Sumário: 1. Introdução; 2. Responsabilidade Civil e danos ambientais; 2.1 Conceitos Doutrinários e Definições Legais; 2.2 Danos Ambientais e Legislação Correlata; 3. Conclusões; 4. Referências
1 INTRODUÇÃO
O tema da responsabilidade civil por dano moral ambiental, é produto da discussão acerca da teoria do risco e da teoria do dano ou perigo de danos ao meio ambiente, estas teorias serão problematizadas na medida em que até então, são as únicas alternativas de ressarcimento por dano moral ambiental na maioria dos julgados do STJ.
A responsabilidade civil, instituto jurídico que pressupõe uma reparação civil proporcional ao dano que alguém ocasiona a outrem, sendo assim uma forma de reposição ou indenização; diz respeito ao dever de não lesar alguém, tornando obrigatório o ressarcimento de qualquer interesse injustamente ferido. O ressarcimento tem como pressuposto, além do prejuízo, uma conduta ilícita que lhe tenha comprovadamente dado origem.
Já a responsabilização ambiental tem como marco doutrinário a teoria do risco ou perigo de dano, decorrente de atividade comissiva ou omissiva do poder público, a qual deve ser observada pelo ente lesado.
O constituinte brasileiro adotou expressamente a teoria do risco criado como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a teoria do risco integral, condicionando a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa.
Mas a responsabilidade por dano ambiental, também é solidária, alcançando qualquer um de seus sujeitos - diretos ou indiretos -, entendimento este pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que firmou como herança ética, o princípio da preservação da qualidade de vida das presentes e futuras gerações, através da interpretação constitucional da proteção ambiental e da solidariedade para com ela.
Contudo, o Estado não responderá pelos danos causados a outrem quando seus servidores não estiverem no exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá igualmente, quando o dano for exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato de terceiro que, por não serem agentes do Estado, excluem o nexo causal por isto os aspectos submetidos à discrição do administrador sofreram redução nas duas hipóteses, dado que na responsabilidade por risco administrativo ou por risco integral, há diferenças.
Assim, a prova do dano ambiental e seu nexo causal; a ação ou omissão do responsável, daquele que tenha dado causa eficiente ao evento capaz de gerar o prejuízo a ser indenizado, infelizmente devem ser averiguados casuisticamente, a doutrina e jurisprudência dominantes, seguem com a interpretação civilista da responsabilidade civil.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL E DANOS AMBIENTAIS
2.1 Conceitos Doutrinários e Definições Legais
Em tema de responsabilidade civil, a regra geral é a da prevalência da teoria subjetiva, podendo, em relação a determinados assuntos e disposição legal, essa responsabilidade ser de ordem objetiva, ou seja, independente da demonstração de culpa ou dolo. Esta tem sido a tendência em matéria ambiental, a qual foi recebida pelo Código Civil brasileiro, no que tange à obrigação de indenizar:
Art. 927. Aquele que por ato ilícito (186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (...).
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem.
Da leitura do art. 927 CCB, observa-se que a responsabilidade objetiva se aplica além dos casos descritos no caput, também no seu parágrafo único, isto é, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Não se pretende aqui, aprofundar a forma clássica de responsabilidade civil com base na teoria do dano decorrente da culpa, o que normalmente levaria a uma sanção penal, administrativa ou civil. Mas isto não implica dizer que em termos ambientais também não se possa aplicar esta tríplice sanção, nos termos já garantidos no art. 225 § 3º da Constituição Federal, pois uma responsabilidade não exclui a incidência de outra, inclusive pode incidir sobre a pessoa jurídica, como estabeleceu o constituinte no dispositivo apontado, sendo que, na esfera ambiental juridiscizou-se a teoria do risco, incidindo a responsabilidade objetiva, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O objetivo deste estudo é fazer uma abordagem genérica sobre a responsabilidade civil por dano ambiental, posto que o fim desejado abrir espaço para reflexão/discussão mais detalhada sobre reparação do dano moral ambiental, timidamente abordado nas decisões judiciais. A tese do não acolhimento da “dor”(ser sofriente) individual em matéria ambiental foi muito utilizada por aqueles que eram contra a indenização por dano moral ambiental, utilizavam-se de acórdão STJ5 - de orientação civilista com forte carga das ideologias economicistas, que exigem a individualização do ofendido para caracterizar o dano moral.
Todavia, o ordenamento jurídico requer uma interpretação sistemática, onde se é levado a considerar as disposições constitucionais referentes ao dever ético a ser deixado para as futuras gerações, bem como novas reflexões sobre função social da propriedade, o poder de polícia ambiental e à prevalência do interesse público sobre o privado, porquanto que em matéria ambiental, a tradição civilista deve se curvar6.
É de destacar-se estudo doutrinário inovador pelo Min. José Augusto DELGADO7, e uma corajosa e decisão judicial proferida na ação civil pública referente à aplicação do dano ambiental coletivo, proferida pela Des. R. T. de Azevedo8, que condenou o réu ao plantio de 2.800 mudas, ao desfazimento da obra irregular, e ao pagamento de 200 salários mínimos a título de danos morais ambientais. A condenação imposta foi com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior, mas também abre caminho para o reconhecimento da reparação do dano moral ambiental. Inegável avanço na aplicação desta espécie pouco reconhecida: o prejuízo ambiental.
A inovação consiste na imprescritibilidade para exercer a pretensão de reparação civil decorrente dos danos, podendo estes serem reclamados “perpetuamente” ao Poder Judiciário, podendo, inclusive afetar os descendentes dos responsáveis pelo ato poluidor ou danoso.
2.2 Danos Ambientais e Legislação Correlata
Os danos causados ao meio ambiente poderão ser individuais ou coletivos, morais ou patrimoniais, bastando o nexo causal entre a atividade do agente e o dano dela decorrido, para que haja a obrigação de repará-lo; não é mais necessário provar o ato ilícito, pois “in dubio pro nature”, esta foi a principal mudança ocorrida em termos práticos a partir da adoção da teoria da responsabilidade objetiva, a inversão do ônus da prova está à cargo do degradador, ou daquele que se utilize, de modo inadequado, dos recursos da natureza.
Em tese, o legislador brasileiro vem se preocupando cada vez mais com a proteção dos bens ambientais, com as formas de melhor protegê-los; e em especial, com as formas de reparar danos a ele causados, contudo pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro há a obrigação de indenizar independente do elemento da culpa. O Min. Herman Benjamim reitera que que“a responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida da forma mais ampla possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar”, trazendo a colação o que determina do artigo 1º da Lei 7.347/1985 que prevê expressamente a viabilidade da condenação em danos morais nas ações civis públicas, e que Haveria contrassenso jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento; afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização”.
A primeira lei brasileira a acolher a teoria da responsabilidade objetiva em matéria ambiental foi a de nº 6453/77, que tratava dos danos nucleares e dizia respeito à vítima de uma maneira individualizada. Todavia, com o advento da Lei 6.938/819, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, mais especificamente em seu art. 14, § 1º, observa-se que a responsabilidade objetiva foi definitivamente adotada, acolhendo e definindo duas modalidades de reparação do dano ambiental: a) o dano ambiental quanto à pessoa, e o dano ambiental quanto à espécie; e após esta, houve a Lei 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente.
A modalidade de dano ambiental quanto à pessoa, pode ser individual ou coletivo. No dano individual quanto à pessoa, é o poluidor o titular da ação, que fica obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade; no caso, embora raro, o instrumento jurídico disponível à vítima dos danos de natureza patrimonial ou extra patrimonial tem sido a ação ordinária, mas é também cabível a ação cautelar ou o mandado de segurança individual, se os requisitos estiverem presentes.
No que tange ao mandado de segurança, faz-se um parêntesis e restrição, posto que a lei que o modificou, Lei 12.016/69, é objeto parcial de inconstitucionalidade, uma vez que o individual está totalmente à mercê do livre arbítrio do juiz.
Por dano ambiental coletivo latu sensu quanto à pessoa, entende-se a ocorrência de um prejuízo que envolveu toda a Sociedade, e essa seria o titular da ação, cabendo ao Ministério Público da União e aos Estados a legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente, sem excluir contudo, a competência de outras pessoas de direito público interno, ou de organizações da sociedade civil legalmente constituídas.
A modalidade de dano ambiental quanto à espécie, tem sido classificada na doutrina internacional, como moral ou material. No caso de haver dano moral (material), a forma de recomposição se dá através da compensação do prejuízo de parte de quem produziu o dano. É o que dispõe o § 1º do art. 225 da Constituição Federal brasileira:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (...). § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (...)
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Para estes casos também é possível a indenização em dinheiro como forma de compensação ou de reparação indireta a quem for atingido pelo dano, inclusive para os danos morais ambientais que são mais complexos, e pouco conhecidos. Estes não estão limitados aos direitos personalíssimos ou a espécie individual ou coletiva, e está sendo objeto de aprofundamento em outro estudo.
A Constituição Federal deixa claro que os prejuízos não traduzíveis em pecúnia, aqueles subjetivos, que podem ferir a integridade da pessoa, consubstanciados no art. 5º, XXXVI, seja no aspecto de ordem moral, psicológica ou emocional; todos estes prejuízos são passíveis de serem indenizados. Os bens e valores ambientais também estão sujeitos à indenização caso sofram algum dano, tendo aqui mais uma finalidade de compensação como uma obrigação moral, do que de ressarcimentos de cunho a penas econômico, por isto chamar-se de dano moral ao meio ambiente.
Do direito comparado observa-se que há uma tendência majoritária na forma de classificação do ato lesivo, como é o caso da Convenção do Conselho da Europa - Lugano, 21/07/1993 - que tratou o dano ambiental de maneira diferente do dano tradicional, individualizável, isto é, aplicou a responsabilização objetiva por risco, circunscrita a atividades perigosas que possam causar alguma alteração prejudicial ao meio ambiente, inclusive ao meio ambiente cultural, pois este é um aspecto ou um valor ambiental que é passível, senão frequentemente lesado, o que torna a temática ainda mais interessante, posto que tem-se vários aspectos do meio ambiente cultural a levar em consideração10, especialmente aqueles variáveis do patrimônio cultural, ainda que regulados de forma caótica ou não regulados, no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do patrimônio paleontológico, um estudo pitoresco sobre a omissão legislativa e a responsabilidade do Estado11.
Na seqüência das normas que versam sobre a responsabilidade objetiva em matéria ambiental, o Brasil aderiu a mesma tendência internacional, como pode ser visto com o advento da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais, qual até então, estava regulamentada pelo decreto n.º 3.179/99, passa agora a ser regulada pelo decreto 6514/2008, parcialmente alterado pelo decreto 6686/2008.
Este entendimento da adoção da teoria do risco, foi introduzida no Brasil através da Lei 9.605/98 que também conferiu ao juiz a competência para aplicar penas alternativas, em acordo com o direito penal; e por conseqüência, a tipificação do crime ambiental. Esta lei contém por isto uma forte conotação social, pois interpreta o meio ambiente como um bem jurídico autônomo, ultrapassando a esfera individual e adentrando o âmbito coletivo, onde o dano coletivo passa a exigir a tipificação de um crime, gerando a pena.
Observa-se que na esfera administrativa é frequentemente aplicada a responsabilização ambiental, isto é, sempre que houver qualquer transgressão dos deveres da Administração cometidos pelos seus entes políticos, cabe sanção já prevista em várias normas. Este caráter sancionatório se fortaleceu a partir do decreto 3.179, de 21 de setembro de 1999, que regulamentou a Lei 9.605/98, e com isto fortaleceu também a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre várias espécies de sanções passíveis de serem aplicadas pelo Poder Público, em havendo infração administrativa ambiental, e todas as normativas relacionadas com a responsabilização administrativa foram recepcionadas pelo ordenamento jurídico vigente, e ratificadas pelo Decreto n. 6686/200812.
O Decreto 6.514/200813 define as infrações administrativas em 10 modalidades quais sejam: I - advertência; II - multa simples; III - multa diária; IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da biodiversidade, inclusive fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V - destruição ou inutilização do produto; VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; VIII - demolição de obra; IX - suspensão parcial ou total das atividades; e X - restritiva de direitos, acrescido das alterações do decreto 6686/2008 que dispõe de modo mais completo sobre o processo administrativo federal para apuração dos danos.
Foi eliminada a reparação dos danos causados de natureza eminentemente civil, posto que esta tendência já estava prevista no art. 225, §3º, da Constituição Federal. Mas dentre as inovações, pode-se perceber que houve um maior detalhamento no que diz respeito à multa. O art. 8º estabelece que a multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma, metro de carvão-mdc, estéreo, metro quadrado, dúzia, estipe, cento, milheiros ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
No que diz respeito aos prazos prescricionais é de cinco anos, de acordo com o art. 206 § 5, I do Código Civil, o tempo que a Administração tem para apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, ao longo do procedimento de apuração do auto de infração também incidirá a prescrição, caso tenha sido paralisado por mais de três anos, dado que também enseja muitas discussões e prováveis demandas judiciais.
Finalmente o decreto 6.686/2008 dispõe sobre a possibilidade de redução da multa em até 90%, conforme o decreto nº 3.179/1999. Atualmente a redução é mais severa, há um desconto de no máximo 40% com a conversão da multa simples em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Os requisitos impostos pelo CONAMA geralmente são cumpridos com a exceção de alguns delitos mais frequentes, por exemplo, através da lamentável pirataria de madeira, especialmente na região amazônica, que continua existindo apesar das pressões impostas pelos órgãos públicos em especial pelo IBAMA e Polícia Federal. Embora possa incidir a responsabilidade penal no caso de desmatamentos14, qualquer responsabilização em matéria ambiental, no Brasil tradicionalmente é objetiva, conforme já dispunham as Leis 6.453/77, 6.938/81 e 7.092/83, como os danos rodoviários que transportam produtos perigosos.
Quanto à Lei 7.661/88, que trata dos danos aos recursos naturais e culturais da zona costeira; ou A lei7.805/89, sobre os danos causados ao meio ambiente decorrentes de atividades mineradoras, incluindo também neste mesmo sentido a Lei 8.974/95 sobre biogenética, todas foram recepcionadas pelo art. 225 § 3º. Carta da República, e somente com o Decreto 6.686/ 2008 é que foi eliminada a reparação dos danos causados de natureza eminentemente civil15.
O tema enseja destaque, pois é no contexto da responsabilidade administrativa ambiental que se pode observar a ocorrência de muitas condutas lesivas ao meio ambiente, condutas estas que são lícitas na sua origem, quando por exemplo estão garantidas como licenças ou autorizações, o que em tese exclui a responsabilização do agente público, caso levarmos em conta a teoria tradicional civilista do dano. A inexistência de licença ambiental ou atividade em desacordo com a licença ambiental obtida, configura crime ambiental nos termos do artigo 61, da lei 9.605/98 bem como infração administrativa conforme artigo 44 do Decreto 3.179/9916, além de outros crimes e infrações decorrentes do exercício da atividade irregular.
E é esta faceta da responsabilização ambiental com base na teoria do risco ou perigo de dano, decorrente de atividade comissiva ou omissiva do poder público, que deve ser observada pelo ente lesado.
É importante considerar que também os danos ambientais decorrentes do exercício de atividade em conformidade com a licença ambiental deverão ser reparados, posto que a existência de licença ambiental e o exercício em conformidade com ela, não são excludentes de responsabilidade, exceto se provado que os danos provenham de forças alheias e que a atividade não provoque riscos de danos ambientais.
Em virtude destas considerações jurídico-doutrinárias e jurisprudenciais, é que se diz que responsabilização pelos danos cometidos ao ambiente é objetiva, resultando de infração às normas administrativas, sujeitando-se o infrator a uma sanção de natureza também administrativa, portanto exigindo somente o nexo causal e o dano, ou o risco de dano para a punibilidade.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria vêm adotando a teoria do risco administrativo em detrimento do risco integral, isto porque a Constituição distingue o dano causado pelos agentes da Administração, dos danos causados por atos de terceiros, ou por fenômenos da natureza. Pode-se constatar isto quando de pesquisas feitas na doutrina e em arestos, onde o STF rejeitou expressamente a teoria do risco integral em relação ao Estado, senão vejamos:
Art. 37 § 6º da Constituição de 1988, assim dispõe, in verbis, que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Com isto pode-se aduzir que há um favorecimento do princípio do risco criado ou risco administrativo, como o regedor da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público em detrimento do risco integral, que não admite excludentes da culpa da vítima ou de terceiros, no caso fortuito, etc.
O Estado não responderá pelos danos causados a outrem, quando seus servidores não estiverem no exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá igualmente, quando o dano for exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato de terceiro, por não serem agentes do Estado, excluem o nexo causal17 e por isto observa-se que os aspectos submetidos à discrição do administrador sofreram redução, afirma também o autor que entre as duas hipóteses, responsabilidade por risco administrativo ou por risco integral, há diferenças.
Assim, “no risco integral, basta o nexo causal entre a conduta do agente e o dano resultante, baseando-se a responsabilidade nesta causa, não a excluindo nem o caso fortuito ou força maior, nem a culpa exclusiva da vítima ou ofendido. Enquanto que no risco administrativo, mesmo exigível o nexo causal, há excludentes da responsabilidade estatal: culpa exclusiva da vítima e caso fortuito, ou força maior”18.
O Estado sempre responderá objetivamente, tanto pelos danos ambientais diretamente provocados pelo poder público ou por seus agentes, como pelos decorrentes da omissão do poder público no cumprimento do seu poder de polícia administrativa19, como pode-se constatar frequentemente nas apelações aos tribunais, como é o caso AMS 17470 MT 2007.36.00.017470-6 Rel.: Desembargador Federal Souza PRUDENTE. Julgto: 29/08/2008, (...) com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério da precaução, conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para prevenir a degradação ambiental. Apelação desprovida. Sentença confirmada.
E responde igualmente por aqueles danos decorrentes da responsabilidade do Estado, em delegar algum serviço público no qual se omite ou o presta de modo ineficaz. Consoante esta notória alusão, não se pode olvidar do mandamento constitucional que outorga ao Estado a competência de fiscalizar, e se este não cumpre com este comando constitucional, deverá ser responsabilizado por sua omissão.
É interessante aqui abrir um parêntesis para sublinhar o tema da responsabilidade do Estado na omissão legislativa, que embora pouco tratado na doutrina pátria, e pouco observado juridicamente após a chamada redemocratização das décadas de 80 e 90, é relevante considerá-la por trazer reflexões sobre democracia e o Estado de Direito na segunda década do século XXI.
Quando o Estado deixa de legislar por um lapso de tempo não mais razoável20, ou justificável sobre matéria que deveria regular para que determinado mandamento tenha eficácia, configura-se a omissão legislativa, ex vi, quando da falta de definição jurídica a respeito de um novo bem ou valor declarado constitucionalmente. A indefinição jurídica exigível para a proteção de um novo bem pode levar à insegurança jurídica, e pode incorrer em delito, o qual nestes casos ficará à margem do poder coativo. Perpassa esta situação o caso de pirataria de alguns bens do patrimônio cultural brasileiro, como os de interesse paleontológico ainda não regulamentados por norma infraconstitucional, recepcionado pelo ordenamento da Carta de 1.934 até a de 1988, no art. 216, V.
Como todo ato administrativo, o poder de polícia, mesmo que seja discricionária, sempre esbarra em limitações impostas pela lei, como bem ensina Pataki21 quando à competência e à forma, aos fins e ao objeto. Deve-se observar as normas legais pertinentes à competência (o agente deve ter competência legal para a prática do ato) e à forma (deve ser o previsto em lei), novamente remetendo ao art. 37 da Constituição Federal:
2.2.1 Competência e Forma
Devem se observar às normas legais pertinentes à competência (o agente deve ser competente, ter competência legal para a prática do ato) e à forma (o revestimento exterior do ato, o modo pelo qual ele aparece, deve ser o previsto em lei).
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
O poder de polícia, como afirma o autor, “só deve ser exercido para atender ao interesse coletivo e se seu fundamento é o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas. A autoridade administrativa que se afasta da finalidade pública, em desvio de poder, acarretará a nulidade do ato praticado com consequências nas esferas civil, penal e administrativa.
O decreto 6.514/2008 em seus art. 94 e 95, trata do processo administrativo seguindo os ditames constitucionais já mencionados para o ente público como pode-se ver:
Art. 94. Este Capítulo regula o processo administrativo federal para a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Parágrafo único. O objetivo deste Capítulo é dar unidade às normas legais esparsas que versam sobre procedimentos administrativos em matéria ambiental, bem como, nos termos do que dispõe o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição, disciplinar as regras de funcionamento pelas quais a administração pública federal, de caráter ambiental, deverá pautar-se na condução do processo.
Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Quanto à delegação, a regra é da indelegabilidade da atribuição de polícia administrativa. Admite-se delegação, desde que outorgada a uma pessoa governamental e mediante lei. Aos particulares, a delegação só pode acontecer em casos muito especiais, ao contrário se estaria outorgando a particulares cometimentos tipicamente públicos.
Aqui remete-se novamente àquela forma pouco discutida de responsabilidade estatal, que é a decorrente da omissão legislativa, também chamada inércia, inatividade ou silêncio do legislador, seja por omissão total ou parcial. Esta responsabilidade é conseqüência do não cumprimento de uma obrigação de fazer22, isto é, decorre de uma vontade de não legislar, por isto é mais grave do que a lacuna jurídica. Nesse caso, tem como sanção cabível somente a declaração de inconstitucionalidade por omissão, o que não obriga a criação do direito, apenas declara a sua inexistência, pois em nosso sistema, assim como no português, o qual este instituto não vincula o juiz, torna-se um instrumento que na prática ineficaz para colmatar lacuna ou omissões legislativas.
Mas retomando ao tema específico da responsabilidade administrativa decorrente do poder de polícia, quando a culpa for exclusiva da vítima ou de terceiro que não ao agente público nessa qualidade, haverá excludente da responsabilidade estatal, porque desfaz o nexo causal necessário à responsabilização. Com efeito, se a causa exclusiva dos danos, é a culpa da vítima ou de terceiro, este sem qualquer vinculação com o Estado, o nexo causal obviamente que não tem origem na atividade ou inatividade da administração pública.
É pacificado que a partir da Carta da República de 1.988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Também a partir da lei de crimes ambientais lei nº 9.605, de12 fevereiro de 1998, o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, desde que também esteja citada na denúncia, a pessoa física responsável pelo ato. Veja-se:
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio. (Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, José Luis Germano da SILVA, no julgamento do Mandado de Segurança n.º 2002.04.01.013843-0/PR).
As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica estão dispostas no art. 8 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e são elas: a) suspensão parcial ou total de atividades; b) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; c) proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. Dentre as causas que agravam as penas descritas no art. 15, II; está o fato de praticar o crime à noite, ou em domingos e feriados, por exemplo.
Como pode-se ver do REsp 1.091.486-RO23, no que diz respeito ao processo administrativo: recurso lavrado em desfavor do recorrido, auto de infração fundado no art. 46 da Lei 9.605/1998, em razão dele ter recebido vários metros cúbicos de madeira serrada em pranchas desacompanhadas da licença expedida pelo órgão ambiental competente. ‘O acórdão recorrido concluiu que esse artigo tipifica crime cometido contra o meio ambiente, e não infração administrativa’ ... Porém, conquanto se refira a tipo penal, a norma em comento, combinada com o disposto no art. 70 da referida lei, o qual define a infração administrativa ambiental, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, sem dar azo à violação do princípio da legalidade estrita.
Neste mesmo sentido, a Min. Assusete Magalhães24, destacou que, uma vez constatado o dano ambiental (...) por si só, já exigiria medidas mitigatórias ou compensatórias -, incide a Súmula 629 do STJ. REsp 1.989.778.
Reitera a jurisprudência que,
Trata-se de entendimento consolidado que, (...) reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos (...).
Tem-se entendido no STJ, predominantemente, que, para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado, pois o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. (vide RECURSO ESPECIAL Nº 1.989.778 - MT (2022/0065351-0) - admitido, pela decisão de fls. 563/567)
3 CONCLUSÕES
Com o estudo da doutrina e da legislação brasileira sobre o meio ambiente, foi possível sistematizar a evolução da lei ambiental no Brasil, através da abordagem sobre a responsabilidade civil por dano ambiental (in dubio pro nature), e a reparação do dano moral ambiental (como conduta ética para as futuras gerações), responsabilizando a empresa pública ou privada, pela atividade lesiva.
Como comentado anteriormente, a Constituição Federal brasileira em seu art. 225 expressa a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a teoria do risco integral, condicionando a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa. Deve haver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano, sem essa relação de causalidade, em regra não há como responsabilizá-lo, a não ser que haja um comprovado perigo de dano pela ação ou omissão do órgão público, como é o caso das liberações de licenças já mencionadas, e das normas infraconstitucionais que vêm aumentando a responsabilidade por dano ambiental, haja vista a Lei 9.605, de 12/02/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas ade condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
A proteção ao meio ambiente sadio e equilibrado representa uma nova faceta ao direito penal, apesar de ainda haver excessivo apego a concepção clássica, como certos dogmas da teoria da culpa, ou de nexo de causalidade.
No entanto, a jurisprudência vem confirmando a vontade do Constituinte de 1988, ao interpretar que não é mais exclusividade do homem ser o sujeito ativo de uma conduta; agora também a pessoa jurídica passa a ocupar o status de sujeito ativo no crime, ou na responsabilidade criminal, embora, em tese, sejam os efeitos da sentença que atingem a pessoa jurídica na esfera ambiental.
No que diz respeito ao Decreto 6.514/2008, ele reduz de quatro para duas as instâncias que aceitam recursos e aumenta os tipos de multas. E é pacificado em vários tribunais superiores a existência da dor coletiva ao dano moral ambiental, isto é, o bem público lesado é passível de ser indenizado e a ação pode ser ajuizada não prescreve, isto é, a qualquer tempo é possível recorrer ao judiciário.
Para finalizar reitera-se que a responsabilidade por dano ambiental é responsabilidade solidária, alcançando qualquer um de seus sujeitos (diretos ou indiretos) consolidando o princípio da preservação da qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, e a interpretação constitucional da proteção ambiental e da solidariedade para com ela, como um papel fundamental da expressão da vontade cidadã, sendo desnecessário a comprovação da dor ou indignação coletiva, vez que o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação.