‘A época mudou’. Ou seja, dotar essa constatação do poder de nos fazer pensar, sentir, imaginar, agir.
- Isabelle Stengers, No Tempo das Catástrofes, 2015
1. Introdução
Este artigo apresenta uma reflexão sobre o que chamamos de antropoceno e suas implicações políticas e epistemológicas. A ideia central é encarar o antropoceno como um acontecimento ético-político inédito, no qual a ação humana torna-se uma força geológica com o poder de reconfigurar o planeta. Este fenômeno se manifesta através das mudanças climáticas e do colapso ecológico, gerando a necessidade de um fazer político próprio.
Nesse sentido, tomarmos o antropoceno como um acontecimento implica admitir que as repercussões de alguns fatos contemporâneos como os eventos climáticos extremos, que já se fazem sentir por nós e por todos os outros seres com quem compartilhamos a terra, se não são inéditas na história do planeta, certamente são do ponto de vista da civilização. À medida que a gravidade da crise atual se torna cada vez mais evidente, a visão de um planeta estável é gradativamente substituída pela perspectiva de um futuro sem a presença humana. Assim, torna-se cada vez mais comum testemunharmos imagens apocalípticas, como as chamas que consumiram Atenas em agosto de 2021, ou o devastador incêndio florestal de Pedrógão Grande, em 2017, considerado o maior da história de Portugal, resultando na perda de mais de 60 vidas e deixando muitas outras feridas.
Acreditamos que estamos diante de uma nova zona de conflitualidade. De um lado, aqueles que negam ou obstruem qualquer política de enfrentamento às mudanças climáticas e, do outro, os que lutam para manter o planeta vivível. Nesse cenário, o ativismo climático, marcado por uma urgência crescente diante dos desafios globais, destaca-se impulsionado particularmente pelas vozes e ações vigorosas das juventudes. Ativistas climáticos jovens ao redor do mundo desempenham um papel significativo ao confrontar a inércia do sistema internacional e exigir medidas concretas para combater a emergência climática. Movimentos como o Fridays for Future, liderado por Greta Thunberg, e o Extinction Rebellion destacam-se por adotar abordagens interessantes e mobilizar uma geração que busca ativamente moldar seu próprio futuro. Além disso, servem de fonte de inspiração para diversos outros movimentos climáticos, como o End Fossil Occupy, a Greve Climática Estudantil e o Climáximo em Portugal.
Neste artigo, nossa análise examina de maneira concisa como as juventudes portuguesas estão respondendo à crise climática, explorando suas abordagens para compreender o problema, implementar ações e lidar com o governo. A hipótese que propomos é que esse movimento é parte fundamental do que denominamos de fazer político do antropoceno. Além disso, destacamos a relevância da metáfora da guerra, utilizada para conferir urgência à situação, estabelecendo uma dualidade entre “nós” (sociedade) e “eles” (estados, empresas), em uma narrativa similar à concepção de Bruno Latour (2002/ 2020a/ 2020b) sobre a guerra de mundos. O texto está dividido em quatro partes, além da introdução e considerações finais. Inicialmente, analisamos o conceito de antropoceno e a perspectiva de Latour sobre essa realidade, comumente referida como uma guerra de mundos; depois, abordamos sucintamente o ativismo climático nas últimas décadas; em seguida, apresentamos a metodologia de pesquisa; por fim, compartilhamos a experiência de campo e o diálogo estabelecido com os movimentos juvenis relacionados ao clima, nomeadamente o End Fossil Occupy, a Greve Climática e o Climáximo, em Lisboa.
2. O Antropoceno e a Guerra de Mundos
Nesta pesquisa, partimos de uma análise crítica do antropoceno, explicando, de seguida, os motivos dessa escolha e enquadrando teóricamente o conceito. A proposição do antropoceno surge, nos anos 2000, a partir da argumentação do químico Paul Crutzen e do biólogo Eugene Stoermer, de que vivemos uma nova época geológica, na qual a humanidade desempenha “uma força geológica substancial [atuante] por muitos milhares, talvez milhões de anos” (Crutzen & Stoermer, 2000, p. 18). Ou seja, o ser humano adquire um status de força da natureza. Desde então, diversos debates se seguiram sobre a periodização adequada dessa época e sobre quem seria esse anthropos responsável por tantas transformações.
Os fundamentos que respaldam a transição para uma nova era são abundantes e manifestos, com a própria comunidade científica explorando diversas terminologias. Desde 2009, pesquisadores identificaram os “limites planetários”, delineando processos biofísicos cuja ultrapassagem poderia desencadear mudanças não lineares, por vezes abruptas, e sensíveis nos sistemas ambientais (Rockström et al., 2009). A mudança climática, perda de biodiversidade, interferência nos ciclos de nitrogênio e fósforo, destruição do ozônio estratosférico, acidificação do oceano, uso global de água doce, alteração no uso da terra e poluição química são fatores críticos que delineiam a fronteira entre uma vida habitável e um cenário catastrófico para a humanidade.
Contudo, recentemente, após quase 15 anos de debate, a International Union of Geological Sciences (União Internacional das Ciências Geológicas) votou contra a adição do antropoceno à linha do tempo oficial da história da Terra. Um dos impeditivos para a sua aceitação, segundo os geólogos, é a dificuldade de estabelecer uma data oficial de início, uma vez que ainda precisam descobrir como e onde defini-lo.
A escolha da data de início não é uma mera formalidade científica, ela está intrinsecamente ligada a implicações políticas e morais profundas. Em outras palavras, “quanto mais antiga a data, menos as formas atuais de capitalismo estão envolvidas e mais responsabilidades são diluídas” (Latour, 2015/2020a, p. 183). Portanto, a definição do início do antropoceno pode reconfigurar as dinâmicas geopolíticas, acentuando as vastas desigualdades ou possibilitando uma nova configuração na qual grupos mais vulneráveis podem desenvolver novas estratégias de luta. No entanto, independentemente da decisão do Anthropocene Working Group, como destacado por Lorimer (2017), “o gênio saiu da garrafa” (p. 7). O conceito de antropoceno já se dissemina nas esferas acadêmicas, políticas, midiáticas e artísticas, conferindo significado para uma parcela expressiva da sociedade.
Desde então, diversos debates se seguiram também sobre quem seria esse anthropos responsável por tantas transformações, sobretudo porque a emergência climática não foi criada, nem é mantida, pela humanidade em geral. Essa constatação faz com que diversas/os intelectuais (por exemplo: Latour, 2015/2020a; Malm & Hornborg, 2014; Tsing et al., 2019) questionem o uso do anthropos na narrativa do antropoceno e constatem sua fragilidade analítica, bem como seu caráter desmobilizador para a ação coletiva. Houve, portanto, um esforço acadêmico-político para demonstrar esse abismo entre os humanos e os não humanos, o que desencadeou muitas outras formulações sobre como nomear esse novo tempo, pós-Holoceno. De acordo com Franciszek Chwałczyk (2020), existem, pelo menos, entre 80 a 90 nomenclaturas alternativas propostas para o termo. Em um campo político-semântico em disputa, surge o capitaloceno (Moore, 2016/2022), necroceno (McBrien, 2016/2022), plantationoceno (Haraway, 2016), entre outros.
O cerne do questionamento consiste no excessivo destaque ao impacto da humanidade sobre a Terra, arraigado por uma suposta unidade do anthropos como uma comunidade subjetiva e material (Yusoff, 2018). Entretanto, essa humanidade indivisível e indissociável é uma forma de ofuscar as dinâmicas do capitalismo racial (Robinson, 2018), do colonialismo climático (Sultana, 2022), do apartheid climático (Tuana, 2019) e das muitas desigualdades sociais provocadas pelos combustíveis fósseis. Ao nosso ver, essa percepção do “humano” inseparável também é uma forma de encobrir o papel das lutas nesse grande campo de disputas - epistemológicas e políticas - que é o antropoceno. Todas essas histórias diferenciadas de responsabilidades podem ser apagadas por meio da homogeneização em um ‘nós’. Certamente um dos maiores desafios do antropoceno é a sua abstração. Talvez seja por isso, inclusive, que os ativismos e os movimentos não costumam utilizá-lo.
Por isso, estamos implicadas em um engajamento crítico com o antropoceno porque enxergamos alguns caminhos possíveis que ele pode suscitar. Por um lado, o termo permite uma conversa interdisciplinar entre cientistas naturais, das humanidades e outros. E, por outro lado, porque o conceito remete a uma suposta universalidade de “Homem” homogêneo, que foi criado com um homem branco, cristão e heterossexual como base para o universal. Com Haraway (2016) e Tsing et al. (2019) aprendemos que prestar atenção a esse legado pode nos ajudar a descobrir o que está acontecendo no planeta, especialmente nas características desiguais das questões climáticas e ambientais. Mas também porque existem outras humanidades - e suas alianças não humanas - que estão implicadas em manter um planeta habitável para todos nós.
É neste contexto que Bruno Latour, entre muitos outros autores, começa a elaborar sobre quais seriam as implicações políticas e sociológicas de se viver no antropoceno. Latour identifica esse momento como o novo regime climático. Aqui, os seres humanos emergem como agentes geológicos, e a natureza, antes considerada mero cenário, agora assume o papel de co-protagonista na narrativa. Sob esse regime, a natureza não pode mais ser simplesmente explorada ou protegida, demandando o reconhecimento de uma gama mais ampla de agentes e formas de vida do que a tradicional dicotomia entre natureza e cultura permitia.
No livro War of the Worlds: What About Peace? (Guerra dos Mundos: E a Paz?), publicado em 2002, Latour discute como a percepção da unidade da natureza conduziu os modernos à guerra dos mundos. Para estes, o embate não poderia ser visto como um confronto entre mundos, pois defendiam a existência de um único mundo. Diante daqueles que não compartilhavam dessa visão, adotavam-se duas posturas: tentar persuadi-los, através da colonização, ou considerá-los como outros, cujas crenças não representavam ameaça à ordem vigente.
Contudo, a emergência climática soa o alerta de que não é mais viável seguir com as políticas de desenvolvimento vigentes. Apesar disso, o crescimento econômico a todo custo e a acumulação de recursos persistem como pilares do progresso e do bem-estar da sociedade. A gravidade da situação confere à disputa entre mundos uma nova intensidade. Nesse contexto, o antropoceno pode ser interpretado como um cenário de conflito generalizado onde presenciaremos numerosas batalhas pela configuração do espaço e do clima (Costa, 2017).
Ao não mais estarem submetidos à unidade provida pela natureza, os dois lados da disputa podem declarar quem são, pelo que lutam e como é o mundo que desejam construir, sendo finalmente capazes de diferenciar aliados de inimigos. Somente após o reconhecimento desta guerra entre mundos - isto é, quando as disputas políticas finalmente não se submetem mais à função pacificadora da natureza - é que um verdadeiro acordo de paz duradouro pode ser buscado (Latour, 2002).
Portanto, o novo regime climático nos desafia politicamente a abandonar a ideia do ser humano como o epicentro da natureza e a aprender a coexistir com seres que, até recentemente, considerávamos apenas como recursos. Conforme Latour destaca, de um lado, os humanos, herdeiros da modernidade, que percebem os seres “naturais” como destituídos de agência; do outro lado, os terrestres, aqueles que reconhecem os não-humanos como agentes políticos que participam ativamente na construção do mundo. Ambos os lados não compartilham o mesmo território e definem de forma distinta o pertencimento à Terra.
Além disso, o filósofo francês (Latour, 2017/2020b) aponta que a percepção das consequências futuras das mudanças climáticas, já na segunda metade do século XX, revelava que não há planeta o suficiente para abrigar a modernização. As elites rapidamente perceberam, embarcando, então, em sua missão obscurantista de negar e confundir as evidências crescentes do aquecimento global e seus efeitos no planeta. Esse seria o “eles” da atual guerra de mundos.
Essas elites obscurantistas, como ele chama, compreenderam muito bem que as promessas da modernidade não vão ser cumpridas, que estamos a caminhar a passos largos para um ponto de não retorno na catástrofe ambiental e que as utopias modernas só vão ser realizadas em poucos lugares para poucas pessoas, em detrimento de todas as demais. Essa compreensão as fez partir para a consolidação de sua soberania sobre os recursos necessários à manutenção do seu modo de vida. Ou seja, optaram por dobrar a aposta e seguir investindo nos seus projetos políticos e econômicos, transferindo os custos sobretudo para as populações humanas e não-humanas mais vulneráveis.
Nesse contexto, a inércia política diante do aquecimento global não se trata de uma falta de consciência dos empresários, dos governantes e de grande parte da população. Supor isso significaria acreditar que existe uma humanidade que poderia finalmente entrar em acordo quando se desse conta de que a natureza está em perigo. Ao contrário, o que o negacionismo climático e o lobby das indústrias extrativistas deixam muito nítido é que estamos diante de um projeto de incutir a dúvida quanto à existência das mudanças climáticas, o que acaba inibindo a mobilização social e obstruindo a implantação de políticas para evitar que o problema se agrave.
Assim, configura-se como uma autêntica guerra de mundos, ou mais precisamente, um conflito entre aqueles que procuram descobrir o mundo - e lutar por ele - e os que pretendem se abrigar fora dele. Este último grupo, contudo, transfere o ônus do “retorno da Terra” para todos os demais, impondo às demais partes a responsabilidade pelos custos e desafios associados.
Nesse contexto, de acordo com Latour (2015/2020a), o atual limite planetário implica uma transformação fundamental em nossa abordagem do “agir político”, estabelecendo uma nova arena política geossocial na qual se busca unir as lutas sociais e ambientais. Paralelamente às elites obscurantistas, os ativistas climáticos também perceberam prontamente essa nova zona de conflito. Não por acaso, eles adotam a narrativa da guerra como estratégia de mobilização e como meio de interpretar o momento presente.
No campo, percebemos como os ativistas atuam e pensam de maneira semelhante às provocativas afirmações de Latour: “não estamos apenas enfrentando uma emergência global, estamos em guerra [ênfase adicionada]. Anualmente, governos, empresas e instituições criadas para manter a aparência de paz matam milhares de pessoas em todo o mundo, em busca de lucro” (Climáximo, 2023). O “eles” (governos, empresas, instituições) declararam guerra contra “nós” (pessoas comuns e seres não humanos).
Assim, ao reconhecermos a natureza bélica da situação atual, onde as forças em conflito incluem não apenas atores humanos, mas também os elementos da própria Terra, é imperativo direcionarmos nosso olhar para as frentes de batalha contemporâneas. Neste contexto, emergem novas formas de ativismos climáticos que não apenas respondem às ameaças iminentes, mas também buscam redefinir as bases da coexistência humana com o ambiente.
3. Ativismos Climáticos e o Fazer Político no Antropoceno
As alterações climáticas emergiram como uma questão global na década de 1970, quando o sistema internacional deu início a conferências e acordos sobre o tema. A colaboração internacional teve início com a Conferência de Estocolmo sobre o Homem e o Meio Ambiente, em 1972, alcançando seu ápice duas décadas depois na Conferência da Terra (também denominada ECO-92) no Rio de Janeiro, em 1992. Durante esse período, surgiram instituições internacionais e novas plataformas de intervenção político-ecológica, incluindo partidos verdes e diversas organizações da sociedade civil com orientações ideológicas diversificadas (Svampa, 2020). Esse contexto foi marcado pela consolidação do consenso sobre a ação humana na natureza, validado pela comunidade científica (Milani, 2008).
Os anos da década de 1980 testemunharam um aumento dos movimentos ambientais em escala global. Nos Estados Unidos, as demandas por justiça ambiental, especialmente relacionadas às comunidades afro-americanas afetadas por atividades industriais, surgiram como resposta ao debate ambiental de maio de 1968. Benjamin Chavis cunhou o termo “racismo ambiental” para essa análise político-teórica (Chavis citado em Bullard, 2019). Na América Latina, emergiu a noção de “ecologismo dos pobres” (Martínez-Alier, 2007), buscando conectar lutas ambientais em várias escalas (local, nacional e global) com desigualdade social e reprodução do capital (Milani, 2008; Svampa, 2020).
Svampa (2020) relata que o conceito de “justiça climática” surgiu em 1999 nos EUA, pelo grupo Corporate Watch, para abordar as causas do aquecimento global, exigindo responsabilidade das empresas, especialmente as petrolíferas, e comprometimento com a transição energética. Nesse mesmo período, movimentos diversos, como indígenas, seringueiros, ecologistas, partidos verdes, Movimento dos Atingidos por Barragens e o Fórum Social Mundial, organizaram-se de forma heterogênea contra o aquecimento global, a globalização neoliberal e os impactos do capitalismo na América Latina (Milani, 2008).
Em 2012, duas décadas após a Conferência da Terra de 1992, o Rio de Janeiro foi palco da Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+20, que visava atualizar a governança global ambiental. Simultaneamente, ocorreu a Cúpula dos Povos, um evento organizado por uma ampla coalizão de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e ativistas. Durante esse evento paralelo, foram abordadas diversas temáticas, incluindo justiça social, direitos ambientais, equidade de gênero e críticas ao modelo econômico predominante.
Na última década, a questão climática ganhou ainda mais destaque com o aumento da frequência de fenômenos climáticos extremos, o surgimento das redes sociais como espaços de debates públicos e a crescente força do fenômeno do negacionismo climático, que, em 2016, através da figura de Donald Trump como presidente dos EUA, alcançou o poder em uma das maiores potências mundiais. Esse evento tornou-se ainda mais frustrante quando Trump anunciou a retirada do Acordo de Paris. Esse documento, resultado da “21ª Conferência do Clima da ONU” - COP21 - em Paris, em 2015, foi um marco no enfrentamento às mudanças climáticas ao unir grandes potências, como os EUA, em ações concretas a serem implementadas a partir de 2020, visando manter o aquecimento abaixo de 2 ºC.
Svampa (2020) destaca a Marcha dos Povos, em 2014, em New York, como um novo momento dos movimentos ecológicos-ambientais-climáticos no mundo. Esses “novos” movimentos seriam os “filhos dos movimentos ecologistas da década de 1980” (p. 286). Naquela ocasião, surgiram máximas como “não existe planeta B”, “as florestas não estão à venda”, “não é possível deter as mudanças climáticas sem deter a máquina de guerra dos EUA”, entre outros (Svampa, 2020, p. 115). Já em 2018, surge para o mundo a figura de Greta Thunberg e o Fridays For Future, quando a jovem deixou de ir para a escola nas sextas-feiras para protestar em frente ao parlamento sueco. O “efeito Greta”, como chama Svampa (2020), se materializa em diversas “greves climáticas”, conhecidas como Greve Global pelo Clima, e emerge uma variedade de movimentos de caráter transnacional como o Extinction Rebellion, o Jóvenes por el Clima, entre outros, que demandam aos governos: decretem emergência climática!
4. Metodologia
Durante o mês de outubro de 2023, realizámos trabalho de campo com ativistas da Greve Climática Estudantil, Climáximo e End Fossil Occupy, em Portugal. O objetivo era compreender as estratégias de mobilização, os desafios enfrentados e as respostas do governo diante desses movimentos. Optámos pela abordagem de observação participante devido à sua capacidade de oferecer insights importantes sobre o ativismo climático em Portugal (Duarte, 2002). Em primeiro lugar, a escolha foi motivada pela proximidade entre o ativismo no Brasil e em Portugal, que pode ser explicada não apenas pelo compartilhamento da língua, mas também pelas relações históricas e sociais entre os dois países. Além disso, a relação orgânica entre as ocupações em Portugal e as “ocupas” ocorridas no Brasil, em 2015, reforçou essa afinidade (Medeiros et al., 2019). Em segundo lugar, a decisão foi respaldada pela intensidade do ativismo europeu, onde Lisboa se destaca pela frequência de intervenções. Ao longo do período de pesquisa de campo, quase diariamente, os movimentos conduziram ações de desobediência civil, promoveram encontros, realizaram palestras e participaram de atividades culturais em diversos pontos da cidade.
Ao longo do processo, a pesquisa enfrentou desafios decorrentes da desconfiança inicial dos ativistas devido à intensificação da perseguição governamental aos integrantes. Recentemente, o governo português tem endossado um discurso crítico aos ativistas climáticos. Essa discordância fica evidente quando o ministro da educação questiona o teor democrático das ocupações de escolas feitas em Lisboa e no Algarve, em maio de 2023 (CNN, 2023b). Neste período, a polícia de segurança pública chegou a deter quatro ativistas climáticos que ocupavam a Universidade de Lisboa, levantando questionamentos sobre a violência da ação policial (CNN, 2023a). Em maio de 2023, durante as ocupações de escolas e universidades em toda a Europa, no movimento #MayWeOccupy, a juventude portuguesa se destacou através de ações dos movimentos aqui estudados. Esses eventos foram marcados por uma significativa mobilização online e offline, refletindo a efervescência do ativismo juvenil em Portugal e ressaltando a relevância de investigar o ativismo climático em Lisboa. Além disso, buscamos fortalecer a relação entre os movimentos dos dois lados do Atlântico.
Apesar do curto período dedicado à observação participante, o material de campo reunido compreende experiências em atividades de formação para atos de desobediência civil, entrevistas em profundidade e conversas com membros ativos dos movimentos em espaços coletivos. As entrevistas individuais foram gravadas com o consentimento dos ativistas e as perguntas giraram em torno de objetivos políticos, visões, motivações e estratégias de organização dos movimentos. As outras experiências, acima mencionadas, foram diariamente registradas em um diário de campo. Para complementar a observação participante, analisamos declarações públicas, posts das redes sociais e do site, documentos e entrevistas publicadas em veículos de notícias.
Utilizamos a técnica de análise de conteúdo como uma ferramenta para lidar com os dados (Bardin, 1977). Desenvolvemos categorias/temas que capturam os principais aspectos da pesquisa de campo, como objetivos políticos, motivações dos ativistas, estratégias de organização, desafios enfrentados pelos movimentos, entre outros. Após a codificação dos dados, foi possível perceber padrões emergentes, tendências e relações entre os movimentos e os ativistas.
5. “Não Há Paz até o Último Inverno de Gás»: Os Ativismos Climáticos em Lisboa (Portugal)
O movimento climático de juventude, em Portugal, foi desencadeado pela figura influente de Greta Thunberg e catalisado pelas manifestações de 2019 que reuniram mais de 20.000 pessoas. Nossa hipótese é que eles desafiam o sistema em sua totalidade e transcendem sua manifestação nas ruas, sugerindo uma transformação mais profunda na estrutura social, política e econômica (Bringel, 2021). No caso desses ativismos, além da dimensão da guerra de mundos, que analisamos também na parte dois deste artigo, outras quatro nos parecem particularmente interessantes de se destacar: a) a relação entre demandas sociais e climáticas; b) uma ruptura com a imaginação fóssil (Vindel Gamonal, 2020, p. 3), c) um debate sobre responsabilidades pela atual crise; e d) as mudanças de estratégias ao longo desse período.
A Greve Climática Estudantil, Climáximo e End Fossil Occupy são movimentos distintos, mas interligados, que desempenham papéis significativos no ativismo climático em Portugal. Esses movimentos operam em conjunto, muitas vezes colaborando para amplificar suas mensagens e aumentar a conscientização pública sobre a questão climática. Ao unirem forças, buscam influenciar políticas, promover mudanças comportamentais e responsabilizar aqueles que contribuem para os problemas climáticos. O ativismo climático em Portugal, impulsionado por esses movimentos, reflete a crescente preocupação da juventude em relação ao meio ambiente e a busca por soluções concretas para as questões climáticas globais.
Movimentos | Descrição | Atividades principais | Objetivos |
Greve Climática Estudantil | Estudantes mobilizando jovens em escolas e universidades para protestar contra a falta de ações efetivas em relação às mudanças climáticas | Organização de greves estudantis, manifestações e eventos | Exigir ações concretas por parte do governo e da sociedade para combater as mudanças climáticas e promover práticas mais sustentáveis no sistema educacional |
Climáximo | Coletivo ativista que se concentra em questões relacionadas à justiça climática | Protestos, ações diretas e conscientização pública, incluindo a crítica às indústrias poluentes e o lobby contra políticas prejudiciais ao meio ambiente | Combater o uso de combustíveis fósseis, promover alternativas sustentáveis e pressionar por políticas que abordem as desigualdades ambientais |
End Fossil Occupy | Movimento que visa encerrar o financiamento de projetos relacionados aos combustíveis fósseis e promover a transição para fontes de energia mais limpas | Protestos, ocupações, conscientização sobre investimentos prejudiciais ao clima e advocacy contra instituições que apoiam financeiramente indústrias de combustíveis fósseis | Pressionar por desinvestimento em combustíveis fósseis, encorajar práticas de energia mais sustentáveis e responsabilizar instituições financeiras por seu impacto ambiental |
5.1. A Relação Entre Demandas Sociais e Climáticas
A divisão entre essas duas demandas ao longo do século XX contribuiu para consolidar, no campo político, uma dicotomia entre aqueles supostamente preocupados com a classe trabalhadora e o desenvolvimento das forças produtivas e, por outro lado, os ambientalistas, considerados pouco comprometidos com a vida dos mais pobres, mais voltados para questões da natureza que era pensada como externa ao mundo da vida.
Essa separação resultou em dois fracassos históricos significativos: o movimento ambientalista do século XX não conseguiu gerar uma adesão social significativa às suas pautas e formas de atuação, uma ação que estivesse à altura dos efeitos das mudanças climáticas; e as esquerdas, tanto do Norte, quanto do Sul geopolítico, não foram capazes de incorporar de maneira efetiva o problema da catástrofe ecológica em suas agendas políticas. Essa divisão entre questões ambientais e sociais colocou os movimentos ambientalistas e os movimentos socialistas em uma armadilha, onde tanto o catastrofismo (“já é tarde demais”) quanto a crença na tecnologia como solução para todos os problemas (“a tecnologia vai nos salvar”) se tornaram obstáculos para a ação coletiva efetiva (Latour & Schultz, 2022).
O pensador Bruno Latour (2015/2020a) argumenta sobre a separação entre ciência e política, onde a ciência é vista como uma certa autoridade que domina os fatos e evidências, enquanto a política é a esfera dos valores, opiniões, acordos coletivos e negociações. No entanto, como podemos notar, as evidências científicas por si só não são suficientes para interromper a inércia diante da emergência climática, sobretudo porque os interesses das grandes empresas extrativistas frequentemente entram em conflito com os interesses das pessoas e dos principais territórios afetados pelas mudanças climáticas. Assim, a percepção tradicionalmente separada entre ciência e política revela-se inadequada, exigindo um esforço de conectar essas duas dimensões sociais. Acreditamos que os movimentos Greve Climática Estudantil, Climáximo e End Fossil Occupy têm obtido certo sucesso nessa tarefa.
No caso do movimento Climáximo, por exemplo, em seu “Plano de Desarmamento”, que propõe ações que devem ser tomadas no presente para deter a expansão da indústria fóssil, observamos uma medida que se opõe aos despejos da população mais pobre e às deportações de imigrantes, destacando a importância da luta por moradia e contra o fortalecimento das fronteiras como uma questão central e em conjunto com a questão climática. Essa luta se torna ainda mais importante diante do recrudescimento da extrema direita em Portugal. Por isso, para os ativistas do Climáximo, “uma estratégia fundamental de enfrentamento da crise climática é garantir moradia e documentos para todas as pessoas” (Climáximo, 2023). Em uma conversa, uma participante do movimento observa que houve uma diminuição nas mobilizações sobre questões climáticas desde 2019, atribuindo isso ao aumento do custo de vida em Lisboa (Miranda, 2024). Essa diminuição é interpretada pelo movimento como uma resposta natural às prioridades imediatas impostas por desafios econômicos, o que reforça a necessidade de relacionar as questões socioeconômicas e ambientais como parte de um mesmo problema.
Os ativistas desses movimentos também participaram da elaboração do relatório Empregos pelo Clima, junto com várias outras entidades, cujo sentido é pensar a criação de empregos dignos que respeitem as normas ambientais e ajudem na redução das emissões de gases de efeito estufa1. Historicamente, os sindicatos lutaram para conquistar condições dignas de trabalho, salários, benefícios e direitos laborais. À medida que a consciência climática aumenta e a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas se torna mais urgente, os sindicatos têm ampliado suas agendas para incluir questões relacionadas ao emprego sustentável e ao desenvolvimento econômico verde.
Para nós, a aliança entre ativistas da juventude e sindicalistas é uma estratégia potente para conectar as lutas por justiça climática e a dos trabalhadores, e pensar políticas efetivas em conjunto diante das crises climática e socioeconômica de forma socialmente justa.
5.2. A Ruptura com o Imaginário Fóssil
Jaime Vindel Gamonal (2020) argumenta que existe uma estética fóssil que desempenha um papel fundamental na formação do imaginário social, sobretudo para compreender o desenvolvimento da modernidade industrial. Esse imaginário desempenhou um papel significativo tanto na naturalização do modo de produção capitalista quanto na promoção de concepções produtivistas que o acompanham. Ao mesmo tempo, esses processos contribuíram para a percepção que temos da natureza concebida como recursos disponíveis para o progresso humano. A inter-relação entre os imaginários de energia, o modo de produção capitalista e essa percepção da natureza revela a complexidade das relações entre sociedade, tecnologia e ambiente ao longo da história moderna.
Isso nos interessa porque a imaginação, as criações e as cosmovisões não devem ser consideradas meras entidades abstratas ou ideais, mas elementos fundamentais na conformação e organização das sociedades humanas. Essa estética fóssil é parte fundamental do problema que precisamos enfrentar hoje, no qual a utilização extrativista é naturalizada a ponto de grande parte do debate sobre transição energética no contexto das mudanças climáticas ser pensado a partir da utilização de energia fóssil como fundamental para sustentar o desenvolvimento de fontes de energia alternativas. Sendo assim, esses aspectos desempenham um papel ativo na construção da realidade social, influenciando a forma como as pessoas percebem e interagem com o mundo ao seu redor. Essa perspectiva enfatiza a importância de considerar não apenas os aspectos materiais e objetivos, mas também os aspectos subjetivos e simbólicos na análise das sociedades e culturas (Vindel Gamonal, 2020).
Acreditamos que os movimentos climáticos da juventude em Lisboa cumprem um papel fundamental na ruptura com esse imaginário ao questionarem tão profundamente a dependência por combustíveis fósseis e seus lucros exorbitantes: “estão a lucrar às nossas custas e estão a destruir o planeta”, dizem. Nesse ponto, a relação com as desigualdades e o neoliberalismo se faz evidente, uma vez que o sistema neoliberal emerge como “a era de ouro das emissões de gases de efeito estufa”, marcada por um aumento exponencial dessas emissões e com a multiplicação da desigualdade social em escala nacional e global (Vindel Gamonal, 2020, p. 287). Esse fenômeno reflete não apenas a expansão das atividades industriais e econômicas, mas também as políticas que priorizam o crescimento econômico a qualquer custo, negligenciando as preocupações ambientais e sociais. Por isso, movimentos, como o Greve Climática Estudantil, argumentam que o Estado português que “deveria estar a fazer um plano para o fim dos combustíveis fósseis e a transição energética justa COMPATIVEL com os prazos da ciência climática” favorece os interesses de uma elite econômica em detrimento do bem-estar coletivo e do equilíbrio ambiental “porque o que os move é o lucro” (Greve Climática Estudantil, 2023).
O desmantelamento dessa subjetividade requer um processo de aprendizado tanto individual quanto coletivo, que se consolida através da prática e se manifesta em hábitos incorporados e na pluralidade de ações que buscam romper com o imaginário fóssil, como os movimentos climáticos têm buscado fazer em Portugal. Essa transformação profunda da subjetividade exige um comprometimento contínuo com a desconstrução dos padrões estabelecidos pelo sistema capitalista, buscando a construção de novas formas de pensar, sentir e agir que estejam alinhadas com uma visão de uma vida habitável no planeta. Essa é uma forma de interpretar a conjuntura política não apenas como um conflito entre diversos grupos pelo poder, mas também como um embate entre distintas concepções da vida, de diferentes modos de existir.
5.3. Designando Responsabilidades Sobre a Emergência Climática
A partir de 2023, os movimentos, em particular o Climáximo, intensificam a narrativa de guerra e enfrentamento como parte de sua estratégia. O coletivo enfatiza a necessidade de uma ruptura com suas próprias práticas, percebendo a emergência climática como um momento que exige uma transformação total não apenas de suas ações, mas também de suas identidades coletivas. Para o Climáximo, essa mudança radical é vista como a única possibilidade de impedir o colapso civilizacional e promover a paz.
Uma das ações mais marcantes desse novo enfoque ocorreu em 3 de outubro de 2023, quando ativistas do Climáximo se penduraram por cordas na ponte pedonal e bloquearam a Segunda Circular, uma importante via em Lisboa, por duas horas. Durante essa ação, os ativistas seguravam um cartaz que declarava que “o governo e as empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta”.
Nesse sentido, os ativistas estão posicionando a responsabilidade pelas mudanças climáticas nas mãos das instituições governamentais e corporativas. Eles estão apontando para o fato de que as políticas e práticas adotadas por essas entidades muitas vezes priorizam os interesses econômicos em detrimento do bem-estar da sociedade e da saúde do planeta. Essa declaração sugere que o governo e as empresas estão engajados em ações que exacerbam os problemas ambientais e sociais.
Ao usar a metáfora da guerra, os ativistas destacam a gravidade da situação e a urgência de agir para combater esses danos. Essa linguagem de guerra e confronto na narrativa do Climáximo sugere uma abordagem mais radical e assertiva para chamar a atenção para a urgência da crise climática. Ao destacar a ideia de guerra declarada, o coletivo busca enfatizar a seriedade da situação e a necessidade de ação imediata para enfrentar as ameaças climáticas. Essa mudança na narrativa também reflete a transformação das estratégias dos movimentos climáticos, que passam de abordagens mais convencionais, como manifestações, para ações mais impactantes e diretas. A ênfase na guerra como metáfora sugere uma disposição para confrontar e desafiar as estruturas institucionais que os ativistas consideram responsáveis pela crise climática.
O’Brien et al. (2018) apresentam uma tipologia para entender a dissidência juvenil dos ativismos climáticos. Essa tipologia distingue três tipos de ativismo como dissidência a) obediente, b) perturbadora e c) perigosa, como forma de chamar a atenção para as várias maneiras que os jovens expressam sua atuação política dentro e fora dos processos políticos tradicionais, como forma de desafiar relações de poder e interesses políticos para promover futuros resilientes no contexto de emergência climática. Nem todas as formas de dissidência e ativismo climático são igualmente desafiadoras para o status quo, assim como nem todas as formas de dissidência podem ser interpretadas de forma positiva. Essas linhas, obviamente, são fluidas entre si, mas nos ajudam a analisar a complexidade do ativismo de juventudes em relação à questão climática. Mas, a nosso ver, os ativismos climáticos de juventude em Portugal podem ser entendidos como uma dissidência perigosa.
Não por acaso, o governo português tem enfrentado uma dinâmica complexa ao lidar com os ativistas dos grupos Greve Climática Estudantil, Climáximo e End Fossil Occupy, em Lisboa. Diante da crescente mobilização e pressão desses movimentos, observam-se diferentes abordagens por parte das autoridades. Em alguns momentos, o governo demonstrou disposição para o diálogo, estabelecendo canais de comunicação com os ativistas para discutir suas preocupações e propostas. Essa abordagem visava, aparentemente, a construção de uma relação mais colaborativa, reconhecendo a importância do ativismo como um agente de conscientização pública e de mudança.
Um incidente emblemático ilustra essa tensão: o caso em que um grupo de oito ativistas foi detido próximo ao local de uma maratona patrocinada pela Energias de Portugal, mesmo sem terem cometido infrações aparentes. Além disso, a estratégia de bloqueio de estradas adotada por alguns ativistas resultou em julgamentos e multas para vários deles, tornando-se uma fonte adicional de atrito entre os movimentos e as autoridades. A resposta dos coletivos frente a essas multas, organizando festas para angariar fundos, destaca a resiliência e a solidariedade dentro do movimento. Essas ações não apenas buscam financiar os encargos financeiros decorrentes das penalidades, mas também representam uma forma de resistência criativa e coletiva contra as restrições impostas pelo governo.
No caso da Greve Climática Estudantil, um incidente notável ocorreu envolvendo o então ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. Durante uma conferência da CNN Portugal dedicada à energia verde, o ministro foi alvo de um protesto, no qual foi atacado com tinta verde, enquanto estava discursando no palco. Três jovens ativistas subiram ao palco em protesto, interrompendo a fala do ministro. Nesse contexto, Duarte Cordeiro foi atingido no rosto, resultando na interrupção da transmissão online do evento.
De fato, ambos os movimentos enfrentam críticas e incompreensões em relação às suas ações, como o episódio em que ativistas do Climáximo lançaram tinta em uma pintura de Picasso, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém. A avaliação do impacto dessas ações varia, mas os ativistas observam que ações que não afetam diretamente as pessoas têm uma recepção mais favorável. Eles acreditam que essa estratégia é a mais eficaz para trazer visibilidade para a pauta climática, angariar mais ativistas e interromper o que estamos chamando, em diálogo com Latour, de novo regime climático. A ideia subjacente é que, ao chamar a atenção para questões ambientais por meio de ações impactantes, eles podem mobilizar uma maior conscientização e apoio popular. A intenção última, como eles mesmos elaboram, é restaurar a paz na sociedade, uma vez que suas ações são vistas como uma resposta necessária à urgência da crise climática.
Essa abordagem estratégica sugere uma escolha consciente dos movimentos em equilibrar ações diretas para atrair atenção e criar um movimento mais amplo e influenciar mudanças significativas nas políticas ambientais e climáticas. A questão ética sobre o impacto de suas ações em propriedades culturais ou materiais valiosos é debatida, mas os ativistas enfatizam que estão agindo com o objetivo de despertar a consciência e promover uma ação mais robusta contra as mudanças climáticas.
5.4. Das Manifestações às Ações Diretas e Ocupações
Donatella della Porta e Louisa Parks (2014) analisam os processos de enquadramento dos movimentos climáticos. As autoras identificam uma mudança nesses movimentos, cuja atuação se concentra em dois “campos” distintos, mas que se relacionam. Della Porta e Parks enquadram essas duas linhas como, de um lado, os movimentos de justiça climática orientados para ação direta e, por outro, as coalizões dirigidas por ONGs. Entendemos, a partir da pesquisa de campo, que a Greve Climática Estudantil, Climaximo e End Fossil Occupy se inserem neste primeiro quadro.
Em linhas gerais, as diferenças de concepções, e consequentemente, de ações para garantir mudanças efetivas, podem ser sintetizadas da seguinte maneira: “enquanto a seção de justiça climática do movimento vê a causa raiz do colapso ambiental não apenas na humanidade, mas na humanidade capitalista”, aqueles que compõem o quadro dos movimentos de mudanças climáticas, “embora crítico do sistema econômico global, aceita a sua existência e procura encorajar mudanças no mesmo para mitigar as alterações climáticas” (Della Porta & Parks, 2014, p. 8).
A percepção de que manifestações e petições não eram suficientes revelou uma adaptação estratégica por parte dos ativistas. Inspirados pelos protestos de desobediência civil na Inglaterra e na Alemanha, os ativistas climáticos em Portugal diversificaram suas táticas, transitando de manifestações para ações mais diretas. O início dessas ações foi marcado pela ocupação de escolas, um método que se revelou eficaz em chamar a atenção e despertar o engajamento.
Nos parece que esse método mais disruptivo não é apenas um método de reflexão, mas também uma estratégia para mudar o mundo (Friberg, 2022). Nesse sentido, concordamos com Anna Friberg (2022) que as ações desses ativistas visam mais perturbar o presente do que impor projetos. Por isso, as ocupações e os protestos desses ativismos devem ser entendidos como métodos para aumentar a discussão sobre o problema e abrir uma discussão sobre o futuro. Ou seja, é uma forma de instigar os governos a implementarem ações mais drásticas diante das mudanças climáticas (Marquardt, 2020). Como Kramcsak-Muñoz (2019) argumenta, os protestos desses ativismos simbolizam uma mudança no discurso ambiental atual, atribuindo ao grupo um novo discurso radical que não busca soluções de adaptação ambientalmente amigáveis de curto prazo dentro do sistema capitalista neoliberal, mas promovem uma abordagem de mitigação de longo prazo para mudar o status quo.
A implementação de ações, como bloqueios no porto de gás natural de Sines, ilustra a escalada das estratégias de protesto. Além da ocupação do porto de Sines, os ativistas também ocuparam escolas e universidades, em abril de 2023, liderados pelo End Fossil Occupy, o que mostrou a disposição do movimento em tomar medidas concretas para interromper infraestruturas relacionadas aos combustíveis fósseis. Embora o número de participantes nas Greves Globais pelo Clima possa ter diminuído desde seu auge, a qualidade das ações executadas pelos ativistas permanece uma fonte significativa de impacto. Os ativistas, ao reconhecerem a necessidade de estratégias mais assertivas, transformaram a quantidade em qualidade, canalizando sua energia para a realização de ações que consideram tão importantes quanto a participação massiva em manifestações. Essa mudança nas estratégias do movimento climático em Portugal reflete uma adaptação contínua e necessária para enfrentar os desafios mutáveis e a necessidade de manter o debate vivo na esfera pública. A mobilização reduzida não significa uma diminuição do comprometimento, mas uma mudança na abordagem para maximizar a eficácia em um cenário complexo e dinâmico.
Através da experiência de campo foi possível compreender que as ocupações, lideradas pelo movimento End Fossil Occupy, emergem como uma estratégia eficaz para expandir o movimento climático em Portugal. O compartilhamento de espaços, como cozinhar e dormir juntos, além da participação em atividades educativas em escolas e universidades, não apenas fortalece os laços entre os ativistas, mas também contribui para a conscientização e mobilização mais amplas. Dentro das escolas ocupadas, as atividades variavam desde palestras e treinamentos até momentos de descontração, abrangendo aspectos cotidianos. O enfoque principal das palestras era o clima, trazendo especialistas e alunos engajados no estudo da temática. Essa abordagem educativa dentro das ocupações reflete uma estratégia integral, visando não apenas a resistência direta, mas também a disseminação de conhecimento e conscientização sobre as questões climáticas.
A admiração da juventude lisboeta pela “Primavera Secundarista” no Brasil, em 2015, ressalta a influência internacional nas estratégias do movimento climático em Portugal. Os ativistas portugueses expressam uma admiração por esse movimento brasileiro. Essa identificação foi fundamental para a minha aproximação no campo. O movimento brasileiro, marcado por manifestações, ocupações de escolas e protestos estudantis, tornou-se um ponto de referência para esses ativistas, como eles mesmos referiram ao longo do trabalho de campo. O reconhecimento da força e impacto desse movimento serve como inspiração e exemplo de mobilização estudantil bem-sucedida. A exibição do filme Espero Tua (Re)volta (2019), dirigido por Elisa Capai, durante encontros e formações destaca o papel do audiovisual como ferramenta educativa e inspiradora. O documentário, que acompanha de perto a mobilização estudantil no Brasil, oferece um paralelo significativo para os ativistas portugueses, mostrando a importância de narrativas visuais na transmissão de mensagens e no engajamento do público.
A combinação de ações diretas, educação ambiental e referências a experiências internacionais é uma forma de produzir um certo reconhecimento entre os jovens como atores fundamentais no enfrentamento às mudanças climáticas, sobretudo num contexto em que esses jovens, apesar de mais afetados pelos efeitos da crise, são reiteradamente excluídos dos espaços de decisão e negociações (Malafaia, 2022). Portanto, o espaço das ocupações e das ações diretas são indispensáveis para o seu processo de fazer-se sujeito político.
6. Considerações Finais
Neste artigo, produzimos uma reflexão sobre o conceito de antropoceno. À medida que a crise se agrava, surge uma dicotomia entre aqueles que negam e obstruem a crise climática e os que lutam por um planeta vivível, uma verdadeira guerra de mundos. O ativismo climático, especialmente liderado pelas juventudes, destaca-se como uma força mobilizadora.
Em Portugal, os movimentos Greve Climática Estudantil, Climáximo e End Fossil Occupy desempenham um papel fundamental na conscientização pública e na produção de alternativas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. A insurgência juvenil no ativismo climático destaca não apenas a urgência de ações, mas também a busca por uma visão coletiva justa e sustentável para o planeta, rompendo com um imaginário fóssil e neoliberal. Esses esforços ilustram a função vital das juventudes ao promoverem discussões, conscientização e medidas concretas diante da emergência climática. Ao engajar-se, os jovens não apenas reivindicam sua voz e agência, mas também demonstram uma determinação em moldar ativamente seu futuro coletivo. Esse engajamento não apenas fortalece sua participação política, mas também destaca a importância de sua contribuição na formulação de soluções eficazes para a crise climática.
Entretanto, a resistência de alguns setores governamentais e a complexidade das questões climáticas indicam a necessidade contínua de pressionar por mudanças significativas. As considerações finais deste estudo enfatizam a importância de continuar monitorando e apoiando o ativismo climático em Portugal, reconhecendo seu papel na construção de um futuro mais sustentável e resiliente e tentando encontrar alianças entre esses movimentos e os ativistas brasileiros.