Introdução
A síndrome de Horner (SH), descrita por Johann Friedrich Horner em 1869, resulta de uma lesão no trajeto da via óculossimpática, podendo afetar qualquer um dos três neurónios de que é composta. A associação de ptose unilateral, anidrose hemifacial e miose - ipsilaterais à lesão - constitui o quadro clínico típico, sendo, dos três, a anidrose o sintoma menos frequente. (1 Habitualmente, consoante o nível da lesão, a síndrome de Horner será distinguida em central (neurónio de primeira ordem afetado) e periférica (pré-ganglionar ou pós-ganglionar). O compromisso da medula espinhal ou de raízes cervicais baixas ou dorsais altas é raramente implicado nesta síndrome. Apresentamos um caso, possivelmente ainda mais raro, de uma compressão radicular por uma hérnia discal D1-D2.
Caso Clínico
Trata-se de uma senhora de 59 anos que recorreu ao serviço de urgência por um quadro de instalação aguda, no decurso da sua atividade em casa, sem esforço físico ou traumatismo desencadeante, de dor localizada à região dorsal e ptose palpebral direita. Paralelamente, notou dormência do terceiro, quarto e quinto dedos da mão direita, não conseguindo precisar a associação temporal deste achado. Não se verificou flutuação dos sintomas, diplopia ou anidrose. Da sua história pregressa existe apenas a referir a hipercolesterolémia, medicada com estatina. Nega hábitos alcoólicos ou tabágicos. Da história familiar, merece nota apenas a referência a acidente vascular cerebral no pai, aos 56 anos. O exame geral não tem alterações dignas de registo e o exame neurológico mostrou ptose palpebral direita, com miose pupilar direita - diâmetro pupilar direito (2 mm) e esquerdo (3 mm). Sem outras alterações no exame neurológico formal, nomeadamente, sem alterações da sensibilidade à picada de agulha. Foi realizada uma ressonância magnética da coluna cervical e dorsal, a qual revelou uma hérnia discal ao nível de D1-D2 com compressão da emergência da raiz D1 direita (Fig. 1). O estudo dos troncos arteriais supra-aórticos e cervico-cefálicos por angiografia por ressonância magnética (angio-RM) não revelou alterações valorizáveis. A doente não foi submetida a cirurgia, tendo tido uma evolução favorável com recuperação da síndrome de Horner mediante tratamento conservador.
Discussão
A via óculossimpática tem início no hipotálamo póstero-lateral. As fibras de primeira ordem que daí emergem passam pelo tronco cerebral lateral, seguindo pela cadeia simpática central até ao nível de C8-D2 da medula espinhal. A este nível, na substância cinzenta intermedio-lateral, dá-se a sinapse com o segundo neurónio (pré-ganglionar), no centro ciliospinhal de Budge-Waller. Daqui, pelo plexo simpático para-espinhal, o trajeto é recorrente e dá-se pela cavidade torácica, na proximidade do ápice pulmonar, até ao gânglio simpático superior, onde ocorre a sinapse com o neurónio de terceira ordem, ao nível da bifurcação carotídea. Integrando o plexo autonómico que acompanha as artérias carótida comum e carótida interna, as fibras de terceira ordem atravessam o seio cavernoso, organizando-se num nervo que chega à órbita para inervar o músculo dilatador da pupila e músculos acessórios à retração palpebral. (2
Uma etiologia comum para a SH central é a síndrome de Wallenberg, resultante de um enfarte lateral da medula oblonga, (3 com lesão da via ao nível do tronco cerebral, em geral acompanhando-se, entre outros, de compromisso sensitivo alterno. Outras entidades que determinam o envolvimento do tronco encefálico a este nível, como um tumor ou uma lesão de natureza inflamatória podem igualmente justificar o SH. Também um tumor, enfarte ou hemorragia tálamo-hipotalâmicos podem causar SH com hemiparesia e hiperestesia contra-laterais. (1 Por outro lado, a compressão da cadeia simpática por um tumor de Pancoast, no vértice pulmonar, é uma possível causa periférica pré-ganglionar, bem como o trauma cervical (e do plexo braquial) ou o pneumotórax. Já a dissecção da artéria carótida interna, com alterações do respetivo plexo autonómico satélite, poderá condicionar uma SH periférica pós-ganglionar 3 (Fig. 2).
A hérnia discal dorsal é, só por si, uma entidade clínica rara: descreve-se que apenas 2-3 /1000 casos de hérnia discal ocorram a este nível. (4,5 Mais rara ainda é a sua associação com a síndrome de Horner. No caso descrito, a ocorrência de dor na instalação do SH, sobretudo associada a parestesias da mão direita (que, só por si, poderá indicar uma radiculopatia cervical baixa) foi fundamental enquanto pista diagnóstica. Na mesma, e tendo presente que a localização da dor era atípica, excluir uma dissecção carotídea cervical era mandatório, uma vez que esta é responsável por 20%-30% dos casos de SH. Paralelamente, com esta sintomatologia e na presença do SH, um tumor do ápice pulmonar não poderia ser descartado como hipótese diagnóstica. Admite-se que o mais provável é que a hérnia tenha comprimido a raiz e as fibras simpáticas na emergência de D1. A compressão de raízes cervicais baixas poderia justificar o aparecimento precoce de parestesias na mão, sendo que este achado podia ter levantado outras dúvidas, na medida em que seria admissível que, caso o SH ocorresse em resultado de dissecção carotídea, a presença de sinais focais apontasse para isquemia do território respetivo. Contudo, nessa eventualidade, seria de esperar que os sintomas fossem contralaterais à síndrome de Horner, pelo que este diagnóstico não era provável como justificador de ambas as queixas.
A ocorrência da síndrome de Horner em associação com uma hérnia discal nesta localização parece ser uma raridade. Os poucos casos relatados estão maioritariamente associados a hérnias discais C4-C5 e tiveram uma boa evolução clínica: quer os casos em que foi feita uma descompressão cirúrgica, quer aqueles em que o tratamento foi apenas conservador. Uma revisão recente da literatura sugere que os sintomas de mais frequentes na apresentação de casos idênticos relatados são dor escapular, dor toráxica, radiculopatia, compromisso da sensibilidade e fraqueza dos músculos intrínsecos da mão. (6 Como foi sublinhado, a propósito de um outro caso recentemente relatado, os doentes com queixas de radiculopatia cervical e achados sugestivos de uma síndroma de Horner devem ser avaliados com um exame RM que inclua a coluna dorsal alta. 7
Conclusão
Em conclusão, apresentamos um caso raro de síndrome de Horner associado a uma compressão radicular por hérnia discal dorsal alta. A presença de dor na instalação deve fazer considerar esta hipótese diagnóstica, uma vez excluída a dissecção carotídea. Paralelamente, com esta sintomatologia e na presença do SH um tumor do ápice pulmonar não poderia ser descartado como hipótese diagnóstica. A localização pouco habitual da lesão e a etiologia pouco frequente tornam o caso particularmente relevante.