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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.8 no.2 Braga dez. 2021  Epub 01-Maio-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3532 

Artigos Temáticos

(Re)Inserção Profissional de Pessoas com Deficiência: Perceções das Medidas Contrato Emprego Inserção e Contrato Emprego Inserção+ por Beneficiários e Promotores

1Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal


Resumo

O Estado português reconhece à pessoa com deficiência o direito ao trabalho, de forma igualitária às demais pessoas. No entanto, muitos empregadores resistem ainda à ideia de contratar uma pessoa com deficiência. Neste sentido, a ação do Estado é determinante para a mu dança de atitudes face à deficiência e para promover a contratação de pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho. Estas ações materializam-se através de políticas públicas. Este artigo reporta os resultados de um estudo de natureza exploratória e qualitativa sobre as medidas contrato emprego inserção e contrato emprego inserção+ (CEI/CEI+), realizado na região de Lisboa e Vale do Tejo, que analisou a perceção de três stakeholders - 16 beneficiários/as com deficiência, nove entidades promotoras das medidas e sete entidades promotoras de formação e emprego de pessoas com deficiência - com o objetivo de conhecer as suas perspetivas sobre os aspetos facilitadores e as limitações na aplicação destas medidas. Os resultados obtidos revelam que as medidas CEI/CEI+ apenas oferecem uma resposta temporária ao problema do desemprego das pessoas com deficiência, o que dificulta o acesso de forma sustentável a uma vida socioeconomicamente independente. Não obstante, os inquiridos não negam a importância destas medidas, considerando-as uma boa oportunidade para demonstrarem as suas competências profissionais e reforçar a autoestima e valorização pessoal. Os resultados obtidos com este estudo são discutidos à luz dos modelos de abordagem à deficiência e são formuladas algumas recomendações, com vista a potencializar os efeitos destas medidas.

Palavras-chave: pessoas com deficiência; políticas públicas; (re)inserção profissional; medidas CEI/CEI+

Abstract

The Portuguese State recognises the right of persons with disabilities to employment on equal terms with non-disabled persons. Nonetheless, many employers still resist the idea of hiring someone with a disability. For this reason, the action of the State is determinant to change attitudes towards disability and promote the hiring of persons with disabilities in the open labour market. These actions are materialised through public policies. This article reports the results of an exploratory and qualitative study on the measures known as contract employment insertion/ contract employment insertion+ (CEI/CEI+), implemented in the region of Lisbon and the Tagus Valley. It examined the perception of three stakeholders - 16 male and female beneficiaries with disabilities, nine institutions promoting these measures, and seven non-profit organisations devoted to training and employment of persons with disabilities - to know their perspectives on the potentialities and limitations of these measures. The results reveal that the CEI/CEI+ measures only provide a temporary remedy to the problem of unemployment among persons with disabilities, which hinders their access to a socioeconomically independent life that is sustainable. Nonetheless, respondents do not deny the importance of these measures, viewing them as an excellent opportunity to showcase their professional skills and reinforce their self-esteem and self-worth. The data obtained in this study are discussed according to various models approaching disability. In the end, we formulate a few recommendations to maximise the effects of these measures.

Keywords: persons with disabilities; public policy; professional (re)integration; CEI/CEI+ measures

Introdução

O acesso ao trabalho é um direito fundamental e todas as pessoas são, em teoria, iguais perante a lei, pelo que o exercício de uma atividade profissional deveria ser uma oportunidade igual para todos (Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006), contribuindo não só para a sobrevivência económica, mas também para que as pessoas se sintam felizes, realizadas e úteis (Associação Portuguesa de Deficientes, 2012; Simonelli & Camarotto, 2011; Vieira et al., 2015).

No entanto, as pessoas com deficiência ainda são olhadas como dependentes, incapacitadas e doentes (Vieira et al., 2015), constituindo um dos grupos social e economicamente mais excluídos na sociedade. A conceção negativa dominante sobre as pessoas com deficiência, que caracteriza o designado “modelo médico e individual”, estende-se também ao mundo do trabalho.

Assim, apesar da garantia e consagração de direitos, no acesso ao emprego muitas pessoas com deficiência enfrentam acrescidas dificuldades, não por causa das suas características físicas ou intelectuais, mas pela intersecção de numerosos fatores sociais que condicionam a sua empregabilidade, a saber: discriminação e falta de sensibilização por parte das entidades empregadoras; falta de condições de acessibilidade nos locais de trabalho; falta de conhecimento por partes das entidades empregadoras sobre o que é a deficiência e as necessidades específicas, mas também o que são as capacidades e competências das pessoas com deficiência; falta de incentivos e apoios eficazes; e falta de condições para que as pessoas com deficiência usufruam de forma eficaz da educação/formação a que têm direito, o que se reflete por vezes na desadequação das suas competências às necessidades do mercado de trabalho (Associação Portuguesa de Deficientes, 2012; Vieira et al., 2015).

Como outras políticas públicas, as medidas contrato emprego inserção e contrato emprego inserção+ (CEI/CEI+) foram criadas para responder a alguns destes desafios, mas tanto quanto se sabe, não foram ainda objeto de avaliação para aferir da sua adequação e eficácia. Neste estudo exploratório procurou-se perceber como são vistas as medidas CEI/CEI+ por beneficiários/as com deficiência e entidades promotoras. Contribuindo para as áreas de investigação das políticas públicas de (re)inserção profissional de pessoas com deficiência, o presente estudo tem assim como objetivo geral averiguar o funcionamento das medidas CEI/CEI+, através do olhar de quem delas beneficia e das entidades que as promovem no terreno. A partir dos dados recolhidos e analisados, procurou-se ainda refletir sobre o modo como a implementação destas medidas pode contribuir para perpetuar visões individualizadas e estigmatizadas da deficiência, ou em alternativa, com elas romper, acentuando a responsabilidade do Estado e da sociedade pela criação de condições que permitem a participação plena das pessoas com deficiência em todas as esferas da vida social, incluindo a do trabalho e emprego.

Antes, porém, para enquadrar teoricamente as análises desenvolvidas, começamos por apresentar uma breve resenha dos modelos de abordagem à deficiência e das políticas públicas que, em Portugal, vêm procurando promover o emprego das pessoas com deficiência.

Quadro Teórico de Referência: Da Conceptualização da Deficiência às Políticas Públicas de Inclusão Profissional

A deficiência existe em todas as classes sociais e em todo o mundo, porém, a discussão teórica sobre o tema é relativamente recente e complexa, marcada por várias abordagens na sua conceptualização (Organização das Nações Unidas, 1995; Pinto, 2012).

Recuando apenas ao período mais recente - a partir do século XX - importa destacar a predominância do modelo médico ou individual, que se foca essencialmente nas insuficiências ou limitações do corpo com deficiência e enfatiza a ideia de incapacidade/ anormalidade das pessoas com deficiência (Fontes, 2009; Martins et al., 2012; Pinto, 2015). Este modelo promove um entendimento da deficiência que a restringe a um problema inerente ao indivíduo. As pessoas com deficiência são vistas como diferentes e inferiores em aptidões e capacidades, atribuindo-se a estas características a causa das dificuldades que enfrentam para uma plena participação social, ao mesmo tempo que se desresponsabiliza a sociedade pela criação das barreiras que na realidade impedem a inclusão de pessoas cujos corpos escapam à norma.

A partir da década de 70 do século XX, contudo, verificou-se um forte questionamento desta perspetiva, protagonizado inicialmente no Reino Unido pela Union of Physically Impaired Against Segregation, que denunciou os limites do modelo médico, e desenvolveu um novo olhar sobre a deficiência que veio a ser conhecido como o “modelo social da deficiência”. Esta nova conceção deslocou o problema da deficiência do indivíduo para a sociedade (Pinto, 2015), ao distinguir entre deficiência e incapacidade, a primeira reportando-se ao fenómeno socialmente constituído de exclusão das pessoas com deficiência por parte da sociedade, e a segunda relativa aos aspetos individuais e biológicos de cada pessoa (Fontes, 2009).

A emergência do modelo social teve impacto nas vidas das pessoas com deficiência em duas vertentes: primeiro possibilitou a identificação de uma estratégia política com enfoque na redução de barreiras, considerando que, se as pessoas com deficiência, olhadas como diferentes pela sociedade, são impedidas de nela participar, então a prioridade deve ser a eliminação dessas barreiras à participação. A segunda vertente incidiu nas próprias pessoas com deficiência, substituindo a visão médica pela social, fazendo com que as pessoas fossem capazes de começar a pensar em si mesmas e tornarem-se capazes de se mobilizar, organizar e trabalhar por uma igualdade de cidadania com as demais pessoas sem deficiência (Shakespeare & Watson, 2002). Este modelo fez surgir uma nova consciência sobre os direitos das pessoas com deficiência, e a reivindicação de políticas públicas que assegurem esses mesmos direitos através da inclusão social, de políticas públicas transversais e da eliminação de barreiras (Fontes, 2009; Sousa, 2007). No entanto, não tardaram a surgir críticas que argumentam que a abordagem do modelo social, pela ênfase que coloca nos fatores sociais de exclusão, tende a negligenciar o impacto da incapacidade na vida das pessoas com deficiência.

Assim, mais recentemente, tem-se vindo a impor o modelo relacional ou biopsicossocial, que “contempl(a) a interação entre biologia e contexto social” (Pinto, 2015,p. 187). A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, considera pessoas com deficiência homens e mulheres que tenham algum tipo de incapacidade duradoura- de cariz físico, intelectual, sensorial, ou comportamental - que em interação com o meio impeça a sua participação plena na sociedade em condições de igualdade aos demais cidadãos (Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006). Foi esta também a conceção que vingou no texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2006 pela assembleia geral da ONU, e que constitui hoje um documento de referência internacional para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas nesta área.

Em Portugal, a perspetiva biopsicossocial está também presente em alguma legislação vigente. Por exemplo, de acordo com o Art. 4.º, do Decreto-Lei n.º 290/2009 (2009) de 12 de outubro, o trabalhador com deficiência num contexto laboral é definido como:

aquele que apresenta limitações significativas ao nível da atividade e da participação, num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, e de cuja interação com o meio envolvente resultem dificuldades continuadas, designadamente ao nível da obtenção, da manutenção e da progressão no emprego.

Ora, de acordo com normativos internacionais, designadamente a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e outros instrumentos emanados pela Organização Internacional do Trabalho, os trabalhadores com deficiência deveriam beneficiar de direitos específicos, como: reabilitação adequada, emprego útil e condições remuneratórias igualitárias a qualquer outro trabalhador sem deficiência (Sequeira et al., 2006). No entanto, segundo Fontes (2009), a ideologia do modelo médico ainda prevalece na área do emprego, em que as políticas públicas se focam essencialmente no lado da oferta e não do lado da procura. A título de exemplo pode referir-se o forte investimento que persiste na criação e aplicação de subsídios para a integração de pessoas com deficiência em ambiente laboral, em vez de criar de raiz espaços laborais acessíveis a todos indivíduos, com ou sem deficiência. Por outro lado, os empregadores evidenciam atitudes discriminatórias, que se relacionam essencialmente com os seus receios perante uma realidade que lhes é desconhecida, onde sobressaem os estereótipos da deficiência associados a menor produtividade, o medo de que trabalhadores com deficiência se possam com maior frequência lesionar ou faltar ao trabalho devido a proble mas de saúde relacionados com a sua deficiência ou, ainda, o temor de represálias por parte de clientes e colegas de trabalho (Andrade et al., 2017; Fernandes, 2007). Outros autores (Andrade et al., 2017) referem ainda a baixa escolaridade predominante nas pessoas com deficiência, o preconceito, a falta de informação, como aspetos que poderão dificultar a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

As medidas CEI/CEI+ procuram responder a alguns destes desafios, integrando o quadro mais vasto das políticas públicas que visam promover a qualificação e emprego das pessoas com deficiência em Portugal. Introduzidas em 2009, no decorrer da gestão do XVII Governo Constitucional, surgem com o objetivo de melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho de trabalhadores em situação especial de desemprego, nos quais se incluem as pessoas com deficiência. Regulamentadas pela Portaria n.º 128/2009 (2009), de 30 de janeiro, as medidas CEI/ CEI+ são semelhantes entre si, mas também apresentam algumas diferenças. Assim, a medida CEI destina-se a pessoas desempregadas (com ou sem deficiência) que se encontram inscritas nos serviços de emprego e que sejam beneficiários do subsídio de desemprego ou do subsídio social de desemprego. Por sua vez, a medida CEI+ destina-se a pessoas desempregadas (com ou sem deficiência) inscritas nos serviços de emprego e aos/às beneficiários/as do rendimento social de inserção. Os objetivos orientadores das medidas CEI/CEI+ são comuns e pautam-se essencialmente por:

  • precaver e combater o desemprego;

  • estimular e apoiar a criação de postos de trabalho;

  • estimular a inserção profissional de pessoas com maiores dificuldades de integração no mercado de trabalho;

  • promover a melhoria e a qualidade do emprego;

  • fomentar a criação de emprego localizado em zonas economicamente desfavorecidas, reduzindo as disparidades regionais (Portaria n.º 34/2017, 2017)

Estas medidas permitem aos desempregados de longa duração exercer atividades socialmente úteis - o designado “trabalho socialmente necessário” - que consiste na realização de atividades/funções/tarefas temporárias em entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos (Portaria n.º 128/2009, 2009). Ressalva-se que estas medidas não são medidas de emprego e o seu objetivo central é manter ligadas ao mercado de trabalho pessoas que estejam em situação de desemprego de longa duração. Assim, devem ser encaradas, e não como um substituto de emprego, mas apenas como uma forma de manter as pessoas ativas.

Metodologia

A pesquisa de caráter exploratório em que se baseia este artigo foi realizada para a conclusão do mestrado em gestão e políticas públicas, realizado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. O estudo envolveu a realização de entrevistas presenciais semiestruturadas a 16 beneficiários/as de medidas CEI/ CEI+: 10 do sexo masculino e seis do sexo feminino. Foram também entrevistados sete responsáveis de entidades promotoras de formação profissional e emprego para pessoas com deficiência e nove responsáveis de entidades promotoras de medidas CEI/ CEI+ (duas entidades de serviços públicos centrais, duas entidades dos serviços públicos locais e cinco entidades de solidariedade social). As entrevistas decorreram de 4 de junho de 2018 a 28 de dezembro de 2018.

A região escolhida para a aplicação do inquérito por entrevista foi a região de Lisboa e Vale do Tejo, sendo esta uma escolha por conveniência. A seleção das entidades promotoras de formação profissional e emprego para pessoas com deficiência resultou igualmente de uma escolha por conveniência.

Já no que diz respeito aos/às beneficiários/as com deficiência que integraram o estudo, os contactos foram obtidos através das entidades promotoras das medidas nas quais estas pessoas desenvolviam funções. A Tabela 1 sintetiza as características sociodemográficas desta amostra.

Tabela 1 Características sociodemográficas dos beneficiários/as entrevistados/as 

O grupo apresenta uma maioria de elementos do sexo masculino, com uma média de idades de 34 anos e habilitações literárias em que prevalece o 3.º ciclo e ensino secundário.

Para análise dos dados foi atribuída aos diferentes grupos de stakeholders a seguinte codificação: BD - beneficiários/as com deficiência; EP - entidade promotora das medidas CEI/CEI+, isto é, que acolhe beneficiários/as; OSL - organização sem fins lucrativos que promove formação e emprego de pessoas com deficiência. A cada um/a dos inquiridos/as foi ainda atribuído um número que corresponde à ordem da entrevista, no respetivo grupo.

Resultados

De seguida apresentam-se alguns dos resultados obtidos a partir da análise das entrevistas realizadas. As análises incidiram sobre as experiências com as medidas CEI/ CEI+, de beneficiários, empregadores e entidades de formação/emprego de pessoas com deficiência, procurando aferir aspetos considerados positivos e limitações das medidas, bem como possíveis recomendações de melhoria.

Aspetos Positivos das Medidas Contrato Emprego Inserção/Contrato Emprego Inserção+

Vários foram os pontos positivos assinalados nas medidas pelos três grupos entrevistados. O primeiro deles relaciona-se com o reconhecimento de que as medidas CEI/ CEI+ ajudam as pessoas em situação de desemprego, podendo constituir uma oportunidade para os beneficiários/as demonstrarem as suas qualidades e competências profissionais. Os três grupos concordam ainda que a participação nestas medidas permite aos/às beneficiários/as ter contacto com o mundo laboral e deste modo criar ou manter hábitos de trabalho, combater situações de exclusão social e desemprego, sair de casa, aumentando a sua autoestima e responsabilidade e favorecendo a aquisição de novas experiências, o que faz destas medidas uma oportunidade de entrada ou reentrada no mercado de trabalho e de (re)qualificação e reaprendizagem: “uma coisa boa é retirar a pessoa de casa, a pessoa ganha autonomia, tem contacto com o mundo do trabalho, o mundo do trabalho começa a conhecer essa pessoa, essas são as maiores vantagens que a pessoa tem” (BD16).

Eu acho que são importantes estas medidas, basicamente nós enquanto entidade pública devemos acolher estas medidas ( … ) numa forma de os motivar e continuarem a ter contacto com o mundo do trabalho de forma a adquirir novas experiências, novas realidades ( … ) se calhar nestes projetos veem oportunidade de entrar no mundo do trabalho, muitos deles nunca trabalharam, não têm hábitos de trabalho, rotinas, horários e isto vai ajudá-los a criar essas rotinas, a cumprir esses horários, de forma a terem um contacto com o mundo do trabalho. (EP2)

Acho que há duas situações, que é a questão da qualificação ou da requalificação. A pessoa que já exerceu aquela profissão há muito tempo e esta Medida dá-lhe oportunidade quase aqui de uma reaprendizagem de alguns conhecimentos que já aprendeu, mas isso eu acho que é o bom desta Medida, permite à pessoa recuperar algumas competências laborais. (OSL3)

Ainda de acordo com a perceção dos três grupos entrevistados, as medidas CEI/ CEI+ são consideradas uma alavanca que poderá permitir (em alguns casos) a futura integração/inserção profissional. Esta constitui a grande esperança dos/as beneficiários/ as, que alimentam a expetativa de obterem um emprego permanente e assim alcança rem uma vida independente, uma vontade comum a todo o ser adulto.

Na opinião mais restrita das entidades promotoras e das entidades promotoras de formação profissional e emprego, estas medidas apresentam também vantagens financeiras diretas para as entidades que acolhem beneficiários/as uma vez que, através delas, as entidades captam recursos humanos, que apesar de permanecerem nessas entidades por períodos limitados, permitem reduzir encargos financeiros com pessoal. Para além desta questão financeira, é também apontada como grande vantagem o facto de as organizações disporem de um tempo que pode ir até 12 meses para avaliar se os beneficiários/as são bons/as trabalhadores/as no desempenho de uma determinada função/tarefa, tornando-se assim estas medidas uma ferramenta para filtrar e encontrar bons profissionais a custo reduzido: “as vantagens são completamente as financeiras e o poder de descobrir pessoas valiosas através de medidas que financeiramente têm muito pouco peso para a organização” (EP3).

Os CEI é um tempo de avaliação da pessoa, do ponto de vista de competências profissionais, que a contratação pública hoje em dia não nos dá esse tempo, e, portanto, os CEI para mim são muito importantes porque faço uma avaliação da pessoa e, portanto, é uma grande ajuda em dizer “ok, a pessoa tem boas competências para trabalhar, será uma boa profissional” ou não e, portanto, surgindo esta hipótese, o CEI pode ser mais rapidamente recrutável. (OSL7)

Por último, as entidades promotoras de formação profissional e emprego para pessoas com deficiência consideram que as medidas CEI/CEI+ são uma oportunidade para os/as formandos/as colocarem em prática o que aprenderam na formação, e de o fazer de forma remunerada.

Limitações das Medidas Contrato Emprego Inserção e Contrato Emprego Inserção+

Apesar de reconhecerem estas vantagens, muitas foram também as limitações apontadas pelos/as beneficiários, entidades promotoras e entidades de formação profissional. Uma primeira limitação relaciona-se com o facto de o valor mensal auferido no quadro destas medidas ser inferior ao salário mínimo nacional. Este foi o aspeto mais frequentemente indicado como negativo pelos três grupos de entrevistados, que consideram o valor auferido insuficiente face às necessidades: “em termos de nível de vida para nós fazermos vida é pouco, porque nós queremos construir uma vida, ter uma casa, pronto sermos independentes, e com certos valores que recebemos não se consegue” (BD14),

eu aqui tenho um contrato base + subsídio de almoço + subsídio de transporte... isto tudo junto é menos que o salário mínimo nacional e eu sinto que não é justo... sinto-me feliz claro em trabalhar aqui, mas gostava de ganhar um pouco mais. (BD2)

Embora o objetivo das medidas CEI/CEI+ não seja suprir um posto de trabalho, em muitos casos é isso que acaba por acontecer. Muitas entidades promotoras, sobretudo do setor público, recorrem às medidas CEI/CEI+ porque necessitam de recursos humanos e não podem realizar contratações externas. Esta circunstância leva muitas entida des a renovações sucessivas de medidas CEI/CEI+ para suprir necessidades de recursos humanos que são permanentes, e não temporárias como as medidas sugerem: “o nosso problema aqui na administração pública é que nós só podemos ir, ou por mobilidade, ou quando abrir um concurso externo. Os concursos externos demoram imenso, entre as autorizações e tudo mais” (EP7).

Havia sempre estes jogos de prazos, no sentido de termina um, depois fazemos a candidatura a outro para regressar e quando terminar esse começamos a trabalhar na candidatura para outro e jogam com esses jogos de prazos para conseguir suprir os serviços mínimos. ( … ) A medida não está bem elaborada, é aquela resolução de curto-prazo, durante um ano temos esta solução e depois logo se vê e depois quando volta a haver outro CEI+ vai andado assim durante um ano, dois anos, três anos, quatro anos. (BD7)

Uma das entidades promotoras entrevistada (EP7) relatou mesmo que desejou contratar um beneficiário após este ter terminado uma medida CEI+. No entanto, uma vez que as medidas CEI/CEI+ apenas se destinam à realização de trabalho socialmente útil, a referida entidade, que pertencia ao setor público, teve grande dificuldade em argumentar que o trabalho que esse/a trabalhador/a exercia era afinal necessário:

foi um problema aqui dentro, como é que nós agora vamos dizer que ele está a fazer o “socialmente útil” mas que ele faz falta na Organização, pronto foi por aí que nós dissemos que era uma mais-valia e já tinha demonstrado competências nisto e naquilo, e que viria a ser integrado no (nome do departamento) a fazer o atendimento presencial, escrito às pessoas com deficiência, famílias, organizações, etc., mas não foi fácil mesmo pela questão das atividades socialmente úteis no próprio CEI+. (EP7)

Geram-se assim expetativas que quase sempre são defraudadas: para os/as beneficiários/as, que já encaram a participação num CEI/CEI+ como trabalho e de alguma forma esperam ver transformado o seu CEI/CEI+ em contrato de trabalho mais duradouro, o que só muito raramente acontece; e para as entidades promotoras que durante 12 meses conseguem suprir necessidades permanentes de trabalho, mas no final desse período vêm esses trabalhadores partir e se vêem de novo confrontadas com necessidades de recursos humanos.

Uma outra limitação muito mencionada nos depoimentos recolhidos por parte de entidades promotoras e de formação profissional está relacionada com o excesso de burocracia que envolve a candidatura e funcionamento destas medidas, sendo este considerado um dos principais entraves ao sucesso das mesmas: “o CEI é uma medida a que muitas vezes nós não apelamos porque também é muito burocrática e às vezes demora imenso tempo na tomada de decisão” (OSL7).

O IEFP, I. P. (Instituto do Emprego e Formação Profissional), é a entidade financiadora, mas temos que ser nós a procurar a informação. Contudo, poderia ser um bocadinho mais facilitado, uma espécie de manual de procedimentos que seria enviado a todas as entidades ( … ) a informação da internet é o grande suporte logicamente neste momento, mas há tanta informação ( … ) e algo tão minucioso ( … ) repare, por vezes lemos toda esta informação e parece que o Ponto 2 anula o Ponto 3, o 3 anula o 1 ( … ) quer dizer é um pouco complicado. (OSL4)

Os/as beneficiários/as relatam muitas situações de tentativa de esclarecimento sem sucesso, excesso de procedimentos e desarticulação de informação quando interagem com diferentes técnicos do IEFP, como podemos observar nos seguintes depoimentos:

cheguei a contactar uma vez porque tinha a dúvida de saber quantos CEI+ poderia fazer na mesma instituição e foi-me dada uma resposta ridícula que nem sequer voltei a tentar ligar, a resposta que me foi dada, foi: “depende de quem analisa” e eu perguntei, “mas existe uma lei e o que é que está nessa lei?” e a resposta foi: “Ah pois, isso é muito vago, depende de quem analisa”. E pronto! Não sei se apanhei alguém que tinha desconhecimento ou alguém que não me quis dar essa informação, mas eu na altura queria essa informação e não a tive, não fiquei esclarecido. (BD7)

Mandei alguns e-mails, aos quais na altura não obtive resposta em tempo útil, e, portanto, o mais que pude foi, quando chegou o tempo, ir falar com quem de direito e dizer: “estão aqui os e-mails que mandei, os contactos que fiz, etc., e as respostas que não obtive e, portanto, se quisermos voltar a tentar este tipo de projeto temos que voltar a delinear as coisas com mais tempo e com mais persistência”. (BD10)

Já tentei contactar e a experiência foi tão traumatizante... o tratamento foi mesmo deplorável, horrível, do tipo chegaram-me a dizer “desculpe, o que é que veio aqui fazer, eu não tenho nada para si, vá para casa” e eu disse: “deixe estar que eu vou procurar por mim, já que consigo não posso contar”. Se eu contactei o centro de emprego duas vezes foi muito e como essas duas vezes foram tão, digamos que desmotivantes, humilhantes. (BD15)

Para além da burocracia, apontam-se lacunas aos serviços do IEFP - ao nível das plataformas informáticas, das linhas de apoio e dos contactos por correio eletrónico que atrasam a obtenção de respostas em tempo útil. Foi também recorrentemente mencionada pelos beneficiários a falta de fiscalização por parte dos serviços do IEFP, que é apontada como uma outra desvantagem, já que muitas entidades não respeitam a legislação que regula as medidas, especificamente no que diz respeito à realização de “trabalho socialmente útil” e não à ocupação de um posto de trabalho.

Embora esteja discriminado no contrato que as medidas CEI/CEI+ não são medidas que empregam efetivamente os/as beneficiários/as, das 16 pessoas inquiridas, apenas nove faziam (à data da entrevista) procura ativa de emprego e faziam-no essencialmente via internet. E apesar de a maioria se preocupar com a situação de não ter um emprego fixo/permanente, houve também quem afirmasse não procurar emprego por sua própria iniciativa: cinco inquiridos/as disseram não fazer nenhum tipo de procura de emprego essencialmente porque: (a) se sentem bem na organização a desempenhar a sua função/tarefa e não consideravam haver necessidade de procurar um emprego; (b) consideram que o mercado de trabalho não está preparado para integrar/inserir pessoas com deficiência; e (c) alimentam a expetativa de vir a integrar o programa de regularização extraordinária de vínculos precários da administração pública (Prevpap).

De um modo geral, e embora as medidas CEI/CEI+ não sejam exclusivas para pessoas com deficiência, são consideradas uma alavanca na transição para a vida adulta de jovens com deficiência, evitando a admissão num centro de atividades ocupacionais (CAO). Funcionam, assim, como um roteiro de (re)inserção social e profissional de pessoas com deficiência, uma esperança para jovens/adultos com deficiência para um futuro de vida socioeconómica independente, que é o que qualquer pessoa (com ou sem deficiência) deseja para a sua vida, apresentando vantagens financeiras também importantes para as próprias as entidades promotoras das medidas.

Recomendações

Foram ainda recolhidas recomendações junto dos inquiridos para a melhoria das medidas CEI/CEI+, com vista a torná-las mais eficientes. A primeira recomendação apresentada pela maioria das pessoas entrevistadas dos três grupos de inquiridos centra-se numa maior celeridade por parte do IEFP e numa fiscalização mais eficaz e rigorosa. Recomenda-se também que os procedimentos sejam revistos para que deixem de ser burocráticos e morosos, o que reduz a motivação para integrar as medidas CEI/ CEI+. Para além da necessidade de simplificação, sugere-se também uma delegação de competências por parte do IEFP para os centros de recursos, permitindo que estes identifiquem e avaliem de forma mais profunda os perfis dos candidatos, de forma a adequar eficientemente as funções às suas competências e limitações:

acho que deveria haver um acompanhamento de maior proximidade porque como são pessoas que não têm muitas rotinas, têm dificuldades em cumprir horários, são pessoas que nunca trabalharam muitas vezes, o que eu noto é que às vezes têm determinadas dificuldades em respeitar as regras que o projeto em si tem, nomeadamente ao nível da assiduidade. (EP2)

O IEFP tem poucos recursos em muitas das suas estruturas e às vezes a estrutura acaba por ficar muito assente na parte burocrática e estes jovens ficam um bocado largados, e ou há uma instituição que vá atrás e esteja disponível para estar meses e meses a ir buscar papeis e às vezes os certificados deles vêm errados e é preciso ir falar com a instituição, portanto há todo um trabalho de retaguarda que tem que ser feito e que eles às vezes não têm capacidade para o fazer. Se não houver ninguém que o faça, o processo morre. (EP6)

Uma outra recomendação prende-se com a continuidade das medidas após o término do contrato, caso exista um bom desempenho do/a trabalhador/a e vontade da organização, transformando a experiência em contratação efetiva com apoio financeiro, de forma a que os/as beneficiários/as passem a ser trabalhadores efetivos e contribuintes, equiparados a um outro trabalhador sem limitações:

era útil para a organização deveria haver uma integração automática, digamos que nos quadros da organização, acho que seria a medida mais útil porque estamos a falar de instituições públicas que realmente necessitam das pessoas e há certas tarefas em que realmente as pessoas deveriam ser aproveitadas. (BD15)

Foi também recomendado, de um modo geral, o reforço das práticas de sensibilização por parte do IEFP, de forma a informar, esclarecer dúvidas e mitos e combater de forma intensiva o desconhecimento associado à deficiência. Muitos respondentes consideraram ainda que deveriam existir políticas públicas mais eficazes, que incidissem sobre a intervenção em ambiente escolar de maneira a desmitificar a deficiência e com bater estereótipos que persistem na visão que as pessoas e as crianças sem deficiência têm das pessoas com deficiência:

sem dúvida que a própria educação é importantíssima... fizemos um estudo há uns anos sobre o perfil dos empregadores que contratavam pessoas com deficiência e chegámos à conclusão de que a maior parte dos empregadores que contratavam pessoas com deficiência eram aqueles que já tinham tido contacto com pessoas com deficiência, contacto ou profissional ou pessoal. Se nós tivermos de facto uma sociedade inclusiva, onde todos tenham lugar e, portanto, se as crianças lidarem desde sempre com a diversidade e a inclusão, no fundo quando chegar a sua vez de serem empresários e estarem no mundo do trabalho as coisas vão ser completamente diferentes; portanto em termos de desmistificação, preconceito, de estereótipos acaba por ser muito diferente, sem dúvida temos que começar por aí. (OSL6)

Conclusões e Discussão

Este artigo apresenta os resultados originais de uma investigação científica de caráter exploratório. Ainda assim, os dados recolhidos neste estudo sugerem que as medidas CEI/CEI+ são uma resposta de curto-prazo, não garantindo (ou apenas com grande dificuldade) sustentabilidade no acesso ao mercado de trabalho depois de terminado o programa (que é sempre de carácter temporário). No entanto, ao integrarem estas medidas, frequentemente os/as beneficiários/as criam expectativas como se de um emprego se tratasse, desenvolvem uma relação com a entidade promotora onde desempenham funções e com os colegas de trabalho e alimentam a expetativa de ficar empregados no final do tempo estipulado para um contrato CEI/CEI+. Ao ver tais expetativas goradas, muitos/as entrevistados/as reconhecem que as medidas CEI/CEI+ não constituem afinal um trampolim para o mercado de trabalho, o que a par da reduzida retribuição financeira recebida durante a vigência da medida, dificulta o acesso a uma vida socioeconomicamente independente.

Uma outra situação, e um dos principais problemas apontados relaciona-se com o uso das medidas CEI/CEI+ para suprir necessidades de trabalho permanente, o que contraria aliás a legislação que regulamenta as medidas CEI/CEI+, segundo a qual estas não devem ser usadas para esse fim, mas sim para a realização de “trabalho socialmente útil”. Contudo, muitas entidades promotoras do setor social que recorrem às medidas CEI/CEI+ têm situações financeiras frágeis, que não lhes permitem o encargo financeiro de uma contratação efetiva. Já as entidades promotoras ligadas à administração central/ local consideram o processo de contratação após terminar o contrato CEI/CEI+ demasiado burocrático e complexo, envolvendo um pedido de autorização à tutela para abertura de concurso público, que demora demasiado tempo até estar concluído, e na prática inviabiliza também esta possibilidade. Assim, quer num caso, quer noutro, as medidas CEI/CEI+ pouco ou nada contribuem para a criação de emprego sustentável. Com efeito, já em 2014, um dirigente sindical alegava em conferência de imprensa que as medidas CEI/CEI+ “são uma forma de ‘retirar desempregados das estatísticas do desemprego’” (“‘É Urgente Pôr Fim à Exploração dos Desempregados’, afirma CGTP”, 2014, para. 2).

Em síntese, procurando responder à questão primordial desta pesquisa - como são vistas as medidas “contrato emprego-inserção e emprego-inserção+”, pelos/as beneficiários/ as com deficiência e as entidades promotoras? -, os dados recolhidos sugerem que, apesar de considerarem que as medidas CEI/CEI+ não apresentam os resultados desejados, os três grupos entrevistados não negam a sua importância. Para os/as beneficiários/as elas constituem uma boa oportunidade para demonstrarem as suas competências profissionais, permitindo-lhes ainda criar/manter hábitos de trabalho e são fonte de realização profissional e pessoal. As entidades que acolhem as medidas CEI/CEI+ destacam os benefícios financeiros que estas lhes proporcionam e a possibilidade que oferecem de avaliar as competências profissionais dos trabalhadores/as, percecionando estas medi- das como ferramentas para encontrar bons profissionais a um custo reduzido. Por sua vez, as entidades promotoras de formação profissional e emprego para pessoas com deficiência consideram as medidas uma oportunidade para os/as formandos/as colocarem em prática o que aprenderam na formação permitindo a aplicação na prática dos conhecimentos adquiridos de forma remunerada.

Refletindo sobre estes resultados à luz dos modelos de abordagem à deficiência atrás enunciados, somos, assim, levadas a concluir que as medidas CEI/CEI+ têm sido insuficientes para derrubar barreiras e romper com a exclusão a que as pessoas com deficiência vêm sendo remetidas no mercado do trabalho, podendo até ter alguns efeitos perversos. Com efeito, como se verificou na amostra analisada, as medidas favorecem a utilização de mão de obra a custos reduzidos, que não garantem às pessoas com deficiência por elas abrangidas uma verdadeira independência financeira, nem contribuem diretamente para a criação de emprego sustentável, embora frequentemente supram necessidades permanentes de trabalho das entidades promotoras. Tendo em conta que as medidas são anunciadas com o objetivo de melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho de trabalhadores em situação especial de desemprego, estão criadas as condições para continuar a alimentar a perceção social de que o insucesso na obtenção de um emprego estável resulta afinal das incapacidades individuais das próprias pessoas (cf. modelo médico e individual), e não dos obstáculos estruturais que estas pessoas enfrentam para aceder ao mercado de trabalho (o que de- notaria uma perspetiva mais próxima do modelo biopsicossocial).

As conclusões acima apresentadas têm por base os dados recolhidos, mas não são um ponto de chegada, antes sim um ponto de partida para uma discussão que necessariamente deverá ser mais longa e complexa. Embora exista uma preocupação crescente por parte dos governos com a qualificação profissional e emprego das pessoas com deficiência, o que é facto é que essa preocupação tem sido lenta na sua materialização. Também por isso mesmo importará “não deitar fora o bebé com a água do banho”.

Apesar das fragilidades encontradas, que deverão ser corrigidas, foram apontados neste estudo aspetos positivos nestas medidas que se tornam necessários ampliar e reforçar. Assim, sublinhamos a necessidade de prosseguir a reflexão científica e política em torno deste tema e de tomar em consideração as recomendações das/os entrevistados/as, a saber: maior agilidade e menos burocracia nos processos por parte do IEFP; consideração de alternativas para a contratação efetiva após os 12 meses das medidas CEI/CEI+ (prazo máximo pré-estabelecido); criação de uma equipa de fiscalização mais eficaz por parte do IEFP, que se dedique em exclusivo à empregabilidade das pessoas com deficiência; revisão do montante da bolsa mensal equiparando-o ao salário mínimo nacional; eliminação da categoria de “trabalho socialmente útil”; delegação de competências por parte do IEFP para os centros de recursos para a inclusão para gestão destes processos; reforço das práticas de sensibilização/desmistificação da deficiência nas organizações públicas e privadas por parte do IEFP, de forma a combater os obstáculos à contratação de uma pessoa deficiente.

Numa perspetiva de continuidade da presente pesquisa recomenda-se ainda o desenvolvimento de uma investigação futura que permita averiguar quantas pessoas com deficiência conseguiram efetivamente entrar no mercado de trabalho (com assinatura de um contrato efetivo de trabalho) após a realização de um contrato CEI/CEI+.

Agradecimentos

A tradução da versão inglesa deste artigo foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projeto UIDP/04304/2020.

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Recebido: 15 de Agosto de 2021; Aceito: 04 de Outubro de 2021

Neuza Cardoso Borges é licenciada em administração pública e mestre em gestão e políticas públicas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. O tema da dissertação de mestrado incidiu sobre a (re)inserção profissional de pessoas com deficiência e as perceções das medidas CEI e CEI+ por beneficiários e promotores. Uma síntese com os principais resultados obtidos neste estudo foi publicada na secção “Trabalho e Emprego” do relatório Pessoas com Deficiência em Portugal - Indicadores de Direitos Humanos 2019, editado pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Email: neuzacardoso1994@gmail.com Morada: Rua Almerindo Lessa, 1300-663 Lisboa

Paula Campos Pinto é doutorada em sociologia pela Universidade de York (Toronto, Canadá). É professora associada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, fundou e coordena o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, uma estrutura que reúne investigadores e organizações da deficiência da sociedade civil promovendo processos participados de monitorização dos direitos humanos das pessoas com deficiência em Portugal e nos países de língua portuguesa. Tem dirigido e participado em diversos projetos de investigação de âmbito nacional e internacional, em temáticas que se prendem com a análise e avaliação de políticas públicas e direitos humanos das pessoas com deficiência, incluindo numa perspetiva de género. É autora de diversas publicações nacionais e internacionais sobre deficiência, direitos humanos, políticas públicas e igualdade de género. Email: mppinto@edu.ulisboa.pt Morada: Rua Almerindo Lessa, 1300-663 Lisboa

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