günther JAKOBS35, a propósito do Princípio (Constitucional) da Legalidade Criminal, o qual constitui na CRP carácter nuclear de Direito, Liberdade e Garantia36: uma vez que as regras constitucionais - do Estado de Direito - só são geralmente eficazes quando aplicadas a eventos que são possíveis no próprio Estado de Direito (Constitucional, Rechtsstaat), não é por acaso que a prescrição causou lacunas consideráveis na rastreabilidade, especialmente no julgamento de crimes (nazis) nacional-socialistas. Aliás, como referem Hans-Heinrich JESCHECK e Thomas WEIGEND37, é preciso assumir que existe uma problemática jurídico-científica no que respeita à prescrição e que aqui também pode ser invocada. A exclusão da prescrição para crimes contra a paz, a Humanidade, os Direitos Humanos (Menschenrechte) e crimes de guerra (Kriegsverbrechen), continuou vigente p. e. na zona da antiga ditadura da “República Democrática Alemã” (DDR) mesmo depois do Tratado de Unificação Alemã. Já CLAUS ROXIN38 - no âmbito do Princípio da Legalidade e limites do teor literal - nos diz que a vinculação da interpretação ao limite do teor literal (Wortlautgrenze) não é em absoluto arbitrária, derivando antes dos fundamentos jurídico-políticos e jurídico-penais do Princípio da Legalidade. De facto, o legislador só pode expressar com palavras as suas prescrições e tudo aquilo que não se consiga depreender das suas palavras, não está prescrito, não rege (“gilt”). Pelo que, uma aplicação do direito penal que ultrapasse o teor literal enfraquece a auto-limitação do Estado na aplicação do poder punitivo e perde a legitimação democrática. Além disso, o cidadão somente poderá incluir nas suas reflexões uma interpretação da lei que se depreenda do seu teor literal, de tal forma que possa ajustar o seu comportamento à mesma. Somente uma interpretação dentro do alcance do significado possível da palavra pode, portanto, garantir o efeito preventivo da lei e tornar reprovável a violação da proibição39.
Também desta vez não vamos esquecer que o crime de branqueamento - já o sabemos e repetimos -, é um crime de perigo abstracto40. Para lá do facto - que nos é muito caro - que o crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode ter por origem ilícitos e/ou crimes que, igualmente, se relacionam com a utilização indevida, dolosa ou negligente, de dinheiros públicos41.
Assim, a problemática dos ilícitos de branqueamento/lavagem está longe de ficar aqui encerrada, ainda que se pense que se está numa espécie de cerro do ouro jurídico-científico.
“HOMERO”42 - autor ou conjunto de autores ou mesmo personificação da cultura da Grécia Antiga, não há certezas históricas, como temos dito -, também nos diz nas suas metáforas universais e intemporais:
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades, ficando seus corpos como presa para cães e aves de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus), desde o momento em que primeiro se desentenderam o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.