Sumário: 1. Introdução; 2. Os Traços Essenciais do Crime de Branqueamento e/ou Lavagem e o Perfil dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal; 3. Continuação de breve análise do Regime Sancionatório na LB-Lei do Branqueamento-Ilícitos Criminais; 4. Algumas das Últimas Conclusões Internacionais do GAFI-Grupo de Acção Financeira - e Portugal continua a dormir?; 5. Conclusões e Novas Problemáticas; 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com publicações anteriores, e porque é indispensável lembrar, já é do nosso conhecimento que a Lei portuguesa 83/2017, de 18 de Agosto - LB-Lei do Branqueamento - trata das seguintes matérias:
A presente lei estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais. 2. A presente lei estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efetiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006 [adiante designado “regulamento (UE) 2015/847”].
E é já igualmente do nosso conhecimento que ocorreram várias alterações: D.L.11 nº 144/2019, de 23 de Setembro; Lei nº 58/2020, de 31 de Agosto; D.L. nº 9/2021, de 29 de Janeiro; D.L. nº 56/2021, de 30 de Junho; Lei nº 99-A/2021, de 31 de Dezembro12; assim como a supramencionada Resolução do Conselho de Ministros nº 69/2022, de 9/8.13 O essencial desta RCM 69/2022 é o seguinte:
Estratégia Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, ao Financiamento do Terrorismo e ao Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa / A Estratégia Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, ao Financiamento do Terrorismo e ao Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa (Estratégia) assenta nos compromissos de: / I) Reforçar instrumentos, mecanismos e procedimentos de prevenção e de combate ao branqueamento de capitais, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa; / II) Completar a transição do paradigma da abordagem de conformidade para a abordagem baseada no risco; e / III) Fortalecer a cooperação, interna e internacional.
De salientar também é a entrada em vigor da chamada, e neste caso mais uma vez atrasada, Lei de Política Criminal - Lei 51/2023, de 28 de Agosto -, «Define os objetivos, prioridades e orientações da política criminal para o biénio de 2023-2025, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a Lei Quadro da Política Criminal». O seu art. 4º, alínea e), Crimes de prevenção prioritária, refere o seguinte: «Tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas, são considerados fenómenos criminais de prevenção prioritária, para os efeitos da presente lei: / e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento, peculato e participação económica em negócio». Já no art. 5º, «Crimes de investigação prioritária / Tendo em conta a gravidade dos crimes e a necessidade de evitar a sua prática futura, são considerados crimes de investigação prioritária para efeitos da presente lei: d) No âmbito dos crimes contra o Estado, os crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento, peculato e participação económica em negócio». O art. 18º refere, por seu lado, que tem que existir uma fundamentação e que é a seguinte: «Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, a fundamentação das prioridades e orientações da política criminal consta do anexo à presente lei, da qual faz parte integrante». E encontramos no Anexo à Lei de Política Criminal, Fundamentos das prioridades e orientações da política criminal, Ponto nº 2.14
2 OS TRAÇOS ESSENCIAIS DO CRIME DE BRANQUEAMENTO E/OU LAVAGEM E O PERFIL DOS JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM PORTUGAL
Sobre a problemática do bem jurídico que é tutelado pelo crime de branqueamento ou lavagem, remetemos para as nossas publicações anteriores.15 O crime de branqueamento e/ou lavagem de dinheiro é uma questão sofisticada e vasta que ultrapassa os limites geográficos e as áreas económicas, sociais, políticas, culturais e mentais. Lembrando a divisão do Historiador Fernand Braudel. O branqueamento e/ou lavagem tem definições próprias, métodos, consequências e específicos modus operandi. E como já sabemos: é melhor prevenir do que punir…. É preciso pois atentar nos efeitos legais e regulatórios que possam estar associados ao branqueamento e/ou lavagem, assim como os avanços tecnológicos que têm provocado as tácticas dos criminosos e as contramedidas acolhidas pelas autoridades. Recursos adquiridos de modo ilegal passam a ser activos que são legítimos apenas na sua aparência. O ilícito aqui em consideração é uma verdadeira ameaça mundial que tem consequências negativas na estabilidade económica e na integridade dos mercados financeiros máxime internacionais. Há vários métodos usados na prevenção do branqueamento e/ou lavagem. Seja através de empresas de fachada, instituições financeiras, comercialização de bens de luxo e labirínticas transacções internacionais. As fases podem ser catalogadas da seguinte forma do ponto de vista clássico: integração, ocultação e dissimulação. E/ou do ponto de vista metafórico, de modo consecutivo: lavar, mas também secar e engomar. Por aqui seriam cinco fases. Tudo isto, de forma muito óbvia, tem efeitos económicos, sociais, políticos, culturais, mentais. A concorrência leal fica conspurcada, para lá do impulso a mais acções e omissões criminosas, afectando a confiança nas instituições financeiras e, mais do que isso, no Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro em si mesmo. Mas este crime também afecta a prevenção da pobreza, multiplicando o flagelo dos obstáculos à sustentabilidade. Incluindo, portanto, a adequada canalização de verbas para a protecção do meio ambiente e do património. As estratégias de prevenção e punição deste crime de branqueamento e/ou lavagem passam por uma cada vez maior envolvência de governos e organizações internacionais. Isto inclui a implementação de regulamentações rigorosas, cooperação internacional e uso de tecnologias avançadas de monitorização. Os chamados departamentos de inteligência financeira - natural e artificial -, por um lado, e os acordos internacionais neste âmbito, por outro lado, contribuem para a troca eficaz de informações entre Estados. Não desfazendo que é sempre um problema saber “Quem guarda os guardas?”, já dizia o Poeta Juvenal. Assim, temos que ter em consideração também os avanços tecnológicos e aquilo que o futuro - com trabalho, dor e imprevisibilidade -, nos prepara. É lógico que os criminosos do branqueamento ou lavagem já estão a aproveitar as novas tecnologias e as suas mais recentes evoluções. Veja-se o caso das criptomoedas - ou moedas electrónicas -, as quais, por meio de milhões de transacções diárias, trouxeram novos desafios à detecção do também crime organizado nesta área. O velho “jogo-do-rato-e-do-gato” - qual Tom&Jerry! -, onde as autoridades necessitam de se adaptar a todo o momento e desenvolver métodos inovadores, em alguns casos preditivos, para “não perder o fio à meada” das operações financeiras cada vez mais disfarçadas em jogos de espelhos, ilusórias, complexas e labirínticas. Numa guerra de vice-versa. Um verdadeiro “quebra-cabeças”. Como pré-conclusões, poderemos afirmar que o branqueamento ou lavagem de dinheiro é uma teimosa ameaça que implica uma coordenação mundial. Assim, o diálogo contínuo e troca de informações colaborativas entre Estados, instituições financeiras e divisões e agências de aplicação da legislação são fundamentais para diminuir as incidências deste tipo de crimes, e ilícitos conexos, atenuando, ou mesmo evitando, as suas graves consequências. É nevrálgico que exista uma permanente actualização em face das novas tecnologias e das estratégias criminosas, de modo a assegurar a eficácia das formas de enfrentamento do branqueamento ou lavagem. Não deixando de manter a integridade do sistema financeiro internacional em níveis aceitáveis pelos Estados de Direito, pelas Democracias. E, sem prejuízo de tudo o mencionado, é crucial formar autoridades judiciárias - Magistrados -, órgãos e autoridades de polícia criminal, na especialização dos crimes económicos e financeiros. Assim, como é inadiável ter o Povo representado nos mais altos Tribunais dos respectivos ordenamentos jurídicos. Nesta dimensão, contra todos os estudos mais profundos sobre esta matéria a nível mundial, a começar por diversos trabalhos do (também) Sociólogo do Direito Boaventura Sousa Santos16 - e a título de exemplo -, o último concurso público para acesso ao Supremo Tribunal de Justiça Português em 50 candidatos ordenados aceitou apenas e somente um jurista de mérito. Ora, este único jurista de mérito até já era Conselheiro-Magistrado do Tribunal de Contas - onde tinha entrado como… jurista de mérito! Mas pior do que isso, a sua avaliação foi de apenas 70 pontos, quando, todos os candidatos juntos, conseguiram alcançar uma média de cerca de 159 pontos e houve vários candidatos com 180 pontos.17 Ou seja, o “jurista de mérito” tem uma nota abaixo da média geral de todos os 50 candidatos juntos! As últimas alterações legislativas ocorridas em Portugal para o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça aprofundaram ainda mais a violação do Estado de Direito Democrático e a Constituição de Portugal, pois o Povo, em definitivo, não está representado neste Tribunal.18 De acordo com o art. 202º da Constituição da República Portuguesa: “1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. A maioria dos juristas de mérito entraram neste Tribunal de acordo com a legislação anterior: no concurso de 2016, terminado em 2017, foram graduados 34 Juízes; 6 Procuradores-Gerais Adjuntos e 8 Juristas de Mérito. Nos dois últimos concursos - 2020 terminado no mesmo ano e 2022, terminado em 2023 -, apenas foram ordenados dois juristas de mérito, um em cada concurso. O caso de 2023 é o referido antes: um jurista de mérito com 70 pontos; 44 Juízes e 5 Procuradores-Gerais Adjuntos. O caso de 2020 ainda é mais gritante: o único jurista de mérito, personalidade pública portuguesa e Professor Universitário obteve apenas 45 pontos! Sendo que o último Procurador-Geral Adjunto, dessa mesma ordenação de 2020, obteve 164 pontos e o último Magistrado Judicial obteve 154 pontos. Ou seja, a pontuação de 45 pontos é menos de 1/3 das pontuações totais dos classificados nos dois últimos lugares de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, quer pela via da Magistratura Judicial, quer pela via do Ministério Público! Um verdadeiro processo de humilhação curricular pública de quem tem mais currículo universitário e científico na área do Direito em comparação com todos os outros. As Universidades e as Instituições do Ensino Superior presentes no Planeta Terra são, por regra racional e Iluminista, o topo em diálogo contínuo, do conhecimento mundial. Juristas de mérito que, além das avaliações públicas demasiado baixas - por alguém sem tanto currículo ainda por cima! - se arriscam a não entrar sequer caso seja ultrapassado o prazo de substituição dos que já se encontram em exercício no Supremo Tribunal de Justiça, os quais em alguns casos ainda são relativamente jovens: cerca dos 51 anos de idade. Pelo que será muito mais difícil. Recorde-se que a legislação exigia 20 anos de experiência profissional (até ao concurso de 2016/2017) e agora exige 30 anos de experiência profissional! Quando em todo o mundo se fala que nos lugares dos três poderes originais democráticos - legislativo, executivo e judicial - deveriam estar pessoas um pouco mais jovens, sem prejuízo de haver lugar também para os mais velhos, e desde que por mérito próprio, em Portugal faz-se ao contrário19.
3 CONTINUAÇÃO DE BREVE ANÁLISE DO REGIME SANCIONATÓRIO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO-ILÍCITOS CRIMINAIS20:
Vamos fazer uma pequena incursão nas criminalizações da LB. Refere o art. 157º da LB o seguinte:
Divulgação ilegítima de informação / 1 - A divulgação ilegítima, a clientes ou a terceiros, das informações, das comunicações, das análises ou de quaisquer outros elementos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 54.º da presente lei21e no artigo 14.º do Regulamento (UE) 2015/847,22é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 - Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite máximo.
Assistimos, pois, a uma tutela da legítima informação que não deverá estar ao dispor de todos e quaisquer uns, uma vez que isso pode interferir na realização da Justiça, na dificuldade em comprovar a (i)licitude de certos factos e/ou na paz pública. E também, claro está, provocar danos patrimoniais e morais. A divulgação da informação que não é pública, é ilegítima e vai contra o interesse público.
Já o art. 158º da LB menciona o seguinte:
Revelação e favorecimento da descoberta de identidade: / 1 - A revelação ou o favorecimento da descoberta da identidade de quem forneceu informações, documentos ou elementos ao abrigo dos artigos 43.º a 45.º, 47.º e 53.º da presente lei23ou do Regulamento (UE) 2015/84724, é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 - Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite máximo.
Vemos aqui em causa também, portanto, uma tutela de informação que tem por base o sigilo que poderá ser igualmente profissional. E isso remete-nos para o art. 25º/1 da Constituição, “Direito à integridade pessoal: / 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
O art. 159º prevê e pune o crime de «Desobediência:
1 - Quem se recusar a acatar as ordens ou os mandados legítimos das autoridades competentes, emanados no âmbito das suas funções, ou criar quaisquer obstáculos à sua execução, incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada, se as autoridades competentes tiverem feito a advertência dessa cominação. 2 - Na mesma pena incorre quem não cumprir, dificultar ou defraudar a execução das sanções acessórias ou medidas cautelares aplicadas em procedimentos instaurados por violação das disposições da presente lei ou dos respetivos diplomas regulamentares.
Esta norma jurídica é uma evocação do art. 348º do CP-Código Penal português:
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: / a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou / b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação. / 2 - A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.
Norma jurídica que já foi objecto da mais diversificada jurisprudência, incluindo a sua fixação: Acórdão do STJ-Supremo Tribunal de Justiça de F.J. nº 10/2010, de 16/12;25 Ac. do STJ de F.J. nº 5/2009, de 19/3;26 Ac. do STJ de F.J. nº 2/2013, de 8/127; Ac. do STJ de F.J. nº 14/2014, de 21/1028. Sem esquecer o importante Ac. do Tribunal Constitucional nº 196/2023, de 18/4, aquando da pandemia Covid1929. Está aqui em causa, como bem jurídico, a autonomia intencional do funcionário, tenha, ou não tenha, autoridade pública30. A autoridade pública é, do ponto de vista jurídico-penal, o funcionário público ou o membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, desde que se verifique iure imperii - por direito de soberania. Não está em causa, portanto, só e apenas a autonomia intencional do Estado, pois o conceito de funcionário inclui aqui os gestores e trabalhadores das empresas privadas, concessionárias de serviços públicos31.
No que concerne à responsabilidade penal e contraordenacional das pessoas colectivas pelo Crime de Branqueamento e na LB-Lei do Branqueamento, remete-se para a nossa publicação anterior, bem como, claro está, para o art. 159º/A da LB: «As pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos na presente secção, sem prejuízo dos limites específicos previstos nos artigos 157.º e 158.º» Os «termos gerais» constam do art. 11º do Código Penal português32.
4 ALGUMAS DAS ÚLTIMAS CONCLUSÕES INTERNACIONAIS DO GAFI-GRUPO DE ACÇÃO FINANCEIRA - E PORTUGAL CONTINUA A DORMIR?33
Para compreendermos a legislação na área do crime de branqueamento ou lavagem, temos que perceber quais os principais caminhos que estão a ser tomados a nível internacional nesta mesma área. Entre os dias 21 e 23 de Junho de 2023, o GAFI esteve em plenário mundial em Paris e aí se chegaram a algumas conclusões que não vamos deixar de comentar, ainda que de modo muito breve. Este plenário foi liderado pelo presidente em exercício T. Raja Kumar de Singapura. Mais de 200 jurisdições e organizações internacionais participaram nas discussões focadas na prevenção e «combate» ao branqueamento ou lavagem, financiamento do terrorismo e suas proliferações. O GAFI, passamos a citar de novo, expressou as suas simpatias pela Ucrânia por causa da invasão militar Russa. Neste ensejo, o GAFI manteve a suspensão da Rússia como seu membro. Além do mais, o GAFI informou que enfatizou a vigilância e prevenção de medidas contra a Rússia. Por outro lado, os Membros do GAFI discutiram várias iniciativas, incluindo actualizações na regulação de activos virtuais, prevenção na distorção do uso das organizações não-governamentais, e projectos relacionados com o financiamento do branqueamento de capitais (lavagem de dinheiro) e terrorismo. Também foram todos os membros do GAFI informados das alterações da sua vice-presidência. O plenário do GAFI adoptou igualmente um relatório de avaliação mútua para o caso (problemático) do Luxemburgo, reconhecendo o seu forte cumprimento, mas recomendando melhorias na detecção de casos complexos de branqueamento, ou lavagem, e na supervisão baseada no risco. O relatório será publicado em Setembro de 2023, após uma revisão rotineira de qualidade. Já os Camarões, Croácia e Vietname foram identificados como jurisdições sob maior monitorização, o que significa o seu compromisso em resolver as deficiências detectadas. Nenhuma nova jurisdição foi adicionada à lista daquelas jurisdições sujeitas a um apelo à acção. Nem sequer Marte, dizemos nós... E em caso algum podemos esquecer que existem milhares de «países» no universo virtual. Entretanto, os membros do GAFI prepararam-se para a quinta ronda de avaliações mútuas, dando realce à formação de avaliadores e aos procedimentos universais. Foram também discutidas iniciativas estratégicas, incluindo a colmatação de lacunas na regulamentação de activos virtuais, o reforço das medidas de recuperação de activos e o «combate» à corrupção34. O GAFI está empenhado em atenuar e moldar as consequências não intencionais das recomendações do próprio GAFI, especialmente no sector sem fins lucrativos - v.g. organizações não governamentais ou instituições particulares de solidariedade social. Foram convencionadas modificações à metodologia para avaliações mútuas para resolver implementações incorretas e práticas equivocadas. Foram também dadas informações institucionais: a Vice-Presidente cessante, Elisa de Anda Madrazo, do México, foi elogiada pelas suas contribuições, e Jeremy Weil, do Canadá, foi recebido como seu sucessor, tendo tomado posse em 1 de Julho de 2023. Para quando um português? Estamos disponíveis, eh, eh, eh! Coincidência interessante, pois o México é provavelmente o país do mundo com mais criminosos violentos relacionados com o tráfico ilícito de drogas: os chamados cartéis que, desafortunadamente, se matam uns aos outros como quem bebe copos de água, ou de tequila melhor dizendo, salvo o devido respeito por todas vítimas inocentes. Ou não fossem os vizinhos, EUA, os maiores consumidores do mundo de drogas duras. Assim como os segundos maiores consumidores do mundo são os “europeus ricos da Europa central”, sendo que - como aliás já referimos noutras publicações. O que significa que é também na Europa que se situam grandes portas de entrada de drogas. E, imagine-se, a maior porta é muito provavelmente Portugal, ou seja, a segunda maior do mundo depois do México35. E com créditos firmados: como já dissemos noutras publicações, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência-OEDT, criado em 1993 no âmbito formal da União Europeia, tem sede na capital portuguesa, Lisboa36. Entretanto, notícias recentes que foram publicadas um pouco por toda a comunicação social dão que pensar: “Maior apreensão de cocaína em Espanha vinha para Portugal”37:
«A Polícia Nacional espanhola apreendeu no Porto de Algeciras, em Cádis, quase 9,5 toneladas de cocaína, batendo o recorde naquele país. A droga vinha num contentor, dissimulada entre caixas de bananas, e teria como destino final o Porto de Lisboa, que iria servir de centro logístico para a distribuição por várias organizações criminosas europeias». / «Segundo as autoridades espanholas, a droga foi transportada desde o Equador até Espanha por via marítima dissimulada em 1080 caixas de bananas. Apresentava 33 logótipos diferentes, de marcas comerciais ou suásticas, que corresponderiam às diferentes organizações criminosas europeias às quais se destinaria.
Antes de avançarmos mais, recorde-se que um dos mais importantes candidatos a Presidente do Equador, Fernando Villavicencio - que se caracterizava pelo seu discurso contra a corrupção e o tráfico de droga e de desafio público aos traficantes… -, foi assassinado com vários tiros quando saía de um comício de campanha e donde também resultaram vários feridos: uma candidata a deputada e polícias e seguranças entre pessoas do Povo. O autor suspeito dos tiros foi abatido também38. E se dúvidas houvesse, uma facção de um dos principais cartéis criminosos do Equador, com fortes ligações aos cartéis mexicanos, os «Los Lobos», reivindicaram o assassinato. O objectivo é o controlo das rotas do tráfico de droga causando medo público aos cartéis rivais, aos poderes públicos e privados instituídos, que têm também infiltrados, e à população em geral. O assassinato causou repulsa pública do Presidente da República do Equador em exercício e entre todos os candidatos e pessoas anónimas. Note-se que o Equador - juntamente com a Colômbia, México, Bolívia, entre outros - passou a ser uma das principais rotas mundiais de tráfico de drogas pesadas, com destaque para a rainha cocaína.39 E o destino é Portugal, Espanha (principais portas de entrada, sendo este último país de grande consumo, desde logo porque as terras do nosso querido Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança são um dos principais destinos turísticos do mundo), Holanda, Bélgica (entradas também muito importantes e todas de grande consumo), Europa central e rica no consumo. Como é público, o nível exacto de consumo é estudado com grande precisão, do ponto de vista químico, na análise dos respectivos esgotos.
No caso supramencionado da maior apreensão de sempre de cocaína em Espanha - com destino, pelos vistos, à logística redistribuidora de Portugal -, é a assunção pública e clara pelas autoridades espanholas (não desmentido por ninguém, ainda mais extraordinário!) que existe um centro de logística mundial de recepção e redistribuição de drogas duras em quantidades brutais a operar a partir da capital portuguesa, ou região distrital e limítrofe, Lisboa. Ora, presumindo a inocência, é impossível que um centro desta envergadura - que no caso concreto tinha por objectivo a redistribuição dos sacos de cocaína com selos (e outras «marcas de prestígio dentro do crime organizado») a cerca de trinta (30) organizações criminosas a actuar na Europa! -, é impossível, dizíamos, que não se verifique a colaboração de «muita e boa gente em Portugal». Quer do sector privado, quer do sector público e eventualmente «cooperativo» e até de organizações não-governamentais de fachada, parcial ou total.
Atente-se ainda no pequeno grande-pormenor da notícia (não é preciso ser um Albert Einstein para perceber de imediato):
Através de uma empresa de comércio de bananas localizada em Machala, Equador, a organização enviava as mercadorias para empresas que controlava em vários países europeus. Tinham capacidade para “enviar 40 contentores mensais para a Europa”, mas após ter sido descoberto que alguns deles continham substâncias estupefacientes começaram a ser controlados. Estava prevista a “entrada de 15 contentores na Europa no início de agosto”, esclareceram as autoridades.
Repare-se que «a maior apreensão de sempre de cocaína» por terras de Nuestros Hermanos diz respeito a 9,5 toneladas de um (1) só contentor. Mas no início de Agosto estava prevista a entrada de 15 contentores, além de que esta organização criminosa - ou conjunto de organizações criminosas -, tinha(m) a capacidade para enviar para a Europa cerca de 40 contentores por mês. Ora, é caso para perguntar onde estão os outros meses e contentores, pois só se apanhou um (1)?! Andam a dormir à sombra da bananeira? Salvaguardando a presunção de inocência, insiste-se, a logística de tudo isto tem que envolver centenas ou pelo menos dezenas de pessoas essenciais e com as capacidades e poderes indispensáveis. O crime organizado desta envergadura local e internacional obriga ao planeamento com pormenor e à existência de estruturas rígidas organizadas de poder. E, de modo necessário, por exemplo, tem que envolver uma série de trabalhadores dos respectivos Portos e Aeroportos, vulgo cúmplices e ajudantes com miopia e astigmatismo agudos (no caso v.g. dos aviões privados), bem como autoridades fiscalizadoras, aduaneiras, policiais, órgãos de polícia criminal e porventura autoridades judiciárias e até representantes bem situados dentro do poder político, numa palavra: políticos. Não por acaso, o financiamento dos partidos políticos é uma matéria muito sensível e, ao mesmo tempo, apetecível pela inegável e insidiosa esperteza da criminalidade organizada. Enfim, tudo o que possa estar à venda. E num país como Portugal - com alguns dos salários mais baixos de toda União Europeia, e trabalhadores muito desanimados nos sectores público, privado e cooperativo, cegos pelas ambições materiais -, é fácil arranjar quem venda a própria mãe por dinheiro, e portanto - para quem acredita… -, a própria ética, deontologia e mesmo a alma, «por dá cá aquela palha».
Enquanto isso, o GAFI também continua a mostrar grande preocupação em relação aos ordenamentos jurídicos de grande risco que foram chamados de novo a colaborarem mais. Se isso for possível (?). E isto acontece em especial desde Fevereiro de 2020. Designadamente, constam três países da «lista negra»: Coreia do Norte; Irão; e Birmânia-Myanmar, neste último caso em especial desde Setembro de 2021. Na chamada «lista cinzenta» temos os seguintes países: Albânia; Barbados; Burquina Fasso; Camarões, Ilhas Caimão; Croácia; República Democrática do Congo; Gibraltar; Haiti; Jamaica; Jordânia; Mali; Moçambique; Nigéria; Panamá; Filipinas; Senegal; África do Sul; Sudão do Sul; Síria; Tanzânia; Turquia; Uganda; Emirados Árabes Unidos; Vietname; e Iémen.40 Por outro lado, a recuperação de activos financeiros, virtuais ou não, continua a ser uma importante prioridade por parte do GAFI. Assim como a questão da prevenção e punição da corrupção, como já referido. Ou a incompetência na aplicação, pelos países destinatários, das recomendações propugnadas pelo GAFI. Isto implica avaliações mútuas e propostas de correcção. O problema é também saber se a incompetência na aplicação das recomendações é uma incompetência negligente ou uma incompetência dolosa. Além do uso de organizações não-governamentais para branqueamento ou lavagem.
5 CONCLUSÕES E NOVAS PROBLEMÁTICAS
Continuamos neste artigo jurídico-científico a analisar a complexa legislação do branqueamento ou lavagem (v.g. de capitais ou dinheiro) em Portugal e na União Europeia, não desfazendo as interconexões com aquilo que se passa no mundo.41 Pois, afinal, esta incriminação tem por hábito estar associada à sua internacionalidade. Sobretudo quando atinge valores relevantes. Veja-se p.e. o caso da fraude e branqueamento (ou lavagem) aos fundos europeus. Em Portugal, um caso muito grave foi detectado pela Procuradoria Europeia: «Portugal é o segundo país mais lesado por burlas com subsídios europeus / Os factos em investigação terão causado danos no valor de 2,9 mil milhões de euros. Pior que Portugal só a Itália, segundo relatório da Procuradoria Europeia referente a 2022».42 Um dos casos que envolve vários países europeus, apanhou a ex-apresentadora de televisão em Portugal, Ana Lúcia Matos e o seu companheiro luso-francês «Max Cardoso» (procurado em França também). As suspeitas são sobre centenas ou mesmo milhares de centenas de euros, tendo sido apreendidas cerca de 600 contas bancárias e 47 propriedades! Como é habitual, nestes casos, os suspeitos gostam muito de se exibir nas redes sociais: carros e propriedades de luxo, viagens pelo mundo, legendadas por frases e atitudes ostensivas, etc.. Ou seja, ao mesmo tempo que presumivelmente cometem as fraudes, gostam muito de dar nas vistas. O que, sendo óptimo para as autoridades policiais e judiciárias, constitui uma pura burrice dos próprios suspeitos: «pela boca morre o peixe», dita o Povo. Ou a célebre acusação de corrupção e branqueamento (ou lavagem), e de lóbi ilegal a favor do Mundial de futebol do Qatar e do seu petróleo, entre outras pérolas, contra a senhorita «eurodeputada» grega Eva Kaili - afastada como Vice-Presidente do Parlamento Europeu e expulsa, e bem, do seu partido PASOK-Movimento Socialista Pan-Helénico -, que tanto envergonha e coloca em causa os mais profundos fundamentos da União Europeia. A corrupção é um cancro que vai matando a democracia. Tinha quantias de dinheiro vivo em sua casa que nenhum salário de eurodeputado paga. Fazendo lembrar a célebre obra metafórica literária, O Triunfo dos Porcos, de George Orwell.43 O centro do problema da prevenção do branqueamento ou lavagem, em termos criminais, permanece no art. 368º/A do Código Penal português. Mutatis mutandis, cum grano salis, não abdicamos dos princípios constitucionais fundamentais como são os princípios da legalidade, culpa, presunção de inocência, contraditório, recurso, acusatório, direito de resistência, legítima defesa, direito à resolução em prazo razoável dos processos, transparência e integridade, ressocialização, entre outros previstos igualmente na Constituição da República Portuguesa e, portanto, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, para só mencionar alguns dos mais importantes diplomas jurídicos mundiais. Está em causa o Estado de Direito democrático, social, livre e verdadeiro. Continuamos com algumas das mesmas dúvidas: afinal, o que é um (i)lícito de branqueamento? Quais as suas fronteiras constitucionais? Como é que a legislação acompanha a realidade? Pode p.e. um ilícito conexionado com o terrorismo - que visa a destruição do Estado de Direito democrático e social, livre e verdadeiro - prescrever? Qual a importância histórica do princípio da legalidade, ao qual também o crime de branqueamento ou lavagem tem que obedecer? E de que consciência do ilícito podemos falar aqui? E quem não conhece a História, sobretudo a sua, não se conhece a si mesmo: como mencionam Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, o Princípio da Legalidade é atribuído por muitos à Magna Charta Libertatum do Rei inglês João Sem Terra de 1215, em cujo art. 39º se assegurava que as sanções frente a pessoas livres só deviam ser admitidas «per legale iudicium parium suorum vel per legem terrae». Acrescentando os autores teutónicos, do Povo Irmão alemão, c.n.t.l.44, «Todavia, é mais provável que com isso não quisesse expressar uma garantia jurídica material mas, com maior exactidão, uma garantia de natureza processual».45 E mais adiante referem que a base histórica do princípio da legalidade assenta na Teoria do Contrato Social da Ilustração. A ideia duma razão comum a todas as pessoas que encontrou a sua expressão fundamental na Lei e que exclui a arbitrariedade estatal como uma perturbação irracional, sobre a premissa do reconhecimento para toda a pessoa de direitos e liberdades naturais de carácter inviolável, sobre a limitação da missão do Estado à protecção jurídica e sobre a exigência de segurança e certeza do Direito a favor duma burguesia cada vez mais influente. Aqui também, de leitura indispensável, será também sempre Cesare Beccaria.46 Neste âmbito, também dentro da questão do branqueamento ou lavagem, é importante falarmos sempre na (in)consciência do ilícito. Qual a precisão da consciência no «conhecimento» das circunstâncias do facto, rectius, do branqueamento ou lavagem criminosos? Como nos ilustra Günther Jakobs47, «Der Täter hat Unrechtseinsicht, wenn ihm (A) das Unrecht (B) bekannt ist, und zwar (C) aktuell bei der Tat und (D) spezifiziert, wenn auch (E) nur “bedingt”». Ou seja, c.n.t.l.:48 «O autor tem consciência do ilícito quando (A) o ilícito é (B) conhecido (C), i.e. com actualidade no momento do facto e (D) de modo especificado, quando também (E) só “condicionalmente”». No que concerne a Claus Roxin,49 podemos dizer que se concebemos o «conhecimento» dos elementos do tipo como percepção dos seus elementos descritivos e compreensão dos seus elementos normativos, surgirá a posterior questão de que com que grau de precisão terão que surgir estes elementos mediante uma visão física ou intelectual do sujeito para podermos falar dum «conhecimento» e, portanto, de actuação dolosa. Sendo certo que devemos rejeitar as posições extremas. No meio está a virtude, evocando também Aristóteles. Assim, o dolo abrange igualmente aquelas circunstâncias nas quais o sujeito não pensa expressamente, mas das quais é «coconsciente». V.g.: quem leva um crucifixo do altar, tem de modo necessário consciência de furtar «de uma igreja»; quando um médico ou um advogado divulgam um segredo a eles confiado, com frequência não reflectem de modo explícito sobre o facto de ser(em) médico ou advogado. Mas apesar disso, há dolo a respeito dessas mesmas características, pois revelar informações confidenciais da própria esfera profissional implica a consciência de ser médico ou advogado…
Aqui de novo não vamos olvidar igualmente que o crime de branqueamento ou lavagem é um crime de perigo abstracto50. Para lá do facto - que nos é muito caro - que o crime de branqueamento/lavagem, um crime secundário, pode ter por origem ilícitos e/ou crimes que, igualmente, se relacionam com a utilização indevida, dolosa ou negligente, de dinheiros públicos51.
Assim, mais uma vez, a problemática dos ilícitos de branqueamento/lavagem está cada vez mais longe de ficar aqui encerrada, ainda que muitos pensem que se podem esconder na Bellevue sem ser(em) detectados.
In rebus quibuscumque difficilioribus non expectandum, ut quis simul, et serat, et metat, sed preparatione opus est, ut per gradus maturescant. Bacon., Serm. fidel., n. XLV52