1. Introdução
A incorporação de novas tecnologias no treino e na formação profissional tem transformado as práticas tradicionais (Iatsyshyn et al., 2020; Oliver, 2002), introduzindo métodos que não apenas melhoram a eficácia da formação, mas também garantem uma maior segurança e eficácia. Dentre estas tecnologias, a realidade virtual (RV) destaca-se como uma ferramenta inovadora, mais especificamente na área da formação de bombeiros (Grabowski & Jach, 2021; Narciso et al., 2020). Este artigo explora a integração da RV nos programas de treino de emergência, abordando os benefícios, os desafios e as potencialidades que esta tecnologia oferece para a preparação dos profissionais enfrentarem situações de perigo.
A relevância da RV no treino de bombeiros decorre da sua capacidade de simular com precisão ambientes perigosos e cenários de risco, o que seria impraticável ou extremamente arriscado realizar em condições reais. Ao permitir uma imersão em experiências controladas e minuciosas, a RV não apenas aperfeiçoa as aptidões práticas e resolutivas dos bombeiros, como permite que treinem de maneira repetitiva e intensiva sem os riscos associados ao treino dito “convencional”.
Entretanto, apesar dos avanços significativos, a aplicação da RV enfrenta desafios intrínsecos, incluindo barreiras técnicas, custos de implementação e aceitação pelos utilizadores. A análise destes fatores é determinante para compreender as limitações atuais e futuras desta tecnologia no contexto de treino em emergência. Este estudo procura apresentar uma revisão crítica da literatura sobre a aplicação da RV em contextos de emergência, com um foco particular na formação de bombeiros. Através da análise de investigações recentes e casos de implementação, pretende-se discutir as vantagens e os desafios associados ao uso desta tecnologia. Além de destacar a importância da RV na simulação de cenários de alto risco, esta revisão visa fornecer uma visão abrangente sobre o impacto da RV na melhoria das competências operacionais dos profissionais e na segurança durante o treino. Assim, procura-se oferecer um contributo valioso para o debate sobre a integração tecnológica em ambientes de formação de emergência, sublinhando as áreas onde a investigação futura pode aprofundar e expandir o conhecimento existente.
2. Evolução da Realidade Virtual
O primeiro dispositivo a permitir uma experiência sensorial imersiva foi desenvolvido na década de 50 do século passado. Foi através deste sistema pioneiro, criado por Morton Heilig (Gutierrez, 2023), que a RV começou a dar os seus primeiros passos e consistia numa combinação de sensores visuais, sons, vibrações e aromas. Já durante os anos subsequentes, outros dispositivos foram criados para conseguir o mesmo efeito, onde se destacam as contribuições de Ivan Sutherland (1968), que, mesmo antes da popularização do computador pessoal, concebeu um sistema de visualização tridimensional através de um capacete, que iria marcar o início da pesquisa da RV e da realidade aumentada. Nas décadas de 80 e 90, do século passado, o desenvolvimento do projeto VIEW da NASA (Fisher, 2016), que visava a exploração espacial, através da criação de uma estação de trabalho multissensorial para simulações espaciais, a invenção da DataGlove (Lasko-Harvill et al., 1988), uma luva para captar movimentos da mão, e do EyePhone (Gigante, 1993), uma continuação do capacete de Heilig, pela empresa VPL, foram os princípios de uma altura de invenções que alindaram a interação em ambientes virtuais.
A evolução da RV continuou com algumas inovações importantes, como foi o caso do BOOM (Binocular Omni-Orientation Monitor; Doerner et al., 2022), que proporcionava uma visualização 3D estereoscópica. Na área da projeção imersiva, destacam-se o Powerwall, um ecrã com áudio estéreo, o sistema CAVE (Cave Automatic Virtual Environment; Creagh, 2003), que era composto por quatro ecrãs, e o iCONE (Doerner et al., 2022), composto por ecrãs semicirculares que aumentavam as possibilidades de imersão e interação. Já no final da década dos anos 90 do século passado, a realidade aumentada teve um forte impulso com o sistema MARS (Doerner et al., 2022), um sistema de realidade aumentada móvel, desenvolvido na Universidade de Columbia, que, de uma forma genérica, consistia em obter informação dos edifícios do campus em tempo real (através de um sistema de GPS) e era visualizado através de um display 3D (óculos). Por outro lado, também assistimos ao desenvolvimento de hardware gráfico mais robusto e avançado, revolucionado pela empresa NVIDIA (e.g., chips gráficos; Chamusca et al., 2022), acompanhado, igualmente, de avanços significativos na área do software (Doerner et al., 2022; Gutierrez, 2023).
3. Dinâmicas e Perspetivas da Realidade Virtual
O sistema de RV integra hardware e software para a criação de experiências sensoriais que procuram ser tão naturais e imersivas quanto possível. Assim,
permite a interação através de dispositivos de entrada e saída, que funcionam como um intérprete entre a linguagem humana e a linguagem da máquina. A RV, embora tenha sido confrontada com diversos desafios de definição e conceitos (Furht, 2008; Kardong-edgren et al., 2019; Singh & Carolina, 2017; Steuer, 1992), é reconhecida como uma técnica que simula ambientes reais ou virtuais de forma tridimensional, envolvendo os sentidos de forma semelhante ao experienciado no mundo real. A essência da RV deve ser assimilada mais pela experiência humana proporcionada do que pela tecnologia em si, introduzindo o conceito de “presença” como a sensação de estar num ambiente, independentemente de este ser real ou simulado. Este conceito enfatiza a importância dos estímulos sensoriais em criar a ilusão de telepresença.
Por outro lado, a RV pode ser um mundo alternativo, acedido através de interações com imagens ou objetos criados por computador, em que, neste caso, se destacam, como mencionado anteriormente, a presença e a telepresença como elementos centrais dessa mesma experiência. Não obstante, a RV evoluiu da computação gráfica tradicional e compreende a criação de gráficos computacionais em tempo real que - não apenas criam conteúdos tridimensionais, mas também permitem interações sensoriais como o mapeamento de movimentos das mãos para modelos virtuais, entre outros. Este avanço tecnológico expande a realidade num continuum (ver Figura 1), que inclui o ambiente real, a realidade aumentada (que complementa a realidade com dados digitais), a virtualidade aumentada (que integra elementos reais em ambientes virtuais) e os ambientes virtuais puros, que procuram imergir completamente o utilizador numa outra realidade (Doerner et al., 2022; Furht, 2008; Jerald, 2015).
A realidade mista (RM) representa um avanço significativo especialmente na interação humano-computador e na criação de objetos que combinam aspetos reais e virtuais. Por conseguinte, desafia a perceção e a interação humana com diversas realidades. No entanto, apesar deste avanço tecnológico, existem vários desafios e limitações técnicas que podem perturbar a visualização num ambiente de RM. Já quando se tenta combinar a RM e a realidade aumentada, torna-se evidente a importância de promover uma experiência autêntica e imersiva para o utilizador, com interações que considerem tanto a perceção das propriedades dos objetos quanto o contexto em que estão inseridos, isto é, como é que estas interações podem tornar as experiências mais autênticas. Por exemplo, através da reprodução de som: um sistema pode reconhecer que o utilizador está a caminhar num jardim e reproduzir um som que seja adequado ao ambiente virtual em que está inserido. Neste sentido, as funcionalidades de interação baseadas em sensores que captam pressão e movimento contribuem para experiências imersivas, como a utilização de interações baseadas na pressão em dispositivos portáteis e o reconhecimento de movimentos. A localização, através de tecnologias como o GPS, Wi-Fi ou Indoor Positioning System (Wahab et al., 2022), é essencial em aplicações nas áreas do turismo digital ou em jogos educativos de realidade aumentada. Com a conexão à internet das coisas, a experiência torna-se mais atrativa e enriquecedora, abrindo novas dimensões de interação, já que se ligam os mundos virtual e físico, ampliando a perceção de contexto sensorial (Morris et al., 2020). O avanço na tecnologia proporcionou desenvolvimentos na área da realidade estendida, que, na sua génese, engloba a RV, a realidade aumentada, a virtualidade aumentada e a RM. A exploração da realidade estendida transformou a interação com os utilizadores (e.g., clientes) de vários setores (e.g., turismo) na forma de explorar destinos e enriquecer as experiências de viagem através da integração de ambientes virtuais e reais e da convergência dos sentidos humanos (Blanco-Novoa et al., 2020; Papadopoulos et al., 2021; Santoso et al., 2021).
4. A Influência da Presença e da Narrativa na Criação de Experiências
A presença pode ser explicada como uma experiência (aparente) de estar num lugar ou ambiente, mesmo que na realidade física se esteja em outro local. Deste modo, uma experiência em RV é modelada - na sua génese - pelo desvio da atenção do ambiente físico em que o utilizador se encontra para o virtual e pelo seu estado de envolvimento, que será o resultado da resposta do utilizador a estímulos muito convincentes.
A RV é uma ferramenta que permite a criação de ambientes controlados para o estudo dos comportamentos humanos (Bourhim & Cherkaoui, 2020) - incluindo a resposta a estímulos emocionais como, por exemplo, o medo e a ansiedade -, dando a possibilidade aos investigadores de apresentar estímulos sensoriais (e.g., visuais, auditivos) de maneira controlada e segura. Este potencial pode ser relevante na investigação de perturbações de ansiedade e, por consequente, serem desenvolvidas terapias que irão ser beneficiadas pela capacidade de simular situações específicas que desencadeiam tais respostas emocionais (Woo et al., 2024). Por outro lado, a criação de experiências emocionais reais é muito influenciada pela sensação de presença - não apenas pelos estímulos sensoriais -, mas também pela coerência do contexto e da narrativa do próprio ambiente virtual (em RV, a narrativa pode ser visualizada como uma estrutura que não só suporta o mundo virtual, mas que enlaça o utilizador de forma ativa, tornando a experiência pessoal e imersiva). Assim, a ideia de que uma experiência de RV é mais impactante e cativante quando os estímulos sensoriais estão completamente em sintonia com a narrativa sugere uma imersão bem-sucedida, refletindo a complexidade da interação humana com os ambientes virtuais, algo que poderá vir a ser verificado em múltiplos contextos formativos. Esta integração entre os elementos sensoriais e a narrativa não apenas irá enriquecer a experiência do utilizador (formando), mas também irá permitir melhorar a eficácia do processo de aprendizagem. Salienta-se o facto de que quando os formandos se encontram imersos em cenários realistas e envolventes, a retenção de conhecimento e a aplicação prática de competências adquiridas tendem a ser significativamente aperfeiçoadas (Witmer et al., 1996; Witmer & Singer, 1998).
Os ambientes virtuais permitem interações diretas e oferecem um retorno visual contínuo, estimulando vários sentidos através dos dispositivos de interface humana (human interface devices). Estes podem representar espaços físicos inacessíveis ou conceitos abstratos, fornecendo um meio para aceder a locais que, de outra forma, seriam inacessíveis. A influência dos estímulos auditivos na RV revela a potencialidade do som espacial (3D) em induzir emoções - como o medo -, destacando a importância da coerência semântica entre os estímulos visuais e auditivos. Com efeito, a RV emerge, assim, como um instrumento poderoso para a investigação de comportamentos humanos em ambientes controlados, especialmente, e como descrito anteriormente, no estudo das perturbações de ansiedade e de formas de terapias. Assim, é possível simular com precisão cenários que desencadeiam reações emocionais específicas, permitindo uma observação detalhada da perceção de ameaças e a eficácia de intervenções, como o tratamento de exposição. Esta metodologia de simulação oferece um controlo sem precedentes sobre os estímulos táteis e olfativos, alargando as possibilidades de induzir e estudar reações emocionais complexas num ambiente seguro e reproduzível (Diemer et al., 2015; Suied et al., 2013).
Estudos na área da RV destacam a importância de elementos ascendentes - estímulos sensoriais diretos - e de elementos descendentes - contexto e narrativa - na criação de experiências emocionais mais enriquecedoras e emocionais. Como referido anteriormente, a presença desempenha um papel fundamental neste processo, já que irá influenciar profundamente a sensação de imersão. A investigação de Kono et al. (2018) enaltece uma abordagem inovadora ao explorar o potencial da RV para intensificar experiências emocionais, particularmente, o medo e a dor. O sistema criado, In-Pulse, utiliza uma combinação de um circuito solenoide e estimulação muscular elétrica para demonstrar que a incorporação de um feedback tátil e sensações físicas podem aumentar significativamente a imersão e a resposta emocional em ambientes virtuais. Esta abordagem incrementa o realismo, assim como envolve o próprio utilizador num nível mais profundo, o que provoca reações emocionais intensas que simulam as experiências reais (Diemer et al., 2015; Kono et al., 2018).
5. Impacto da Realidade Virtual em Cenários de Emergência
A RV tem ganhado destaque como um instrumento auspicioso na educação e formação, já que proporciona experiências tridimensionais interativas e imersivas, permitindo aos utilizadores aprender através da prática em ambientes virtuais controlados e seguros. Esta tecnologia - que se tornou mais acessível nos últimos anos - permitiu a redarguição (replicar) de situações reais, oferecendo uma alternativa às abordagens pedagógicas tradicionais, sobretudo em áreas onde a aprendizagem experiencial serial impossível (ou arriscada) de colocar em prática (Bourhim & Cherkaoui, 2020; McGowin et al., 2021; Morris et al., 2020; Papachristos et al., 2017; Woo et al., 2024).
Na calátide da área de emergência, a RV é útil em simulações de cenários complexos e perigosos sem os riscos associados, o que é crucial para a formação de profissionais, como, por exemplo, bombeiros ou equipas de emergência. A RV apresenta, portanto, um potencial significativo para a preparação de profissionais para enfrentar situações de elevado risco, já que possibilita a simulação de cenários que seriam impraticáveis ou demasiado onerosos na realidade. Outra das vantagens da utilização da RV na área de emergência será o facto de oferecer ambientes de treino seguros, personalizáveis, reduzindo o risco e custos associados à formação tradicional. Os avanços tecnológicos (e.g., inteligência artificial) estão a proporcionar experiências mais enriquecedoras em ambientes virtuais, tornando-as mais credíveis e adaptáveis às necessidades individuais. Porém, a eficácia desta ferramenta pode variar em função da qualidade do hardware e do software utilizados, bem como da familiaridade do utilizador com a tecnologia. O desenvolvimento de conteúdos com qualidade, a variabilidade na eficácia da formação, os potenciais efeitos físicos adversos (e.g., enjoo), são desafios que têm de ser considerados. Não obstante a necessidade de especialização, a imaturidade tecnológica e as incertezas em relação às transferências de competências para situações reais, a RV oferece uma oportunidade sem precedentes para melhorar a formação e preparação em diversos campos, nomeadamente no combate a incêndios (Engelbrecht et al., 2019; Jerald, 2015; Xie et al., 2021).
6. Desafios e Potencialidades da Realidade Virtual no Treino de Bombeiros
Shi et al. (2021) exploram a complexidade e as oportunidades inerentes à utilização da RV como ferramenta de formação de bombeiros no âmbito da busca e salvamento. Neste âmbito, a RV é apresentada como uma solução inovadora que permite a simulação de vários cenários realistas e controlados que conseguem simular situações de emergência. No entanto, os autores referem que uma das dificuldades encontradas é a criação de simulações realistas e parecidas com as condições que iriam encontrar numa situação real, tais como o fumo, a propagação de incêndios e os sons de estruturas a colapsar. Neste âmbito, todos os sentidos humanos estão envolvidos na perceção e cognição de situações e locais, e qualquer tecnologia que privilegie a visão e a audição em detrimento dos restantes sentidos (e.g., termocepção, cronocepção, tato, olfato) apenas estará a recriar um modelo incompleto/parcial e, como tal, não “realista”. O verdadeiro desafio consiste em perceber se, mesmo sendo parcial, este modelo é válido para os propósitos em análise. Desta forma, estas simulações deverão ser detalhadas e realistas para garantir que a experiência de utilização seja a mais parecida com a realidade quanto possível, garantindo desta forma que os bombeiros adquiram a experiência prática aplicável na execução das manobras de treino. Além disso, o desenvolvimento e a manutenção dos ambientes virtuais são dispendiosos e tecnicamente exigentes.
Outro desafio apontado é a adaptação dos bombeiros à própria tecnologia de RV, isto porque os profissionais podem não estar familiarizados com os dispositivos utilizados nas simulações (e.g., Head-Mounted Display), o que pode resultar em possíveis desconfortos como o enjoo (Chang et al., 2020). Desta forma, se existir algum desconforto na utilização da RV, isto pode prejudicar a eficácia do treino e ser necessário um período de adaptação, assim como estratégias para tentar minimizar esses efeitos adversos. A resistência à mudança também é apontada como um desafio pelos autores, já que de uma forma geral, os bombeiros estão habituados aos métodos tradicionais de formação, logo, a introdução de um sistema de RV na formação deve ser gradual e demonstrar de forma inequívoca que os benefícios da sua utilização (prática e teórica) irão melhorar o desempenho dos profissionais, levando, desta forma, a uma aceitação por parte dos mesmos.
Apesar destes desafios, Shi et al. (2021) também elencam as potencialidades da RV no treino dos bombeiros, já que os autores inferem que a tecnologia permite a criação de uma variedade de cenários de treino que poderiam ser perigosos ou impossíveis de reproduzir na vida real. Por exemplo, a simulação de um incêndio num edifício de grande altura ou resgate em edifícios colapsados ou espaços confinados proporciona uma experiência realista, controlada e, sobretudo, segura para os profissionais. A capacidade de construir uma simulação detalhada e complexa pode melhorar significativamente a preparação dos operacionais para enfrentar diferentes tipos de emergências, desenvolvendo desta forma competências práticas num ambiente considerado seguro. A possibilidade de monitorizar e analisar o desempenho dos bombeiros, recolhendo informações (e.g., tomada de decisão e resposta num contexto de stress) permite identificar e corrigir situações especificas para cada indivíduo. Com este tipo de análise, é possível personalizar o treino e adaptá-lo às necessidades de cada bombeiro, aumentando a eficiência e a segurança no teatro de operações na vida real. A facilidade de repetir vários cenários também é considerada como um aspeto positivo na utilização da RV, já que permite aos bombeiros repetirem os exercícios até alcançarem uma consolidação de competências e proficiência, assim como aumentar a sua confiança, o que seria muito dispendioso e difícil de realizar em cenários reais.
Braun et al. (2022) salientam que existe a necessidade de uma investigação mais aprofundada para compreender - na sua totalidade - o potencial da RV no treino de bombeiros, já que existe espaço para a otimização da eficácia da formação em RV através do estabelecimento de diretrizes baseadas em dados confiáveis. A importância dos movimentos (gestos) para a comunicação em cenários de treino onde estão envolvidos vários participantes, bem como os desafios na criação de ambientes virtuais de alta qualidade (onde será necessário ter uma excelente qualidade visual gráfica) e o conforto visual são essenciais para uma experiência imersiva. Por outro lado, Zechner et al. (2023) debatem em como a RV pode ser utilizada em situações de stress de uma maneira eficaz, sugerindo uma abordagem crescente no treino que permita aos participantes adaptarem-se progressivamente ao stress simulado. Este método destaca a importância de se estruturar as repetições de cenários num ambiente virtual de forma a levar ao máximo a aprendizagem e a recuperação emocional dos formandos. Kwon (2021) explora a inclusão de sensações físicas (e.g., calor, vento) nas experiências em RV, argumentando que estes elementos podem exponenciar o realismo e a eficácia do treino, porque a resposta emocional criada, como o medo e a ansiedade, pelas sensações pode beneficiar a aprendizagem sem colocar em causa os participantes. Este facto pode ser explorado com a integração de várias sensações táteis para aprimorar ainda mais o realismo (Braun et al., 2022; Kwon, 2021; Zechner et al., 2023).
7. Aplicações da Realidade Virtual em Cenários de Treino em Emergência: Análise de Casos
Wheeler et al. (2021) inferem que um dos principais benefícios da utilização da RV no contexto de treino de bombeiros incide na sua capacidade de replicar situações reais em ambientes simulados, recriando cenários de alta-fidelidade. A imersão proporcionada por este tipo de simulações permite o desenvolvimento de habilidades físicas e técnicas para adequar a proficiência na utilização de equipamentos de combate a incêndios assim como a adequação da postura corporal. Os autores salientam que a utilização da RV pode agilizar uma tomada de decisão mais precisa (competências de comando) em situações de emergência - onde o contexto de (alta) pressão é explícito. Além disso, aprofunda a compreensão tática das operações de combate a incêndios, assim como melhora a comunicação e a coordenação das equipas.
Já num outro estudo, desenvolvido por Bellemans et al. (2020), onde foi aplicada a utilização da RV à marinha belga no desenvolvimento de um ambiente virtual para combate a incêndios em navios, os mesmos destacam a criação de simulações altamente realistas de cenários. Estas simulações permitiram que os bombeiros treinassem em condições muitos semelhantes às que poderiam encontrar numa situação real, mas com a vantagem de reduzir significativamente os riscos físicos e os custos associados caso fosse um treino tradicional (com incêndio real). A possibilidade de repetir indefinidamente os cenários sem custos adicionais (que não os energéticos), assim como o impacto ambiental mínimo (quando comparado com outras soluções), estão entre as principais vantagens da utilização da RV.
Num outro estudo, levado a cabo por Grabowski e Jach (2021), sobre as potencialidades que a RV pode ter na formação de profissionais na área de treino de bombeiros, explora-se como a criação de cenários complexos e perigosos na simulação de incêndios em espaços confinados permite um treino intenso sem os riscos associados caso se utilizasse fogo real. A utilização da tecnologia de RV permite salvaguardar a vida dos formandos, como também permite a repetição e variação de cenários, que seriam impraticáveis ou muito dispendiosos caso fossem construídos na vida real.
8. Considerações Finais
A aplicação da tecnologia de RV no treino de bombeiros tem sido largamente reconhecida pela sua capacidade de transformar as metodologias de formação. Os estudos analisados concordam quanto aos benefícios substanciais proporcionados por esta tecnologia, particularmente no que se refere à segurança, ao realismo das simulações e à flexibilidade dos programas de treino (Bellemans et al., 2020; Grabowski & Jach, 2021; Wheeler et al., 2021). A maioria dos autores destaca que a RV permite recriar cenários realistas e complexos, com níveis de risco controlados, o que seria impraticável de alcançar em situações de treino físico tradicional. Isto possibilita uma exposição contínua a ambientes perigosos sem comprometer a segurança dos formandos, garantindo, assim, uma melhor preparação para situações de emergência.
Adicionalmente, existe consenso sobre a vantagem económica da utilização da tecnologia de RV, uma vez que a repetição de cenários em ambientes virtuais elimina os custos elevados e os riscos ambientais associados à recriação física de situações de treino (Bellemans et al., 2020). A flexibilidade proporcionada pela RV, especialmente pela possibilidade de alterar os cenários de treino em tempo real, é considerada como um fator decisivo para aumentar a eficácia das formações. O feedback imediato, outro ponto convergente entre os estudos, surge como um componente que contribui significativamente para o aperfeiçoamento da resposta dos bombeiros, melhorando as suas competências técnicas e a capacidade de tomada de decisões sob pressão (Wheeler et al., 2021).
No entanto, subsiste uma convergência no que diz respeito aos desafios e às limitações da implementação da RV. Vários autores apontam dificuldades técnicas, como a falta de realismo em certos aspetos das simulações, particularmente na recriação de condições físicas, como o fumo e o calor, que são críticos no combate a incêndios (Grabowski & Jach, 2021). O custo elevado dos equipamentos e a necessidade de manutenção contínua também constituem barreiras consideráveis, especialmente para corporações de bombeiros com recursos limitados (Bellemans et al., 2020). Por outro lado, a resistência à mudança e a desconfiança em relação à eficácia da RV como substituta das metodologias de treino tradicionais continuam a ser apontadas como obstáculos à sua adoção generalizada (Grabowski & Jach, 2021).
A utilização da tecnologia de RV no treino de bombeiros representa uma transformação significativa nas metodologias de formação profissional. Os estudos discutidos revelam um consenso acerca dos benefícios da RV, evidenciando-se fatores como o realismo das simulações, a segurança que proporcionam e, possivelmente, as vantagens económicas. A criação repetida de cenários de treino físico em situações reais seria economicamente inviável, o que torna os ambientes virtuais uma alternativa de grande valor. Estes simuladores oferecem a possibilidade de enfrentar uma variedade de cenários que seriam difíceis - ou até impossíveis - de replicar com segurança no mundo real, permitindo que os bombeiros se preparem para emergências de forma mais eficaz e controlada.
Os principais benefícios práticos da RV no contexto específico dos corpos de bombeiros residem na sua capacidade de melhorar a segurança e eficiência do treino. A repetição de cenários e a modificação das condições de treino em tempo real permitem uma flexibilidade incomparável em comparação com os métodos tradicionais, além da redução dos custos associados à logística e à infraestrutura de treinos físicos. Outro fator essencial é a inclusão de feedback imediato, que pode acelerar o processo de aprendizagem e melhorar a tomada de decisão em situações críticas. Isso resulta numa formação mais aprofundada e precisa, com impacto direto sobre a capacidade dos bombeiros em responderem a emergências de forma rápida e eficaz.
Contudo, a adoção plena destas tecnologias não está isenta de desafios. Barreiras técnicas, como a necessidade de redução dos custos de hardware e de software, bem como a aceitação por parte dos profissionais, ainda necessitam de ser superadas. Embora os custos de RV possam ser menores do que os de simulações físicas reais, continuam a representar um obstáculo para a implementação em larga escala e numa primeira fase de investimento. Para superar esses desafios, será essencial investir em pesquisas e desenvolvimentos contínuos, com o objetivo de melhorar a qualidade e o realismo das simulações, bem como de tornar a tecnologia mais acessível e adaptável às necessidades específicas de cada corporação de bombeiros.
Com base nesses aspetos, torna-se imprescindível traçar estratégias de implementação práticas que garantam que a RV possa ser integrada de forma eficiente nos programas de treino. Isso inclui, por exemplo, o desenvolvimento de parcerias entre empresas (tecnológicas) e corporações de bombeiros (autarquias) para criar soluções sob medida, que respondam às realidades operacionais e orçamentais das corporações. Além disso, os gestores de treino devem ser proativos em criar ambientes de aceitação para a RV, promovendo uma cultura de inovação e exploração das capacidades tecnológicas.
Finalmente, a continuidade de investigação nesta área será crucial não apenas para melhorar os aspetos técnicos da RV, mas também para avaliar o seu impacto a longo prazo na formação de bombeiros. Estudos futuros devem investigar detalhadamente os efeitos práticos da RV em situações reais de emergência, avaliando os ganhos em segurança, eficiência e eficácia no combate a incêndios e no resgate de vidas. Ao mesmo tempo, deve-se explorar como a RV pode ser integrada de forma complementar às metodologias de treino tradicionais, criando programas híbridos que maximizem os benefícios de ambas as abordagens.
Dessa forma, a implementação eficaz da RV no treino de bombeiros poderá, de facto, representar uma verdadeira revolução na preparação destes profissionais, contribuindo para operações mais seguras e eficientes, e, em última análise, para a proteção de vidas humanas e patrimónios.