1. Introdução
A crise climática se intensifica e exige, com urgência, que medidas estruturais sejam tomadas em todo o mundo. No Brasil, a proteção da Amazônia é uma questão central, que envolve, paradoxalmente, a ideia de solução ou ameaça. A principal causa das emissões de gases de efeito estufa é a mudança de uso da terra, relacionada ao desmatamento e, muitas vezes, à expansão da fronteira agropecuária. Contudo, na gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022) houve um intenso afrouxamento das políticas públicas ambientais (Fearnside, 2019). Negacionismo climático, impunidade de crimes ambientais, descaso com as questões indígenas e incentivo à exploração de minérios na Amazônia são alguns exemplos de como os anos recentes estiveram na contramão da governança climática. O Monitor da Fiscalização (Mapbiomas Alerta, 2022) aponta que 98% dos alertas de desmatamento registrados desde janeiro de 2019 não foram autorizados ou foram alvo de fiscalização federal, sendo que três quartos desses alertas (149.631) se localizam na Amazônia, reforçando o cenário de incentivo à destruição da maior floresta tropical do mundo.
Mesmo com temperaturas chegando a recordes históricos e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, não houve neste período um comprometimento à altura vindo de governos e grandes corporações. Por outro lado, observou-se o crescimento da mobilização e pressão cívica em prol da saúde climática do planeta. Em avaliação da percepção dos brasileiros sobre o tema realizada em 2022, 90% dos respondentes afirmaram que desastres ambientais estão acontecendo com mais frequência e 52% se disse preocupado com o meio ambiente, mas apenas 22% declararam saber muito sobre mudanças climáticas ou aquecimento global (ITS-Rio, 2023). São necessárias, portanto, estratégias para preencher a lacuna do conhecimento sobre um tema que impacta transversalmente o cotidiano da população.
Dentre as muitas formas possíveis de instigar o engajamento1, o jornalismo (que, neste artigo, pode ser entendido como jornalismos) se torna um elemento relevante, principalmente por sua credibilidade e permeabilidade no cotidiano, com entrada, mesmo que em diferentes formas e intensidades, nas distintas classes sociais. Appelgren e Jönsson (2021) definem engajamento como a propensão dos cidadãos a se importarem com um tema e sua disposição para agir. Para eles, o jornalismo se relaciona ao engajamento a respeito de questões climáticas a partir das abordagens que contextualizam causas, responsabilidades e possíveis soluções a fim de encorajar o envolvimento da audiência na resolução dos problemas identificados.
Além disso, o foco na produção jornalística justifica-se pelos pressupostos éticos e deontológicos deste subcampo, como a factualidade, periodicidade, objetividade, verificação dos fatos e compromisso com o interesse público (Temer, 2015; Traquina, 2005), o que supõe um processo de produção de conteúdos midiáticos diferente de outras formas de comunicação. Contudo, considerando que o jornalismo se transforma junto com a sociedade na qual está inserido, é compreensível que surjam novos meios, conteúdos e até tipos de jornalismo, sobretudo a partir da eclosão de novos canais e plataformas decorrentes de inovações tecnológicas. Nesse sentido, percebe-se uma expansão do jornalismo na direção de outros gêneros comunicacionais, além da adequação a novos formatos e recursos narrativos valorizados na atualidade. Charron e Bonville (2016) trazem a ideia de um jornalismo de comunicação, que se apresenta como mais próximo ao público. Tal tipo de jornalismo já é mobilizado pelos influencers na internet. Trata-se de uma permeabilidade de fronteiras, abordada por alguns autores a partir do conceito de hibridação, hibridismo ou hibridização2, o qual pode tanto trazer inovação e expansão aos campos como adensar a pregnância dos produtos midiáticos na subjetividade cultural com fins mercadológicos (Canclini, 2011/1997; Machado, 2007).
Buscando aproximar-se da causa climática, voltamo-nos para o jornalismo ambiental que, a priori, se compromete com a sustentabilidade e realiza a crítica ao sistema capitalista, às colonialidades e às injustiças climáticas perpetradas pelas grandes potências econômicas. Porém, esse jornalismo não é homogêneo, existindo valores e características específicas a partir de cada modalidade (Loose, 2021). Pode ser realizado em veículos independentes/alternativos ou dentro de jornais mainstream (muitas vezes vinculados a interesses econômicos e olhares utilitaristas sobre a natureza), com abordagens mais ou menos críticas.
A cobertura sobre as mudanças climáticas tende a ser orientada para os efeitos e apenas recentemente tem conectado aspectos locais com a conjuntura global. Loose (2019) verifica que há poucos estudos sobre jornalismo/comunicação e clima no Sul Global, apontando que a cobertura deve ser repensada a partir da realidade de cada país e com destaque para soluções. O estado da arte que relaciona o jornalismo ao engajamento com a causa climática ainda apresenta muitas lacunas no que tange à aproximação das mensagens jornalísticas aos mais diversos públicos. Porém, há quem realce o papel do jornalismo no enfrentamento da crise climática, como Moser (2010), que destaca quatro orientações em que esse subcampo demonstra potencial: informação e educação sobre os problemas da ordem do clima; envolvimento das pessoas nesta cidadania; promoção de ações individuais de mudança, incluindo, e indo além, da pressão política; e, na transformação de normas, ideias e valores circulantes na cultura.
Para compreender a recepção da cobertura sobre clima - algo ainda pouco estudado, apesar da relevância da promoção de uma outra relação com a natureza - esta pesquisa parte da perspectiva dos estudos culturais, em sua contribuição nos estudos de recepção, os quais consideram os sentidos produzidos socialmente por receptores e suas práticas culturais inseridas em seus contextos cotidianos e estruturas sociopolíticas (Escosteguy & Jacks, 2005; Jacks et al., 2008). Nesse cenário, valoriza-se o debate sobre as fronteiras híbridas do jornalismo em razão dos dados obtidos em uma pesquisa mais abrangente (Modefica, 2022).
Para esta investigação, realizada no ano de 2022, os dados foram coletados por meio de grupos focais (Gatti, 2005) virtuais organizados nas cinco regiões do Brasil, que contaram com um momento inicial de perguntas e conversas, complementadas pela apresentação de dois produtos audiovisuais com características do jornalismo tradicional, sobre os quais os participantes expressaram suas impressões e sentidos (Modefica, 2022). Os participantes foram selecionados a partir de um questionário online divulgado nas redes dos pesquisadores e do Instituto Modefica, e a partir da técnica “bola de neve”. Os dados foram categorizados pela análise de conteúdo (Bardin, 1979).
Este trabalho se debruça sobre um tema específico: a hibridização do jornalismo, que não foi aprofundado em trabalhos anteriores (Modefica, 2022; Loose et al., 2022). Esta reflexão tem como objetivo discutir as fronteiras e mudanças do jornalismo a partir da percepção de ativistas brasileiros (pessoas autodeclaradas ativistas de alguma causa, de idade entre 18 e 35 anos), tendo como pano de fundo a relação entre jornalismo e engajamento na questão climática. Para elaborar o texto, trazemos primeiramente um embasamento teórico sobre o jornalismo e sua interface com a questão climática, a discussão da hibridização e sua repercussão no jornalismo, seguida da apresentação da estrutura metodológica, análise e discussão dos resultados encontrados.
2. Jornalismo e Engajamento Climático
O papel social do jornalismo passa primordialmente pela construção e disseminação da informação. Entretanto, para além de sua função informativa, há contribuições para uma educação não formal e atuação social. Bueno (2007), ao tratar do jornalismo ambiental, aponta para as funções informativa, pedagógica e política, entendendo esta última como aquela relacionada com a “mobilização dos cidadãos para fazer frente aos interesses que condicionam o agravamento da questão ambiental” (p. 36), incluindo aí uma vigilância e atuação contra os interesses de setores e empresas que penalizam o meio ambiente para beneficiar seus negócios, assim como governos omissos e sem políticas públicas eficientes.
Gentilli (2002) traz a questão da informação como fundamental para o exercício da cidadania. Diante da crise climática, o jornalismo é uma das instâncias envolvidas nos esforços de educação ambiental e de conscientização da sociedade. Nesse contexto, os movimentos da sociedade civil que reivindicam justiça social e ambiental contestam as relações de dominação características da globalização, orientada mais ao fortalecimento de mercados do que à valorização dos direitos humanos. Por isso, a educação para o exercício de uma cidadania global e planetária se torna indispensável para uma cultura da sustentabilidade (Torres & Gadotti, 2018).
Ao delimitar o debate à crise climática, entende-se que as notícias sobre o tema vão além de uma comunicação pragmática, que visa alertar, educar e/ou convencer o público sobre algo, sendo também responsável pela constituição de visões de mundo e valores - o que Cox (2010) chama de viés constitutivo. Hannigan (1995) afirma que é por meio da produção jornalística que os acontecimentos ambientais ganham visibilidade na sociedade, agendando o debate público e permitindo que os cidadãos se envolvam com as questões coletivas. O jornalismo é considerado uma arena-chave para amplificar a discussão, definir sentidos, apresentar argumentos, valores e visões de mundo a respeito das mudanças climáticas (Loose & Carvalho, 2017; Hulme, 2009).
Ao mesmo tempo que a comunicação jornalística, por seu alcance e legitimidade, se revela um aspecto importante para o fomento de uma articulação social, é preciso considerar seus limites. Seja porque as pessoas, de uma forma geral, não recebem apenas conteúdos jornalísticos, seja porque há diferentes enfoques e possibilidades de elaboração desse conteúdo. E para além da informação, questões sociais, culturais, econômicas, vivências e expectativas de futuro, se somam neste complexo âmbito que envolve as práticas sociais em relação à causa climática.
Por mais que seja perceptível o aumento recente da atuação de organizações pró-clima e dos discursos da sociedade civil neste debate - com movimentos nos quais despontaram importantes jovens lideranças como Txai Suruí, ativista que representou o Brasil na COP-26 (2021), e Greta Thunberg, ativista sueca que iniciou as greves escolares pelo clima (2018) - a própria ideia de engajamento pode remeter a diferentes sentidos. Carvalho et al. (2016) sublinham a necessidade de um engajamento político, que não seja restrito às ações individuais.
Da mesma forma que acontece na cobertura ambiental, de forma geral, as soluções climáticas apresentadas costumam estar centradas nos indivíduos (sobretudo enquanto consumidores), silenciando o questionamento de grandes interesses econômicos, que beneficiam apenas uma pequena parcela da população. Enquanto as externalidades são partilhadas, prejudicando especialmente as populações mais vulnerabilizadas, os lucros concentram-se nas mãos de poucos. Além disso, a despolitização ocorre quando o tema é transformado em um discurso calcado em modelos e números, onde questões muito distantes dos cidadãos tornam-se centrais, como ocorre quando o tema é reduzido ao funcionamento do mercado de carbono, por exemplo (Carvalho et al., 2016).
3. O Fenômeno da Hibridização
Canclini (2011/1997) investigou a hibridização situada no final do século XX, vinculada aos avanços tecnológicos e à globalização, definindo-a como os “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (p. 19). Já Machado (2007) destaca uma ideia de expansão: “como se os círculos definidores de todas as artes e meios ameaçassem se fundir num único círculo do tamanho do campo inteiro da cultura” (p. 67), assumindo funções públicas novas e tendo suas fronteiras permeabilizadas.
Canclini (2011/1997) alerta para a necessidade de se manter um olhar crítico quanto ao fenômeno: “uma teoria não ingênua da hibridização é inseparável de uma consciência crítica de seus limites, do que não se deixa, ou não quer ou não pode ser hibridizado” (p. 27), assinalando reflexões políticas sobre as tensões entre meios que, ao convergir ou serem forçados a convergir, podem nem sempre se harmonizar. Machado (2007) assinala que, mesmo que a hibridização gere complexificação e inovação, ela também resulta em assimetrias nos fatos culturais que ela agrega. Nesse sentido, há uma pressão para que os meios e técnicas confluam, o que força receptores e produtores a misturar e transgredir características típicas de seus meios com fins, geralmente mercadológicos, se adaptando tão rapidamente que não há tempo hábil de maturação em cada campo, gerando possíveis pirotecnias estéticas e funcionais.
E mesmo que a hibridização esteja ligada a um ganho nas possibilidades de consumo individualizado e na própria possibilidade de produção midiática por parte de receptores na dita cibercultura (Santaella, 2003; Lévy, 1999), a cultura participativa (Jenkins, 2009) que aflorou desses processos ainda mantém uma grande assimetria de poder em relação aos meios, visto que estes podem filtrar ou direcionar as participações de receptores. Por outro lado, há sempre pequenos espaços de atuação que fornecem certo poder de oposição ou contestação. Segundo o mapa das mediações de Martín-Barbero (2003/1987), as práticas culturais de recepção seriam da ordem tática, ocorrendo nas mediações da socialidade e ritualidade cotidianas, geralmente fora do âmbito institucional, o que significa que, para lidar com a hegemonia dos meios, as estratégias de resistência dos receptores, como leituras oposicionais ou apropriações contestatórias, se valem de brechas. Enquanto os veículos têm recursos vastos, como espaço em mídia, aparato tecnológico e profissionais especializados, atuando mais nas mediações da institucionalidade e tecnicidade, os receptores utilizam de seus recursos escassos, como suas próprias redes, para, em táticas quase que de “guerrilha”, realizar ressignificações satíricas/de protesto ou reinserções em contextos que alteram seu sentido.
4. A Intensificação da Hibridização Jornalística
Como prática social, o fazer jornalístico é uma forma de interação que se transmuta com o tempo. Ainda que as características que Otto Groth (2011; como citado em Xavier & Pontes, 2019) atribuiu ao jornalismo nos primórdios da atividade permaneçam (Xavier & Pontes, 2019), como periodicidade, universalidade, atualidade e publicidade, o contexto imprimiu novo ritmo e novas roupagens ao que tradicionalmente era entendido como jornalismo. Considerando que Groth observava os jornais como “obras culturais”, os elementos que materializam a produção são vistos em decorrência da comunidade e do tempo nos quais estão inseridos. Xavier e Pontes (2019) reforçam: “consolida, portanto, uma visão que toma o jornal como produto de sentidos socialmente construídos, mutantes historicamente” (p. 48).
Charron e Bonville (2016) trazem um percurso histórico a partir de quatro paradigmas jornalísticos, alinhados a “um modo específico e singular de conceber e praticar o jornalismo” (p. 28), iniciando quando surgem os primeiros jornais na América do Norte, no século XVII, com foco na disseminação das informações - o jornalismo de transmissão. Em um segundo momento, no início do século XIX, os produtores colocam os jornais a serviço das lutas políticas, demarcando o jornalismo de opinião. Com a massificação dos jornais, nas últimas décadas do século XIX, focou-se no incremento de conteúdos que pudessem ampliar o interesse dos públicos e, consequentemente, dos lucros; esse é o jornalismo de informação, que se tornou dominante a partir de 1920. A partir das décadas de 1970 e 1980, com a diversificação e abundância de oferta, identifica-se o jornalismo de comunicação, que parece ganhar novas proporções com o avanço digital.
A proposta dos autores acentua a ideia de que há uma mutação permanente nos modos de operacionalização do jornalismo, mesmo que tipologias anteriores não desapareçam por completo. O paradigma denominado jornalismo de comunicação pode ser atrelado aos processos de maior hibridização, de uma postura mais aberta das subjetividades dos profissionais e da inclusão de mais comentários nas notícias. Segundo Charron e Bonville (2016):
o hibridismo entre o discurso da imprensa e as outras formas de discurso midiático é tolerado, até mesmo encorajado: a ficção se mistura à realidade; notícias secundárias adquirem o status de acontecimento; a informação se faz entretenimento e adota facilmente o tom de humor ou um tom familiar, de conversa; a efusão e a emoção substituem a explicação; o tom e o estilo do discurso promocional impregnam o discurso da imprensa. (p. 30)
No dia a dia, as mudanças tendem a ser mais graduais nos jornalismos compreendidos como de referência, devido à consolidação e aos vínculos político-econômicos, que contribuem para sua hegemonia. Ao mesmo tempo, a popularização das redes sociais e a possibilidade de criar conteúdos com baixo custo fez proliferar novas possibilidades que se apresentam como alternativas aos conteúdos de geração massiva. Temer (2015, p. 30) assinala como a inserção de tecnologias influencia novos comportamentos e formas culturais, afetando também as formas mais tradicionais de produção jornalística:
novas dinâmicas sociais têm progressivamente ampliado a necessidade de informação, abrindo espaço para veículos especializados ou direcionados, voltados para temas ou para abordagens específicas, os quais demandam a utilização de linguagens diferenciadas, adaptadas a certas condições e aos receptores.
Tais mudanças, que extrapolam as condições técnicas, tendem a criar, cada vez mais, jornalismos que incorporam outros gêneros comunicacionais, sobretudo aqueles ligados ao entretenimento. Produtos híbridos ganham espaço, mesclando conteúdos que ora se afastam e ora se aproximam de uma conceituação mais tradicional de jornalismo.
Uma origem e causa desta mescla está nos blogs, sites e perfis de redes sociais, popularizados nas últimas duas décadas, os quais fazem circular informações relevantes que não aparecem nos meios hegemônicos. Contudo, alerta Jorge Filho (2021), quando a autoria não é de jornalistas, nem sempre é possível identificar procedimentos de verificação dos conteúdos, cujas consequências podem incidir sobre a veracidade dos relatos. As características e as formas de mediação possibilitadas pelas redes sociais causam o “apagamento dos limites entre jornalismo e outras formas de comunicação”, e originam uma nova referência comunicacional (p. 99).
Práticas como linguagem não formal e aproximações ou intercâmbios entre regional e global tornaram-se possíveis a partir da atuação de comunicadores, jornalistas ou não, que seguem a tendência da hibridização. Uma das esferas em que esse encontro pode ser visto é a comunicação comunitária, que pode ser entendida pela mobilização dos próprios habitantes dos territórios, visando produzir conteúdos que atendam aos interesses das suas comunidades (Peruzzo, 2006). Tal prática decorre da sistemática exclusão feita pela comunicação hegemônica e da dificuldade financeira de custear o acesso aos meios tradicionais, buscando circular as informações que necessitam para sua integração e organização social.
Outra vertente da hibridização é perceptível através do acréscimo de habilidades exigidas para a produção jornalística. Lima (2018) problematizou o surgimento do jornalismo de dados em relação à identidade desses profissionais, que passaram a aprender e a adotar técnicas da informática e da computação nas reportagens. A proliferação de infografia nas notícias, por exemplo, remete à acelerada aquisição dessas e outras habilidades por jornalistas.
A convergência com outros gêneros comunicacionais também pode preocupar. A articulação com os aspectos publicitários pode ser um problema, visto que a publicidade tem como uma de suas principais características a persuasão, com potencial grande de apelo e de circulação de valores sociais economicamente favoráveis para os anunciantes (Rocha, 2010/1985). Nesse sentido, a ascensão do chamado branded content, que é produzido a partir de interesses privados, mas parece conteúdo jornalístico e pode ser interpretado como resultado de interesse público, chama a atenção para os limites desse fenômeno. Covaleski (2010) aponta que, no intuito de ganhar receptores que queiram disseminar o conteúdo, os produtos de comunicação publicitária tendem a ser cada vez menos semelhantes aos seus formatos tradicionais. O objetivo de persuasão se mantém, mas com outra roupagem, por meio de formatos e mensagens que não acionam as barreiras dos receptores contra a publicidade e que trazem benefícios ou estímulos de prazer aos receptores durante seu consumo. Assim, convoca o receptor a disseminar tal conteúdo, pois sente-se bem e apto a proporcionar informação, entretenimento e bem-estar a outros receptores, construindo seu status social e alcance midiático.
A partir de Charron e Bonville (2016), entendemos que a linguagem e as estratégias características da publicidade e de outras formas de comunicação que flertam com o entretenimento e com o despertar de emoções se entranham no jornalismo em busca de uma aproximação do interesse do público. Essa hibridização se fortalece com o advento de novas mídias e plataformas que competem com os veículos tradicionais pela atenção das pessoas e afetam sobretudo as faixas etárias mais jovens.
Em pesquisa sobre hábitos de consumo de produtos jornalísticos, Wunderlich et al. (2022) afirmam que gerações adultas ainda mantêm rotinas determinadas de acesso às notícias, dando preferência a veículos de jornalismo profissional com que possuem mais afinidade. Já indivíduos abaixo dos 24 anos cruzam com as notícias de forma não proposital, como quando os influencers repercutem as notícias, por meio de comentários, em redes sociais como o Instagram. Apesar da possibilidade de customizar o acesso à informação de acordo com os interesses próprios, esses jovens relatam dificuldade em discernir o que é confiável do que não é, desenvolvendo diferentes estratégias de verificação sobre a veracidade da informação, como a comparação entre diferentes fontes. Desta forma, embora a hibridização torne o conteúdo mais atraente para nichos específicos da população, pode contribuir para um ecossistema de desinformação que prejudica a democracia na medida em que induz cidadãos ao erro e interfere em sua tomada de decisões.
5. Estratégias Metodológicas
Os estudos culturais, conforme Jacks et al. (2008), têm suas origens vinculadas à sociologia da cultura de Clifford Geertz e carregam como mérito a ênfase no caráter simbólico da cultura, nas construções sociais de sentidos e em sua transformação histórica. Têm por base a complexificação da análise de fenômenos da cultura e da comunicação, que se dão em seus contextos históricos e sociais, levando em consideração estruturas político-econômicas do âmbito micro e macroestrutural. Para dar conta desse ambicioso projeto sociocultural, os estudos culturais se aproximaram de práticas de pesquisa antropológica, como a etnografia.
No campo da comunicação, os estudos culturais se destacaram nos estudos das práticas culturais de consumo e recepção, que, a partir de Martín-Barbero (2003/1987), se dão na forma de usos, leituras e apropriações do cotidiano e contexto sociocultural das audiências. Nesse sentido, os estudos culturais dão ênfase ao momento da decodificação (Hall, 2003/1973) levando em conta a agência do receptor que, mesmo em relação desigual de poder, tem certa escolha para produzir seus sentidos sobre as mensagens ofertadas nos meios, transformando-os ou reproduzindo-os na cultura.
Mesmo com tamanha possibilidade de contribuição, os estudos de recepção ainda são escassos no Brasil, especialmente no que tange aos estudos de jornalismo e mudanças climáticas. Pesquisando os termos “environmental journalism”, “reception”, “media” e “climate change” nas plataformas SciELO e Google Acadêmico entre 2017 e 2022 - ano da pesquisa aqui relatada, foram encontrados sete estudos, sendo somente um deles realizado no Brasil e nenhum envolveu a condução de grupos focais.
Conforme discorrem Jensen e Rosengren (1990), a análise de recepção permite a adoção de técnicas múltiplas na investigação empírica, uma artesania metodológica que visa costurar métodos de pesquisa próximos ao receptor e de seu momento de consumo, além de integrar triangulações metodológicas que possam comparar dados encontrados em um método e outro. No nosso estudo, a recolha de dados se deu por meio de um survey (Calado, 2012) e de grupos focais virtuais (Gatti, 2005). A primeira técnica teve como intuito conhecer o perfil sociodemográfico dos participantes e fazer um breve mapeamento sobre seus hábitos de consumo midiático, relação com veículos e mensagens da pauta climática. Já os grupos focais virtuais serviram para aprofundar o debate acerca do engajamento e jornalismo sobre mudanças climáticas. Apesar de servir bem à pesquisa qualitativa, com vasta emergência de dados sobre os sentidos produzidos a partir das mensagens e meios de comunicação, sublinha-se a impossibilidade de generalização dos dados encontrados a partir do método proposto (Kind, 2004).
Os grupos focais virtuais foram realizados pela plataforma Zoom, em junho e julho de 2022. No primeiro momento, houve uma conversa sobre o engajamento propiciado pelo jornalismo a partir de um roteiro semiestruturado. Posteriormente, foi feita apresentação de duas reportagens que se aproximavam do jornalismo mainstream: a primeira com conteúdos que evidenciavam as causas da crise climática, com enfoque no desmatamento; e a segunda com enfoque nas soluções e na injustiça climática. Após realização de grupo de pré-teste de pesquisa, foram realizados 10 grupos focais, dois para cada região do Brasil, com aproximadamente seis participantes cada, num total de 60 ativistas participantes de 18 até 35 anos (11 do Sudeste e Centro-Oeste, 13 do Nordeste e Norte, e 12 do Sul). Os grupos foram conduzidos por um moderador, responsável por controlar o tempo e orientar a discussão. Cada grupo teve duas horas de duração e contou com um relator responsável por registrar as manifestações em tempo real.
Após a transcrição dos dados, estes foram categorizados segundo a análise de conteúdo (Bardin, 1979), selecionando-se falas recorrentes e dissidentes relacionadas a temas citados com frequência ou de interesse teórico. As categorias compreendem a percepção dos ativistas sobre como ocorre o engajamento individual e coletivo; sobre como o jornalismo aborda as mudanças climáticas; sobre qual o papel do jornalismo no engajamento climático; sobre a relação entre desmatamento, mudanças do clima e Amazônia; e sobre outras formas de comunicação que extrapolam o jornalismo. A partir dessas definições, criaram-se também subcategorias, que podem ser verificadas no relatório completo da pesquisa (Modefica, 2022) e consideram, por exemplo, a percepção dos ativistas sobre a abordagem de causas e consequências das mudanças climáticas e o uso das fontes no jornalismo. Para o presente artigo, foram reanalisadas tais categorizações, das quais foram selecionadas falas referentes à hibridização do jornalismo e à expansão de suas fronteiras de atuação.
Analisando de forma panorâmica o perfil dos participantes dos grupos focais, temos que estes são ativistas de 18 até 35 anos de todo o Brasil, atuantes em diversas pautas3, majoritariamente ambientais, mas também em causas relativas ao feminismo, alimentação e soberania popular, etc. O recorte de idade dos participantes está baseado em pesquisas que apontam uma maior predisposição de jovens das gerações Y (nascidos de 1980 a 1995) e Z (nascidos entre 1995 a 2010) em se preocupar com temáticas ambientais (Deloitte, 2021). Um pouco mais da metade dos participantes é do gênero feminino, seguidos do gênero masculino, e alguns participantes se declararam não-binários ou preferiram não indicar esta informação. Na autodeclaração sobre cor ou raça, a maioria se declarou branca (28), seguido de pardo (14), preto (11), indígena (três), amarelo (um) e não declarou (um). A maioria dos participantes tem renda mensal de três a cinco salários mínimos ou de um a cinco salários mínimos. Metade dos participantes tem escolaridade do nível ensino superior. Seu consumo midiático de jornalismo se dá preferencialmente em sites, blogs ou portais da internet, seguido de redes sociais, rádio e podcasts, e plataformas de vídeos. Poucos deles acessam notícias pela televisão, aplicativos de mensagens ou mídia impressa. Seu consumo jornalístico se dá majoritariamente em veículos alternativos e/ou independentes, sendo muitos desses canais de organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais, assim como de mídias especializadas como O Eco, Amazônia Real e O Joio e o Trigo, além de perfis de jornalistas como Paulina Chamorro e André Trigueiro.
6. As Fronteiras do Jornalismo Segundo os Ativistas Brasileiros
Ao se tratar das formas como o jornalismo pode engajar mais seus públicos em torno da pauta climática, práticas do jornalismo mainstream foram frequentemente questionadas pelos participantes, em uma reflexão que mostrou a elasticidade das fronteiras do jornalismo e a permeabilidade com outros gêneros de comunicação. Além disso, outros exemplos de comunicação realizada por não-jornalistas ou por jornalistas expandindo as práticas usuais do fazer jornalístico tradicional foram muito mencionadas como forma de sensibilizar mais os públicos para a causa climática.
A seguir destacamos os principais aspectos percebidos pelo público de ativistas a respeito de como o jornalismo pode ser mais contribuitivo na sensibilização e promoção de atitudes para enfrentar as mudanças climáticas. Na primeira subseção destaca-se o questionamento dos ativistas em relação aos modelos tradicionais e suas expectativas a respeito de um jornalismo mais mobilizador. Na sequência, reunimos dados sobre a vontade de mais integração dos ativistas em relação a estratégias e modos de fazer oriundos de uma comunicação realizada por não-jornalistas, com maior ênfase em vozes locais e formatos alternativos, ressaltando a proposta de jornalismo de comunicação cunhada por Charron e Bonville (2016). Por fim, expõe-se aspectos dos desafios ligados à ausência do jornalismo profissional e à disseminação da desinformação.
Destaca-se que neste estudo as características etárias, sociais, econômicas e culturais dos ativistas não orientaram o foco da análise, já que a amostra era proporcionalmente pequena por ser um estudo qualitativo. Por isso, a identificação dos sujeitos participantes será feita apenas por localização geográfica (em razão da comparação por regiões que orientou a primeira etapa do estudo), no intuito também de preservar o anonimato garantido na pesquisa. Nosso objetivo central de análise, como já dito, foi observar as leituras dos ativistas a respeito das configurações do que se entende por jornalismo e sua relação com o engajamento na causa climática.
6.1. O que os Ativistas Esperam do Jornalismo
Muitos participantes enfatizaram que, para instigar o engajamento, os jornalistas precisam também de estar engajados, se distanciando de uma possível isenção que é, por vezes, a orientação de um jornalismo que procura se ater a uma suposta objetividade narrativa: “o próprio jornalista não ter aquele ar de ‘olha, eu tenho que ser isento’, e tudo mais” (ativista do Centro-Oeste, grupo focal, 22 de julho de 2022). O ativista do Centro-Oeste explicita ainda um desejo de que os jornalistas sejam mais engajados: “eu acho que é trazer e tornar o jornalismo muito mais engajado, por parte dos próprios jornalistas, para a gente poder ter uma mudança para promover a ação da população” (ativista do Centro-Oeste, grupo focal, 22 de julho de 2022).
As falas dos participantes da pesquisa sugerem que os jornalistas deveriam expressar mais emoção e até fazer chamados explícitos aos seus públicos em prol do enfrentamento climático. Tal prática remete ao advocacy journalism (Laws & Chojnicka, 2020), que compreende um jornalismo posicionado em defesa de interesses coletivos:
para o que você tá fazendo agora, escuta isso, a gente precisa fazer alguma coisa juntos e juntas. É urgente. É pra já e você tem que fazer algo no seu dia a dia né. ( ... ). Cada pessoa que está falando, você tá escutando a pessoa, tá falando com a pessoa diretamente, como se estivesse olhando no olho, se referindo a cada indivíduo, não tanto como um contexto geral informativo, de que o mundo está passando por isso, não, mas que você tem essa responsabilidade. (Ativista do Sul, grupo focal, 25 de junho de 2022) eu acho que as coisas sempre se somam. Uma coisa que eu fiquei pensando aqui é que o jornalismo podia funcionar de uma forma de conscientizar as pessoas, no sentido de que elas podem ajudar a pressionar os tomadores de decisão, diante dessas questões, sabe? (Ativista do Centro-Oeste, grupo focal, 02 de julho de 2022)
Há também uma expectativa por parte dos ativistas de um jornalismo que seja didático, que exponha contextos dos fatos narrados com análises sociopolíticas, encarando os problemas ambientais e os eventos climáticos extremos no âmbito global da crise climática e não como eventos pontuais. Essa exigência corresponde à junção das funções informativa, política e pedagógica que caracteriza a perspectiva do jornalismo ambiental (Bueno, 2007). Também demonstra a percepção dos ativistas sobre a urgência do tema mudanças climáticas, em sintonia com Loose e Carvalho (2017), que ressaltam o jornalismo como instância central para os cidadãos tomarem consciência sobre os desafios globais:
pelo menos no jornalismo ambiental mais especializado dá para a gente conseguir fazer essa conexão entre os fatos né, não algo tão pontual como é feito no jornalismo ali de redação, sabe, dá para fazer uma conexão entre o fato e de onde está vindo aquilo ali né, no caso, aplicado às mudanças climáticas, você vê que não é um fato pontual, tem um porquê que tem toda uma conexão a nível global e eu acredito que o jornalismo, principalmente o jornalismo ambiental científico tudo mais, dá para fazer e jornalismo ambiental científico tudo mais dá para fazer essa conexão ( ... ) causa e o efeito também. (Ativista do Centro-Oeste, grupo focal, 22 de julho de 2022)
mostrar quem que é o agente das coisas. Então: agente do desmatamento, agente do aquecimento. E não só usar esses nomes como se eles se bastassem por si mesmos, como se fossem entidades que agem no mundo. O desmatamento não é uma entidade que age no mundo, ele é produzido por algo, por alguém, por algum agente. (Ativista do Centro-Oeste, grupo focal, 22 de julho de 2022)
Por outro lado, muitos ativistas sinalizaram que já há jornalismos (especializados, ativistas, comunitários) que realizam um trabalho mais alinhado com a promoção da causa climática, e que os veículos mainstream deveriam observar suas práticas. De uma forma geral, há uma forte adesão dos participantes de que as práticas hegemônicas precisam se aproximar das não-hegemônicas a fim de alcançar objetivos associados ao engajamento. Pressupostos do jornalismo ambiental (Bueno, 2007) são vistos como necessários para todos os jornalismos de modo a frear a crise que está em curso.
6.2. Jornalismo de Comunicação: Novos Formatos e Linguagens
Os ativistas que integraram a pesquisa manifestaram um desejo por um jornalismo mais próximo ao modelo dos influencers digitais, ou seja, em diálogo com esses atores e/ou aproveitando algumas práticas, lembrando o exemplo do jornalista André Trigueiro que, além de ser referência no jornalismo ambiental em um grupo tradicional de mídia, fala em caráter bem próximo e pessoal em suas redes sociais. Também a comunicação feita pelo médico Drauzio Varella foi trazida como exemplo:
quando o Drauzio Varella vai falar alguma coisa, eu penso: ‘é sério isso aqui’. Eu, pelo menos. Eu sinto falta de autoridade. ( ... ). Eu sinto falta de uma pessoa que seja daqui e que nos oriente, que a gente confie. Porque assim, quando fica muito impessoal... tem dados, tem imagens, tem muitas coisas, mas não tem alguém, uma figura aqui, uma pessoa que esteja ali falando e, talvez, que tem uma trajetória que a gente vai acompanhando. (Ativista do Sudeste, grupo focal, 18 de junho de 2022)
Os ativistas relataram buscar informações para além do jornalismo, mencionando, por exemplo, o trabalho de artistas ou de formadores de opinião com presença nas redes sociais - e apontando as possibilidades de cruzamento dessas linguagens com o jornalismo. Isso está associado à observação de Temer (2015) sobre o aumento das possibilidades de compartilhamento de conteúdos a partir da popularização da tecnologia.
Tem um perfil chamado Árvore Ser Tecnológico. É um cartunista, um ilustrador que faz uns desenhos incríveis assim e ele traduz as coisas numa linguagem muito bacana, que é essa linguagem do desenho. ( ... ) então, acho que pensar nisso é sempre importante na hora de desmistificar o linguajar científico e traduzir isso para outras coisas, porque, muitas vezes, é complexo. (Ativista do Sul, grupo focal, 25 de junho de 2022)
Ontem teve a veiculação no Instagram de uma fala indígena ( ... ) acho que até pela Célia Xakriabá, uma ativista né, falando assim “Vocês têm que começar a olhar pra Amazônia a partir de quem está dentro da Amazônia, das pessoas que preservam a floresta, porque não é ficar olhando para a Amazônia através de satélites”. (Ativista do Sudeste, grupo focal, 18 de junho de 2022)
Tais falas remetem a um contexto midiático mais hibridizado, mas também ao entendimento de que a cobertura tradicional faz escolhas que podem distanciar os públicos, ou mesmo desumanizar problemáticas ambientais. A ampliação de espaço para lideranças locais, que há anos vivenciam a problemática, é um ponto recorrente nas diversas regiões. Em consonância, os ativistas citam a importância das mídias e dos comunicadores comunitários como forma de dar voz aos atores locais. Recorda-se que Peruzzo (2006) assinala a importância da produção de conteúdos pela e para a comunidade como forma de visibilizar problemas e soluções não pautadas por veículos tradicionais.
Não é só a gente direcionar olhando de cima, mas, às vezes, que o comunicador surja desse público, que a gente quer falar. ( ... ) cativar outras pessoas para se entenderem como comunicadores das suas comunidades, para poder adaptar aquela notícia na linguagem, no formato, que melhor é atendida para a comunidade que faz parte, acho isso muito bacana, uma rede. (Ativista do Sudeste, grupo focal, 29 de junho de 2022)
Eu acompanho muito as mídias comunitárias de São Paulo e eles têm feito um trabalho muito incrível, porque eles têm trazido essas discussões que ficavam muito restritas a um público diferente. Tem trazido essas discussões de uma forma mais simples, mais acessível. Se você abrir esses veículos, eles estão discutindo racismo ambiental, estão discutindo ilhas de calor, estão discutindo o que é justiça climática, de uma forma acessível. (Ativista do Sudeste, grupo focal, 18 de junho de 2022)
Logo, além de sinalizarem que podem ser fontes do jornalismo, por se dedicarem ao tema, destacam sua agência nos processos de uma comunicação mais inclusiva, de baixo para cima, que busca o engajamento pela causa climática. Essa modalidade de jornalismo costuma ter um repertório e uma forma de dizer mais próxima aos seus públicos, gerando identificação e uma possibilidade de despertar mais interesse, embora nem sempre seja possível verificar marcas dos processos de apuração, próprios do jornalismo, que se revelam no apagamento de fronteiras citado por Jorge Filho (2021).
Ainda sobre formatos, a apresentação dos conteúdos é citada, existindo um apelo para a representação mais didática de dados, o que se relaciona com a formação de profissionais que sejam capazes de lidar com a tradução dos dados científicos de forma atrativa. Segundo uma ativista do Nordeste, a cobertura jornalística deve incorporar esses elementos e trazer “menos gráficos, mais imagens, trazer isso ao campo da arte. Tornar isso visual, tornar isso também mais compreensível. ( ... ) facilitar a linguagem trabalhada na matéria audiovisual. Trazer mais ilustrações narradas” (grupo focal, 13 de junho de 2022).
Além de citarem a consulta de informações que consideram confiáveis a partir de canais e linguagens não necessariamente jornalísticos, os ativistas vão além e indicam a necessidade de um ecossistema que facilite a circulação de informações para além de veículos hegemônicos. Por outro lado, isso traz desafios como garantir a aplicação dos procedimentos éticos adequados na produção e veiculação dos conteúdos. Este é um ponto no qual emerge a reflexão de Canclini (2011/1997) acerca das tensões da hibridização de práticas comunicacionais que tem diretrizes éticas e objetivos diferentes, como o jornalismo e a publicidade, e que, por isso, podem se descaracterizar quando hibridizados na produção de conteúdo para redes sociais, por exemplo.
6.3. Dificuldades em Acessar e Reconhecer os Jornalismos
Os ativistas mencionaram que, em razão da extensão do país e das diversidades regionais, as realidades de cada lugar merecem ser observadas de forma específica. Em alguns grupos focais foi mencionado que os produtos jornalísticos regionais, que poderiam fazer a conexão entre a crise climática e os acontecimentos locais, não possuem investimentos e/ou disposição para debater questões ambientais, fortemente atravessadas por interesses econômicos.
No Tocantins existe uma falta de acesso e análise de dados, além do baixo interesse em cobrir determinados temas. A falta de investimento no jornalismo regional faz com que ele seja alimentado principalmente por press releases, assim, muitas vezes, a reportagem e a investigação é deixada de lado e a narrativa dominante é advinda das assessorias de comunicação. (Ativista do Norte, grupo focal, 20 de julho de 2022)
Esse contexto faz com que as informações climáticas que são divulgadas sejam produzidas desde o eixo São Paulo-Brasília e não necessariamente considerando as dimensões locais. O afastamento do assunto com o dia a dia das pessoas afeta em seu interesse e também na compreensão de como um fenômeno global atua na esfera local (Loose, 2020).
Para além da ausência de jornalismos que possam contribuir com a causa climática, foi citado o consumo de fake news, nas palavras dos ativistas. A contínua circulação de informações que aparentam ser notícias, mas não são construídas a partir dos critérios epistemológicos e deontológicos do subcampo representa um dos grandes desafios neste período de intensa hibridização. Embora os recursos tecnológicos sejam importantes para a aproximação com o público, como ressalta uma ativista do Norte (grupo focal, 20 de julho de 2022), a convergência de gêneros de comunicação pode confundir os indivíduos, sobretudo com a proliferação dos grupos de mensagens e das redes sociais. Essas mensagens que não seguem os preceitos jornalísticos e têm como objetivo a persuasão trazem prejuízos à compreensão da realidade, como alerta Jorge Filho (2021).
Para além da TV, para além do celular, tem alguns territórios que não tem sinal de celular, que algumas pessoas nem tem celular, então a gente disponibiliza na rádio, a gente disponibiliza no WhatsApp, e também, nas plataformas online. (Ativista do Norte, grupo focal, 20 de julho de 2022)
Essa dificuldade de acesso à informação que faz com que muitas pessoas não consigam ter acesso a esse conteúdo jornalístico que é transmitido por diversos canais que a gente tem acesso ( ... ) muitas delas estão se informando através do WhatsApp, de notícias através ali das fake news que estão sendo difundidas, e a gente percebe que muitas delas acreditam, divulgam e pensam que é aquilo é realmente a verdade. ( ... ) o comprometimento do jornalismo é justamente pensar como é que a gente pode levar essa informação para essas pessoas que não têm acesso ao tipo de informação de qualidade que a gente tem aqui. (Ativista do Nordeste, grupo focal, 13 de junho de 2022)
Nesse cenário abundante de informações, o branded content, que assume as características formais do jornalismo representa mais uma barreira, afinal carrega interesses que, na maioria das vezes, confronta a defesa do meio ambiente ou apenas apresenta um discurso paliativo em relação às crises acarretadas pela superexploração.
As falas dos ativistas evidenciam, portanto, a necessidade de entender a inserção do jornalismo nas práticas de consumo midiático emergentes. É preciso observar como realizar esse movimento sem que o jornalismo se desfaça de seus procedimentos característicos e de forma que assume um papel educativo para promover o engajamento da sociedade diante de questões urgentes, como a sobrevivência humana em um planeta cada vez mais hostil à espécie que o degrada.
7. Considerações Finais
Os achados da pesquisa revelam que os jovens ativistas brasileiros reivindicam mudanças do jornalismo mainstream, especialmente quando pensam na finalidade de engajar públicos para uma atuação mais assertiva diante da crise climática. Eles acreditam que caberia ao jornalismo utilizar recursos de influencers e aproximar a sua agenda midiática àquela dos comunicadores populares, indígenas, mulheres negras e outros atores das regiões, enfatizando maior espaço para a comunicação popular e um posicionamento menos distante e objetivo por parte dos profissionais.
Isso evidencia que os participantes dos grupos focais, das cinco regiões do país, possuem um entendimento amplo do que é comunicação jornalística, mencionando aspectos dos jornalismos tradicional e alternativo, em simultâneo com outras produções derivadas de organizações ambientais, não necessariamente produzidas sob a lógica do jornalismo, o que pode ser associado ao “jornalismo de comunicação” (Charron & Bonville, 2016) e ao conceito de hibridização (Canclini, 2011/1997). Mais do que indicar a sobreposição de modalidades de jornalismo, os ativistas trouxeram elementos de outros gêneros comunicacionais como caminhos para aproximar a população do debate climático e alavancar o engajamento, ainda que reconheçam os limites dessa intensa hibridização, como a disseminação da desinformação.
Apesar de perceberem a relevância do jornalismo massivo, pelo seu alcance, entendem que há interesses que invisibilizam os beneficiários da destruição da natureza e que há enquadramentos midiáticos que dificultam mais a compreensão do problema. Além de informação, os receptores clamam por um jornalismo com posicionamento político, conforme indicado por Carvalho et al. (2016), e que se dedique à educação, com chamada à ação cidadã (Bueno, 2007; Torres & Gadotti, 2018). A desnaturalização de sentidos predatórios normalizados pelo mercado também é reivindicada, algo próximo ao que Moser (2010) relata como maneira do jornalismo fortalecer a agenda climática. Nesse sentido, eles já têm migrado ou complementado seu consumo de informações para outras fontes, tendo como destaque as informações produzidas por ONGs, movimentos sociais e influencers digitais que tratam de clima e do que acontece em territórios específicos.
O formato e a linguagem do jornalismo informativo receberam críticas quanto à necessidade de ser menos formal, de evitar termos técnicos e/ou científicos, sendo colocadas como possibilidades o uso de artes e a aproximação com o cotidiano das pessoas.
É interessante notar, no entanto, que os ativistas não mencionam uma limitação para a prática do jornalista, projetando diversas demandas nesse profissional - que, como descreve Lima (2018), vem acumulando novas atribuições em suas relações de trabalho com o advento das tecnologias de informação.
Pensando a recepção a partir de autores dos estudos culturais, observamos que os ativistas têm competências de leitura sobre os interesses envolvidos na atividade de produção midiática (Martín-Barbero, 2003/1987) e, assim, se mantêm críticos numa negociação de sentidos (Hall, 2003/1973), mesmo que transitando por múltiplos meios e num alto fluxo de informações. De certa forma, eles percebem as forças da hibridização realizada no polo da produção midiática, feita geralmente no âmbito da institucionalidade, com fins mercadológicos ou de persuasão, e compreendem que a hibridização das fronteiras do jornalismo pode também ser usada de forma tática na socialidade cotidiana (Martín-Barbero, 2003/1987), através de práticas como a comunicação comunitária (Peruzzo, 2006). Os participantes assinalam, ainda, saber que nem todos os públicos têm a mesma capacidade crítica, entendendo que muitas pessoas se orientam por conteúdos falsos de aplicativos de mensagens em detrimento de notícias mainstream que não têm tanto apelo público. Por isso, se preocupam com a necessidade de engajar de forma simples e em diversos formatos que possam circular pelo jornalismo mainstream, mas também em redes sociais e meios alternativos.
As análises sobre como 60 ativistas interpretam as relações entre jornalismo e engajamento climático consistem em uma das principais contribuições desta pesquisa. Tais resultados poderão orientar estratégias mais assertivas em prol do engajamento e enfrentamento do problema. O recorte a partir da hibridização evidencia a necessidade de considerar a diversidade de formatos comunicacionais na renovação das formas de se pensar e fazer o jornalismo, com o desafio de manter suas características e valores distintivos, fortemente atrelados a um modelo tradicional.
Este estudo é um dos primeiros com foco na recepção da comunicação climática, com alcance nacional, embora centrado em um público entendido como qualificado. No entanto, por sua natureza qualitativa, sublinhamos que não pode ter seus resultados generalizados. O Brasil é um país de extensão continental e muito diverso, inclusive em termos de acesso à informação e dos tipos de jornalismo consumidos localmente.
Além disso, em razão do restrito tempo que se teve para realização da etapa de recolha de dados (dois meses), as estratégias para alcançar o perfil desejado incluíram indicações, aplicando a técnica conhecida como “bola de neve”, o que pode criar uma certa homogeneidade dentro do público-alvo do estudo. Isso pode ser evidenciado pela predominância de ativistas com ensino superior e com pós-graduação, explicada pela divulgação da pesquisa feita nas redes do Instituto Modefica e dos próprios pesquisadores. A baixa participação de indígenas, apesar dos esforços para buscar sua presença nos grupos focais, por exemplo, reflete as limitações desta etapa.
Outra restrição deste trabalho é a falta de perguntas direcionadas à hibridização. O roteiro semiestruturado da pesquisa não previa a discussão deste tema, que chamou a atenção dos pesquisadores após a coleta dos dados. Os vídeos apresentados, no formato tradicional, fomentaram a crítica e a proposição de outras possibilidades. Pesquisas que avancem nesse sentido, com foco no engajamento climático, representam uma lacuna a ser preenchida no contexto brasileiro.
Ainda como indicação de outros estudos, ressalta-se a necessidade de incluir a perspectiva de outros públicos, assim como de outras faixas etárias e condições socioeconômicas específicas. Além disso, diante da ausência de estudos, incentiva-se a reaplicação deste estudo em um momento futuro, a fim de comparar a recepção do tema de forma longitudinal.